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22 Anais do I Simpósio sobre Estudos de Gênero e Políticas Públicas, ISSN 2177-8248 Universidade Estadual de Londrina, 24 e 25 de junho de 2010 GT 6. Gênero e Educação – Coord. Adriana de Jesus Notas sobre políticas publicas de gênero e educação ٭ Gustavo Piovezan∗∗ I – Nota geral O problema da representação política do sujeito constitui-se como tema foco da análise de Judth Butler (2008) em sua obra Problemas de gênero: feminismo e subversão da identidade. De modo geral, Butler (2008) afirma que o sujeito contemporâneo, face às diversas identidades que constroem aquilo que ele é, enfrenta dificuldades no plano da representação política, sobretudo naquilo que diz respeito às questões de gênero. Com base neste pressuposto, propomo-nos a uma reflexão sobre o sujeito e sua constituição na pós-modernidade, ressaltando a especificidade da educação e a formação de políticas públicas ou ações afirmativas brasileiras. Nossa análise concentra-se prioritariamente nos Parâmetros Curriculares Nacionais (doravante PCN) e o ideal de representação política no que diz respeito às questões pragmáticas de uma política de direitos sexuais e de gênero, isto é, tentar estabelecer conexões entre a prática e a aplicação das políticas afirmativas nas questões LGBT. O Artigo estrutura-se em três momentos distintos, no primeiro apontamos aspectos do gênero e do sujeito na pós- modernidade, tomando como ponto de partida o problema da representação ٭ Este artigo compreende parte de uma discussão que desenvolvi em minha dissertação de mestrado, no Programa de Pós-graduação em Educação para a Ciência e a Matemática, na Universidade Estadual de Maringá – PR. Entretanto, aqui, também se encontram idéias que desenvolvi numa comunicação apresentada no XIV Simpósio de Filosofia Moderna e Contemporânea, intitulada Ensino de filosofia e educação sexual: uma análise retórica do projeto folhas. ∗∗ Doutorando em Ensino de Ciências e Matemática. Endereço eletrônico: gpiovezan@gmail.com 23 proposto por Butler (2008). O segundo momento se caracteriza numa reflexão sobre a sexualidade no plano político e prático da educação brasileira, focando nossa reflexão utilizaremos exemplos de livros didáticos de ciências, biologia e filosofia. Por fim, no terceiro momento, alguns apontamentos que caracterizam as práticas discursivas da relação entre gênero, sexualidade e educação. II – Nota sobre gênero, sexualidade e política O pensamento dicotômico masculino/feminino, bem como a representação de gênero é verificável na sociedade ocidental desde a Grécia Antiga, na qual a mulher sequer era considerada como cidadã da polis grega1. Tal afirmação, antes de ser anacrônica pretende-se analítica, pautada, sobretudo, no pressuposto de que cada época possui seu status quo em todas as esferas daquilo que consideramos o que é ser humano. Neste sentido, a Grécia Antiga revela-se uma sociedade que compreende uma divisão sexual do trabalho, diversa de outros períodos históricos. Cada período e época constituem-se em uma determinada maneira de representar e viver a realidade. O aspecto essencial que se deseja ressaltar é: sempre houve uma distinção entres seres humanos fundamentada na diferença biológica do corpo, tal diferença, contudo, não compreende um ideal daquilo que seria uma política de direitos humanos. Neste contexto, após os anos 1960, a sociedade ocidental iniciou um processo de modificações estruturais que até então não havíamos presenciado. Os movimentos feminista e LGBT merecem, aqui, uma atenção especial. Isto porque foi com estes movimentos, bem como seu empreendimento intelectual em prol de questões de identidade sexual e de gênero, que se percebeu uma grande fratura em nossa política, a saber, a representação do gênero compreendido como vivência corporal destituída de significados (BUTLER, 2008; LOURO, 1997). A postura teórica defendida pela academia é, em partes, mantida na perspectiva dicotômica. Prova disso são as pesquisas que se desenvolveram no desenrolar da história da biologia nos séculos XIX e XX, cuja finalidade era naturalização e manutenção do patriarcado (LEWONTIN et all, 1987). Por outro lado, com a emergência dos estudos culturais e de gênero, a ordem social foi questionada. Numa rejeição dos estudos sociais que reafirmavam a heterossexualidade como uma norma, alguns teóricos e 1 Na obra Assembléia de mulheres, de Aristófanes (1996), encontra-se uma representação da tomada de poder pelas mulheres por meio do travestimento. Elas tomam os lugares dos maridos na Assembléia disfarçadas de homens. 