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Nilson de Souza Cardoso Antonia Dalva França-Carvalho (Organizadores) ENSINO E PESQUISA EM CIÊNCIAS BIOLÓGICAS NA EDUCAÇÃO BÁSICA EDUFPI 2014 Copyright© Isabel Maria Sabino de Farias e Nilson de Souza Cardoso, Teresina, 2014. Ensino e pesquisa em Ciências e Biologia na Educação Básica De acordo com a lei nº 9.610, de 19/02/1998, nenhuma parte deste livro pode ser fotocopiada, gravada, reproduzida ou armazenada num sistema de recuperação de informações ou transmitida sob qualquer forma ou por qualquer meio eletrônico ou mecânico sem prévio consentimento do detentor dos direitos autorais. Universidade Federal do Piauí Reitor Prof. Dr. Luiz de Sousa Santos Júnior Vice-reitor Prof. Dr. Edwar de Alencar Castelo Branco Conselho Editorial Prof. Ricardo Alaggio Ribeiro (Presidente) Des. Tomás Gomes Campelo Profª. Teresinha de Jesus Mesquita Queiroz Profª. Iracildes Maria de Moura Fé Lima Profª. Francisca Maria Soares Mendes Prof. João Renor Ferreira de Carvalho Prof. José Renato de Sousa Produção Editorial Isabel Maria Sabino de Farias Nilson de Souza Cardoso Arte da Capa Isabel Maria Sabino de Farias Nilson de Souza Cardoso Ronaldo de Castro Cruz Diagramação André Rodger Revisão de Texto Vianney Mesquita (Registro Profissional – CE 00489 JP) FICHA CATALOGRÁFICA Serviço de Processamento Técnico da Universidade Federal do Piauí Biblioteca Comunitária Jornalista Carlos Castello Branco Ensino e pesquisa em ciências e biologia na educação básica / organizadores, Nilson de Souza Cardoso, Antonia Dalva França- Carvalho. – Teresina : EDUFPI, 2014. 120p. ISBN 978-85-7463-767-9 1. Ciências - Ensino. 2. Ciências. 3. Biologia. 4. Educação Básica. I. Cardoso, Nilson de Souza. II. França-Carvalho, Antonia Dalva. CDD 507 E56b SOBRE OS AUTORES Alexsandra de Sales Araújo Licenciada em Ciências Biológicas. Egressa do Programa Institucional de Bolsa de Iniciação à Docência - PIBID/CAPES no Subprojeto Biologia/Campus Itapipoca, da Universidade Estadual do Ceará (UECE). Atualmente, é professora da Educação Básica no Município de Uruburetama/CE. E-mail: araujoalexsandra17@yahoo.com.br Ana Vérica de Araújo Licenciada em Ciências Biológicas. Egressa do Programa Institucional de Bolsa de Iniciação à Docência - PIBID/CAPES no Subprojeto Biologia/Campus Itapipoca, da Universidade Estadual do Ceará (UECE). Atualmente é mestranda do Programa de Pós-Graduação em Educação Brasileira (UFC), vinculada ao eixo temático de Ensino de Ciências. E-mail: anaverica@gmail.com Antonia Dalva França-Carvalho Pedagoga. Doutora em Educação Brasileira (UFC). Professora do Programa de Pós- Graduação em Educação da Universidade Federal do Piauí (UFPI). Líder do Núcleo Interdisciplinar de Pesquisa em Epistemologia da Prática Profissional (NIPEPP). Coordenadora do Programa Institucional de Bolsa de Iniciação à Docência - PIBID/ CAPES e do Programa de Fortalecimento das Licenciaturas - PRODOCÊNCIA/CAPES (2009/2013) na Universidade Federal do Piauí (UFPI). E-mail: adalvac@uol.com.br Cristiana de Paula Santos Licenciada em Ciências Biológicas, especialista em Ensino de Biologia (UVA). Professora de Biologia da SEDUC/CE. Professora Supervisora do Programa Institucional de Bolsa de Iniciação à Docência - PIBID/CAPES, no Subprojeto Biologia/Campus Crateús, da Universidade Estadual do Ceará (UECE). E-mail: cris_crpaula@yahoo.com.br Enoe Cristina Barreto da Silva Licenciada e bacharela em Geografia (UECE). Especialista em Zoneamento Ambiental (UFC). Professora de Geografia da SEDUC/CE. E-mail: enoecristina@hotmail.com Fabrício Bonfim Sudério Licenciado e bacharel em Ciências Biológicas. Mestre e doutor em Bioquímica (UFC). Professor adjunto do Curso de Ciências Biológicas da FAEC/Campus Crateús, da Universidade Estadual do Ceará (UECE). Coordenador Institucional do Programa de Licenciaturas Internacionais – PLI/UECE (2013/2015 – Biologia e Química) e Coordenador de Área do PIBID/UECE - Subprojeto de Biologia-Crateús (2011/2018). E-mail: fsuderio@gmail.com Francisco