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FICHAMENTO - LÉVI STRAUSS - O feiticeiro e sua magia e a eficácia simbólica (ANTROPOLOGIA II - UFRGS)

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O FEITICEIRO E SUA MAGIA E A EFICÁCIA SIMBÓLICA – CLAUDE LÉVI-STRAUSS 
Por algum motivo um jovem de uma tribo australiana irritou o Xamã de sua aldeia e, esse, diante de toda a comunidade lançou um feitiço sobre o jovem, profetizando que este iria perecer e morrer. No final de três semanas o jovem morreu. São muitos os relatos parecidos com este, onde é lançado um feitiço que se mostra eficiente. Lévi- Strauss afirma que isso pode ser explicado, e começa sua análise reconhecendo o efeito do feitiço, pois não há como negá-lo . Contudo, o mecanismo de como o mesmo se concretizou pode ser explicado cientificamente. 
O EFEITO DO FEITIÇO 
 O mecanismo que faz com que um feitiço funcione não se encontra em qualquer esfera sobrenatural, sendo um fenômeno terreno e essencialmente humano. O que Levi- Strauss percebe é que o mecanismo de efetivação, de concretização da magia é um mecanismo psico- social, onde são necessários três elementos: o feiticeiro, uma figura que goze desse status por parte da comunidade, que o reconheça como dotado de poderes místicos. O enfeitiçado, que deve também acreditar na existência de poderes sobrenaturais, na capacidade de efetivação da magia, e no poder do feiticeiro. E a comunidade, onde estão inseridos o feiticeiro e o enfeitiçado (sendo o palco de atuação destes) e que também deve acreditar nos fenômenos e reconhecer o poder do feiticeiro. Ocorrendo os três elementos, eles vão interagir em uma dinâmica própria. 
Desde Cannon se percebe sobre quais mecanismos psico-fsiológicos estão fundados os casos de morte por conjuro ou enfeitiçamento: um indivíduo consciente de ser objeto de um malefício é intimamente persuadido, pelas tradições de seu grupo, de que está condenado. Assim, a comunidade se retrai, se afasta do amaldiçoado como se ele fosse não só já morto, mas também fonte de mal para o grupo inteiro. O corpo social sugere a morte à vítima, que não mais pretende fugir do que acredita ser seu destino. Há a retirada súbita e total dos sistemas de referência do indivíduo, fornecidas pela conivência do grupo, até a sua inversão que de vivo e sujeito de direitos e obrigações, o proclama morto, objeto de ritos e proibições. Conseqüentemente, a integridade física não resiste à dissolução da personalidade social. No plano fisiológico, esses fenômenos se exprimem – na medida em que sentimentos como o medo, a cólera, a angústia ou a ansiedade resultam em efeitos reais no sistema nervoso simpático, podendo até mesmo prejudicar o funcionamento de órgãos vitais. A morte, assim, intervém – por meio da maldição ou do feitiço – sem que uma autópsia seja capaz de revelar a lesão. 
O FEITICEIRO DO BANDO NAMBIKWARA
É necessário examinar, por exemplo, que parte de credulidade e que parte de crítica intervém na atitude do grupo frente ao feiticeiro. Para o exame desse ponto, há o acampamento feito por Lévi-Strauss e sua equipe com um bando de índios nambikwara, no Brasil. Esse bando era composto por dois estratos dissidentes de outros grupos. Assim, um deles fixou o chefe civil do bando resultante, e outro deles fixou o feiticeiro. Uma tarde o feiticeiro sumiu, e só foi encontrado horas depois, acocorado, tiritando no frio, e sem seus ornamentos. A história do feiticeiro foi que uma tempestade (a primeira da estação) tinha se desencadeado à tarde, e que o trovão o havia conduzido a muitos quilômetros da tribo – que ele tinha voado nas asas do trovão até o Rio Ananás. Porém, a outra parte da tribo começou a formar uma versão diferente, de que o feiticeiro estava usando seu poder de pretexto para dissimular uma atitude profana – como se o feiticeiro houvesse usado a história do trovão como desculpa para se ausentar por algum motivo negativo. 
