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Texto de aula 07 08 MJ 2015 Ramos de Carvalhoread

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Prévia do material em texto

LAERTE RAMOS DE CARVALHO
AS REFORMAS 
POMBALINAS DA 
INSTRUÇÃO PÚBLICA
edípáfe
1978
EDITORA DA UNIVERSIDADE DE SÂO PAULO 
SARAIVA S/A — LIVREIROS EDITORES
Rubens
Nota
Os balões são utilizados para expressar comentários que o Alfredo fez em aula ou notas importantes, os trechos do texto destacados foram lidos por ele em voz alta. Boa leitura.
Rubens
Nota
A leitura de resumos, a leitura do texto, o comparecimento em sala de aula e o estudo não isentam o aluno de uma avaliação arbitrária e injusta. 
Rubens
Realce
Rubens
Nota
Este texto do Laerte Ramos de Carvalho aborda basicamente a reforma no ensino feita por Pombal, o então Secretário de Estado do Reino de Portugal, em contraponto com o ensino Jesuítico que era majoritário na época. Tais reformas foram pautadas em princípios iluministas e influenciadas por vários autores, em especial Luís Antônio Verney, que é inclusive autor da obra O Verdadeiro Método de Estudar. nullEntendo que o Professor Alfredo tenha indicado este conjunto de leituras com o propósito de questionar e refletir sobre a finalidade do ensino atual do Brasil, em especial o ensino universitário, através de uma análise de reflexos das mudanças políticas que Portugal fez há três séculos. 
ClP-Brasii. Catatogaçâo-na-Foníe. 
Câmara Brasileira do Livro, SP
Carvalho, Laeríc Ramos de, 1922-1972.
C325r As reformas pombalinas da instrução pública. São Paulo,
Saraiva, Ed. da Universidade de São Paulo, 1978.
1. Educação e Estado — Portugal 2. Educação — Por­
tugal — História 3. Pombal, Sebastião José de Carvalho e
Melo, Marquês de, 1699-1782 4. Reforma do ensino — Por­
tugal I. Título.
CDD-370 9469
77-1534 -379 469
Índices para catálogo sistemático:
1 Portugal : Educação : História 370.9469
2. Portugal : Instrução pública : Reformas pombalinas
379 469
3. Reformas pombalinas : Instrução pública : Portugal
379.469
Assessoria editorial: João Gualberto de Carvalho Meneses, da Faculdade de 
Educação da Universidade de São Paulo.
Capa c diagramação: Francisco Gualbemei A. de Andrade.
Produção gráfica: Arlindo André Batista Meira.
;n ° 1 2 1 2
SARAIVA S.A. — Livreiros Editores
São Pauto — SP
Av. Emíssè^o. 1897
Tek {011} 826-8422
Belo Horizonte — MG
f t. Célia de Souza, $71 - 8aÍ?;o Famifia
T eis: 10315 461-9962 e 461-9995
Rio de Janeiro — RJ
Av. Morecha! Roodors. 2231
Tôf: Í021 í 201-7149 e 261-4811
I
Indice
Prefácio ................................ .............................................. 1
Prólogo ............................................................................... 11
Capítulo I — ílurainismo e Pombafismo .......................... 25
Capítulo II — A Reforma dos Estudos Menores e a Defesa
do Regalismo ......................................... 59
Capítulo III — O Desenvolvimento da Reforma dos Estudos
Menores ............. ....................................... 99
Capítulo IV — As Diretrizes da Reforma Universitária de
1772 .......................................................... 141
Conclusão ................. ............................................ ............. 189
Apêndice ............................................................................. 193
Bibliografia ......................................................................... 231
VII
Rubens
Riscado
Rubens
Nota
O capítulo III não cai
Capltuío I
lluminismo e 
Pombalismo
/ — Tradição e modernidade. Antijesuitismo doutrinário. Verney e a 
luta contra a tradição. O Modernismo verneyano. II — A modernidade 
e os jesuítas. União cristã e sociedade civil. Os jesuítas e o ensino por­
tuguês. Os jesuítas como educadores da burguesia. O ensino de Aris­
tóteles ruis escolas da Companhia de Jesus. Os Oitavos Estatutos da 
Universidade de Coimbra e a resistência às inovações doutrinárias. III — 
O antijesuitismo da pedagogia pombalina. O Compêndio Histórico. O 
sentido econômko-poíítico da luta contra os jesuítas. A renovação das 
escolas portuguesas. Perfeito nobre e comerciante per jeito. Os rumos 
da pedagogia pombalina. IV — lluminismo e pombalismo. Os jesuítas 
e o pensamento regalista de Pombal. Pombal Libertino? Ordem civil e 
jesuitismo. A escola a serviço dos interesses do despotismo. A reação 
a Aristóteles e ao método escolástico. O novo rtano: o empirismo. A 
lógica e os estudos universitários. O ecletismo. A lógica como organon 
da ética do pombalismo.
1
As reformas pombalmas da instrução pública constituem ex­
pressão altamente significativa do ituminismo português. Nelas se 
encontra consubstanciado um programa pedagógico que, se por um 
lado, representa o reflexo das idéias que agitavam a mentalidade 
européia, por outro, traduz, nas condições da vida peninsular, moti­
vos, preocupações e problemas tipicamente lusitanos. No complexo 
quadro das manifestações espirituais do período pombalino, as refor­
25
Rubens
Nota
A reforma do Pombal precisa ser lida a partir de dois pontos de vista: um é o debate europeu, visto que o Pombal foi embaixador em Viena, e entendeu as respostas que tinha que ser dadas pelas monarquias para não caírem e uma visão portuguesa
Rubens
Realce
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Nota
Aula do dia 12 de maio de 2015 de Metodologia Jurídica do Alfredo de Jesus Dal Molin Flores 
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Nota
Velho pragmatismo lusitano, de administrar grandes extensões de terra atrás do domínio do comércio, ao contrário de visão espanhola, que enviava burocratas para as suas colônias, criar universidades e governos locais. 
Rubens
Nota
A própria definição de iluminismo é abrangente, é descrito em cada idioma de uma maneira diferente, "Age of Enlightenment"(inglês), "Aufklärung" (alemão), "Ilustración" (espanhol), "Siècle des Lumières" (francês), sendo que em cada um desses termos se referem a tempos históricos e ideias ligeiramente distintos
mas do ensino são como que o denominador comum de uma aspira­
ção generalizada. Um de seus objetivos, a remodelação dos métodos 
educacionais vigentes, pela introdução da filosofia moderna e das 
ciências da natureza em Portugal, era a preocupação constante d. 
algumas das mais expressivas figuras intelectuais da época. Nestas 
condições, a indagação do significado e da orientação destes esfor­
ços no sentido de renovar a mentalidade imperante se impõe como 
tarefa preliminar para quem pretenda compreender a fisionomia es* 
piritual do pombalismo.
Ora, se o nosso problema é uma questão de ordem pedagógica, 
e por isso mesmo cultural, e se devemos partir antes de tudo das 
manifestações contemporâneas, o primeiro fato que chama a nossa 
atenção é a consciência que tiveram os próprios letrados do século 
XVIII da oposição entre o pensamento “tradicional” e o pensamen­
to “moderno”. Os historiadores registram e encarecem, de alguns 
anos a esta parte, as raras opiniões filosóficas de alguns letrados 
que, contra a rotina dos métodos de pensamento vigentes, se insur­
giram, abrindo aos olhos portugueses as novas perspectivas do pen­
samento moderno. Se compreendermos não apenas o valor destas 
críticas — o que elas encerram de verdadeiro ou de falso — mas 
a intenção que as animou, resulta claramente que um dos traços 
inconfundíveis da cultura lusitana do século XVIII é a sua mani­
festação literária, expressa como um programa de modernismo filo­
sófico contra a tradição. Reconheçamos, todavia, que esta renova­
ção pedagógica, inspirada nos ideais e problemas da filosofia 
moderna, não é uma manifestação exclusiva do período pombaJino; 
ela se inicia no reinado de D. João V e prolonga-se, sem solução de 
continuidade, e através de vicissitudes diversas, no governo de D. 
Maria I. Da Academia Real de História, fundada em 1720, à Re­
forma da Universidade, em 1772, e desta à Academia Real de 
Ciências, criada em 1779, se efetuou um esforço de renovação de 
métodos e de atitudes de pensamentoe de integração de novos 
ideais, esforço este que não disfarça os propósitos “iluministas” 
que animaram estas iniciativas e reformas.
Certamente não poderemos falar de um “Uuminismo” português 
no mesmo sentido pelo qual nos expressamos ao caracterizar as 
manifestações do pensamento inglês, francês e alemão. O ilumi- 
nismo português — afirmou o Prof. Cabral de Moncada — foi 
“essencialmente Reformismo e Pedagogismo. O seu espírito era,
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Nota
A mudança do ensino era um consenso entre as elite intelectual portuguesa, o que legitimou tal reforma
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Nota
Havia uma nova maneira de pensar, com propósitos iluministas 
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Nota
Texto lido pelos nossos veteranos no semestre passado
Rubens
Nota
A procura pelo conhecimento é dada pela política despótica do governo 
não revolucionário, nem anti-histórico, nem irreligioso como o fran­
cês; mas essencialmente progressista, reformista, nacionalista e hu­
manista. Era o iluminismo italiano: um iluminismo essencialmente 
cristão e católico” 5. Todavia, forçoso é reconhecer, o iluminis­
mo, em que pesem as peculiaridade que historicamente assumiu nos 
diversos países, foi sempre um programa pedagógico, uma atitude 
crítica de revisão de problemas do qual não se podem dissociar, no 
fundo, as intenções de uma reforma, tanto das instituições, quanto 
dos hábitos de pensamento. Setis propósitos mais significativos se 
resumem no lema por que Kant, num breve escrito2, procurou vis­
lumbrar, através de uma variada gama de matizes doutrinários, o 
sentido íntimo de uma aspiração geral — sapere ande.
Em Portugal, o eco destes ideais europeus se manifestou, con­
creta e historicamente, como um programa político de governo. 
Um dos traços mais significativos do iluminismo português é a sua 
expressão de modernidade consciente e de não menos consciente 
repúdio às formas e hábitos de pensamento até então imperantes. 