Ubiraju Ferreira de Souza Licenciado em Ciências. Professor de Biologia da SEDUC/CE e professor de Ciências e Matemática da Rede Pública Municipal de Ensino de Fortaleza. Professor Supervisor do Programa Institucional de Bolsa de Iniciação à Docência - PIBID/ CAPES, no Subprojeto Biologia/UFC – Campus do Pici. E-mail: ubiraju@oi.com.br Isabel Cristina Higino Santana Licenciada em Ciências Biológicas. Mestra em Ciências do Mar (UFC), doutoranda do Programa de Pós-graduação em Educação Brasileira (UFC), vinculada ao eixo temático de Ensino de Ciências. Professora assistente na UECE/Campus Itapipoca. Atuou como Coordenadora de Área do PIBID/UECE - Subprojeto de Biologia (2010/2012). E-mail: isabelhigino@gmail.com Isabel Maria Sabino de Farias Pedagoga. Doutora em Educação Brasileira (UFC), com Estágio Pós-doutoral pela Universidade de Brasília (UNB). Professora do Centro de Educação e do Programa de Pós-Graduação em Educação (PPGE) da Universidade Estadual do Ceará (UECE). Coordenou, na UECE, o Programa Institucional de Bolsa de Iniciação à Docência - PIBID/CAPES (2009/2013) e o Programa de Fortalecimento das Licenciaturas - PRODOCÊNCIA/CAPES (2010/2014). Líder do Grupo de Pesquisa Educação, Cultura Escolar e Sociedade (EDUCAS) e Coordenadora do Observatório sobre Desenvolvimento Profissional Docente e Inovação Pedagógica (2013 a 2017). E-mail: isabelinhasabino@yahoo.com.br Maria Elane de Carvalho Guerra Bacharela em Ciências Biológicas. Doutora em Agronomia/Fitotecnia (UFC). Professora adjunta do Curso de Ciências Biológicas do CECITEC/ Campus Tauá, da Universidade Estadual do Ceará (UECE). Coordenadora de Área do PIBID/ CAPES – Subprojetos de Biologia-Tauá (2011/2014) e Biologia-Itaperi (2014/2018). E-mail: elane.guerra@uece.br Maria Márcia Melo de Castro Martins Licenciada e bacharela em Ciências Biológicas. Especialista em Ensino de Ciências (FFB) e em Formação de Formadores pela Universidade Estadual do Ceará (UECE). Mestra em Ensino de Ciências e Matemática (UFC) e em Educação (UECE/PPGE). Membro da Rede de Pesquisa em Educação em Ciências da UECE (REPENCI). Professora do Ensino Fundamental II e Médio da Rede Pública de Ensino do Estado do Ceará (2004 – 2013). Atualmente, é professora assistente e coordenadora de área do PIBID/CAPES – Subprojeto de Biologia da UECE/Campus Iguatu. E-mail: marcia.melo@uece.br Maria Rodrigues de Oliveira Licenciada em Ciências com habilitação em Química e Biologia (UECE). Professora de Biologia da Rede Pública de Ensino do Estado do Ceará. Professora Supervisora do PIBID/UECE - Subprojeto Biologia/Campus Tauá (2011/2013). E-mail: msildaro@hotmail.com Mário Cézar Amorim de Oliveira Licenciado em Ciências Biológicas, Especialista em Metodologia do Ensino Fundamental e Médio (UVA). Mestre em Educação Científica e Tecnológica (UFSC). Professor assistente do Curso de Ciências Biológicas da UECE/Campus Itapipoca. Membro da Rede de Pesquisa em Educação em Ciências da UECE (REPENCI), da Associação Brasileira de Ensino de Biologia - Regional Nordeste (SBEnBio) e da Associação Brasileira de Pesquisa em Educação em Ciências (ABRAPEC). Atualmente, atuando como Coordenador de Área do PIBID/CAPES – Subprojeto de Biologia/ Campus Itapipoca. E-mail: mario.amorim@uece.br Nilson de Souza Cardoso Licenciado em Ciências Biológicas. Mestre em Educação (PPGE/UECE). Professor assistente do Curso de Ciências Biológicas da UECE/Campus Crateús, da Universidade Estadual do Ceará (UECE). Membro do Grupo de Pesquisa Educação, Cultura Escolar e Sociedade (EDUCAS) e da Rede de Pesquisa em Educação em Ciências da UECE (REPENCI). Coordenador, na UECE, do Programa Institucional de Bolsa de Iniciação à Docência - PIBID/CAPES (2014 a 2018) e do Programa de Fortalecimento das Licenciaturas - PRODOCÊNCIA/CAPES(2010 a 2014). E-mail: nilson.cardoso@uece.br Rafael Bezerra e Silva Licenciado em Ciências Biológicas, especialista em Ensino de Biologia (UVA). Atualmente, cursando o Mestrado Profissional no Programa de Pós-Graduação em Ensino de Ciências