24 teóricas introduziram um raciocínio de caráter minorizante a favor da subversão e transgressão dos valores então vigentes. A homossexualidade e os sujeitos que vivenciam este modo de sexualidade humana constituem invenções do século XIX. Tais sujeitos foram categorizados e nomeados como fora da norma, assim, o segredo e ou a segregação social eram as opções a se escolher para a experiência homossexual. Contudo, alguns homens e mulheres, opondo-se à sexualidade normativa, decidiram viver fora de seus limites. Neste sentido, numa linguagem foucaultiana, os discursos produzidos, no ocidente, pelo Estado, Igreja, grupos conservadores e grupos emergentes atribuíram diferentes sentidos à suas (MISKOLCI, 2009; FOUCAULT, 1988). Este tipo de ação política empreendida por aqueles que podemos considerar militantes dos Direitos Sexuais assume um caráter crítico, iniciando debates entorno da heterossexualização da sociedade. Neste momento, intelectuais com afinidades ao movimento de libertação sexual publicam ensaios em jornais e revistas. Surge, então, a ideia de uma identidade homossexual, a qual, conforme indica Guacira Lopes Louro (2001, p. 543): […] supunha demarcar suas fronteiras e implicava numa disputa quanto às formas de representá-la. Imagens homofóbicas e personagens estereotipados exibidos na mídia e nos filmes são contrapostos por representações ‘positivas’ de homossexuais. Reconhecer-se nessa identidade é questão pessoal e política. O dilema entre ‘assumir-se’ ou ‘permanecer enrustido’ (no armário – closet) passa a ser considerado um divisor fundamental e um elemento indispensável para a comunidade. Na construção da identidade, a comunidade funciona como o lugar da acolhida e do suporte – uma espécie de lar. Todavia, o surgimento da Aids e o modo como o movimento homossexual foi estruturado contribuíram para uma crise do conceito de identidade. Isto porque, já não era somente gays ou lésbicas que reivindicavam a igualdade de direitos, antes, eram bissexuais, lésbicas e gays, negros e brancos. E mais, as mulheres lésbicas argumentavam, sobretudo, que os ideais do movimento homossexual estavam moldados sob a égide de uma cultura masculina, branca e de classe média. Em meio a este contexto, as teorizações de Foucault no que diz respeito à sexualidade foram diretamente relevantes para uma melhor compreensão da sexualidade. O primeiro volume de História da Sexualidade destitui a ideia de hipótese repressiva que marcava a maioria dos estudos até meados da década de 1970. Segue Foucault (1988, p. 34): Desde o século XVIII o sexo não cessou de provocar uma espécie de erotismo discursivo generalizado. E tais discursos sobre o sexo não se 25 multiplicaram fora do poder ou contra ele, porém lá onde ele se exercia e como meio para seu exercício; criaram-se em todo o canto incitações a falar; em toda parte, dispositivos para ouvir e registrar, procedimentos para observar, interrogar e formular. Desenfurnam-no e obrigam-no a uma existência discursiva. Do singular imperativo, que impõe a cada um fazerde sua sexualidade um discurso permanente, aos múltiplos mecanismos que, na ordem da economia, da pedagogia, da medicina e da justiça incitam, extraem, organizam e institucionalizam o discurso do sexo, foi imensa a prolixidade que nossa civilização exigiu e organizou. A sexualidade compreendida como um dispositivo histórico do poder, contem em si um conjunto heterogêneo de discursos institucionais e práticas sociais, configurando a heteronormatividade. Tal conceito compreende um conjunto de informações sobre a realidade que fundamenta processos sociais de regulação e controle do sujeito, inclusive daqueles sujeitos que não se relacionam com pessoas do sexo oposto (MISKOLCI, 2009). Butler (2008), volta sua crítica e sua argumentação para a oposição hétero/homossexual, na qual ocorrem não apenas os discursos homofóbicos, mas continuam presentes também os discursos favoráveis à heterossexualidade. Seja para defender