O importante é que as duas versões não são mutuamente exclusivas, mais do que o é, para nós, a interpretação da guerra como sobressalto da independência nacional, ou como o resultado das negociações de fabricantes de armas. As duas explicações são logicamente incompatíveis, mas nós admitimos que uma ou outra possa ser verdadeira, segundo o caso. Como as duas são plausíveis, passamos facilmente de uma à outra, segundo o momento. Essas interpretações divergentes não são evocadas pela consciência individual para que se faça uma análise objetiva, mas como dados complementares, que são requeridos por atitudes frouxas, fluidas e não elaboradas, e que têm um caráter de experiência. Essas experiências permanecem intelectualmente sem formas determinadas e afetivamente intoleráveis, a não ser que se incorporem a algum esquema presente na cultura do grupo e cuja assimilação é o único meio de objetivar os estados subjetivos, formular impressões informuláveis, e integrar experiências inarticuladas em sistema.
OS RELATOS DE STEVENSON ENTRE OS ZUNI DO NOVO MÉXICO
Um jovem, acusado de ser feiticeiro, acaba por reconhecer a veracidade da acusação e criar uma ficção para comprovar sua condição de mago. Não lhe é dada outra escolha, pois se perseverasse em negar a acusação seria morto. A direção em que ele se lança, como nos mostra Lévi-Strauss, é a da validação e ratificação de um sistema, no qual existe a feitiçaria, existe um lugar para um feiticeiro, lugar este que deve estar preferencialmente ocupado, pois dele eles dependem para curar seus doentes e amaldiçoar seus inimigos. Mas, para além destas funções necessárias e estratégicas, a presença do feiticeiro lhes traz conforto pois lhes assegura e reforça a construção lógica de mundo na qual leis e efeitos de magia conferem inteligibilidade ao caos. Não é a veracidade das palavra do menino que importa, mas a validade e continuidade de um sistema no qual os outros apóiam suas próprias vidas. Não se trata, pois, de questionar ou desnudar a mentira, mas, de ratificar sempre a verdade. Ou seja, é oferecida, pela mentira do menino, a verificação de um sistema, já que a escolha não é entre um sistema e outro, mas entre o sistema mágico e a desordem. Assim, o adolescente se transformou de ameaça para a segurança física de seu grupo, em garantia da coerência mental do mesmo. Até que ponto o herói não se tornou logrado por seu personagem, virando um feiticeiro? É uma questão plausível. 
A PSICOLOGIA DO FEITICEIRO
Os três elementos do complexo xamanístico (feiticeiro, doente e público) são indissociáveis, mas se organizam em dois pólos – o da experiência íntima do xamã, e o formado pelo consenso coletivo. As experiências do doente são o aspecto menos importante do sistema. O xamã não vira um grande feiticeiro por curar seus doentes, ele cura seus doentes porque vira um grande feiticeiro. Assim, somos conduzidos à outra extremidade do sistema, ao seu pólo coletivo. O fracasso de um xamã é efeito secundário do consenso social que desaparece. O problema fundamental é o da relação entre certo grupo e suas exigências. Não é nos cânticos ou poções do xamã que se dev3 procurar pela eficácia, mas no consenso, em sua eficácia simbólica. 
Tratando o doente, o xamã oferece ao auditório um espetáculo, que é sempre o de uma repetição, pelo xamã, do chamado, da crise inicial que forneceu a ele a revelação de seu estado. Já que, ao final da sessão, ele retorna ao estado normal, podemos dizer que ele abreagiu.
A psicanálise denomina abreação o momento decisivo da cura, quando o doente revive a situação inicial que está na origem de sua perturbação, antes de superá-la definitivamente. Neste sentido, o xamã é um abreator profissional. 
Porém, se a relação essencial é a entre o xamã e o grupo, é necessário colocar a questão no ponto de vista da relação entre os pensamentos normal e patológico. Em toda perspectiva não científica pensamento patológico e pensamento normal não se opõem, eles se completam, movimentam-se num universo que tentam compreender, mas não conseguem controlar completamente. Deste modo, o pensamento normal procura o significado de coisas que se recusam a revelar o seu significado. Por outro lado, o pensamento patológico, veste-se de interpretações emocionais, de forma aultrapassar uma realidade carente. Para uns, existe muita experiência concreta que não pode ser interpretada, enquanto que para outros, há muitos significados aparentes que não podem ser sustentados pela experiência concreta. E Lévi Strauss afirma que a mitologia de um xamã não corresponde a uma realidade objetiva. 