e Matemática (UFC). Professor da área de Ciências da Natureza na rede pública municipal de Crateús; e de Biologia, da rede pública estadual (SEDUC/CE). Professor Supervisor do PIBID/UECE - Subprojeto de Biologia - Campus Crateús. E-mail: silva.rafael83@hotmail.com Raquel Crosara Maia Leite Licenciada em Ciências Biológicas. Mestra em Educação (UFC) e doutora em Educação (UFSC). Professora adjunta da UFC, vinculada ao Programa de Pós- Graduação em Educação Brasileira (UFC) e ao Mestrado Profissional em Ensino de Ciências e Matemática (UFC). E-mail: raquelcrosara@yahoo.com.br Pedro Siqueira Lima Licenciado em Ciências Biológicas, Especialista em Ensino de Biologia e Química (URCA). Professor de Biologia da SEDUC/CE. Professor Supervisor do PIBID/UECE – Subprojeto de Biologia - Campus Tauá. E-mail: pepeu_sl@hotmail.com SUMÁRIO Capítulo 1 Educação em Ciências e Biologia: das origens à integração ensino e pesquisa ............................................................................. 09 Nilson de Souza Cardoso Isabel Maria Sabino de Farias Antonia Dalva França Carvalho Capítulo 2 A pesquisa como fundamentação teórica na prática docente e suas contribuições para a proposição de metodologias de ensino de Ciências/Biologia ............................................................. 18 Maria Márcia Melo de Castro Martins Francisco Ubiraju Ferreira de Souza Raquel Crosara Maia Leite Capítulo 3 Pesquisa e ensino na Educação Básica: dilemas e conflitos na formação do professor pesquisador ............................................... 34 Alexsandra de Sales Araújo Ana Vérica de Araújo Isabel Cristina Higino Santana Capítulo 4 Conectando pesquisa e prática docente: relato de experiência vivida por professores de Biologia em Tauá-CE ............................. 46 Maria Elane de Carvalho Guerra Pedro Siqueira Lima Maria Rodrigues de Oliveira Capítulo 5 Iniciação científica no Ensino Médio: relato de experiência ......... 56 Maria Márcia Melo de Castro Martins Enoe Cristina Barreto da Silva Capítulo 6 A origem da vida no ensino de Biologia: revisando as pesquisas e revendo a prática ......................................................... 74 Mário Cézar Amorim de Oliveira Capitulo 7 Formação do professor e o ensino de Ciências: investigações sobre a importância da contextualização e experiências didáticas na área de Biologia ........................................................... 96 Fabrício Bonfim Sudério Cristiana de Paula Santos Rafael Bezerra e Silva 9ENSINO E PESQUISA EM CIÊNCIAS E BIOLOGIA | EDUCAÇÃO EM CIÊNCIAS E BIOLOGIA: DAS ORIGENS À INTEGRAÇÃO ENSINO E PESQUISA Nilson de Souza Cardoso Isabel Maria Sabino de Farias Antonia Dalva França Carvalho 1. Introdução O nosso cotidiano está repleto de manifestações de fenômenos naturais, ocorrendo a olhos vistos por nós. Interpretá-los faz parte do nosso dia a dia, de onde partimos da nossa observação, experimentação ou por difusão cultural e familiar, fazendo-nos aceitá-las como explicações plausíveis para estes fenômenos. Certamente o conceito de Biologia, seus conteúdos e sua área de abrangência devem ser algo sedimentando entre os licenciandos e professores de Ciências e Biologia. Pensar, entretanto, o que, como e por que ensinar Ciências e Biologia parece-nos algo pouco discutido nos cursos de formação inicial. Na direção desta pergunta, a Profa. Myriam Krasilchik (2003) esclarece: Admite-se que a formação biológica contribua para que cada indivíduo seja capaz de compreender e aprofundar as explicações atualizadas de processos e de conceitos biológicos, a importância da Ciência e da tecnologia na vida moderna, enfim, o interesse pelo mundo dos seres vivos. Esses conhecimentos devem contribuir, também, para que o cidadão seja capaz de usar o que aprendeu ao tomar decisões de interesse individual e coletivo, no contexto de um quadro ético de responsabilidade e respeito que leve em conta o papel do homem na biosfera (KRASILCHIK, 2003, p. 11). A Biologia entra no nosso cotidiano por meio da