a integração dos/as homossexuais ou para reivindicar uma espécie ou uma comunidade em separado; seja para considerar a sexualidade como originariamente ‘natural’ ou para considerá-la como socialmente construída, esses discursos não escapam da referência à heterossexualidade como norma (MISKOLCI, 2009). Com base nos estudos de gênero, o conceito de gênero proporciona uma análise da realidade que permiti inferir com maior precisão aquilo que ela é. Tal como afirma Butler (2008), o sujeito do sexo não é o sujeito do gênero. Isto porque, o sexo biológico não é condição para a existência e vivencia do gênero, ao contrário, o gênero se faz no corpo biológico, vivendo-o e não sendo condicionado por ele. Assim, uma identidade de gênero pode ser um cruzamento de vários fatores – um sujeito pode ser feminino, negro, lésbico e biologicamente macho, inúmeras são as possibilidades. A norma estabelecida no arquétipo heterossexual impede o desenvolvimento de uma representação política de gênero, uma vez que a positividade das leis e suas características conceituais também sofrem com uma fundamentação heterossexual. A descontinuidade entre ser humano e realidade social apresenta-se como um problema, uma vez que esta discursividade presente na lei se impõe à sua dinâmica, de modo que prevaleça a inércia. 26 III – Nota sobre política, sexualidade e educação A descontinuidade entre ser humano e realidade social é o ponto exato que a discussão em educação se insere. O Brasil publicou em 1997 os PCN. Antes de mencionarmos algo sobre os PCN brasileiros gostaríamos de considerar alguns aspectos históricos na elaboração dos discursos sobre a sexualidade humana e sua constituição na sociedade ocidental. A presença do cristianismo, principal influência religiosa no ocidente, foi de suma importância para a elaboração de uma moral sexual em nossa sociedade. A Igreja, desde o período medieval até o século XVIII, foi a única instituição social emissora de discursos sobre a sexualidade. Entretanto, o monopólio do discurso religioso teve fim somente com a consolidação das ciências ligadas à Medicina, nos séculos XIX e XX (RIBEIRO, 2002; STEPAN, 2005). Isto porque, neste período, o discurso médico ganhou força argumentativa e, num efeito retórico, o aspecto e a ideia de verdade fizeram- se presentes no discurso científico – tornando-o semelhante ao discurso religioso. Em decorrência disso, ao médico foi dotado um status na sociedade, sobretudo no tocante à família e à vida sexual. O profissional da medicina, então, passou a ditar regras de comportamento, as quais se encontravam entremeadas de valores cristãos e descobertas científicas: as palavras do médico, em suma, eram as verdades da ciência (RIBEIRO; 2002). Na Educação, o discurso médico inicia sua influência no início do século XIX, com o surgimento das primeiras propostas para uma Educação Sexual. O discurso médico se voltou, de modo especial, para as crianças e para seu desenvolvimento sexual sadio – composto por idéias eugênicas e higienistas –, defendendo uma educação diferenciada daquela até então vigente. No Brasil, a educação sexual é matéria dos discursos médico e pedagógico desde as primeiras décadas do século XIX. Ribeiro (2004) traça um perfil da sexualidade do homem brasileiro do século XVI: o brasileiro, inclui-se aqui o padre jesuíta, unia-se às índias; no engenho, os rapazes se relacionavam com escravas e mulatas, com a finalidade de honrar sua “masculinidade” ao pai. A mulher (branca), por sua vez, era dominada e seu comportamento acanhado e humilde, casava-se com quinze anos e seus maridos tinham idades que variavamentre 40-60. O discurso da Igreja apontava para a licenciosidade dos cristãos, no entanto, era um discurso no vácuo, não se propagava. Nos séculos XVII e XVIII este perfil continuou variando apenas no que diz respeito à mulher: surge a participação da negra em conseqüência do processo de escravização. Mas é no século XIX que o discurso médico 27 invade a sexualidade, a higiene e a saúde serão seus principais motores de regulação – aqui a ideia de pecado foi substituída pela ideia do risco de aquisição de doenças orgânicas ou mentais. A fundamentação que proporcionou o pensamento brasileiro foi com base nas teorias sexuais européias de William Acto e