É mister esclarecer, todavia, que tanto esta modernidade quanto 
este repudio revestiram-se de um formalismo pedagógico bastante 
característico. O hábito das disputas, tão fortemente enraizado na 
escola e na mentalidade portuguesas, pelo trabalho de vários séculos 
de tradição escolástica, não permitiu que o progiama de renovação 
cultural se processasse, livre de quaisquer fatores restritivos, no deba­
te amplo dos reais interesses ideológicos da modernidade. Os filó­
sofos recentiores se preocuparam, desta forma, muito mais com a 
transformação dos programas do pensamento moderno, em novas 
questões a serem tratadas nos apertados limites das oposições aca­
dêmicas, do que com a perfeita elucidação dos principais temas do 
pensamento posterior à reforma cartesiana. Certamente os prejuízos 
decorrentes das tradições pedagógicas não foram os únicos a deter­
minar e a influir na maneira de ser do iluminismo português. A 
história de uma cultura não se processa independentemente dos fato­
res econômicos, sociais e políticos que, de certa forma, a condicio­
1. Cabral de Moneada, Um “llumintsta” Português do Século XV III; 
Luiz Antonio Verney, São Paulo, Liv. Acadêmica, 1941, pág. 12. Este ensaio 
foi reproduzido em Estudos de História do Direito, do mesmo autor, vol. III, 
incluídos na Acta Universilalis Conlmbrigensis. O passo se encontra à pág. 8.
2. Que es la Ilustración? Trad. espanhola de E. Imaz, no volume Filo­
sofia de ia Historia, Colégio dcl México, 1947, pág. 25.
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Nota
Leitura da turma do semestre passado
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Nota
O iluminismo é pensado como um estratégia para fazer uma reforma na sociedade, tem um espectro muito grande, parte do iluminismo é radical, é jacobino, outra parte possui a teoria da democracia representativa de Locke.
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Nota
Os debates jurídicos na época eram extremamente comuns, o que foi um empecilho para a implantação da reforma
Rubens
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Nota
Estes podem ser entendidos como fatores culturais
nam. As reformas pombalinas da instrução constituem, neste sen­
tido, expressivo exemplo. Ao lado das medidas de diferentes ordens, 
adotadas pelo ministro de D. José I, estas reformas traduzem, den­
tro do plano de recuperação nacional, a política que as condições 
econômicas e sociais do país pareciam reclamar.
Cumpre-nos, portanto, indagar do sentido e objetivo por que 
se concretizaram as aspirações dos letrados que, direta ou indireta­
mente, influíram nas reformas pombalinas da instrução. O primeiro 
problema que chama nossa atenção, porque o encontramos sempre 
presente em quase todas as vicissiíudes dos vinte e sete anos de 
administração pombalina, é a questão dos Jesuítas. Tanto a Dedu­
ção Cronológica quanto o Compêndio Histórico constituem do­
cumentos intencionalmente escritos para atribuir aos jesuítas a causa 
de todos os males do país. Não nos compete examinar o acerto 
ou desacerto dessa compreensão histórica, apoiada, de resto, no 
século passado, pelos historiadores liberais, republicanos e socialis­
tas. Importa-nos, sobretudo, registrar que o antijesuitismo daque­
les escritos, como de outros tantos documentos de igual inspiração, 
representa a expressão de uma atitude generalizada nos países euro­
peus. Na esfera dos problemas da educação e, no sentido mais 
amplo, da cultura, atribuiu-se aos jesuítas a responsabilidade pelo 
atraso em que se encontravam as letras portuguesas no século XVIII. 
Os jesuítas seriam, desta forma, os principais fatores da resistência 
à introdução das idéias novas e da “boa” filosofia em Portugal.
As dezesseis cartas que, no anonimato, Luiz Antônio Verney 
escreveu sobre o estado da instrução pública lusitana são, a este 
respeito, muito expressivas. Não é sem exagero que, como um filó­
sofo recentior, Verney criticava os métodos jesuíticos: “O que sei 
porém — dizia ele na Oitava Carta — é que nestes países não se 
sabe de que cor seja isto a que chamam boa filosofia. Este vocá­
bulo, ou por ele entendamos ciência, ou com rigor gramático, amor 
da ciência é vocábulo bem grego nestes países” 3. O disfarçado 
plural tinha, entretanto, um endereço certo. E as réplicas e tré­
plicas não tardaram, veementes e, algumas vezes, desabusadas. 
Aparentemente, os debates se processaram como se fossem uma sim-
3 Verdadeiro Método de Estudar, Valença, na oficina de Aníonso Baile, 
1747, t. I, págs. 227/8. Cf. na edição organizada pelo Prof. Antonio Salgada 
JTi'., Lisboa, Ed Sá da Costa, 1950, vol III, pág. 3.
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Realce
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Nota
O anti-jesuitimo era generalizado. O jesuíta não obedece o bispo e não obedece o rei. 
Rubens
Nota
Os conflitos de rei de Espanha com os jesuítas se iniciaram no Brasil, com o tratado de Madri que estabelecia a divisão de terras. Os jesuítas postergaram sua retirada até serem atacados por tropas portuguesas apoiadas por tropas espanholas.
pies questão entre ordens religiosas4; mas tal era a magnitude do 
assunto que a própria coroa real, posteriormente, em nome dos inte­
resses seculares, reivindicou para si a execução de tarefas educa­
cionais até então quase exclusivas dos poderes espirituais. No que 
se refere ao ensino das humanidades, a reforma pombalina foi uma 
tentativa de secularização das instituições, no sentido sociológico do 
termo, secularização esta a meio caminho da laicização, tão de gosto 
dos teóricos educacionais do século X IX e, também, de nosso tempo.
Ainda hoje, os alvarás e provisões pombalinos são examinados 
como se não houvesse um outro caminho entre a alternativa que 
então se propôs; jesuitismo e antijesuitismo. Nesta alternativa, os 
jesuítas representam para os historiadores tudo o que há de anti- 
moderno e Pombal, com seus homens, a autêntica antecipação das 
aspirações modernas. Ora, forçoso é reconhecerque os termos desta 
alternativa constituem um dos mais graves impedimentos para a 
justa compreensão de um dos momentos mais lúcidos da história 
lusitana. Se um caminho existe entre os escolhos de uma investi­
gação tão cheia de percalços, onde as paixões e, algumas vezes, os 
ódios obnubilam a clara visão dos fatos, este caminho será aquele 
em que o historiador, diante de tão variadas e contraditórias ma­
nifestações da cultura portuguesa, procurará apenas definir o sentido 
do modernismo filosófico consubstanciado nas obras dos letrados da 
época em questão. Moderno, no caso, não é apenas um termo: é 
uma condição dialética de pensamento — uma atitude diante dos 
valores e processos da cultura — e, ao mesmo tempo, a aspiração
— o ideal, essencialmente pedagógico da transformação da ideolo­
gia nos seus hábitos tradicionais, transformação esta orientada para 
objetivos claramente predeterminados, de acordo com as exigências 
da doutrina política imperante.
A introdução da filosofia moderna em Portugal se efetuou, den­
tro das condições sociais da época, por intermédio de um programa 
do qual não estiveram ausentes o espírito, e os interesses do despo­
tismo esclarecido. Numa carta ao Pe. Joaquim de Foyos, declarou 
Verney que tivera “ao princípio particular ordem da Corte de ilu­
4. Cf. João Lúcio de Azevedo, O Marquês de Pombal e a sua Êpoca,
2.a ed. com emendas, Rio de Janeiro-Porto, Anuário do Brasil-Seara Nova- 
Renascença Portuguesa, 1922, Cap. X , III, pág. 338.
29
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Realce
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Nota
O modernismo português na verdade é só um discurso dos déspotas, não há um consciência, uma liberdade de pensamento, mesmo assim trouxe progressos 
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Nota
Esta secularização das instituição seria na verdade um processo em que a coroa irá encampar o ensino, ou seja, atribuições que eram antes entregues a instituições religiosas serão realizadas pela monarquia.
minar a nossa Nação em tudo o que pudesse. . . ” B. Ê muito pro­
vável que o Verdadeiro Método de Estudar, um dos mais preciosos 
documentos para o estudo da cultura lusitana no século XVIII, te­
nha sido redigido dentro destes propósitos iluministas. Nas idéias 
desenvolvidas por Verney neste livro o que mais interessa é a natu­
reza crítica e assistemática de sua doutrina. A feição pedagógica, 
intencional na obra, decorre da própria posição “moderna” assumi­
da pelo Autor. Ê bastante significativo que, na Oitava Carta do 
Verdadeiro Método de Estudar, Verney, depois de traçar o quadro 
dos estudos filosóficos em Portugal no qual se patenteiam a resis­
tência e até mesmo o desconhecimento da filosofia moderna, lembre 
que o melhor modo de afastar estes erros e “desenganar esta gente 
e mostrar-lhe os seus prejuízos é pôr-lhe diante dos olhos uma breve 
história da matéria que tratam: e persuado-me — continua o Barba- 
dinho — que este é o mais necessário prolegômeno em todas as 
ciências” A história filosófica não foi, entretanto, além de uma 
limitada propedêutica, com fins pedagógicos claramente determina­
dos. Através da história das seitas filosóficas, procura Vemey, no 
relativismo das posições doutrinárias diversas e, algumas vezes, até 
contraditórias, o caminho da “boa” filosofia.
Há em Verney, entretanto, um modernismo mais de forma do 
que de conteúdo. Os autores modernos são apenas, no Verdadeiro 
Método de Estudar, simples instrumentos de que o Autor lança mão 
para melhor justificar o pensamento nuclear de seus intentos refor­
mistas. O Prof. Joaquim de Carvalho, num excelente estudo, trans­
crevendo um passo característico da Décima Carta da referida obra, 
chamou a atenção dos estudiosos para o verbalismo do saber cien­
tífico de Verney e da sua “inapreensão do alcance da concepção 
mecanicista da Natureza”. Em Verney — afirma o eminente pro­
fessor — a “razão de militante estava mais bem instruída do que 
devia remover-se do que devia fundar-se” 7. Em lógica, seu em-
5. Esta carta foi publicada ao Conimbricen.se, por Inocêncio, no n.° 
2.229, de 5 de dezembro de 1868, e reproduzida em Estudos de História do 
Direito, cit., págs. 424/8.
6. Verney, ob. cit., Oitava Carta, ed. de 1747, t. I, pág. 232, e ed. A. 
Salgado Jr., t. III, pág. 19.