mídia, estereotipada, com um campo das Ciências onde a sua atuação se baseia na busca por descobertas científicas que garantirão o nosso bem-estar, no desenvolvimento de tecnologias revolucionárias ou mesmo na conservação de espécies ameaçadas de extinção, sendo o biólogo trajado de jaleco ou de coletes e boinas. Tais arquétipos vêm a contribuir para o fato de muitos estudantes buscarem o curso de Biologia, sobretudo a licenciatura, sem o interesse pela docência e, neste caso, pela Didática. Dificilmente, o biólogo é retratado como um professor, atuando na sala de aula, tratando das formas diversas de manifestação de vida, esclarecendo sobre o papel do cidadão ante as questões da atualidade 10 | ENSINO E PESQUISA EM CIÊNCIAS E BIOLOGIA como posicionamento ao apoio à utilização de biotecnologias – transgênicos, pesquisas com células-tronco, clonagem; estímulo à conservação ambiental e combate à poluição; conscientização e prevenção de doenças ou quem torna acessível a compreensão dos avanços da Ciências, enfim, uma diversidade de assuntos que tornam esta “prática biológica” incrivelmente instigante. Não é incomum, como mencionado antes, os alunos caracterizarem e qualificarem um professor como não tendo didática, mesmo quando ele apresenta notório domínio do conteúdo. Considerando a futura atuação como professor de Ciências e Biologia, tal constatação nos leva a questionar sobre o que “deveríamos conhecer – em um sentido mais amplo de ‘saber’ e ‘saber fazer’ – para podermos desempenhar de forma satisfatória os problemas que esta nos propõe?” (CARVALHO, GIL-PÉREZ; 2001, p. 14). Esta reflexão é pertinente para compreensão do como o ensino de Ciências e Biologia se transformou ao longo da história e o quanto permanece com práticas tão tradicionais e, desse modo, traçamos perspectivas de avanço e superação. As práticas pedagógicas presentes no cotidiano escolar e investimentos no aprendizado do aluno são fatores determinantes da maneira de conceber o ensino. Relativo à área de Biologia e Ciências, aprendizagem é reflexo de como a sociedade também concebe este campo do saber e suas transformações (KRASILCHIK, 2000). Desta feita, é importante destacar a importância e o reconhecimento dado à Ciência e à Tecnologia, tendo, portanto, relação direta com o modo de ensinar tais disciplinas, mesmo compreendendo que ambas possuem caráter específico, tendo as Ciências Biológicas desenvolvido processos especializados, “mobilizando determinados objetivos sociais em favor de sua própria institucionalização”, o ensino de Ciências e Biologia direciona para o trabalho com “conhecimentos organizados e transformados para os fins de ensino” (FERREIRA; SELLES, 2008, p. 44). Destacamos agora como essa concepção mudou ao longo da história, bem como certa sintonia, em alguns momentos, com as ideias pedagógicas então hegemônicas. Utilizaremos a tipologia formulada por Saviani (2007), que demarcou a história do ensino, partindo do surgimento da educação formal no Brasil, em quatro períodos: monopólio da vertente religiosa da Pedagogia tradicional (1559 a 1759); coexistência entre as vertentes religiosa e leigas da Pedagogia tradicional (1759 a 1932); predominância da Pedagogia nova (1932 a 1969) e, por fim, configuração da concepção pedagógica produtivista (1969 a 2001). Este é o caminho 11ENSINO E PESQUISA EM CIÊNCIAS E BIOLOGIA | do remonte histórico da educação em Ciências e Biologia, feitos a seguir. 