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Hiperprolactinemia A hiperprolactinemia é caracterizada pela elevação sustentada dos níveis séricos de prolactina (PRL), hormônio polipeptídico sintetizado e secretado pelas células lactotróficas da adenohipófise. Em condições fisiológicas, a PRL exerce papel fundamental na indução e manutenção da lactação, além de modular o eixo promovendo alteração da pulsatilidade de GnRH, por meio da redução de reguladores chamados kisspeptinas. Os valores de referência da prolactina variam conforme o sexo e a fase do ciclo menstrual. Considera-se hiperprolactinemia valores >20 ng/mL em homens e ≥25-30 ng/mL em mulheres em pré-menopausa. Em mulheres grávidas, os níveis podem ultrapassar 200 ng/mL. Ressalta-se a importância de realizar pelo menos duas coletas em momentos distintos para confirmação do diagnóstico, dado o caráter pulsátil da secreção da PRL. Fisiopatologia A homeostase da secreção de PRL é regulada principalmente por mecanismos inibitórios mediados pela dopamina, sintetizada nos neurônios do núcleo arqueado do hipotálamo e liberada na eminência mediana. A dopamina atinge os lactotrófos via sistema porta-hipofisário, ligando-se a receptores do tipo D2, inibindo tanto a síntese quanto a secreção da PRL. Diferentemente da maioria dos hormônios hipofisários, a prolactina não possui um fator hipotalâmico estimulador bem definido. Contudo, fatores como TRH (hormônio liberador de tireotrofina), VIP (peptídeo intestinal vasoativo), estrogênios e até serotonina podem exercer efeito estimulatório secundário. A ausência ou bloqueio da ação dopaminérgica por medicamentos, lesões tumorais e/ou compressivas do infundíbulo leva a um estado de hiperprolactinemia por desinibição. Além disso, a própria expansão dos adenomas hipofisários pode comprimir o trato hipotálamo-hipofisário, interrompendo o aporte de dopamina e promovendo aumento dos níveis de PRL, ainda que o tumor não seja produtor primário desse hormônio. 100 EEtiologias A hiperprolactinemia pode ser classificada com base em sua origem. Causas fisiológicas Gravidez e lactação (aumento sustentado da PRL como preparação e manutenção da lactogênese). Estímulo mamilar persistente. Estresse físico ou emocional. Atividade física intensa. Sono, especialmente durante a fase REM. Causas farmacológicas Diversos fármacos interferem com o eixo dopaminérgico, aumentando os níveis séricos de PRL. Esses incluem: Antipsicóticos: Antipsicóticos de primeira geração são normalmente associados a hiperprolactinemia mais intensa (acima de 2 a 3 vezes o limite superior da normalidade). Como exemplo, tem-se risperidona, haloperidol e olanzapina. Antieméticos: Antieméticos bloqueadores do D2R estão entre as medicações mais comumente associadas à exemplo, tem-se metoclopramida, domperidona. Antidepressivos: Diferentes classes de antidepressivos podem induzir elevação de prolactina. Dentre a classe mais comum, os antidepressivos tricíclicos, tem-se a clorimipramina. Causas patológicas Prolactinomas: adenomas hipofisários secretores de PRL, representam a causa patológica mais comum. 101 EMacroadenomas hipofisários não-funcionantes: causam hiperprolactinemia por efeito de massa sobre a haste ou infundíbulo hipofisário, ao interromper o fluxo dopaminérgico, quando tradicionalmente denominados pseudo-prolactinomas. Hipotireoidismo primário: hiperprolactinemia foi encontrada em até 40% dos pacientes com hipotireoidismo primário e em até 22% daqueles com hipotireoidismo subclínico em alguns estudos. Doença renal crônica: comum em pacientes com DRC (23%-78%) e reconhecida como causa de hipogonadismo e disfunção sexual nesses pacientes, onde há redução da depuração, mas também aumento da secreção da PRL. Níveis de prolactina A magnitude da elevação da PRL pode ser útil para determinar a etiologia da hiperprolactinemia, pois valores mais altos são observados em pacientes com prolactinomas. Níveis de PRL > 150-250 ng/ml indicam a presença de um tumor secretor de prolactina (prolactinoma). Por outro lado, a maioria dos pacientes com hiperprolactinemia por compressão da haste hipofisária, induzida por fármacos ou doenças sistêmicas apresenta níveis de PRL 200-250 ng/ml, podendo alcançar 20.000 ng/ml ou mais. É também importante ressaltar que macroprolactinomas volumosos podem cursar com níveis de