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PRÁTICA PENAL OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM > Definir inquérito policial e suas etapas. > Descrever as principais diligências investigativas. > Explicar a atuação do advogado durante a fase investigativa. Introdução Você foi vítima de um crime e se dirige a uma delegacia de polícia para formalizar um boletim de ocorrência. Qual será, a partir de agora, o próximo passo a ser dado pelas autoridades policiais? Você já parou para imaginar como a polícia faz a investigação, a fim de identificar os suspeitos de autoria do crime? Isso é o que se chama de inquérito policial. É a partir dessa fase que as autoridades policiais realizam toda a parte investigativa, a fim de identificar os possíveis suspeitos, verificar como ocorreu o fato criminoso, qual foi a motivação do autor do crime, se houve concurso de agentes ou não, entre outros fatores. Além disso, o inquérito policial serve como assistência probatória e de infor- mações para que o Ministério Público possa oferecer a denúncia, nos casos de crimes de ação penal pública, ou o ofendido possa apresentar sua queixa-crime, nos casos de crime de ação penal privada. Ou seja, esse procedimento de caráter administrativo, apesar de não ser indispensável para a ação penal, serve de auxílio para toda a parte processual, pois todas as provas já estarão apresentadas na denúncia, não havendo necessidade, em certos casos, de haver distribuição de provas, oitiva de testemunhas, interrogatório do réu, entre outros procedimentos processuais. Neste capítulo, você vai estudar sobre o inquérito policial e suas etapas para o auxílio do processo penal em si, além de descrever como ocorre cada uma de Inquérito policial Guaracy do Nascimento Moraes suas etapas, quem é responsável por cada etapa e quais são os prazos em que elas devem ser cumpridas. Além disso, também serão descritas as principais diligências investigativas que deverão ser cumpridas pela autoridade policial, para que não haja qualquer tipo de vício e erro no inquérito policial. E, por fim, também será explicada como é a atuação dos advogados, sejam eles públicos ou particulares, no decorrer da fase investigativa da polícia e do Ministério Público. Definição Segundo Capez (2020), é possível conceituar o inquérito policial como o con- junto de procedimentos administrativos feitos pela polícia jurídica para que uma infração penal seja investigada, a fim de encontrar o seu autor e trazê-lo para entrar em juízo. Já Avena (2021) afirma que o inquérito policial é a fase em que diversas diligências são realizadas para que a polícia possa conter elementos capazes de apontar o autor do fato criminoso e da sua materialidade, autorizando que tanto o Ministério Público como o ofendido possam oferecer a respectiva denúncia ou queixa-crime ao juízo competente. De acordo com Reis e Gonçalves (2020), o inquérito policial é um pro- cedimento inicial de investigação realizado a partir do momento em que é cometido um delito penal, devendo o Estado, por meio da polícia judiciária, fazer uma busca de provas que comprovem a autoria e a materialidade do fato criminoso, para apresentá-las ao titular da ação penal, que pode ser tanto o Ministério Público como a vítima, para que eles possam fazer o oferecimento da denúncia ou da queixa-crime. Assim, após o seu oferecimento, toda a investigação feita na fase de inquérito policial acompanhará o processo, para que o juiz possa fazer a apreciação de todas as provas que foram coletadas nessa investigação. Reis e Gonçalves (2020, p. 51) afirmam, ainda, “[…] que o destinatário imediato do inquérito é o titular da ação (Ministério Público ou ofendido) e o destinatário mediato é o juiz”. O parágrafo 1º do artigo 2º da Lei nº 12.830/13 dispõe que o objetivo do inquérito policial é fazer a “[…] apuração das circunstâncias, da materialidade e da autoria das infrações penais” (BRASIL, 2013, documento on-line). Nesse sentido, Nucci (2021) ensina que os objetivos do inquérito policial são auxiliar no convencimento do Ministério Público sobre a autoria e a materialidade de uma determinada infração penal e coletar diversas provas, que podem desaparecer caso a polícia não haja com celeridade. Segundo Lopes Junior (2021, p. 50), o inquérito policial é uma espécie de investigação preliminar, que se trata de uma fase pré-processual e serve para os seguintes objetivos: Inquérito policial2 Busca do fato oculto: o crime, na maior parte dos casos, é total ou parcialmente oculto e precisa ser investigado para atingir-se elementos suficientes de autoria e materialidade (fumus commissi delicti) para oferecimento da acusação ou jus- tificação do pedido de arquivamento. Função simbólica: a visibilidade da atuação estatal investigatória contribui, no plano simbólico, para o restabelecimento