2. Breve histórico doensino de Ciências e Biologia O início da educação brasileira foi marcado pela presença dos padres Jesuítas que implantaram os primeiros colégios na Colônia brasileira, a partir de 1549. O domínio da igreja dava a tônica da Pedagogia, denominada de brasílica, formulada e praticada sob medida para as condições encontradas por aqui. A Pedagogia brasílica perdurou hegemônica até a expulsão dos padres Jesuítas em meados do século XVIII. A Pedagogia tradicional católica, de base essencialista, pauta-se na teoria, disciplina e punição e tem a figura do professor o mais alto poder. O homem como ser imutável, leva a considerar a homogenia entre todos os alunos, deixando de lado as peculiaridades pessoais, tendo a educação o papel de moldar a pessoa para a perfeição divina no sentido de merecer a dádiva da vida eterna. Nestes termos, percebemos que os conteúdos relativos à Biologia; ou História Natural à época, ou em disciplinas como Zoologia, Botânica e Geologia1, recebiam a influência do fixismo e nela a compreensão de Ciência. Portanto, todo o ambiente natural e os integrantes deste eram considerados a mais pura expressão da perfeita obra divina, restando apenas observar e, em seguida, repetir e memorizar. Neste período é possível recuperar diversos estudos de naturalistas que vinham ao Brasil com o intuito de pesquisar e descrever as riquezas naturais, além de proferir cursos que tratavam da nossa fauna e flora. Com raízes no positivismo, o ensino de Ciências estava muito ligado à prática e ao ambiente natural. Interessante é observar que os primeiros conceitos propostos por Darwin foram introduzidos nesta época, porém, conforme assinala Guimarães (2010), não há estudos que revelem o impacto deles no ensino. A expulsão dos Jesuítas, no final do século XVIII, e a influência das ideias iluministas marcaram a “coexistências entre as vertentes religiosas e leigas da Pedagogia tradicional”, trazendo consigo a “separação entre a fé a razão” e o “incremento das Ciências naturais, como a física, a química, a biologia” (GUIMARÃES, 2010, p. 9), estes foram os primeiros passos para consolidar da compreensão do que hoje possuímos sobre Ciências. Com a perda do prestígio da igreja no poder, a Pedagogia católica dá a vez à Pedagogia tradicional leiga. As reformas educacionais 1 A disciplina Biologia surgiu na década de 50 do século XX, resultado do amalgama de diversos campos do saber das Ciências Biológicas (MARANDINO; SELLES; FERREIRA, 2009). 12 | ENSINO E PESQUISA EM CIÊNCIAS E BIOLOGIA instituídas pelo Marquês de Pombal, ainda que formulada por padres de outras ordens religiosas, tinha diminuto o peso da religião católica. Este período foi marcado, como aponta Guimarães (2010), pela superação dos métodos memorísticos em prol da experimentação, pela implantação da disciplina História Natural e, com a vinda da Família Real, pela criação de museus, academias de Ciências e pela criação de laboratórios de pesquisa, refletindo na criação de espaços de ensino não formal de Ciências, a exemplo do Museu Nacional e do Observatório Nacional do Rio de Janeiro, mesmo que à época não se possuísse esta compreensão de locus de aprendizagem. O Colégio Pedro II, outra instituição oriunda da presença da Família Real, de grande relevância para o ensino e, obviamente, para divulgação da Ciência, estabelecia o currículo-padrão, devendo ser seguido por escolas secundárias em diversos estados brasileiros. O ensino oitocentista, cuja ênfase residia nos estudos humanísticos, tinha base nos modelos franceses, o que de certa maneira repercutiu no ensino das Ciências Naturais, abarcando disciplinas de Zoologia, Botânica, Mineralogia, Cosmologia, Higiene, Ciências Físicas e Geologia (FERREIRA; SELLES, 2008). A transição da influência do fixismo para a compreensão de uma vida que se molda às pressões do ambiente (lamarkismo) preponderaram nos currículos da época. Atreladas às discussões iniciais sobre o que atualmente nos referimos à Biologia evolutiva, a disciplina chamada Zoologia filosófica inseria-se nesse cenário educacional, tratando teoricamente do desenvolvimento embrionário (epigênese e ovogênese) (LORENZ, 2010). O ensino, logo no início da República, fora marcado pela “coexistência de vertentes pedagógicas”, a exemplo da tradicional – centrada no professor, da liberal – dedicada à preparação para a vida e científica – buscando desvendar os fenômenos naturais mediante observações empíricas, ambas convictas “de que a Ciência e a técnica poderiam resolver os problemas básicos da humanidade” (GUIMARÃES, 2010, p. 12), visão que influencia a próxima