Pela colaboração coletiva à cura xamanística, um equilíbrio se estabelece entre essas as situações complementares do normal e do patológico. No problema da doença, que o pensamento normal não compreende, o psicopata é exortado pelo grupo a investir uma riqueza afetiva, (interpretações emocionais) privada de aplicação. Um equilíbrio aparece entre o que é uma oferta do xamã e uma procura do público. Mas é necessário que, por uma colaboração entre a tradição coletiva e a invenção individual, se elabore e se modifique continuamente uma estrutura que integre todos os elementos de uma situação onde feiticeiro, doente e público, representações e processos, encontram cada um o seu lugar. E é necessário que, do mesmo modo que o doente e o feiticeiro, o público participe da abreação, da experiência vivida de um universo de efusões simbólicas. Na ausência de todo controle experimental (da mitologia não objetiva, do pensamento patológico) é esta experiência e sua riqueza relativa em cada caso que pode permitir a escolha entre diversos sistemas possíveis, e acarretar a adesão popular a tal escola ou a tal prático.
XAMANISMO E PSICANÁLISE
Diferentemente da explicação científica, não se trata de ligar emoções e representações a uma causa objetiva, mas de articulá-las em um sistema – que vale porque permite a precipitação desses estados difusos. Graças as suas desordens complementares, o par feiticeiro-doente encarna para o grupo um antagonismo próprio a todo pensamento, mas cuja expressão normal permanece vaga e imprecisa: o doente é passividade, alienação de si mesmo; o feiticeiro é atividade, extravasamento de si mesmo. A cura põe em relação esses pólos opostos, assegura a passagem de um a outro, e manifesta, numa experiência total, a coerência do universo psíquico, ele próprio projeção do universo social.
A evolução que tende a transformar o sistema psicanalítico, de corpo de hipóteses científicas verificáveis experimentalmente em certos casos precisos, numa mitologia difusa que permeia a consciência do grupo (fenômeno objetivo que se traduz, no psicólogo, pela tendência subjetiva de estender ao pensamento normal um sistema de interpretações concebido em função do pensamento patológico, e a aplicar a fatos de psicologia coletiva um método adaptado ao estudo do pensamento individual) propicia estabelecer um paralelismo. Então o valor do sistema deixará de ser fundado em curas reais, as quais beneficiarão indivíduos particulares, mas sobre o sentimento de segurança trazido ao grupo pelo mito que fundamenta a cura, e o sistema popular em conformidade com o qual seu universo se encontrará reconstruído. 
Lévi-Strauss faz um paralelismo entre a prática do xamã e a do psicanalista. O que estas duas práticas têm comum, segundo o antropólogo, seria a eficácia simbólica: o fornecimento de um sistema de referência que possibilite com que interpretações contraditórias possam se integrar. Para o autor, a eficácia simbólica é o resultado de um processo que possibilita que um indivíduo considerado inadaptado ou instável por uma sociedade, possa ser persuadido de que está curado. Esta persuasão se estende ao grupo social que legitima esta prática como curadora e válida. 
Neste processo o próprio xamã / psicanalista, tendo passado por preparações e rituais que o autorizam socialmente a comportar-se como xamã, passa a considerar-se portador deste poder ou saber. O que Lévi-Strauss chama de eficácia simbólica é justamente a dinâmica do xamã e seu paciente, relação em que é possível observar a presença da magia de atribuição de um saber ou poder ao xamã que, segundo Strauss, também está presente na relação psicanalista e paciente. 
A idéia de eficácia simbólica apresentada por Lévi-Strauss permite pensarmos que o encontro entre paciente e psicanalista pressupõe a necessidade de ampliação da compreensão do paciente sobre si mesmo, e atribui ao analista o papel de ampliar a consciência do paciente e o poder de fazer isso. Assim, Lévi-Strauss faz uma analogia entre a técnica de cura utilizada pelo xamã e o processo de tratamento psicanalítico.