Krafft-Ebing, culminando na sexologia e, consequentemente, em diversas publicações sobre educação e orientação sexual – nos de 1925-1950. A partir de 1960 algumas mudanças sociais e políticas constituíram um novo quadro, o qual reflete até o tempo atual. Durante os anos que se seguiram até o Golpe Militar de 1964, os projetos de orientação sexual ainda estavam em processo de consolidação no sistema de educação brasileiro não se efetivaram. A política moralista dos militares foi a voz reguladora, emitindo, pela Comissão de Moral e Civismo do Ministério da Educação e Cultura, um parecer contra o projeto de lei que tramitava no sistema legislatório sobre a obrigatoriedade da orientação sexual (RIBEIRO, 2004; MAIA, 2004). A década de 1970 foi o palco do retrocesso pelo qual a orientação sexual passou. A censura, a Igreja e outros órgãos tiveram grande participação neste processo. No final de 1970, afirma Maia (2004), a discussão sobre orientação sexual ganhou força com o movimento feminista e certa liberação dos costumes difundida pelos meios de comunicação. Mas, a sexualidade como um fator constituinte do processo educativo ocorreu somente nos anos 1980-2000 e a preocupação de órgãos públicos, as Secretarias de Educação das esferas municipal e estadual, que assumiram projetos de orientação sexual nas escolas (RIBEIRO, 2004). Em 1997, o Brasil introduziu os PCN. O quadro político-social em que a sexualidade encontrava-se inscrita quando os PCN brasileiros foram implementados era composto por uma política de gênero (de certa forma ainda insípida). Os movimentos feminista e LGBT contavam com uma estrutura relativamente consolidada e as discussões em âmbito acadêmico já haviam se solidificado – os planos de afirmação, leis e projetos de leis apareceriam como forte pauta nos anos 2000. Apesar disso, o Brasil inseriu as discussões sobre gênero e orientações sexuais somente com os temas transversais. Neste ponto preciso, o manual didático tornar-se-ia um forte aliado à aplicação dos PCN naquilo que concerne às discussões de gênero e sexualidade. Isto porque, o livro didático, uma vez considerado um dos principais (senão o principal) instrumentos didáticos para a educação, constitui um dos meios mais eficazes para se aplicar diretrizes curriculares. No caso da Biologia, a sexualidade foi tratada como educação sexual, sendo inserida em diferentes contextos de discussão, por exemplo, anatomia, reprodução humana e genética. Em ciências, as discussões são em torno da reprodução ou 28 anatomia. Na filosofia, por suavez, em bioética, filosofia da ciência e epistemologia. Entretanto, como indicam algumas pesquisas em gênero e educação, certo caráter de emancipação do sujeito tem se verificado no âmbito educacional. Conforme apontam Lionço e Diniz (2009), o aspecto de violência de gênero, sobretudo no campo de direitos das mulheres, tem alcançado importantes conquistas para a sociedade brasileira. Entretanto, quando se pensa na relação gênero e sexualidade não há muito avanço prático, pois a discursividade que os livros apresentam2 tratam a sexualidade na perspectiva médico higienista (PIOVEZAN, 2010). IV – Nota sobre gênero, política e educação A representação política da qual fala Butler (2008) constitui um meio de pensar o sujeito na pós-modernidade. Em linhas gerais, tal discussão refere-se aos anseios da Revolução Francesa e, tão logo, da modernidade. A igualdade postulada por teóricos como, por exemplo, Rousseau, não se concretizou em nossa realidade social (SANTOS, 2000). Fundamentados neste e outros pressupostos que um movimento de intelectuais se configurou como crítica à modernidade, intitulando-se pós-modernos3. Tal distinção se faz necessária, pois, na discussão pós-moderna, o pensamento social recebeu uma de suas críticas mais impactantes: a feminista. De modo geral, tal ataque ao mundo masculino se faz em relação à discursividade que a ciência e a política se apresentaram na história da humanidade. Tanto a ciência quanto a política traziam (e ainda trazem) suas bases estruturais de enunciados características de universalidade e masculinidade, excluindo outras possibilidades discursivas e, tão logo, como sugere Schienbinger (2001) e Butler (2008), até mesmo de representação da realidade. O ethos discursivo da