da normalidade social abalada pelo crime, afastando o sentimento de impunidade. Filtro processual: a investigação preliminar serve como filtro processual para evitar acusações infundadas, seja porque despidas de lastro probatório suficiente, seja porque a conduta não é aparentemente criminosa. O processo penal é uma pena em si mesmo, pois não é possível processar sem punir e tampouco punir sem processar, pois é gerador de estigmatização social e jurídica (etiquetamento) e sofrimento psíquico. Daí a necessidade de uma investigação preliminar para evitar processos sem suficiente fumus commissi delicti. Os diversos doutrinadores penalistas são unânimes em afirmar que o inquérito policial possui natureza administrativa e não processual, haja vista que nem toda investigação resultará em um processo em si, pois podem ocor- rer situações em que elas serão inconclusivas, em que se verifique que não houve crime ou que o suposto autor do crime é inocente ou inimputável, ou, inclusive, situações nas quais o fato foi praticado com algumas das hipóteses de exclusão de ilicitude. Assim, como o inquérito policial é praticado pela polícia judiciária — uma autoridade administrativa, que serve para prestar auxílio ao judiciário —, essa fase não possui natureza processual. Entretanto, Avena (2021, p. 149) afirma que “[…] o inquérito policial não é imprescindível ao ajuizamento da ação penal,” pois, caso o Ministério Pú- blico ou o ofendido já possuam elementos suficientes para oferecimento da denúncia ou da queixa-crime, eles poderão já entrar com a ação penal, dispensando o inquérito policial. Características do inquérito policial Segundo Avena (2021), o inquérito policial possui diversas características, que devem ser seguidas para que ele seja considerado válido para o prossegui- mento da ação penal. A primeira característica é que ele é um procedimento por escrito, ou seja, todos os atos que são realizados no decorrer da inves- tigação criminal devem ser lavrados a termo e assinados pela autoridade competente, conforme dispõe também o artigo 9º do Código de Processo Penal. A segunda característica é a oficiosidade do inquérito policial, o qual, exceto nas ações penais públicas condicionadas à representação e nas ações penais privadas, pode ser instaurado de ofício pela própria autoridade policial, sem necessidade de provocação de alguma parte. Inquérito policial 3 Ainda de acordo com Avena (2021), outra característica do inquérito policial é que se trata de um procedimento oficial e somente pode ser realizado por agentes públicos, com poderes legítimos e garantidos pelo artigo 144 da Constituição Federal de 1988; ou seja, é vedado que as suas funções sejam passadas para agentes privados (BRASIL, 1988). Além disso, é um procedimento discricionário, em que a autoridade policial, na pessoa de seu delegado de polícia, possui liberdade para dirimir todas as diligências que entender serem necessárias para o curso da investigação. Contudo, Avena (2021, p. 156) afirma que não se deve confundir discriciona- riedade com arbitrariedade, “[…] pois não se poderia conceber que pudesse a autoridade policial adotar providências ao arrepio das normas constitucio-nais e infraconstitucionais que se mostrarem incidentes em determinados meios de prova”. Ou seja, caso um delegado precise de uma ordem de busca e apreensão domiciliar ou intercepção de ligações telefônicas, ele não pode providenciar essas medidas sem uma ordem judicial. Conforme Reis e Gonçalves (2020), outra característica do inquérito policial é o seu caráter inquisitivo, que significa que, no decorrer de sua tramitação, não estão presentes os princípios do contraditório e da ampla defesa, que são garantidos constitucionalmente em todos os processos judiciais, mas o inquérito policial é um procedimento de natureza administrativa, cujo objetivo motriz é a obtenção de provas e elementos capazes de auxiliar no oferecimento da denúncia ou da queixa-crime. Ademais, Avena (2021) também destaca que o inquérito policial é um procedimento indisponível; a autoridade policial não pode fazer o seu ar- quivamento pela sua própria iniciativa, conforme determina o artigo 17 do CPP, pois é necessário que ele seja encaminhado à autoridade judicial, que determinará se ele será arquivado ou não. E, por fim, o inquérito policial tem caráter sigiloso, cuja finalidade, conforme apontam Reis e Gonçalves (2020, p. 54) “[…] é a de evitar que a publicidade em relação às provas colhidas ou àquelas que a autoridade pretende obter prejudique a apuração do ilícito”. Início do inquérito policial O artigo 5º do CPP narra as formas como pode acontecer o início do inquérito policial, as quais dependem, principalmente, da natureza do crime que será investigado. Segundo Capez (2020), nos casos de crimes de ação penal pública incondi- cionada, o inquérito