7. Introdução do Ensaio Filosófico sobre o Entendimento Humano (Re­
sumo dos Livs. I e II, recusado pela Real Mesa Censória 6 agora dado ao prelo 
com introdução e apêndice), Coleção Inédita ac Rediviva, Biblioteca da Uni­
versidade, 1950, pág. 37.
30
Rubens
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Nota
É possível baixar tal livro, são dois tomos, mas não é uma obra sistemática, e sim várias cartas, vários tratados, de forma assistematica. 
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Nota
Verney não é um autor criterioso, não é um catedrático.
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Nota
Não há necessidade de fazer grandes sistematizações do conhecimento, como é o modelo hegeliano, se procura apenas ter um contato entre as várias linhas("seitas") filosóficas para definir parâmetros básicos da filosofia
pirismo, visivelmente inspirado em Lockes, mal disfarça as sutis 
distinções da dialética tradicional. Numa época em que o conhe­
cimento fez da análise o instrumento adequado da compreensão da 
natureza e do homem em todas as suas manifestações, nela não viu 
o autor do De Re Logica mais do que um simples processo didáti­
co de estudos: “As leis do método analítico são estas: entender 
os vocábulos; determinar as questões, separar as partes delas; fugir 
de todo o gênero de equívocos; fugir das obscuridades; estabelecer 
termos comuns e claros; entender os testemunhos e autoridades em 
que se funda. Além disso, saber os requisitos que são necessários 
para entrar em uma questão, v. g., para a história, as antigüidades, 
cronologia, geografia etc.; para a física a notícia das melhores ex­
periências etc. Ler o contexto, e ver as mais coisas que apontam 
os outros, para não errar no critério. Ter presentes os cânones 
que comumeote se assinam, para distinguir as obras supostas das 
verdadeiras” e. No plano de uma lógica moderna bem pouco sig­
nifica este modo característico de conceituar o problema da análise.
H
Todavia, completa ou não esta concepção é bem característica, 
pois nela se antecipam os fins de uma doutrina que os novos Esta­
tutos da Universidade de Coimbra, em 1772, consagrariam. Verney 
não foi o único “moderno”, pois os letrados portugueses não fica­
ram inteiramente indiferentes à renovação espiritual que então se 
processava. Nos seminários e colégios oratorianos, jesuítas, fran- 
ciscanos, teatinos, para falar apenas dos que mais se destacaram
— já se demonstrou em trabalho recente10 — a filosofia mo­
8. Sobre a influência de Locke na doutrina lógica de Verney, ver as 
notas do Prof. Antônio Salgado Ir., que acompanham e esclarecem os passos 
da Oitava Carta que se referem ao problema; cf. especialmente t. III, notas 
das págs. 54 a 72. üma análise mais completa, entretanto, das idéias de Ver­
ney se encontra no trabalho de D. Mariana Amélia Machado Santos, Verney 
contra Genovesi, Apontamentos para o Estudo do "De Re Logica", Coimbra, 
1939.
9. Verney, ob. cít., Oitava Carta, ed. de 1747, t. I, pág. 262; ed. A Sal­
gado Jr., t. III, pág. 106.
10. Ver Antonio Alberto de Andrade, Vernei e a Filosofia Portuguesa. 
No 2.° Centenário do aparecimento do Verdadeiro Método de Estudar, Braga, 
Liv. Cruz, 1946.
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Nota
Continuação da aula do dia 26 de maio de 2015 de Metodologia Jurídica do Alfredo Dal Molin 
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Realce
derna era de certo modo, em maior ou menor alcance, conhecida 
e examinada. Não será de estranhar, portanto, que, em 1766, Frei 
Fortunato de Brescia, em sua classificação das "seitas filosóficas”, 
colocasse, ao lado dos escolásticos, os novadores e os ecléticos que, 
na opinião do Prof. Joaquim de Carvalho, “foram os pioneiros do 
pensamento moderno em Portugal”11.
O “modernismo” português, embora em última análise seja 
simples conseqüência do iluminismo europeu, apresenta, entretanto, 
raizes nacionais que o caracterizam. O que nos interessa, antes de 
tudo, é a indagação do sentido da modernidade portuguesa: até que 
ponto, de que natureza e quais os objetivos da renovação cultural 
que, através de vicissitudes várias, se inicia com as providências 
desconexas de D. João V, que mais pretendia ilustrar a sua Corte 
do que os povos, até a unificação destes esforços num plano con­
jugado de refonnas pedagógicas, orientado no sentido de um pro­
grama político de secularização, ao mesmo tempo nacional e cristão, 
das instituições escolares? Quando, em 1759, se instituíram as aulas 
régias de gramática latina, grega, hebraica e de retórica, no mesmo 
alvará em que suprimia o ensino dos jesuítas, invocou-se, como razão 
de Estado, a necessidade de se “conservarem a união cristã e a 
sociedade civil”. Se é verdade que não cabia ao governo português 
indicar quais os melhores meios para a conservação da unidade cris­
tã, não é menos certo que esta simples invocação, de resto cons­
tantemente lembrada nos diplomas régios, se apoiou nas opiniões de 
algumas das mais expressivas figuras da vida religiosa da época. O 
tão celebrado ódio do Marquês de Pombal à Companhia de Jesus 
não decorreu dos prejuízos opiniáticos de uma posição sistemática 
previamente traçada. Fatores vários e complexos, de ordem social, 
política e ideológica, influíram decisivamente na evolução de uma 
questão que ainda hoje apaixona e obnubila a visão dos espíritos 
mais esclarecidos. Na brevidade desta forma de ideal político na­
cional — a conservação da união cristã e da sociedade civil — 
se condensa toda uma filosofia com objetivos claramente definidos, 
responsável, aliás, de certa forma, tanto pelas virtudes quanto pelos 
vícios do despotismo imperante. Não se definira ainda, como mais 
tarde se fará, na Dedução Cronológica, numa concepção peculiar da 
história portuguesa que tamanhos créditos teve na historiografia pos­
terior, o jesuitismo como a causa primacial dos males e da deca-
11. Joaquim de Carvalho, ob. cit., pág. 6.
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Rubens
Nota
A palavra "Ideologia" foi cunhada por Karl Mannheim no século XX, mas nesse contexto aqui ela significa a materialização de ideias políticas, pois há em Portugal na época um cenário favorável para a implantação de mudanças sociais 
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Nota
Esta é a cara da reforma pombalina, aqui se inicia a cooptação de professores portugueses nas cidades. O Estado está tentando ocupar o espaço que foi suprimido dos Jesuítas
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Nota
O Estado precisa se legitimar em face dos ventos estranhos do séc. XVIII, ou seja, são necessárias reformas políticas, e Pombal utiliza como principal instrumento dessa reforma o ensino, e como principal inimigo o jesuitismo
dência nacionais. Os interesses civis e cristãos, na opinião de Pom­
bal e de seus homens, coerentes com aquela ciência certa que, no 
espírito do despotismo esclarecido, era a prerrogativa infalível a que 
a si invocava a coroa, reclamavam o advento de uma ordem em 
.■*: que o poder secular fosse o principal fiador da unidade civil na 
harmonia da família cristã. Os jesuítas procuraram confundir as 
regras da sua Constituição com os interesses seculares do Papado. 
Daí a generalização de uma disputa que acabou por fazer do jesui- 
tismo o símbolo do obscurantismo retrógrado, antimodemo, oposto, 
recalcitrante e ostensivamente, a todas as formas de modernização 
 ^ da cultura. Não é questão aqui indagar do acerto ou desacerto
desta manifestação. Interessa-nos, apenas, pelo seu aspecto expres­
sivo de intenções, doutrinariamente justificadas, da política de uma 
época.
O antijesuitismo pombalüio, no setor da educação, estribou-se 
numa série de fatos ainda não suficientemente contestados. Ale- 
gou-se, por exemplo, que com a entrega do Colégio das Artes da 
Universidade de Coimbra à Companhia de Jesus e, posteriormente, 
com as provisões segundo as quais nenhum estudante seria admi­
tido nos cursos de Leis e Cânones da Universidade de Coimbra 
sem os prévios exames no referido Colégio, o ensino português se 
transformou, praticamente, num monopólio da Companhia de Jesus, 
Numa de suas notas explicativas na História da Companhia de 
Jesus na Assistência de Portugal, contestou o historiador jesuíta 
Francisco Rodrigues a existência de semelhante fato pois, nas ex­
pressões textuais do laborioso historiador, não havia monopólio “de 
nenhuma espécie, nem ambição de singularidade e exclusivismo do 
ensino, mas sim dedicação generosa e benefício inestimável da 
cultura” 12. O certo porém é que, apenas transcorridos alguns anos 
depois da introdução da Companhia em Portugal, os colégios jesuítas 
possuíam numerosos professores cujos cursos eram freqüentados por 
apreciável número de alunos1S. Não foram certamente apenas os 
* inegáveis méritos pedagógicos dos inacianos que lhes asseguraram
12. Francisco Rodrigues, S. L, História da Companhia de Jesus na Assis*
tência de Portugal, Porto, Liv. Apoatolado da Imprensa, em publicação, de
193! a 1950, 7 vols. aparecidos, t. 2.°, vol. II, pág. 17, nota.
33. Ver nesse sentido, no Cap. I, “Nos colégios: ensino, educação”, t. II, 
vol. II, da ob. cjt. de Francisco Rodrigues, o desenvolvimento das escolas je- 
suíticas em Portugal, às págs. I ! a 46.
33
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Nota
A coroa toma pra si a prerrogativa de que ela está construindo a nação, assim, deve ser implementado pelo jeito do Rei
tão privilegiada situação. Sucessivas vantagens foram concedidas aos 
colégios mantidos pela Companhia de Jesus de tal forma que, nas 
reais condições em que se encontrava a cultura portuguesa, as esco­
las jesuíticas exerceram, até o governo pombalino, um autêntico mo­
nopólio da instrução secundária14.