ciência, nos manuais didáticos, fornece um conceito de gênero que – pensado em conexão à idéia de sexualidade em movimento – se apresenta unicamente sob condições heteronormativas da sociedade do século XXI. Tal compreensão implica num emaranhado de conexões com outras representações de mundo – por exemplo, o 2 Referimo-nos a livros didáticos que foram analisados sob a perspectiva da retórica e situados no contexto de discussão de gênero e sexualidade. Gostaríamos de ressaltar que, na disciplina de filosofia, houve somente a análise de um livro, o livro didático público do governo do Paraná: o Projeto Folhas, de Filosofia. Os livros são, ao todo, obras que foram publicadas após os PCN, alguns deles, inclusive, figuram listas do PNLD. 3 Há uma importante consideração aqui: o conceito de moderno sob o qual repousa nossa análise se caracteriza na compreensão da modernidade não como período histórico, mas, antes, como um movimento de idéias que inicia por volta dos séculos XVI e XVII, com a ciência moderna, e termina no final do Iluminista. 29 cristianismo, idéias eugênicas da história e filosofia da ciência, o sexo compreendido sob a perspectiva do terror, entre outras – que se mostram problemáticas para a constituição do sujeito com atitude científica e crítica sobre a natureza (AYRES, 2002). Pensar os conteúdos que envolvem gênero e sexualidade na educação científica implica em promover uma reflexão sobre a natureza, e o modo como ela pode nos auxiliar a ver o mundo e, neste contexto, os manuais didáticos não fornecem tal reflexão, mas apóiam-se apenas na heteronormatividade como um meio de transmitir a ciência (SHIENBINGER, 2001). Tal aspecto da realidade educacional brasileira não se encontra em consonância com as políticas públicas educacionais. Isto porque, uma reflexão sobre a sexualidade pautada nos PCN permite uma interpretação que caminha àquilo que comumente pensa-se como Direitos Humanos. A naturalização que os manuais didáticos pressupõem da heterossexualidade desconsidera e descaracteriza o mundo como ele tem se apresentado em nossa história, limitando o sujeito e impondo um modo de viver. Os manuais didáticos fornecem um significado de sexualidade como algo sujo, impuro e que deve ser higienizado. Tal tratamento é válido se considerarmos doenças sexualmente transmissíveis, combate da epidemia HIV/Aids e controle de natalidade. Entretanto, tal perspectiva é insuficiente uma vez que a sexualidade não diz respeito somente ao ato sexual e os problemas biomédicos a ela correlatos. Ao contrário, como reforçam nossas políticas públicas, a sexualidade transcende o biológico e se mostra no social e nas relações estéticas do ser humano, constituindo-se, desta forma, como uma sexualidade plástica, movente, não unidimensional e de direito igual a todos os seres humanos. Ao deixar de lado este último aspecto de discussão, os manuais didáticos restringem não somente a sexualidade, mas, também o que é ser humano (AYRES, 2002; SWAIN, 2002). Assim, o sujeito e sua representação político-social na perspectiva de gênero não ocorre, de fato, na educação brasileira. Os autores publicam seus manuais didáticos em descontinuidade com as ações afirmativas dadas pelas políticas públicas. As editoras, por sua vez, parecem não revisar o material conceitual e sua relação com a legislação vigente. Há um emaranhado de relações de poder, o qual cria dispositivos discursivos de um sujeito estático, fixo e, numa análise radical, sem representação político-social. Para finalizar, percebemos ainda um duplo movimento na relação entre a sociedade brasileira e política representacional, gênero e educação: as travestis, os e as transexuais, as lésbicas e, os homossexuais são sujeitos legítimos quando devem cumprir os deveres de cidadãos – um movimento 30 no sentido hierárquico de poder, do maior para o menor –; mas, quando são indivíduos que constituem grupos não são representados social e politicamente, são sujeitos que não existem, uma vez que as práticas discursivas da política, quando existem, não são aplicadas na prática. Bibliografia ARISTÓFANES. A revolução das mulheres. Tradução do grego e introdução: Mário da Gama Kury. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1996. 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