policial tem início de ofício, em que a autoridade policial tem a obrigação de instaurar uma investigação criminal, assim que souber da Inquérito policial4 ocorrência de um crime, independentemente de provocação de outra parte. Ou também pode ocorrer por requisição da autoridade judiciária ou do Ministério Público, cuja disposição está no artigo 40 do CPP, que determina que o juiz, no decorrer de um processo ou em situação semelhante, ao verificar que ocorreu o cometimento de um crime de ação pública, remeterá ao Ministério Público todos os documentos necessários para o oferecimento da denúncia, e caso não sejam suficientes para tanto, o Ministério Público irá enviar essa documentação à autoridade policial, a qual será responsável por fazer toda a investigação necessária para o oferecimento da denúncia. Já nos casos de crimes de ação penal pública condicionada à repre- sentação, Capez (2020) elenca que o inquérito policial se inicia por meio de representação da vítima ou de seu representante ou pelo ministro da justiça. No primeiro caso, o inquérito policial somente começa após a representação do ofendido ou de seu representante legal, sendo considerada a manifestação do princípio da oportunidade, na qual é dada a chance para a vítima de dar continuidade com a investigação criminal e possível responsabilização de seu culpado. Já o segundo caso acontece (1) quando o crime é cometido no exterior por brasileiro e (2) no caso de crimes contra a honra de chefe de governo estrangeiro ou contra o presidente da República. Nessas situações, o inquérito policial iniciará após a requisição do ministro da justiça, que será encaminhada ao chefe do Ministério Público, podendo oferecer desde já a denúncia ou solicitar diligências à autoridade policial. E, por fim, nas situações de crimes de iniciativa privada, a instauração do inquérito policial depende do requerimento por escrito ou verbal, que será reduzido a termo, da vítima ou de seu representante legal, que será a pessoa detentora da titularidade da ação penal privada. Além disso, Capez (2020) elenca as peças que são utilizadas para inaugurar a fase de inquérito policial: a portaria, o auto de prisão em flagrante, o requerimento do ofen- dido ou de seu representante legal, a requisição do Ministério Público ou da autoridade judicial e a representação da vítima ou de seu representante legal, ou requisição do ministro da justiça. Todas as formas de início do inquérito policial ocorrem por meio do recebimento de uma notitia criminis, que basicamente é o recebi- mento da notícia da ocorrência de uma infração penal, que pode ser classificada da seguinte maneira. 1) Notitia criminis de cognição direta (ou imediata, ou espontânea, ou inqua- lificada): a autoridade policial toma conhecimento da ocorrência de um crime de forma direta por meio de suas atividades funcionais rotineiras, Inquérito policial 5 como investigações realizadas por ela, por notícia veiculada na imprensa, por meio de serviços de disque-denúncia (denúncias anônimas ou não), etc. A propósito, é interessante anotar que a Lei nº 13.608/2018 dispôs sobre o serviço telefônico de recebimento de denúncias e sobre recompensa por informações que auxiliem nas investigações policiais, disciplinando que “[…] o informante que se identificar terá assegurado, pelo órgão que receber a denúncia, o sigilo dos seus dados” (art. 3.º) e que “[…] a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, no âmbito de suas competências, pode- rão estabelecer formas de recompensa pelo oferecimento de informações que sejam úteis para a prevenção, a repressão ou a apuração de crimes ou ilícitos administrativos”, inclusive o “pagamento de valores em espécie”. Essa modalidade de notitia criminis apenas pode conduzir à instauração de inquérito nos crimes de ação penal pública incondicionada. 2) Notitia criminis de cognição indireta (ou mediata, ou provocada, ou quali- ficada): a autoridade policial toma conhecimento da ocorrência do crime por meio de algum ato jurídico de comunicação formal do delito dentre os previstos na legislação processual. Esse ato pode ser o requerimento da vítima ou de qualquer pessoa do povo, a requisição do Ministério Público (acerca da requisição de inquérito pelo juiz remetemos o leitor ao tópico 4.4.1, b, deste capítulo), a requisição do ministro da justiça e a representação do ofendido. Nessa hipótese, dependendo da forma como se revestir a notitia criminis, poderá ela dar ensejo à instauração de inquérito nos crimes de ação penal pública incondicionada, de ação penal pública condicionada e de ação penal privada. 