O autor aprofundou-se sobre os mecanismos psicológicos que estão subjacentes ao sistema social-mágico. Ele alega que conceitos podem ser produzidos simplesmente por pertencerem ao domínio da experiência, apesar de não serem necessariamente passíveis de se transformar em teoria, porque a lógica não é a única via de acesso ao conhecimento. Abaixo, descreve-se um relato antropológico, feito por Boas, sobre a religião de Kwakiutl, que ilustra os tópicos tratados anteriormente:
Quesalid, ainda que logicamente duvidasse da cura xamânica, após passar por algumas experiências, passou a duvidar menos da possibilidade de cura promovida por esta técnica, e menos ainda, da possibilidade dele mesmo vir a tornar-se um xamã. Porém, o fato de ter curado uma pessoa que sonhara que Quesalid o curava, e de comparar a sua técnica com a de outro xamã - que além de dissimular a cura de um modo menos sofisticado do que Quesalid, falhara em sua cura, fez com que Quesalid começasse a acreditar no xamanismo. Assim, abre-se um problema: dois sistemas diferentes de cura, que se sabe serem igualmente inadequados, oferecem, um em relação ao outro, um valor diferencial, e isto, ao mesmo tempo do ponto de vista lógico e do ponto de vista experimental. No sistema dos fatos as duas técnicas se confundem, enquanto em seu próprio sistema elas são desiguais, teórica e praticamente.
Apesar de existirem duas explicações contraditórias e incompatíveis para esta mudança de opinião por parte de Quesalid– a lógica que o fazia duvidar, e as experiências que o faziam acreditar – por serem igualmente plausíveis, é possível passar facilmente de uma a outra, conforme a ocasião, portanto elas podem coexistir obscuramente na consciência. O antropólogo nos adverte que as experiências cuja significação demonstra ser obscura, tornam-se intoleráveis, a não ser que seja possível incorporá-las a algum esquema presente na cultura do grupo, assimilando-as através de uma explicação. 
Por causa da falta de explicações, um xamã “deposto” por Quesalid (por ter sido derrotado frente à técnica mais sofisticada do mesmo) enlouqueceu. A assimilação é um meio de objetivar estados subjetivos e formular impressões informuláveis, sendo um meio de integrar experiências até então inarticuladas em um sistema, e de criar elos.
Entre o sistema mágico ou nenhum sistema, entre a ordem e a desordem, é preferível o sistema mágico. O ser humano é carente de explicações e sente-se desconfortável diante do caos, precisando atribuir significados às experiências, que somente desta maneira podem tornar-se compreensíveis. Segundo Lévi-Strauss, a Psicanálise seria um conjunto de saberes que visa, em última instância, a tornar-se um sistema explicativo frente à convicção de que os estados patológicos têm uma causa, e esta pode ser atingida. A cura é considerada pelo antropólogo como um recurso de readaptação do indivíduo ao grupo. 
Para essa readaptação, o grupo utiliza-se de rituais pré-definidos pela sua tradição. Deste modo, um sentimento de segurança é trazido ao grupo pelo mito que fundamenta a cura. O mito é, assim, um sistema de interpretações concebido em função do pensamento patológico. Para Strauss, só um doente pode sair curado (um inadaptado ou um instável podem sair persuadidos). 
Lévi-Strauss não acusa a psicanálise de má-fé, mas aponta para um risco: o de o tratamento reduzir-se à reorganização do universo simbólico do paciente, por causa das interpretações psicanalíticas. Segundo ele, é necessário ver nas condutas mágicas a resposta às situações que se revelam para a consciência por manifestações afetivas.A função simbólica é uma condição intelectual do homem, de que o universo nunca significa o bastante, já que o pensamento possui sempre muitas explicações e significações para um acontecimento. Muitas vezes estas explicações podem ser contraditórias e incompatíveis, o que não impede que coexistam na consciência.