A história da disputa havida entre o Colégio das Artes e a 
Universidade de Coimbra, depois que a direção daquele estabeleci­
mento passou às mãos dos jesuítas, demonstra muito bem até que 
ponto os interesses seculares, encarnados nas decisões e na obstinada 
resistência dos professores da Universidade, foram a pouco e pouco 
cedendo até a aprovação dos Estatutos de 1565, elaborados, como 
se julgou provável1B, pelos próprios inacianos. Já foram minu­
ciosamente analisados, num livro abundantemente documentado, os 
insistentes apelos feitos a D. João III, no sentido de entregar à 
Companhia de Jesus o Colégio que o próprio rei organizara com 
o concurso de humanistas nacionais e estrangeiros1S, A decisão 
do rei, depois de muita resistência, se deveu sobretudo aos insis­
tentes rogos de seus válidos. Em Carta de 6 de dezembro de 1557, 
confessou o jesuíta Luiz Gonçalves da Câmara, o mesmo que o 
Geral Lainez recomendava como mestre de D. Sebastião: “No haver 
el (Rei) sido author desta mutation, sino que se la hizieron hazer” 17 
Não se detiveram aí, entretanto, os padres jesuítas.
O Colégio mantinha-se com recursos provenientes da fazenda 
real. Depois da morte de D. João III, I>. Catarina determinou 
que fossem separados da Universidade e entregues ao colégio subs­
14. Antonio José Teixeira reuniu a documentação dos fatos referentes à 
história dos jesuítas em Portugal. Um grande número desses documentos se 
relaciona com a Universidade e o Colégio das Artes. Cf. Antonio José Tei­
xeira, Documentos para a História dos Jesuítas em Portugal, Coimbra, Imp. 
da Universidade, 1899. Neste livro se reproduzem documentos sobre assuntos 
os mais diversos referentes à administração, manutenção, privilégios e regalias 
que foram concedidos aos jesuítas desde a entrega do Colégio das Artes à 
Companhia de Jesus.
15. Mário Brandão e M. Lopes D*Almeida, A Universidade de Coimbra, 
Esboço da sua História, memória histórica publicada por ordemdo Senado 
Universitário, no IV centenário do estabelecimento definitivo da Universidade 
em Coimbra, 1937, Parte I, págs. 225 e segs.
16. Mário Brandão, O Colégio das Artes, 2 vols., Coimbra, 1924, 1933, 
ver especialmente o vol. II.
17. Apud Francisco Rodrigues, ob. cit, t. I, vol. H, pág. 347, nota 1.
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Nota
Esta é uma informação que a Ruth Gauer não apresenta, que colégio era mantido com recursos estatais, era mantido pelo Estado.nullA Igreja exercia várias atividades estatais, à época, quando não existiam certidões de óbito, as capelas e os cemitérios anotavam os nomes dos falecidos. 
tanciais haveres de sua fazenda. A Universidade resistiu até que, 
passados catorze anos, não pôde livrar-se do compromisso de entre­
gar ao colégio, anualmente, 3.000 cruzados. Saía desta forma a 
Universidade “vencida e humilhada” 1S. Semelhantes regalias obti­
veram os padres da Companhia de Jesus na questão dos graus aca­
dêmicos. Sem submeter-se à administração da Universidade, des- 
sangrando-Ihe os recursos financeiros, admitindo ao grau de mestre 
os professores do Colégio “sem fazerem auto algum dos que man­
dam os estatutos” ia, e sobretudo, amparando-se em provisões nas 
quais se determinava que nenhum estudante fosse admitido nos estu­
dos de Leis e Cânones da Universidade sem prévio exame no Colé­
gio das Artes 20, os jesuítas reuniram em suas mãos privilégios de 
tamanho alcance que não é de estranhar crescesse o seu ensino 
quantitativamente, e com enorme rapidez o número de seus colégios 
e dos estudantes que neles iam buscar não só o aproveitamento nas 
letras, mas tambem nos costumes.
Não há motivos para censurar os jesuítas por terem alcançado 
uma posição que lhes garantiu incontestável predomínio na vida po­
lítica portuguesa. A Companhia de Jesus surgiu com propósitos 
que devem ser compreendidos, antes de tudo, em função dos reais 
interesses históricos que animaram os seus primitivos objetivos. A 
história, quando muito, justifica os homens e não as “éticas” — a 
ideologia — dos grupos organizados ou não, de que fazem parte. 
A “ética” jesuítica teve uma finalidade imediata, de valor histórico 
semelhante à finalidade das demais ordens religiosas no momento 
em que surgiram. Não se pode discutir o seu sublime fim — Ad 
majorem gloriam Dei — porque, na órbita dos interesses espiri­
tuais, todas as religiões, como se dizia naqueles tempos, perseguiam 
iguais objetivos; mas pode-se discutir os seus processos, os meios 
de que lançou mão, porque, enquanto historicamente realizados, 
estes processos não puderam escapar ao jogo fortuito dos interesses 
que, na ordem temporal, condicionam as ações humanas. Desde 
o momento em que os inacsanos pretenderam confundir os ideais 
sublimes da Fé com os interesses seculares do Império, a sua messiâ­
18. Mário Brandão e M. Lopes D ’Almeida, ob. cit., Parte I, pág. 220.
19. Aníonio José Teixeira, ob. cit., Parte III, Doc. XXXV II, pág. 217.
20. idem, ibiáem, Parte V, Doc. VIU, págs. 400 a 402. Alvará de 3 
de agosto de 1561, confirmado por D. Felipe I, a 20 de janeiro de 1591, c 
por D. Felipe III, a 16 de mato de 1634.
35
nica ortodoxia foi impotente para resistir, de um lado, às novas 
exigências impostas pela transformação das condições de vida na 
sociedade burguesa e, de outro, na esfera espiritual, à inquieta 
heterodoxia da alma moderna. Houve um momento em que o equi­
líbrio foi possível.
Com sua ética heterônoma, que realçava o valor da ordem e 
da obediência, os jesuítas também foram, até certo ponto, os edu­
cadores da burguesiaSl. “Foi necessário que houvesse diversas 
classes — afirmava Bordaloue — e, antes de tudo, foi inevitável 
que houvesse pobres, a fim de que existissem na sociedade humana 
obediência e ordem” 22. Com aquele realismo característico, que 
tão bem garantiu o êxito de seus empreendimentos, reconheceram 
os padres da Companhia de Jesus o novo sentido da vida que o 
progresso da burguesia propiciava. E não tiveram dúvidas de ir 
ao encontro destas aspirações, seeuralizando, pela dignifícação do 
trabalho, os ideais do cristianismo: “Quero dizer que cumprir fiel­
mente os seus deveres — pregava ainda Bordaloue — trabalhar 
com zelo e ser diligente dentro do próprio estado, conforme a von­
tade e os desejos de Deus, significa orar” 23. A despeito destes 
esforços não se puderam conter nos quadros da Igreja militante as 
forças históricas que preparavam o advento de uma nova ordem 
social. Acima dos credos e das confissões, elaborou-se, no século 
XVIII, uma nova concepção da vida moral que, com a idéia do 
direito natural, despojado de seus pressupostos teológicos, e com a 
doutrina de uma religião natural, numa introspecção altamente sig­
nificativa, descobriu na consciência o dever como o tribunal, deso­
brigado de sanções externas, de uma ética eçumênica e sem fron­
teiras espirituais. No fundo, esta ética filosófica pressupunha, a 
partir da consciência moral e do dever, como imperativo categórico, 
uma ordenação autônoma das vontades, bem diferente da ordem 
preconizada pelos inacianos, na qual a obediência e a humilde doci­
lidade constituíam, na visão dos iluministas. formas de alienação 
da pessoa que a clara geometria de um sistema ético-político, arden­
temente almejado, não podia justificar.
21. Sobre os Jesuítas como educadores da burguesia, ver Bemhard Groe- 
thuysen, l.a Formación de la Consciência Burguesa en Francia durante el Siglo 
X III, trad. espanhola (to José Gaos, México, Fondo de Cultura Econômica, 
1943, 2 a Parte, III; Los Teologos como Educadores de la Burguesia, especial­
mente págs. 280 e 290, e as notas às págs. 575 a 578.
22. Apud Groethuysen, ob. cit., pág. 285.
23. Idem, pág. 284.
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Nota
Como o ensino era um pré-requisito para o ingresso nas universidades, vários burgueses da época pagavam a educação jesuíta para seus filhos, o que garantiu parte do êxito dos jesuítas 
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O desenvolvimento posterior dos estudos e da especulação nas 
escolas da Companhia de Jesus já estava, de certa forma, determi­
nado nestas sucintas disposições de suas Constituições: “In Theolo- 
gja legetur vetus et Novum Testamentum et doctrina scholastica divi 
Thomae.. . In logica et philosophia naturali et morali, et meta- 
physica, doctrina Aristotelis sequenda est” 24. Com certa liberdade 
na interpretação dos textos e incorporando as conquistas do huma­
nismo, de acordo aliás, com a imposição das circunstâncias histó­
ricas, criaram os jesuítas nas suas escolas, do velho e do novo mun­
do, uma constante de pensamento, uma nova tradição filosófica a 
que já se deu o nome de tomimio moderado25. Orientação esta 
que encontrou nos problemas políticos e jurídicos o assunto em que 
eles exerceram com maior originalidade28. Preferiram Aristóteles 
a Platão, porque a doutrina do estagirita, na sua opinião, atendia 
melhor às exigências de uma concepção católica do mundo e do 
homem. Não era, entretanto, apenas o Aristóteles da tradição esco- 
lástica, mas o Aristóteles do humanismo, renovado pelos comen­
tadores que não desprezavam sequer a lição de alexandristas e aver- 
roístas27. Estribando-se, desta forma, na autoridade dos textos 
aristotélicos, que eram examinados em função dos interesses da re­
ligião católica, este ensino, sem renovar-se em sua estrutura e pro­
cessos, logo descambou para o aparato das disputas verbais. Os 
esforços isolados, entre os quais o do jesuíta Cristovam Borri, não 
foram suficientemente eficazes para modificar a força dos hábitos 
pedagógicos então vigentes. Aliás, a formalística do regime univer­
sitário, com os seus atos e oposições, favorecia muito mais as exi­
24 Constltutiones Societatis Jesu, P. IV , Cap. XIV. Na tradução espa­
nhola da Biblioteca de Autores Crlstianos, organizada pelos especialistas do 
Instituto Histórico da Companhia de Jesus— Obras Completas de Santo Inacio 
de Loyola ~~ Madrid, 1952, o passo se encontra à pág. 474.
25. Ver Cario Giacon, S. J. La Seconda Scolastica, 3 vols., Milão, Fra- 
telli Bocca, 1944, 1947 e 1950, t. IT, Cap. I, especialmente 2 e 3, págs. 17 a 30.