3) Notitia criminis de cognição coercitiva: ocorre na hipótese de prisão em fla- grante delito, em que a autoridade policial lavra o respectivo auto. Veja-se que o auto de prisão em flagrante é forma de início do inquérito policial, independentemente da natureza da ação penal. Entretanto, nos crimes de ação penal pública condicionada e de ação penal privada, sua lavratura apenas poderá ocorrer se for acompanhada, respectivamente, da representação ou do requerimento do ofendido (art. 5º, §§ 4º e 5º, do CPP). Diligências investigativas Após a instauração do inquérito policial, a autoridade policial determinará a realização de diversos procedimentos e diligências, que estão elencados num rol meramente exemplificativo disposto nos artigos 6º e 7º do CPP. Avena (2021, p. 170) reitera que “[…] no início da investigação e no seu curso, cabe ao delegado proceder ao que se vem chamando pela doutrina de juízo de prognose, a partir do qual decidirá quais as providências necessárias para elucidar a infração penal investigada,” e que, posteriormente, esse juízo fará um diagnóstico de todo o conjunto probatório que foi reunido no decorrer da investigação e dará as suas conclusões. Inquérito policial6 A primeira diligência a ser realizada pelas autoridades policiais é se dirigir até o local do crime, a fim de manter e conservar o estado das coisas que constam ali, até a chegada da perícia responsável. Segundo Reis e Gonçalves (2020, p. 62), esse dispositivo legal trata da “[…] preservação do local do crime, cuja finalidade é evitar que alterações feitas pelos autores do delito ou por populares possam prejudicar a realização da perícia”. Assim, essa diligência somente sefaz imprescindível se o lugar foi preservado, caso contrário, essa diligência perde totalmente a sua finalidade, se tornando irrelevante para o curso da investigação. Outra diligência importante para o curso investigativo do inquérito po- licial é a apreensão de todos os objetos que forem relevantes para o fato criminoso, após a sua liberação pelo perito criminal. Avena (2021) afirma que esses objetos não são necessariamente objetos ilícitos, podendo ser comuns e insignificantes, mas que podem representar um importante papel na investigação para descobrir a verdade sobre a infração penal cometida naquele local. Esses objetos apreendidos somente serão devolvidos se forem coisas restituíveis. E, conforme dispõem os artigos 118, 119 e 120, caput do CPP, não poderão ser devolvidos os objetos que ainda forem relevantes para a investigação, os objetos ilícitos, como a arma ilegal portada pelo autor do crime ou o bem adquirido como produto do crime, e aqueles cuja posse não é esclarecida (BRASIL, 1941, documento on-line): Art. 118. Antes de transitar em julgado a sentença final, as coisas apreendidas não poderão ser restituídas enquanto interessarem ao processo. Art. 119. As coisas a que se referem os arts. 74 e 100 do Código Penal não poderão ser restituídas, mesmo depois de transitar em julgado a sentença final, salvo se pertencerem ao lesado ou a terceiro de boa-fé. Art. 120. A restituição, quando cabível, poderá ser ordenada pela autoridade po- licial ou juiz, mediante termo nos autos, desde que não exista dúvida quanto ao direito do reclamante. A próxima diligência, disposta no CPP, trata da coleta de todas as provas necessárias para que se possa esclarecer sobre a ocorrência do fato, a sua autoria e sua materialidade. Para tanto, é permitido que se produza qualquer tipo de prova que seja relevante para o curso da investigação, como oitiva de testemunhas, avaliação de objetos, interceptação telefônica, quebra de sigilo bancário, entre outras. Contudo, Reis e Gonçalves (2020, p. 64) destacam que “[…] a lei não permite a produção de provas ilícitas ou obtidas com abuso de poder”. Além disso, outra diligência que é muito importante para a realização do inquérito policial é a oitiva da vítima, que, segundo Reis e Gonçalves (2020), é a pessoa que poderá dar maiores detalhes e esclarecimentos acerca da Inquérito policial 7 ocorrência do fato, assim como identificar quem o cometeu. O artigo 201, §1º do CPP, dispõe que, se a vítima for intimada para ser ouvida e não comparecer, ela poderá ser conduzida para prestar esclarecimentos à autoridade policial. Outra diligência que também é importante é a oitiva do indiciado, que será feita conforme as regras do interrogatório judicial disposto nos artigos 185 a 196 do CPP, cujo termo deverá ser assinado por duas testemunhas. Não há uma obrigação de essa diligência ser realizada com a presença do advogado, porém, se o indiciado tiver providenciado um advogado para representá-lo, este deverá comparecer durante todo o ato, sob pena de nulidade. Reis e Gonçalves (2020) afirmam, ainda, que a autoridade policial não pode proibir que o advogado acompanhe o interrogatório, mas ele não poderá interferir no andamento do ato com perguntas e interrupções. Além disso, o artigo 5º inciso LXIII da CF/88 garante que o indiciado tem o direito de permanecer calado durante o interrogatório, sem prejuízo ao seu