Strauss considera que ambos os sistemas, o xamanismo e a Psicanálise, são linguagens que servem para dar uma tradução socialmente autorizada para fenômenos de natureza profunda e impenetrável, que estão além do poder humano de controle. Ele considera a teoria psicanalítica como um sistema de interpretações onde a invenção social desempenha um grande papel. Afirma, também, que este tipo de cura exige uma linguagem socialmente autorizada, que possa traduzir um pensamento mágico que traga um sistema de referências suficiente para aplacar a dúvida do doente, do curador e da sociedade, a respeito da suposta cura. A ab-reação, fenômeno comum às duas modalidades de cura, seria o reviver (como já citado) o momento decisivo da cura, quando o sujeito pode trazer à consciência, de modo intenso, a situação inicial que está na origem do que ele considera ser a sua perturbação.
Para o antropólogo, psicanalistas e pacientes compartilham de um ritual, e estabelecem um campo que é permeado pelo pensamento mágico, como os feiticeiros e a sua comunidade. Lévi-Strauss afirma que o universo psíquico é uma projeção do universo social, e que o sentimento de cura experimentado - tanto pelo sujeito que é submetido ao feitiço, quanto pelo sujeito que passa por uma análise - é trazido ao grupo pelo mito que fundamenta tanto a doença, quanto a cura.
O autor observa que é necessário ter sido analisado para ser analista, como é necessário ter passado por um processo para tornar-se feiticeiro. Diante da constatação do fato de que é preciso que o Psicanalista passe por um processo psicanalítico para que possa atender seus pacientes, é possível considerarmos válida a afirmativa do antropólogo: que o processo de cura precisa ser socialmente legitimado para que seja válido para o paciente.
A TRIBO CUNA – O PARTO 
O texto de Strauss terá como base outro texto, que trata de uma cultura sul-americana, publicada por Wassen e Holmer. A tribo Cuna, é localizada na república do Panamá. Nesses escritos, registrados por informante indígena, encontram-se os versos do canto realizado pelo Xamã numa situação específica, que raramente acontece nas tribos: o parto difícil. A intervenção do xamã nessas ocasiões ocorre quando há o fracasso das parteiras e, atendendo ao pedido delas, o xamã desloca-se até o local do parto para promover o canto, seu instrumento de cura.
O canto começa relatando uma série de acontecimentos. Desde o chamado da parteira até a chegada e os preparativos do xamã. Os nuchu são espíritos protetores que, no ritual, são materializados em imagens esculpidas em madeira e invocados para auxiliar o Xamã no momento do parto. O Xamã coloca os nuchu pela cabeça na entrada da morada de Muu, a força responsável pela criação do feto. Para os Cuna, o parto é difícil porque Muu extrapolou e se apossou da alma da futura mãe, o purba. A dor é causada por animais e monstros que estão no “caminho de Muu”, fazendo com que no Xamã os donos destes sejam mobilizados para recolhê-los e, assim, a dor cesse. Dessa forma, o canto visa a buscar o purba perdido que será recuperado depois de uma saga que inclui demolição de obstáculos e superação de animais ferozes e, por fim, acontece a grande competição entre o Xamã com seus aliados, os espíritos protetores, e Muu com suas filhas. Quando vencida, Muu liberta o purba da mãe e o parto acontece. Não é um combate contra Muu em si, que é a força que forma o feto, mas sim contra seus abusos. Quando os abusos de Muu são corrigidos, a amizade é restabelecida entre ela e o Xamã.
As expressões “caminho de Muu” e “morada de Muu” se referem, literalmente, à vagina e ao útero da mulher grávida.
Outro aspecto do ritual é a diferença entre purba e niga, onde niga é a força vital e purba é a alma. O niga, diferente do purba, não pode ser tirado de seu possuído, ele é um atributo do ser vivo enquanto o purba é inerente a cada parte do corpo. O niga é o organismo que existe do funcionamento combinado dos purbas. No caso deste ritual, o distúrbio patológico é causado pelo roubo do purba (a alma) do útero da mãe. 
O ritual xamânico descrito é útil para definir como representações psicológicas são invocadas para combater males fisiológicos bem definidos. O que o xamã faz é uma mediação puramente psicológica, já que não há remédios ou manipulação corporal. O que Strauss quer trazer com a análise do canto é que ele é uma estratégia de manipulação psicológica do órgão do doente, e é dessa manipulação que vem a cura. Strauss tenta identificar as características dessa manipulação pra depois buscar os objetivos e a eficácia da mesma.