26. é a opinião do historiador da segunda escolástica; cf os prefácios 
dos dois primeiros volumes e, especialmente, do terceiro da citada obra.
27. “A lia Seconda Scolastica — escreve Cario Giacon S. J. — incombe- 
va il problema di concíliare il valore rcale dei pensiero aristotelico con le 
impelieníi esigenze delia nuova cultura umamstica”, ob. cit., t. II, pág. 35. 
Sobre as relações dos jesuítas com o humanismo da Renascença em Portugal, 
ver A. Alberto de Andrade, ob. cit., Cap. IH , págs. 70 a 104 e, ainda do
mesmo Auíor, “A Renascença dos ‘Çonijnbricensís’ ”, in Brotéria, 1943, vol. 
XXXVn, págs. 480 a 501.
37
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gências de um saber verbal — próprio de canonistas, teólogos e 
legistas — do que as necessidades de um conhecimento amparado 
na experiência e nas matemáticas. Bastante expressivo, neste sen­
tido, era o descrédito em que se achavam os estudos médicos até a 
introdução das reformas pombalinas. Nestas condições, a Universi­
dade portuguesa que, com as primeiras iniciativas de D. João III, 
parecia destinada a palmilhar mais amplos e abertos caminhos, subi­
tamente enveredou por nova direção e se transformou no reduto, 
fortemente garantido, dos ideais da Contra-Reforma.
Depois de sucessivas reformas, aceitou a Universidade os Oita­
vos Estatutos que, confirmados em 16Í2, foram novamente confir­
mados em 1653, por D. João IV. As novas “modificações introdu­
zidas nos estatutos — observa o Prof. Lopes D’Almeida — corres­
pondiam às pressões e à defesa que a Companhia de Jesus e a Uni­
versidade procuravam fazer valer junto do monarca, uma dos seus 
objetivos pedagógicos, a outra de seus direitos e interesses prejudi­
cados. Ambas, quando lhes parecia ter junto do rei ou dos executo 
res da sua autoridade agente ou pessoas de sua confiança, tenta­
vam impor os seus pontos de vista e daí as alterações quase nunca 
atingiram a orgânica do ensino que se imobilizou na generalidade 
em fórmulas em desuso” 28. Estes estatutos vigoraram até às refor­
mas de 1772. Não foi possível fazer vingar qualquer programa de 
renovação cultural porque a disputa entre os inacianos e a Univer­
sidade não foi além de um mero conflito dc interesses materiais e 
nunca, em qualquer ocasião, se patenteou uma possível divergência 
de propósitos e objetivos no setor da cultura e da educação. Houve, 
sem dúvida, tanto entre os jesuítas quanto na própria Universidade, 
esforços isolados no sentido de introduzir em Portugal os novos 
problemas que o progresso das ciências experimentais e da especula­
ção filosófica tanto encareciam. Estes esforços, todavia, foram impo­
tentes para modificar a rotina imperante. lembremos, a propósito, 
a provisão de 23 de setembro de 1712, na qual D. João V, tendo 
notícia de que “no colégio da Companhia, dessa cidade (Coimbra) 
se quer introduzir nas cadeiras de filosofia outra forma de Lição 
da que até agora se observava, e mandam os estatutos”, ordena 
o reitor do Colégio das Artes “que havendo nesta matéria alguma 
alteração a fajais evitar, ficando de vosso Zelo não consintais esta
28. Mário Brandão e M. Lopes D ’Almeida, ob. cit., Parte U, pág. 17.
38
nova introdução” . .. 29. E, mais tarde, o reitor do Colégio das 
Artes, em edital de 7 de Maio de 1746, determinou que “nos exa­
mes, ou Lições, Conclusões públicas, ou particulares se não ensine 
defensão ou opiniões novas pouco recebidas, ou inúteis para o estu­
do das Ciências maiores como são as de Renato Descartes, Gasscn- 
do Newton, e outros, e nomeadamente qualquer Ciência, que defen­
da os átomos de Epicuro, ou negue as realidades dos acidentes 
Eucarísticos, ou outras quaisquer conclusões opostas ao sistema de 
Aristóteles, o qual nestas escolas se deve seguir, como repetidas 
vezes se recomenda nos estatutos deste Colégio das Artes” ®°.
in
Nas publicações antijesuíticas da administração do Marquês 
de Pombal, transparece claramente a preocupação de atribuir aos 
inacianos a principal responsabilidade pela decadência em que se 
encontravam os estude» em Portugal. O Compêndio Histórico do 
Estado da Universidade de Coimbra no tempo da invasão dos deno­
minados jesuítas e dos estragos feitos nas ciências, nos professores, e 
diretores que a regiam pelas maquinações e publicações de novos es­
tatutos por ele fabricados, aparecido em 1772, constitui, em suas 
linhas essenciais, apesar das parcialidades notórias, um programa de 
alta significação pedagógico-cultural, pois nele se encontra, ainda 
hoje, o melhor documento que, do ponto de vista crítico, se fez em 
Portugal sobre a situação em que se encontrava a Universidade de 
Coimbra até a promulgação dos estatutos pombalinos. A erudição 
histórica posterior retificou muitos dos erros contidos nesta publi­
cação, mas estas emendas de maneira alguma alteram a própria 
substância do programa educacional traçado pela Junta de Provi­
dência Literária. É preciso lembrar que 0 Compêndio foi redigido 
num momento em que a questão dos jesuítas, transformada num 
problema político dos governos de Espanha, França e Portugal ainda 
não se resolvera. Devido ao prestígio que gozava a Companhia 
de Jesus, junto à Cúria Romana, os delegados dos governos que 
se empenhavam na luta contra os jesuítas não tinham vencido até
29 Provisão publicada por Joaquim de Carvalho in Ensaio Filosófico 
sobre o Entendimento Humano, Apêndice A, pág. 169.
30. Edital reproduzido por Joaquim de Carvalho, in ob. dt., Apêndice 
A, 2, págs. 170 a 172; cf. loc. cit., pág. 171.
39
aquela data as últimas resistências de Ganganelli e alcançado, desta 
rorma, o objetivo comum: a extinção da ordem. Compreende-se, 
portanto, que a reforma da Universidade se transformasse em mais 
um documento da política antijesuítica que bá dezesseis anos se 
tomara uma das principais preocupações da administração pomba- 
lina. No Compêndio Histórico, todos os elementos úteis à justifi­
cação doutrinária do pombalismo foram aproveitados: desde a en­
trega do Colégio das Artes à Companhia de Jesus, com os episó­
dios que se lhe seguiram, até à análise minuciosa dos acontecimen­
tos políticos em que os inacianos tiveram uma parcela, mínima que 
fosse, de responsabilidade. Todos os fatos referente à ação dos 
jesuítas foram invocados para demonstrar, num quadro de tintas 
sombrias, que, até mesmo no setor do ensino, a decadência da na­
ção era sobretudo obra dos padres da Companhia de Jesus. O 
Compêndio Histórico constitui, desta forma, a conseqüência natu­
ral da doutrina da Dedução Cronológica e Analítica, de 1765, como 
esta representa também o corolário generalizado e minucioso da 
Relação abreviada da República que os religiosos jesuítas das pro­
víncias de Portugal e Espanha estabeleceram nos domínios ultrama­
rinos das duas monarquias e das guerras que neles tem movido e 
sustentado contra os exércitos espanhóis e portugueses, de 1756.
No Compêndio Histórico, ao mesmo tempo que se recapitu- 
lam os fatos indicados na Dedução Cronológica, particularizam-se 
“os outros estragos, que os mesmos regulares fizeram em cada tuna 
das quatro Ciências maiores” 81 — teologia, leis e cânones, medir 
cina e matemática. Na teologia, o predomínio da filosofia aristo- 
télica, que relegou ao esquecimento a teologia primitiva, com o sa­
crifício dos estudos da Escritura, da Tradição dos Concílios, dos 
Santos Padres e da História Sagrada82; na jurisprudência canônica 
e civil, a adoção de uma metafísica “errônea e sumamente preju­
dicial” 33 e o ensino da Moral Cristã .por intermédio da ética, de 
Aristóteles, Filósofo Ateista, “que nenhuma crença teve em Deus, 
e na Vida Eterna; que em vez de ditarprincípios para a probidade 
interior do ânimo, e para a justiça natural, foi o Autor de um sis­
tema estofado de máximas dirigidas a formarem um Áulico das 
Cortes de Felipe e Alexandre, e um Hipócrita armado contra a
31. Compêndio Histórico, pág. X II.
32. Idem, págs. XH e X III.
33. Idem, pág. XIV.
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Tratado de Madri é firmado em 1750, as Guerras Guaraníticas ocorrem em 1756
inocência dos crédulos com virtudes externas, e fingidas” 34. Neste 
mesmo domínio ainda, o esquecimento em que foram lançados os 
estudos das histórias do direito romano e pátrio, do direito canônico, 
da história geral e da doutrina do método35. Na medicina, a obsti­
nada adesão à física aristotélica, com o sacrifício da verdadeira 
física, da química filosófica, da botânica e da anatomia e a confusão 
do estudo teórico com o prático80. Tais foram, na opinião dos 
relatores da Junta de Providência Literária, os principais estragos 
causados pelos jesuítas nos estudos das ciências universitárias.
Quer nos parecer que este antijesuitismo foi muito mais a con­
seqüência das lutas políticas do Gabinete com a Cúria Romana do 
que a verdadeira causa do programa pedagógico formulado pela 
Junta de Providência Literária. Tamanha foi a força das vicissi- 
tudes políticas, e tão acirrados andavam os ânimos, que um progra­
ma, para cuja justificação bastava apenas a incontestável grandeza 
de seus fins, se transformou, impelido pelas circunstâncias históri­
cas, num documento com deliberados propósitos de fazer dos jesuítas 
a universal causa de todos os males portugueses. De há muito já se 
sentiam, na vida do país, os inconvenientes que traziam para a eco­
nomia e o trabalho nacionais o acúmulo de bens imóveis e as de­
mais regalias e privilégio que, diante das leis civis, gozavam as ordens 
religiosas. O assunto já fora ventilado nas Cortes de 1562 e, agora, 
D. Luiz da Cunha, no Testamento Político, insistia novamente no 
problema. Sebastião de Carvalho e Melo, como bom discípulo de 
D. Luiz da Cunha, que aproveitara a sua estadia em Londres para 
estudar, com meticuloso interesse, os problemas e as conseqüências 
econômicas dos tratados comerciais luso-britânicos37, não devia 
ignorar este delicado aspecto da questão. Sua luta contra os jesuítas, 
se, anos mais tarde, se inspirará em alguns dos motivos e razões da 
ideologia dos iluministas de outros países, no início foi causada 
principalmente pelo conflito entre os interesses do Estado e os da 
Companhia de Jesus.