julgamento. Um fator relevante para o interrogatório do indiciado é que quando ele é menor de 21 anos não é mais necessária a nomeação de um curador especial para esse ato, pois o Código Civil de 2002 determinou que a maioridade civil se atinge aos 18 anos de idade, sendo assim, somente será nomeado um curador aos indiciados abaixo dessa faixa etária. Ademais, Reis e Gonçalves (2020) destacam que o ato de indiciamento é um ato formal, na qual a pessoa suspeita passa para a situação de indiciado, por meio de um ato do delegado de polícia, que deverá fundamentar a sua decisão por meio de uma análise técnica e jurídica das circunstâncias do fato, indicando os motivos que o levaram a indicar o suspeito como o autor do fato criminoso. A diligência seguinte é o reconhecimento de pessoas, coisas e acareações. Avena (2021, p. 173) afirma que o reconhecimento de pessoas se trata do “[…] ato pelo qual não apenas as vítimas e testemunhas, mas também acusados e investigados identificam terceira pessoa”. O artigo 226 do CPP dispõe as formalidades que devem ser obedecidas no momento do reconhecimento de pessoas (BRASIL, 1941, documento on-line): Art. 226. Quando houver necessidade de fazer-se o reconhecimento de pessoa, proceder-se-á pela seguinte forma: I - a pessoa que tiver de fazer o reconhecimento será convidada a descrever a pessoa que deva ser reconhecida; Il - a pessoa, cujo reconhecimento se pretender, será colocada, se possível, ao lado de outras que com ela tiverem qualquer semelhança, convidando-se quem tiver de fazer o reconhecimento a apontá-la; III - se houver razão para recear que a pessoa chamada para o reconhecimento, por efeito de intimidação ou outra influência, não diga a verdade em face da pessoa que deve ser reconhecida, a autoridade providenciará para que esta não veja aquela; Inquérito policial8 IV - do ato de reconhecimento lavrar-se-á auto pormenorizado, subscrito pela autoridade, pela pessoa chamada para proceder ao reconhecimento e por duas testemunhas presenciais. Parágrafo único. O disposto no III deste artigo não terá aplicação na fase da instrução criminal ou em plenário de julgamento. Já o reconhecimento de coisas trata da identificação dos instrumentos uti- lizados para a prática do ato criminoso, como a arma empregada para o ato, as coisas que auxiliaram na sua prática, como o veículo usado pelo indiciado para se locomover até o local da prática do ato, e os objetos que constituem o produto do crime, como o colar roubado, o celular furtado, etc. Segundo Avena (2020, p. 173), a acareação “[…] é o procedimento que consiste em colocar frente a frente pessoas que já prestaram depoimentos em momento anterior, para que esclareçam – me- diante confirmação ou retratação – aspectos que se evidenciaram contraditórios”. Ou seja, o objetivo principal da acareação é identificar quais pessoas prestaram falso depoimento, para que possíveis contradições sejam esclarecidas. A realização do exame de corpo delito e de quaisquer outras perícias é diligência imprescindível quando houver qualquer tipo de vestígios, não podendo ser substituída pela confissão do acusado, conforme dispõe o artigo 158 do CPP. Reis e Gonçalves (2020) exemplificam algumas perícias necessárias nessas situações, como a autópsia em crimes de homicídio, o exame de eficácia da arma de fogo para os crimes do Estatuto do Desarmamento, o exame para verificar a falsidade do documento que alega ser falso, as perícias no local do furto para verificar se ocorreu alguma qualificadora como rompimento de obstáculo ou escalada, entre outros. A próxima diligência é a emissão de ordem para identificar o indiciado pelo processo datiloscópico e, se possível, juntar a sua folha de anteceden- tes. Contudo, Reis e Gonçalves (2020) destacam que essa diligência se torna desnecessária, se o indiciado já apresentar a sua documentação válida que permita a sua identificação. Nesse sentido, o artigo 2º da Lei nº 12.037/09 elenca os documentos que servem para a identificação civil do indivíduo (BRASIL, 2009a, documento on-line): Art. 2º A identificação civil é atestada por qualquer dos seguintes documentos: I – carteira de identidade; II – carteira de trabalho; III – carteira profissional; IV – passaporte; V – carteira de identificação funcional; VI – outro documento público que permita a identificação do indiciado. Parágrafo único. Para as finalidades desta Lei, equiparam-se aos documentos de identificação civis os documentos de identificação militares. Inquérito policial 9 Imagine uma pessoa em situação de rua que cometeum homicídio doloso contra uma mulher e é pega em flagrante por policiais mili- tares que estão passando na via pública no exato momento da ocorrência do fato criminoso. Como esse indivíduo está em situação de rua, ele não possui quaisquer documentos que permitam a sua identificação de