PRLManifestações Clínicas As manifestações clínicas resultam, principalmente, do hipogonadismo hipogonadotrófico induzido pela inibição da liberação de GnRH (hormônio liberador de gonadotrofinas), bem como dos efeitos diretos da PRL elevada nos tecidos-alvo e da massa tumoral, quando presente. Em mulheres Amenorreia secundária ou oligomenorreia. Infertilidade. Galactorreia (presente em 30-80% dos casos). Diminuição da libido. Secura vaginal, dispareunia. Osteopenia ou osteoporose. Em homens Redução da libido. Disfunção erétil. Infertilidade (devido à oligozoospermia). Ginecomastia (eventualmente com galactorreia). Massa muscular reduzida, diminuição da densidade mineral óssea. Efeito de massa tumoral (predomina no sexo masculino): cefaleia, comprometimento visual, dentre outros sintomas. Dosagem Laboratorial A dosagem sérica da prolactina é realizada, mais comumente, por imunoensaios quimioluminescentes ou eletroquimioluminescentes Para precisão diagnóstica, recomenda-se que a coleta seja realizada: Em jejum de pelo menos 8 horas. Após repouso de 30 minutos. 103 EPreferencialmente pela manhã, devido ao ritmo circadiano da secreção. Em casos de hiperprolactinemia moderada (valores 3 cm), deve-se considerar o efeito gancho ("hook effect"). Esse fenômeno é causado pelas altas concentrações de PRL com valores acima de 2.000 ng/mL, saturando os anticorpos em ensaio do "tipo sanduíche". Trata-se de um artefato laboratorial observado com alguns métodos laboratoriais ensaios imunorradiométricos e quimioluminescentes e que demanda um passo adicional, que seria a diluição da amostra de prolactina analisada. Nesses casos, a diluição da amostra confirma os níveis reais de prolactina, que acentuadamente elevados, confirmando tratar-se de um prolactinoma e não de adenoma clinicamente não-funcionante de grandes proporções. Outro cuidado importante é a detecção da macroprolactina, uma forma biologicamente inativa de PRL ligada a IgG, que por apresentar grande peso molecular, não atravessa os capilares sanguíneos e, por conseguinte, não exerce uma ação biológica. Acumula na circulação por ter seu clearance reduzido e está presente em até 25% dos casos de hiperprolactinemia assintomática, nos quais a investigação para o excesso de prolactina foi realizada em contextos inadequados e por razões desconhecidas; pode ser identificada com o uso do teste de precipitação com polietilenoglicol (PEG). Diagnóstico O diagnóstico da hiperprolactinemia requer uma abordagem etiológica sistematizada: 1. Confirmação laboratorial da elevação da PRL com pelo menos duas coletas. 2. História clínica detalhada, com atenção ao uso de fármacos e sintomas neurológicos. 3. Avaliação hormonal completa (TSH, T4 livre, LH, FSH, estradiol ou testosterona, função renal) para descartar causas secundárias. 4. Exames de imagem: A ressonância magnética (RM) com gadolínio da sela túrcica é o exame de escolha para avaliação de adenomas hipofisários. 104 LIGA EA Tomografia computadorizada (TC) pode ser utilizada quando RM estiver indisponível ou contraindicada. Tratamento O tratamento visa normalizar os níveis de PRL, restaurar a função gonadal, preservar a fertilidade, reduzir o volume tumoral (quando necessário) e aliviar sintomas relacionados. Tratamento farmacológico Agonistas dopaminérgicos são o tratamento de primeira linha: Cabergolina: mais eficaz e com menor incidência de efeitos adversos gastrointestinais. Dose inicial: 0,25-0,5 mg por semana, podendo ser titulada. Bromocriptina: alternativa mais acessível. Dose inicial: 1,25 mg/dia, com titulação progressiva. Em prolactinomas, esses agentes reduzem os níveis de PRL e o volume tumoral em >80% dos casos. Cirurgia Indicada nos casos de: Resistência ou intolerância ao tratamento farmacológico. Macroadenomas com compressão do quiasma óptico e perda visual rapidamente progressiva. Apoplexia hipofisária Desejo de gravidez em pacientes com adenomas que não respondem adequadamente ao tratamento clínico. Pacientes jovens com prolactinomas intrasselares que têm probabilidade alta de resolução cirúrgica (em centros de excelência em neurocirurgia) e manifestam esse desejo em decisão compartilhada. Radioterapia Reservada para tumores agressivos refratários à terapia medicamentosa e cirúrgica. 105 EPode levar à hipopituitarismo tardio e é geralmente evitada. UNIVERSITARI 106 E