A técnica da manipulação psicológica 
O que chama a atenção sobre o canto é que sendo um ritual que foca a batalha do xamã e dos espíritos protetores contra os excessos de Muu, que esta parte do combate seja pouco descrita. Tem-se pelo contrário, a descrição de detalhes que parecem secundários que são revividos minimamente mais de uma vez: a entrada da parteira, a saída dela, o chamado do xamã tudo isso é tratado de modo meticuloso. 
Fica claro para Strauss que a técnica usada pelo xamã é a de fazer com que a parturiente reviva os momentos desde o início daquele processo, provocando na gestante uma reflexão em meio ao caos da situação, quando a dor e a exaustão a preenchem. Essa situação introduz uma série de eventos cujo suposto palco é o corpo (os órgãos internos da paciente), então, o corpo passa da realidade para o mito e do mundo físico para o mundo fisiológico.
No desenrolar do canto usa-se um ritmo ofegante onde oscilam cada vez mais rapidamente temas míticos e fisiológicos, como se tratasse de abolir a distinção que tem esses dois mundos dentro da paciente, provocar uma fusão de sentidos, uma confluência entre os atributos. Repete-se no mito o que se encontra na realidade; “os nuchu sangram abundantemente, e suas dores assumem proporções cósmicas” e, dentro da mitologia, os nelegan penetram o caminho de Muu (a vagina).
Há a confusão entre mito e realidade. Assim, a técnica da narrativa visa restituir uma experiência real, da qual o mito só substitui os protagonistas, que penetram no orifício natural, de modo que a paciente possa se sentir realmente penetrada. E essa penetração será percebida para o bem da paciente, para que ela torne acessível ao pensamento consciente o foco das sensações indescritíveis e dolorosas. Essa viajem dos nelegan promove não só o caminho fisiológico, como a possibilidade de se enxergar afetivamente os focos de resistência para a realização do parto. Muitos obstáculos são simbolizados no mito e dão a explicação plausível da dor à paciente.
Os animais e monstros que moram no útero da parturiente são as dores personificadas (representam essa explicação da dor tão insuportável). O canto descreve esses bichos minuciosamente, de modo que o fato possa ser apreendido pelo pensamento consciente ou inconsciente. Além de animais os nelegan devem transpor obstáculos materiais, como fios, cortinas, umas serie de objetos, interpretadas como as mucosas do útero.
O canto termina depois do parto e havia começado antes da cura. Trata-se, assim, de construir um conjunto de sistemas. A cura tem de ser fechada e deve-se ter cuidado com o fim do ritual, para garantir sua eficácia, não comprometendo a paciente. Isso, mais para que os participantes tenham um sentimento de segurança sobre a cura do que por razão de mito, de conter a fuga de Muu.
A consistência da cura:
A cura consistiria em tornar pensável e inteligível uma situação dada inicialmente em termos afetivos, aceitáveis pelo espírito, mas que o corpo se recusa a tolerar (a dor). O que importa não é o mito fazer parte de uma realidade objetiva, mas a pacientecrer nele. E a paciente crê porque todo o ambiente simbólico é familiar a ela. Quando entende a dor se resigna, e a cura se processa.
Lévi-Strauss também faz um paralelo com a nossa sociedade. Quando estamos doentes e nos explicam que a dor é causada por micróbios nos resignamos e nos curamos. Mas o micróbio é algo externo a nós, sendo uma relação de causa e efeito. No caso da parturiente, a doença, o monstro é interno a ela. No consciente ou no inconsciente, há uma relação entre símbolo e coisa simbolizada, ou significante e significado. 
“O xamã fornece à sua paciente uma linguagem na qual podem ser imediatamente expressos estados não formulados, e de outro modo informuláveis. E é a passagem para essa expressão verbal (que ao mesmo tempo permite viver de forma ordenada e inteligível uma experiência atual, mas que sem isso seria indizível) que provoca o desbloqueio do processo fisiológico, isto é, a reorganização favorável da seqüência de cujo desenrolar a paciente é vítima”
É nesse sentido que está a correspondência entre psicanálise e xamanismo. As duas técnicas usam meios para trazer à consciência conflitos e resistências que antes estavam no inconsciente. E nos dois casos os conflitos se resolvem porque há o processo de ab-reação, quando a experiência vivida é retomada e reorganizada, para no momento posterior à catarse, produzir-se uma nova significação.