imediato; assim, é permitido que a polícia judiciária realize o processo datiloscópico, na qual são coletadas as impressões digitais de todos os dedos e tiradas fotografias do indivíduo, cujos registros serão juntados aos autos do inquérito policial. A penúltima diligência elencada no rol do Código de Processo Penal é a averiguação da vida pregressa do indiciado, que, segundo Avena (2021, p. 175), deverá verificar “[…] o ponto de vista individual, familiar e social, sua condição econômica, sua atitude e estado de ânimo antes e depois do crime e durante ele, e quaisquer outros elementos que contribuírem para a apreciação do seu temperamento e caráter”. A última diligência do artigo 6º do CPP é a coleta de informações sobre a existência de filhos do indiciado, suas respectivas idades, possíveis deficiências e responsável pelos cuidados. O objetivo dessa diligência, conforme destaca Avena (2021), é informar às outras autoridades, como o juiz e o Ministério Público, e ao advogado constituído para representar o indiciado, sobre a existência de filhos, menores ou portadores de alguma deficiência, para que as medidas necessárias para que eles não fiquem sem assistência e sem responsável possam ser adotadas. Já o artigo 7º do CPP trata da reprodução simulada, que é uma diligência feita no decorrer do inquérito policial para que ocorra a reconstituição do crime, que é feita com a colaboração do réu, da vítima e de eventuais testemu- nhas, se possível, cujo objetivo é verificar se todas as versões dadas sobre o fato são plausíveis. De acordo com Avena (2021, p. 188), essa diligência é uma importante fonte de prova, principalmente nos crimes em que é empregada violência à vítima, podendo ser realizada durante o inquérito policial, a partir da iniciativa do próprio delegado de polícia, ou por requisição do Ministério Público ou dos interessados. Como estudado no decorrer do capítulo, o inquérito policial é um procedimento investigativo de natureza administrativa, assim, é possível dizer que o juiz não tem participação alguma durante o curso da in- vestigação criminal? Não, pois o juiz irá atuar como o garantidor dos direitos do acusado no processo penal, conforme determina o artigo 3º do CPP. Assim, é possível afirmar que durante o inquérito policial, o juiz não possui uma posição inquisitória, não solicita provas às partes e tampouco produz prova de ofício. Inquérito policial10 Nessa fase pré-processual, se manterá inerte e somente agirá mediante invo- cação do Ministério Público ou da autoridade policial, para que possa emitir mandados e autorizações, que auxiliarão no curso investigativo. Atuação do advogado durante o inquérito policial O artigo 133 da CF/88 determina que “[…] o advogado é indispensável à ad- ministração da justiça, sendo inviolável por seus atos e manifestações no exercício da profissão, nos limites da lei”. Nesse sentido, Lopes Júnior (2021) afirma que a regulamentação desse direito constitucional do advogado está disposta no Estatuto da Advocacia, que apresenta diversas garantias vincu- ladas às atividades dos advogados durante a realização do inquérito policial. Ademais, Lopes Júnior (2021) elenca algumas atividades do advogado que são importantes no curso do inquérito policial, destacadas do artigo 7º do Estatuto da Advocacia: III – comunicar-se com seus clientes, pessoal e reservadamente, mesmo sem procuração, quando estes se acharem presos, detidos ou recolhidos em estabe- lecimentos civis ou militares, ainda que considerados incomunicáveis; VI. a) – ingressar livremente nas salas e dependências de audiências, secretarias, cartó- rios, ofícios de Justiça, serviços notariais e de registro, e, no caso de delegacias e prisões, mesmo fora da hora de expediente e independente da presença de seus titulares; XIII – examinar, em qualquer órgão dos Poderes Judiciário e Legislativo, ou da Administra ção Pública em geral, autos de processos findos ou em andamento, mesmo sem procuração, quando não estejam sujeitos a sigilo, assegurada a ob- tenção de cópias, podendo tomar apontamentos; XIV – examinar, em qualquer instituição responsável por conduzir investigação, mesmo sem procuração, autos de flagrante e de investigações de qualquer natu- reza, findos ou em andamento, ainda que conclusos à autoridade, podendo copiar peças e tomar apontamentos, em meio físico ou digital; XV – ter vista dos processos judiciais ou administrativos de qualquer natureza, em cartório ou na repartição competente, ou retirá-los pelos prazos legais; XXI – assistir a seus clientes investigados durante a apuração de infrações, sob pena de nulidade absoluta do respectivo interrogatório ou depoimento e, sub- sequentemente, de todos os elementos investigatórios e probatórios dele de- correntes ou derivados, direta ou indiretamente, podendo, inclusive, no curso da respectiva