34. Idem, ibidem.
35. Idem, págs. X IV e XV.
36. Idem, pág. XVI.
37. Ver, especialmente, J. Lúcio de Azevedo, ob. cit., Cap. I, A Embai­
xada de Londres, págs. 9 a 43. Vê o Autor na Relação dos Gravames do 
Comércio e Vassalox de Portugal na Inglaterra, redigida por Sebastião de Car­
valho e Melo, durante a sua permanência em Londres, “a origem de vários 
dos seus atos posteriores quando governou”; cf. ob. cit., pág. 29.
41
I
De qualquer forma, entretanto, no assunto que nos interessa, 
a renovação pedagógica da cultura portuguesa se efetuou por inter­
médio de um programa que se enriqueceu progressivamente, em 
conteúdo doutrinário, por força das vicissitudes políticas, internas 
e externas, com que se defrontou o govemo de D. José I. Já no 
reinado de D. João V, esta renovação se iniciara, com a casa que 
a vontade régia erigira em Lisboa, no subúrbio de Nossa Senhora 
das Necessidades, a fim de que nela ensinassem os padres da Con­
gregação de São Felipe Nery, o latim, o pego, a retórica, todas as 
humanidades enfim, por um método diferente do que o usado pelos 
jesuítas em suas escolas. Deste ensino surgiram os Exercidos de 
Língua Latina e Portuguesa acerca de diversas cousas, de 1711, 
e o Novo Método de Gramática Latina, para uso das escolas da 
Congregação do Oratório na Real Casa de Nossa Senhora das Ne­
cessidades, publicada em 1752, acompanhada de um prólogo críti­
co em que se indicavam mais de cem erros da gramática do Pe. Ma­
nuel Álvares. Não tardou a contestação, e metodistas e alvaristas, 
oratorianos e jesuítas, se engalfinharam numa polêmica que, embora 
estritamente gramatical, mal disfarçava os objetivos desiguais de 
duas pedagogias, de dois humanismos, se nos permitem a expressão, 
em conflito. Com a expansão dos jesuítas, em 1759, fez-se necessário 
preencher a lacuna aberta com a extinção das escolas por eles man­
tidas. O Alvará Régio que criou as aulas de latim, grego e retórica 
recomendava expressamente o novo método. O governo incorporou 
desta forma, fazendo-o seu, o método preconizado pela Congregação 
do Oratório. O “alvarismo”, daí por diante, passou a ser tenazmente 
perseguido.
Todavia, antes da reforma dos estudos de latim e humanida­
des, com propósitos menos ambiciosos, procurou o gabinete de 
D. José I resolver pela educação alguns de seus problemas mais 
urgentes. As primeiras iniciativas do gabinete, no setor da instrução, 
estão intimamente ligadas a esforços” de recuperação econômica 
empreendida pelo govemo. Ao criar-se a Junta do Comércio, pre- 
viu-se, no Cap. XVI, de seus estatutos, o estabelecimento de uma 
aula presidida por “um ou dois mestres dos mais peritos, que se co­
nheceram, delerminando-lhes ordenados competentes, e as obriga­
ções, que são próprias de tão importante emprego” 38. Com os
38. Estatutos da Aula do Comércio, confirmados pelo Alvará de 16 de 
dezembro de 1752, apud José Silvestre Ribeiro, História dos Estabelecimentos
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mesmos objetivos foi, logo depois, criada a aula de náutica na cidade 
do Porto, por iniciativa da Junta Administrativa da Companhia 
Geral da Agricultura das Vinhas do Alto Douro. Estas providências 
eram, na órbita do ensino, a conseqüência natural das iniciativas 
econômicas do Gabinete de D. José I. A política monopolista, se­
guida nos anos anteriores, e da qual resultara, sucessivamente, a 
criação das grandes companhias — do Comércio da Ásia, em 1753, 
do Pará e Maranhão, em 1755, da Pesca da Baleia, e dos Vinhos 
do Alto Douro, em 1756, e finalmente de Pernambuco e Paraíba, 
em 1759 — andava a exigir pessoal habilitado na escrituração das 
contas como condição relevante do progresso das novas empresas 
comerciais. A criação da Junta e das Aulas de Comércio parece 
ter correspondido a esta necessidade. Em suas Observações Secre­
tíssima?, de 1775, dirigidas ao Rei, por ocasião da inauguração da 
estátua eqüestre, afirmava o ministro, na sua linguagem caracterís­
tica, “haver a aula de comércio feito de tal sorte vulgar a aritmética, 
que para o lugar de um guarda-livros, que antes se mandava buscar 
a Veneza e a Gênova, por um conto de réis, e três mil cruzados de 
emolumentos, sucedendo agora vagar, se apresentam logo vinte, e 
mais opositores habilíssimos em todas as arrumações de livros mer­
cantis e em todas as mais difíceis reduções de pesos e medidas, de 
sólidos e líquidos, de todos os câmbios, e de todas as moedas que 
correm nas praças da Europa” :i9. Ê significativo que Pombal, antes 
de pensar na formação dos teólogos, canonistas, advogados e médicos
— problema que não foi estranho aos propósitos do gabinete de 
D. José I — cuidasse, preliminarmente, de amparar o trabalho eco­
nômico por intermédio da criação de uma escola destinada a formar 
a “elite” indispensável ao progresso financeiro das empresas e dos 
grupos que a política monopolista do novo governo planejara e orga­
nizara, ao pretender incentivar o acúmulo de riqueza individuais de 
tal forma que as novas condições econômicas melhor pudessem satis­
fazer aos reclamos dos interesses estatais. Neste sentido as aulas 
de comércio e de náutica estavam perfeitamente ajustadas aos pro­
Científicos, Literários e Artísticos de Portugal nos Sucessivos Reinados da 
Monarquia, Lisboa, Tip.da Academia Real das Ciências, 1871, t. I, pág. 273.
39. Observações Secretíssimas do Marquês de Pombal sobre a Colocação 
da Estátua Eqüestre de S. M . El-Rei D . Josè, Biblioteca Nacional de Lisboa, 
Coleção Pombalina, cod. 695, reproduzidas em Cartas e outras Obras Seletas 
do Marquês de Pombal, 5.a ed., 2 vols., Lisboa, Tip. de Costa Sanches, 1861, 
vol. I, págs. 12 a 24; cf. loc. cit., págs. 13
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Nota
É realizado uma formação para os tributaristas e administradores
pósitos econômicos de um gabinete que, na opinião do historiador 
Ângelo Ribeiro, representou em Portugal “o fautor desta burguesia 
de negócios — a classe média que virá prevalecer nas sociedades 
do século X IX” ».
A Aula de Comércio foi, desta forma, o meio de que lançou 
mão o governo, dentro dos próprios quadros da burguesia portu­
guesa, para formar o perfeito negociante que a conjuntura econô­
mica reclamava. Em suas Recordações, testemunha Ratton o apreço 
em que tinham a Aula de Comércio o Rei D. José I e o próprio 
Marquês de Pombal41, No preâmbulo da Carta de Lei de 30 de 
agosto de 1770, transcorridos mais de dez anos da fundação do 
curso, transparecem claramente os propósitos que animavam o Ga­
binete ao instituí-lo. Tamanha fora a desordem — diz-se no refe­
rido preâmbulo — que se assistiu “de muitos anos a esta parte 
o absurdo de se atrever qualquer indivíduo ignorante a denomi­
nar-se a si Homem de Negócio, não só sem ter aprendido os prin­
cípios da probidade, da boa fé, e do cálculo mercantil, mas mui­
tas vezes até sem saber ler nem escrever; irrogando assim igno­
mínia e prejuízo a tão proveitosa, necessária e nobre profissão” 42. 
Na política protecionista dos monopólios por que a Coroa procurava 
mobilizar, fora dos quadre» aristocráticos, as energias nascentes 
de uma classe, havia necessidade de preparar convenientemente os 
homens indispensáveis à sábia execução das novas tarefas mercantis.
No mesmo sentido, embora destinada a atender necessidades 
de um setor administrativo mais elevado, se encontra a nova orde­
nação dos estudos por que o Gabinete de D. José I, com o Colé­
gio dos Nobrex, procurou aparelhar a nobreza, pondo-a em condi­
ções de enfrentar, com êxito, os problemas peculiares da política do 
século. O “estrangeirado" Antonio Ribeiro Sanches que, embora 
há longo tempo ausente do país, conhecia muito bem, em suas 
raízes, os males que afligiam a educação portuguesa, soube lembrar 
e encarecer a oportunidade da criação de um colégio para a instru­
ção da nobreza, semelhante aos que já existiam em outras nações 
da Europa. Nas suas Cartas para a Educação da Mocidade, afir­
40. Ângelo Ribeiro, *‘A renovação pombaKaa”, itt História de Portugal, 
dirigida por Damião Peres e Eleutério Cerdeira, Barcelos, Poriucalense Ed., 
1934, 8 ts., vol. V I, Cap. X, pág. 200.
41. Recordações, de Jacome Ratton, Londres, 1813, pág. XXX.
42. Apud José Silvestre Ribeiro, ob. cit., t. I, pág. 279.
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mava com grande perspicácia o discípulo de Boerhaave: “Parece 
que Portugal está hoje quase obrigado não só a fundar uma Escola 
Militar, mas de preferi-la a todos os estabelecimentos literários, que 
sustenta com tão excessivos gastos. O que se ensina e tem ensinado 
até agora neles é para chegar a ser Sacerdote e Jurisconsulto; e 
como já vimos... não tem a Nobreza ensino algum para servir a 
sua pátria, em tempos de paz nem da guerra” 45. Sem dúvida a pres­
teza com que se resolveu o problema está relacionada com os sucessos 
militares da guerra luso-espanhola de 1762. O Colégio de Nobres, 
a aula de náutica na cidade do Porto, a aula de artilharia de São 
Julião da Barra, criada pelo Alvará de 2 de abril de 1762, e o 
plano de estudos dos regimentos de artilharia44 são expressões di­
versas de um programa pedagógico destinado à ampla recuperação 
e organização de um exército que havia chegado, até então, aos 
graus extremos da miséria moral s física48.