O xamã vive um duplo papel como psicanalista: como orador ele estabelece uma relação imediata com a consciência (e mediata com a inconsciência) do paciente. Além disso, é o xamã quem penetra nos órgãos, metaforicamente, para libertar os espíritos. Ele sai do papel de objeto da transferência e vira protagonista do conflito, no intermédio entre mundo orgânico e psíquico. Na psicanálise “o paciente vítima de uma neurose liquida um mito individual opondo-se a um psicanalista real. A parturiente supera uma desordem orgânica verdadeira identificando-se a um xamã miticamente transposto”. A cura xamânica é a mesma da psicanalítica, mas com inversão em todos os termos.
	
	XAMANISMO
	PSICANÁLISE
	AMBIGÜIDADE E PARALELISMOS
	Buscam provocar uma experiência, e ambas conseguem fazê-lo reconstituindo um mito que o paciente deve viver ou reviver.
	Buscam provocar uma experiência, e ambas conseguem fazê-lo reconstituindo um mito que o paciente deve viver ou reviver.
	CARACTERÍSTICA PARTICULAR
	É um mito social que o paciente recebe do exterior e que não corresponde a um estado pessoal antigo.
Fala: induz a ab reação, através do estreitamento entre mito e realidade - é o sujeito profissional na promoção da ab reação.
É o xamã que fala por sua paciente, interroga-a e ao mesmo tempo responde, de maneira inteligente, para conduzi-la ao que ela deve se convencer.
	É o mito individual que o paciente constrói com elementos tirados de seu passado.
Escuta: é o paciente, pela catarse vivida ao relembrar e reviver certas situações que, no processo de transferência, se dá a reorganização do conflito.
Depois da catarse é o psicanalista que fala, analisando e apontando os sentimentos e as intenções na situação específica.
	
	
	
Lévi-Strauss percebe que o mito tem fases e etapas sucessivas (entrada dos nelegan em fila indiana, depois de quatro em quatro, etc.) e que essas transformações do mito visam a provocar uma reação orgânica correspondente. É a eficácia simbólica que garante a harmonia do paralelismo entre mito e operações. Na cura da esquizofrenia, o médico realiza as operações, e o paciente produz seu mito. Na cura xamânica, o médico fornece o mito, e o paciente realiza as operações.
O Paralelismo entre Xamanismo e Psicanálise:
I. A idéia das doenças psicológicas como processos bioquímicos colocadas por Freud como uma previsão que se concretiza só minimiza as diferenças entre xamanismo e psicanálise: tornariam rigorosamente semelhantes as técnicas de cura de ambas que partiriam de uma transformação orgânica (no caso da psicanálise, na doença psíquica há a transformação das estruturas bioquímicas que tem efeitos sobre a psique e na que consiste numa reorganização estrutural, no caso do xamanismo há uma reorganização estrutural do físico através das estruturas mentais).
II. A eficácia simbólica: propriedade indutora de uma estrutura sobre outra que podem se edificar nos diversos níveis de ser vivo: processos orgânicos, psiquismo inconsciente e pensamento coerente.
III. A única diferença entre Xamanismo e psicanálise ficaria sendo, na hipótese das doenças psíquicas como processos químicos, que o mito psicanalítico é individual e o mito xamânico é coletivo.
IV. O mito é rechaçado pela psicanálise, que diz se ocupar só de situações reais.
V. É importante falar dos traumas psicanalíticos como situações nas quais há uma conversão histórica, social e psicológica em que o mito é experimentado.
 
VI. O mito é uma estrutura atemporal que precede o sujeito: quer dizer que a experiência individual não é o que conta. O que conta são as representações simbólicas em torno do mito.
VII. O trauma é uma cristalização afetiva dentro dessa estrutura mítica.
VIII. O inconsciente desempenha somente uma função, que é a função simbólica.
IX. Que ele é regido por leis que governam a estrutura inconsciente de todo e qualquer indivíduo.

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