apuração: a) apresentar razões e quesitos. (LOPES JUNIOR, 2021, p. 81; BRASIL, 1994, documento on-line). Outra questão importante para a atuação do advogado durante a rea- lização do inquérito policial é que o sigilo não é aplicado para o advogado Inquérito policial 11 devidamente constituído como representante do indiciado, ou seja, ele po- derá ter acesso a todas as provas, peças e informações obtidas durante o procedimento investigativo, sendo-lhe permitida a extração de cópias ou a expressão de quaisquer apontamentos sobre as questões trazidas na investigação, conforme dispõem os parágrafos 11 e 12 do artigo 7º do Esta- tuto da Advocacia. Esse direito também é defendido pelo Supremo Tribunal Federal, que determinou, em sua Súmula Vinculante nº 14, que “[…] é direito do defensor, no interesse do representado, ter acesso amplo aos elementos de prova que, já documentados em procedimento investigatório realizado por órgão com competência de polícia judiciária, digam respeito ao exercício do direito de defesa” (BRASIL, 2009b, documento on-line). Ainda nesse sentido, Lopes Júnior (2021, p. 81) destaca alguns aspectos interessantes sobre a atuação do advogado do decorrer do inquérito policial, elencados a seguir: É um direito do defensor: portanto, pode ser mantido o sigilo externo (para os meios de comunicação, por exemplo). No interesse do representado: logo, pode ser exigida procuração para comprovação da outorga de poderes e também justificar a restrição de acesso aos elementos que sejam do interesse de outros investigados não representados por aquele defensor (isso pode ser relevante na restrição de acesso aos dados bancários ou fiscais de outros investigados que não são representados por aquele advogado). Esse interesse é jurídico e vinculado à plenitude do direito de defesa. Ter acesso amplo aos elementos de prova já documentados: o acesso é irrestrito aos atos de investigação (há uma histórica confusão conceitual, pois não são, propriamente, atos de prova, mas meros atos de investigação), desde que já do- cumentados. Com isso, preserva-se o necessário sigilo aos atos de investigação não realizados ou em andamento, como, por exemplo, a escuta telefônica em andamento ou um mandado de prisão ou busca e apreensão ainda não cumprido. Procedimento Investigatório realizado por órgão com competência de polícia judiciária: o mandamento dirige-se, obviamente, à polícia judiciária e aos atos realizados no curso do inquérito policial. Contudo, vislumbramos plena aplicação nas eventuais investigações feitas pelo Ministério Público ou mesmo no âmbito de CPIs ou sindicâncias administrativas. Significa dizer que o acesso deve ser garantido a qualquer procedimento investigatório, ainda que realizado por outras autoridades, mas que naquele ato equiparam-se à polícia judiciária no que diz res-peito ao conteúdo e finalidade dos atos praticados. Não haveria sentido algum em assegurar – acertadamente – o acesso do advogado aos autos do inquérito policial, mas não ao procedimento investigatório similar realizado pelo Ministério Público, apenas porque a investigação preliminar é levada a cabo por outro agente estatal. No entanto, mesmo com essas garantias protegidas pela CF/88, pela lei e pela jurisprudência do STF, caso seja negado ao advogado o direito de ter vista aos documentos e informações levantadas no inquérito policial, ele Inquérito policial12 poderá apresentar reclamação ao Supremo Tribunal Federal, conforme dispõe o parágrafo 3º do artigo 103-A da CF/88, uma vez que um ato administrativo foi contrário à uma disposição sumulada pelo STF. Lopes Júnior (2021) afirma que também é permitido que o advogado inter- ponha, primeiramente, mandado de segurança ao juízo de primeira instância, quando a negativa for da autoridade policial, ou ao respectivo tribunal, quando o ato emanar de juiz. Ainda assim, o STF e o STJ admitem também que seja interposto o habeas corpus para uma tutela dessa natureza, apesar de o remédio constitucional mais indicado nessa situação ser o mandado de segurança. Segundo Avena (2021), também fazem parte da atuação do advogado durante o curso do inquérito policial o requerimento de diligências e a pos- sibilidade de acompanhar e de intervir na produção de provas. É permitido ao advogado do indiciado que solicite a realização de quaisquer diligências, para que seja possível juntar determinados elementos relevantes para a defesa do investigado. No entanto, é importante destacar que a autoridade policial, em regra, não é obrigada a deferir os pedidos de realização de diligências apresentadas pelos defensores dos indiciados; mas, no caso do artigo 184 do CPP, não é permitido que a autoridade policial negue a realização de exame de corpo de delito requerida pelo advogado da parte interessada. Ainda é possível que o advogado acompanhe e intervenha, quando