À nobreza não bastava, nas condições específicas dos novos 
tempos, a formação humanística que, sem modificações essenciais, 
prevalecia no ensino português desde a criação do Colégio das Artes. 
Ribeiro Sanches compreendeu perfeitamente o significado deste fato. 
Nas sugestões que apresentou para a criação do Colégio dos Nobres 
não se esqueceu de recomendar, como matéria de ensino, qualquer 
ciência que, na vida cultural de seu tempo, julgasse indispensável 
à formação do perfeito nobre, arquétipo pedagógico que a política 
pombalina erigiu como correlato e complemento do perfeito nego­
ciante: tipos ideais, aliás, que, embora aparentemente diversos, se 
integravam harmonicamente nos propósitos do absolutismo iluminista 
do gabinete de D. José I. No Colégio dos Nobres, além das disci­
plinas constantes dos cursos de Humanidades (latim, grego, retórica e 
filosofia) estudavam-se as línguas estrangeiras (francesa, italiana e
43. Cartas sobre a Educação da Mocidade, ed. revista e prefaciada por 
Maximiano Lemos, Coimbra, Imp. da Universidade, 1922, pág. 184.
44. As aulas de náutica, de artilharia, assim como o plano de estudos dos 
regimentos de artilharia são de 1762. Para maiores informações ver José 
Silvestre Ribeiro, ob. cit., t. I, págs. 246 a 306.
45. Sobre o estado em que se encontrava o exército português, por 
ocasião do conflito de 1762, ver Latino Coelho, História Política e M ilitar de 
Portugal desde os Fins do Século XVII] até 1814, 2.a ed,, Lisboa, 3 vols., Imp. 
Nacional, t. Cap. I, págs. 1 a 86; c£,, ainda, do mesmo autor, O Marquês 
de Pombal, na obra comemorativa do centenário da sua morte publicada pelo 
Club de Regatas Guanabarense do Rio de Janeiro, Lisboa, Imp. Nacional,
1885, Cap. X II, especialmente págs. 275 e segs.
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inglesa), ao mesmo tempo que os elementos das matemáticas, da 
astronomia, e da física: da álgebra, c da sua aplicação à geometria, 
da análise infinitesimal, e cálculo integral, da ótica, dióptrica, catóp- 
trica, dos princípios de náutica, da arquitetura militar e civil; do 
desenho e, finalmente, da física46. Constituía desta forma este 
currículo um esforço no sentido da renovação das bases, ao mesmo 
tempo teóricas e práticas, indispensáveis ao bom cumprimento dos 
serviços que por dever a nobreza deveria exercitar.
Delineiam-se desta maneira, em seus traços característicos, os 
rumos da política pombalina na instrução pública que, anos depois, 
encontrarão na reforma da Universidade, de 1772, a sua manifes­
tação mais expressiva. A criação das aulas régias, dos cursos mili­
tares, da aula de comércio e de náutica foram como que os ensaios 
preparatórios de uma renovação radical das estruturas, dos proces­
sos e — até mesmo — da própria ideologia filosófica, em que se 
apoiava o ensino universitário português. Tanto no programa pro­
posto pela Junta de Providência Literária como no zelo com que 
o Marquês reformador acompanhou, com medidas prontas e efi­
cazes, a remodelação dos estudos nas quatro faculdades, refletem-se 
as intenções, acentuadamente iluministas, que nortearam os homens 
de Pombal no esforço comum de fazer da Universidade uma escola 
que permitisse ao poder público formar o sacerdote, o jurisconsulto, 
o médico e o letrado de acordo com o espírito do regaíismo dou­
trinário que a força das vicissitudes históricas transformara na ra­
zão política, mais caracteristicamente universal, de um governo.
No intervalo transcorrido entre 1759 — ano da expulsão dos 
jesuítas e da criação das aulas régias de íatim, grego, hebraico e 
retórica — e 1772, quando se realizou a reforma da Universidade 
de Coimbra, a luta do gabinete de D. José I com os ínacianos se 
desdobrara numa série de acontecimentos que acabaram por lan­
çar o governo contra a Cúria Romana na quaí ainda a Companhia 
de Jesus era ouvida e acatada. Mobilizaram-se,para vencer a tenaz 
resistência, todos os recursos, de um e outro lado, a fim de que 
cada parte melhor pudesse defender seus interesses, direitos e pri­
vilégios. No calor desta disputa consolidou-se a doutrina política,
4&. Sobre a organização do Colégio dos Nobres ver José Silvestre Ribei­
ro, ob. cit., t. I, págs. 282 a 29S, e Teófilo Braga História da Universidade de 
Coimbra nas suas Relações com a Instrução Pública Portuguesa, Tip. da Aca­
demia Real das Ciências, 1902, t. III, Cap. III, págs. 348 a 354.
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Nota
doutrina regalista = doutrina de legitimação do poder do rei 
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de feitio absolutista, na qual, ainda hoje, alguns autores, e não sem 
razão, pretendem encontrar o germe do liberalismo lusitano. A maior 
força dos jesuítas residia nas escolas que possuíam nas mais lon 
gínquas cidades do reino e do Ultramar. A expulsão da Companhia, 
com os males dela decorrentes, deixou uma lacuna que necessitava 
de uma pronta e hábil correção. Com a criação das aulas régias 
de latim, grego e retórica, iniciou-se, na administração pombalina, 
uma reforma que, enriquecida e gradativamente ampliada, alcançou, 
em 1772, com os Estatutos da Universidade, sua mais alta e signi­
ficativa expressão, ao transformar-se num programa pedagógico que 
se definiu como urna doutrina contra o sistema adotado nas escolas 
jesuíticas.
IV
Escrevia D. Luiz da Cunha no seu Testamento Político, com 
oportuno e real senso das condições em que se encontrava Portu­
gal: “Se V. A. quiser dar uma volta aos seus reinos... achará 
que a terceira parte de Portugal está possuída pela Igreja que não 
contribui para a despesa e segurança do Estado, quero dizer pelos 
cabidos das dioceses, pelas colegiadas, pelos príorados, pelas aba­
dias, pelas capelas, pelos conventos de frades e freiras” 47. Um 
reino com tão extensos domínios deveria poupar e aproveitar melhor 
os seus recursos humanos e evitar que as suas riquezas se dissipassem 
com a ininterrupta transferência dos bens civis para o patrimônio 
da Igreja. Nesse patrimônio avultavam, em todas as partes do 
reino e seus domínios, os empreendimentos jesuíticos. Não é de 
estranhar, portanto, que tenham sido os inacianos os que mais resis­
tiram à política econômica que o gabinete pusera em ação já no 
início do primeiro decênio de sua administração. E assim proce­
dendo, agiram os jesuítas, no entender de Pombal e seus homens, 
como fatores de desagregação da união cristã e da sociedade civil, 
da qual o Governo de D. José I se julgara o fiador.
Foi em nome desta união cristã e da sociedade civil, da qual 
foram excluídos os jesuítas, que se constituiu a doutrina jurídico- 
política que prevaleceu nos atos da administração pombalina. A
47. Luiz da Cunha, Testamento Político, Prefácio e notas de Manuel 
Mendes, Lisboa, Seara Nova, 1943, págs. 39/40.
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Nota
A Igreja possui imóveis e diversas terras
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força com que o Gabinete se atirou na contenda com o Papado e 
a perseverança demonstrada na defesa das régias prerrogativas, ao 
responder, pronta e categoricamente, aos contragolpes que, prote­
gidos pela Cúria Romana, lhe desferiam os jesuítas, foi talvez o mo­
tivo preponderante, lembrado por aquelas “vozes genéricas, vagas 
e improváveis por nalureza” 4S as quais fizeram do Min. Sebastião 
de Carvalho e Melo um libertino, “discípulo de Voltaire e do Barão 
de Holbach, inimigo da Igreja e da crença católica, porque o era 
da Companhia de Loyola”49. A resposta por que o Marquês, já 
no ostracismo, respondeu à “calúnia” com que pretendiam infamá-lo, 
traduz o rumo que norteou os homens do governo nos complexos 
e árduos problemas da relação entre o poder secular e o religioso: 
“Sendo pois Portugal — dizia em sua ‘Apologia sobre a calúnia 
da irreligião’ — o país da Europa, onde a religião se conservou 
sempre mais puia e ilibada; sendo por isso o país onde tem resplan­
decido a religião, e o culto divino; sendo eu nele nascido e criado 
por pais, e avós muito religiosos, não há razão alguma para se pre­
sumir contra mim, e se imputar que me desnaturalizei da própria 
pátria e da educação e costumes, que recebi e herdei dos meus 
progenitores para me precipitar no absurdo de ser irreligioso" 50.
Na lógica política do gabinete, o jesuitismo, nos seus fins, há­
bitos e práticas, tornou-se quase um sinônimo de desmturalização: 
“Não há jesuítas portugueses e jesuítas espanhóis proclamava a 
Dedução Cronológica — porque são na realidade os mesmos je­
suítas, que não conhecem outro soberano que não seja o seu geral, 
outra nação que não seja a sua própria sociedade; porque pela 
profissão que a ela os une, ficam logo desnaturalizados da pátria, 
dos pais e dos parentes” 51. Na defesa dos interesses da sociedade 
civil, a política pombalina procurou furtar-se aos termos do dilema 
Sacerdócio-Império porque, pela força das condições históricas, ten­
tou construir, de acordo com o apoio do próprio clero português, 
excetuados os jesuítas, a república que dentro do espírito do
48. “Apologia sobre a Calúnia de irreligião”, Coleção Pombalina, B.N.L., 
cod. 668, reproduzida nas Cartas e outras Obras S e le c t a s . t . II, págs. 200 a 
205; cf. ob. cit., pág. 205.
49. J. Lúcio de Azevedo, ob. cit., pág. 365.
50. “Apologia sobre a Calúnia c!e irreligião”, in Cartas e outras Obras 
Selectas..., t. II, pág. 201.
51. Dedução Cronológica e Analítica, Parte I, Divisão nona, § 338, 
pág. 191.