pos- sível e permitido, na produção de eventuais provas, pois conforme o artigo 7º inciso XXI do Estatuto da Advocacia, é direito do advogado assistir seu cliente investigado durante a apuração de infrações, sob pena de nulidade absoluta de todos os elementos investigativos; no entanto, Avena (2021, p. 199) chama a atenção para o fato de que “[…] tal previsão legislativa não implica dizer que a investigação criminal deixou de ser inquisitiva e que nela deve o advogado intervir sempre, de modo obrigatório”. Essa disposição legal assegurou o direito do advogado de assistir os interesses do indiciado, não podendo esse direito ser impedido por quaisquer autoridades. Neste capítulo, você teve a oportunidade de estudar sobre o inquérito policial e sua importância para a investigação criminal e o processo penal. Assim, foram apresentados os conceitos de diferentes doutrinadores sobre o inquérito policial e diversas características que influenciam no curso de suas atividades. Além disso, também foram vistas as hipóteses em que inicia a realização do inquérito policial em casos de crimes de ação penal pública incondicionada, condicionada à representação e privada. Também foram listadas as principais diligências necessárias para que a investigação crimi- Inquérito policial 13 nal ocorra da maneira correta e lícita e, por fim, foi demonstrada a atuação do advogado no curso do inquérito policial, o qual atua para proteger os interesses do indiciado. Você teve a chance de: � conhecer o conceito de inquérito policial e suas diversas características; � saber como funciona o início do inquérito policial e quais as peças que são necessárias para começar esse procedimento investigativo; � estudar as diversas diligências importantes para que a investigação criminal ocorra da maneira correta e lícita; e � entender o papel do advogado no curso da fase pré-processual do inquérito policial. Referências AVENA, N. Processo penal. 13. ed. Rio de Janeiro: Método, 2021. 1512 p. BRASIL. [Constituição (1988)]. Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília: Presidência da República, 1988. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/ constituicao/constituicao.htm. Acesso em: 25 jun. 2021. BRASIL. Decreto-lei nº 3.689, de 3 de outubro de 1941. Código de Processo Penal. Rio de Janeiro: Presidência da República, 1941. Disponível em: http://www.planalto.gov. br/ccivil_03/decreto-lei/del3689compilado.htm. Acesso em: 25 jun. 2021. BRASIL. Lei nº 8.906, de 4 de julho de 1994. Dispõe sobre o Estatuto da Advocacia e a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB). Brasília: Presidência da República, 1994. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8906.htm. Acesso em: 25 jun. 2021. BRASIL. Lei nº 12.037, de 1º de outubro de 2009. Dispõe sobre a identificação criminal do civilmente identificado, regulamentando o art. 5º, inciso LVIII, da Constituição Federal. Brasília: Presidência da República, 2009a. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ ccivil_03/_ato2007-2010/2009/lei/l12037.htm. Acesso em: 25 jun. 2021. BRASIL. Lei nº 12.830, de 20 de junho de 2013. Dispõe sobre a investigação criminal conduzida pelo delegado de polícia. Brasília: Presidência da República, 2013. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2013/lei/l12830.htm. Acesso em: 25 jun. 2021. BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Súmula Vinculante 14. Brasília: STF, 2009b. Disponível em: http://www.stf.jus.br/portal/jurisprudencia/menuSumario.asp?sumula=1230. Acesso em: 25 jun. 2021. CAPEZ, F. Curso de processo penal. 27. ed. São Paulo: Saraiva, 2020. 903 p. LOPES JUNIOR, A. Direito processual penal. 18. ed. São Paulo: Saraiva, 2021. 1248 p. NUCCI, G. S. Curso de direito processual penal. 18. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2021. 1176 p. REIS, A. C. A.; GONÇALVES, V. E. R. Direito processual penal esquematizado. 9. ed. São Paulo: Saraiva, 2020. 848 p. Inquérito policial14 Leituras recomendadas ANSELMO, M. A. Passo a passo dos atos praticados no inquérito policial. Consultor Jurídico, São Paulo, 22 ago. 2017. Disponível em: https://www.conjur.com.br/2017-ago-22/ passo-passo-atos-praticados-inquerito-civil. Acesso em: 25 jun. 2021. LINHARES, R. Inquérito policial: o que é e para que serve? Politize!, Florianópolis, 10 nov. 2020. Disponível em: https://www.politize.com.br/inquerito-policial/. Acesso em: 25 jun. 2021. Os links para sites da web fornecidos neste capítulo foram todos testados, e seu funcionamento foi comprovado no momento da publicação do material. No entanto, a rede é extremamente dinâmica; suas páginas estão constantemente mudando de local e conteúdo. Assim, os editores declaram não ter qualquer responsabilidade sobre qualidade, precisão ou integralidade das informações referidas em tais links. Inquérito policial 15