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absolutismo se tornara a preocupação dos teóricos mais avançados 
do tempo. A religião, na mentalidade que então predominava, era 
o esteio da ordem civil, o tribunal que, ao resguardar a pureza da 
fé, resguardava, ao mesmo tempo, os interesses mais legítimos do 
poder secular. O homem natural pertence tanto à religião quanto 
aos seus parentes e pátria: somente na união cristã, que não lisonjeia 
os interesses desnaturalizantes da Igreja, sem pátria e sem fronteiras, 
pode a sociedade civil viver e prosperar. Não se pretendia propria­
mente a consagração, tão do gosto do radicalismo cismontano, do 
aforismo — non respublica, est in eccíesta, sed ecclesia in respublica
— mas uma tentativa de conduzir, numa harmonia de interesses, 
conjuntamente, a República e a Igreja pelo caminho do progresso, 
material e espiritual, da nação lusitana.
Dentro desta ordem de preocupações impôs-se resolver o pro­
blema do ensino, não mais como tarefa das ordens religiosas, mas 
como atribuição própria, sem ser exclusiva, do poder real. Pelo 
menos assim o entendia Ribeiro Sanches: “Somente S. Majestade 
Fidelíssima foi o primeiro entre seus Augustos Predecessores, que 
tomou a si aquele JUS da Majestade de ordenar que os seus súdi­
tos aprendam de tal modo que o ensino público possa utilizar os 
seus dilatados domínios” S2. Pretendia, desta forma, Ribeiro Sanches 
ver no Alvará que criou as aulas régias de latim, grego e retórica 
a expressão de uma escola estruturada em função dos interesses da 
Sociedade Civil. Evidentemente, não se tratava de uma simples 
transferência de mando, mas dos próprios fins e objetivos do ensino, 
de tal modo que uma nova pedagogia, solidamente fundamentada 
nas razões da filosofia moderna, tomasse o lugar da pedagogia es- 
colástica de que se tomaram expressão altamente significativa, em 
Portugal, as escolas dos jesuítas. Esta nova orientação filosófica 
não se caracteriza apenas pelo repúdio a Aristóteles e ao método 
cscolástico que, na opinião lúcida do erudito Bispo de Beja só serve 
para “adelgaçar o espírito, delir sua atividade em vapores, trabalhar 
a razão em conceito sem objeto que importe e valha; trabalhar a 
razão em agudezas que só a si mesmas significam, tudo isto é como 
aguçar o faminto cansadamentea faca, sem jamais tocar no alimen­
52. Antônio N. Ribeiro Sanches, Cartas para a Educação da Mocidade, 
págs. 2/3.
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to” 53 mas ainda pelo deliberado esforço de fazer da experiência 
a fonte, o caminho e a verdade do conhecimento.
Desde que se tomaram conhecidas dos países europeus, prin­
cipalmente da França, as obras dos ingleses John Locke e Isaac 
Newton, o pensamento filosófico — desenganado mais das fanta­
sias do que do verdadeiro espírito do cartesianismo e ignorando, 
de um lado, as críticas e contestações que ao empirismo lockiano 
tinha oposto Leibniz, nos Novos Ensaios sobre o Entendimento 
Humano, e, de outro, as conseqüências céticas a que este mesmo 
empirismo conduzira um espírito viril como o de David Hume — 
inclinou-se, sem relutâncias outras que não fossem as da tradição 
retrógrada, para o amplo e aberto caminho da experiência como 
único guia seguro, capaz de livrá-la dos fantasmas da razão e de 
seus artifidosos recursos, Foi este empirismo, bem ou mal com­
preendido, que os corifeus da inteligência portuguesa transformaram 
numa arma de combate à tradição e scolás dco-peripatética. Luiz 
Antonio Verney, Antonio Ribeiro Sanches, Jacob de Castro Sar­
mento, Manuel do Cenáculo Villas Boas, entre alguns outros mais, 
traduziram, cada um à sua maneira, as preocupações da época. 
Castro Sarmento, depois de tentar conseguir sem êxito o apoio 
régio para a publicação, em língua portuguesa, das obras de Bacon, 
divulgava, em 1737, a sua Teórica Verdadeira das Marés conforme 
a Filosofia do Incomparável Cavalheiro Isaac Newton.
Antes, porém, em 1725, Luiz Baden, natural da Inglaterra, 
instituiu um curso, com aparato técnico-filosófico, ou seja, instru­
mentos vários — telescópios, balanças, mirros 'de diferentes ordens, 
barômetros, termômetros, lanterna mágica, bombas, ventosas etc., 
destinado a explicar “com uma postila ampla e metódica todos os 
fundamentos e experiências dos Filósofos Modernos, e especialmente 
dos famosos Roberto Boyle e Isaac Newton, os mais ilustres natu­
ralistas deste último século” 54, A iniciativa não constituiu um exem­
plo isolado, pois as “novas” idéias já andavam no ar, incomodando
53. Frei Manuel do Cenáculo Villas Boas, Cuidados Literários, pág. 92, 
apud Hernani Cidade, Lições de Cultura e Literatura Portuguesas, 2 vols., 
Coimbra, Coimbra Ed., 1948, 2.° vol., pág. 126.
54, Notícia da Academia ou Curso de Filosofia Experimenta! novamen­
te Instituída nesta Corte para Instrução, e Utilidade dos Curiosos, e Amantes 
dai Artes, e Ciências, na oficina de Pedro Ferreira, 1725, publicada por Joa­
quim de Carvalho, ob, cit., Apêndice B, págs, 175 a 179; cf. loc. cit., pág. 175,
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utensílios que demonstram o empirismo
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os espíritos amantes da amena tranqüilidade acadêmica. Não pro­
priamente contra os empiristas, no sentido que lhes empresta a escla­
recida visão dos teóricos do século XVIII, mas contra gassendistas, 
caríesianos, atomistas e corpulatores, o que é bastante significativo 
como ilustração da situação em que se achava a investigação uni­
versitária — se manifestou o sobrinho do reitor Carneiro de Fi- 
gueiroa, Tom az Manue! Pamplona Rangel na Refutatb philosophka, 
sive conferentia philosophia conferens inter novum ei innovatum 
Philosophiam, et celeberrimam Perípateticam Resolutiones varias, de 
1748.
Fora do círculo acadêmico, e agora dirigida aos filósofos ex­
perimentais da Congregação de São Felipe Nery, não foi menor 
a resistência aos inovadores. No Mercúrio Filosófico dirigido aos 
filósofos de Portugal com a notícia dos artigos que na Dieta Impe­
rial da Filosofia na Sessão V se consultarão, e mandavam propor 
à física experimental da Real Casa das Necessidades a fim de es­
tabelecer uma perfeita paz entre a filosofia moderna e antiga, Phi- 
liarco Pherepono ilustra muito bem o sentido desta resistência, pro­
curando meter no ridículo os experimentos e demonstrações que, com 
aparelhos físicos, realizavam os oratorianos da Casa das Necessi­
dades em Lisboa,
Nas reformas pombalinas da instrução pública, prevaleceu o 
ponto de vista dos ecléticos e inovadores, quer seja no setor dos 
estudos menores, nos quais novos autores e métodos foram adotados 
com o pensamento numa renovação literária, quer seja ainda nos 
estudos maiores — a teologia, o direito, a medicina c a filosofia — 
que perseveravam manter-se ainda, em pleno século das luzes, den­
tro da rígida construção escolástica. As reformas foram, desta for­
ma, um esforço no sentido de colocar as escolas portuguesas em con­
dições de acompanhar com êxito o progresso do século. E por este 
motivo cumpre indagar até que ponto a reestruturação dos estudos 
universitários traduziu a forma de pensar característica do ilumi- 
nismo europeu,
Evidentemente, o iluminismo não se define apenas pelo modo 
sui generis por que tratou o problema especulativo; na sua atitude 
genérica, ele representou, antes de tudo, um pensamento orientado 
para os problemas práticos éticos, políticos, econômicos, jurídicos, 
de tal maneira que a visão do mundo construída pela filosofia do 
século anterior, por intermédio do método experimental e das ma­
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temáticas, se transformou no ponto de partida de uma ampla análise 
destinada a ordenar, e integrar os homens, de acordo com princípios 
claros e incomovíveis, num cosmos político em que a verdade, a 
justiça e a beleza representasse, à semelhança do sistema newtonia- 
no, o equilíbrio das forças humanas em conflito na sociedade civil.
Na Reforma de 1772, o ensino nas diversas faculdades se es­
truturava de modo a assegurar, além da unidade do trabalho rea­
lizado nos diferentes cursos, o indispensável entrosamento com o 
filosófico, que lhes servia de base. A privilegiada posição deste 
curso no concerto das disciplinas universitárias pode parecer, à pri­
meira vista, simples concessão à estrutura universitária tradicional. 
Se, entretanto, examinarmos com maiores cuidados as razões que o 
Compêndio Histórico indica e os Statuta Conmmbricensis Academia 
consagram, não poderemos deixar de reconhecer que o curso filosó­
fico, abrangendo o estudo das ciências físicas e naturais, se trans­
formou num dos mais importantes fundamentos da nova estrutura 
universitária. Os Estatutos exigem, como condição indispensável 
de ingresso às Faculdades o estudo da lógica, entre outras discipli­
nas como a ética, a física experimental, a metafísica, a pneumato- 
logia, a teologia natural etc., de acordo com as necessidades de cada 
curso em particular.
Parece-nos oportuno examinar, portanto, o significado e a na­
tureza da concepção que os elaboradores dos novos estatutos tive­
ram da lógica, pois este será, sem dúvida, o caminho que nos con­
duzirá a uma adequada compreensão do iluminismo português.
Com o desenvolvimento das ciências e da nova concepção do 
mundo construída pelo trabalho das grandes figuras dos séculos
XVI e XVII, se fez patente a extraordinária fecundidade e o pro­
fundo alcance do método de investigação que, quer se assentando 
em princípios evidentes, ou quer apoiando-se em observações pre­
cisas diretas sobre os fatos naturais, despojou a visão da realidade 
dos entes e dos artifícios que a razão escoíástica, impegnada de 
realismo aristotélico, transpusera do plano dos sentidos para o pla­
no das hipóteses verbais. Livre, afastados que foram os prejuízos 
advindos desta transposição, a nova atitude caracterizou-se pela bus­
ca dos princípios simples e irredutíveis, a partir dos quais lhe seria 
possível atingir através de uma ordem demonstrativa, sistematica­
mente, a explicação dos fatos confinados na estreita contingência 
do hic et nunc. Todavia, quando se conheceu, e