demarcação temporal da História da Educação no Brasil. O terceiro período, de 1932 a 1969, caracterizado por vertente escolanovista, é marcado pela renovação do ensino de Ciências e Biologia, graças ao status que Ciências e Tecnologia alcançaram por conta de eventos ocorridos, a exemplo do pós-guerra, do lançamento do satélite Sputnik 1 e da guerra fria, os quais estavam diretamente ligados ao conhecimento gerado por estes campos do saber e, portanto, se tornaram 13ENSINO E PESQUISA EM CIÊNCIAS E BIOLOGIA | essenciais ao desenvolvimento socioeconômico e à cultura, imprimindo grande importância nos currículos. No cenário mundial e nacional, viram o surgimento e a intensa participação de sociedades científicas, a exemplo do Instituto Brasileiro de Ciência e Cultura (IBECC), cujo objetivo era difundir os avanços da área e estimular o ingresso de jovens talentos nas carreiras científicas (MARANDINO; SELLES; FERREIRA, 2009). Este período, em que o ensino de Ciência é destacado como fundamental e acessível a todos, o objetivo era o de permitir que estudantes e, em sentido amplo, a sociedade pudessem pensar lógica e criticamente, capazes de tomar decisões com base nesses conhecimentos, tendo clamor pela cidadania. A este respeito, Krasilchik (1987), mais uma vez, nos esclarece: Começava-se, assim, a se pensar na democratização do ensino destinado ao homem comum, que tinha que conviver com o produto da Ciência e da Tecnologia e do qual se requeria conhecimento, não apenas como especialistas, mas também como futuro político, profissional liberal, operário, cidadão enfim (KRASILCHIK,1987, p. 10). O reflexo dessa mudança de percepção deu-se no aumento da carga horária para as disciplinas “científicas” – Química, Física e Biologia – além da inclusão de aulas práticas. Ainda hoje, muito dos materiais utilizados em aulas práticas de Biologia tiveram suas primeiras versões produzidas nesta época, em decorrência da tradução e adaptação dos primeiros livros didáticos da área – os BSCS (Biological Sciences Curriculum Studies). Ainda segundo Guimarães (2010, p. 13), estes materiais primavam pela experimentação e, seguindo a tendência pedagógica escolanovista, buscavam “motivar o aluno a aprender”. Ferreira e Selles (2008) afirmam que os BSCS deram início à “unificação e automatização” das Ciências Biológicas, e, por conseguinte, na disciplina Biologia. A inserção de temas como a síntese evolutiva/ teoria sintética da evolução, o darwinismo e a Biologia Molecular, fruto da recém-descoberta molécula de DNA, além do reforço ao trabalho experimental, tentativa de aproximação ao fazer científico (vivência ao método científico) e da diversidade biológica, marcaram o currículo e a visão dessa Ciência nessa época. Data deste período a constituição da Biologia como disciplina curricular, apesar do forte embate na unificação das Ciências Biológicas. Apesar do sopro renovador do escolonovismo, a Pedagogia tradicional continuava presente em muitos meios educacionais. Em virtude 14 | ENSINO E PESQUISA EM CIÊNCIAS E BIOLOGIA da pressão da competitividade os grupos educacionais ligados à religião católica, responsáveis por grandes escolas particulares,propuseram o que chamaram de Pedagogia integral, que situa a criança no centro das atenções da escola. Importante é destacar a continuidade da influência positivista, sobretudo a valorização do “método científico” (pergunta, hipóteses, teste – experimentação, resultados, análises e conclusões). O quarto período demarcado por Saviani (2007), de 1969 à 2001, iniciou sobre as influências do novo regime, imposto pela ditadura militar, que passou a incentivar a formação de mão de obra qualificada em detrimento de valorização da cidadania e do pensamento crítico, tendo, com isso, influenciado o modo de conceber Ciências, vista como imparcial neutra. O ensino dessa área passou a ter um caráter profissionalizante em um sistema que formava para o mundo do trabalho e da prática social, seguindo a tendência que estreitava o desenvolvimento econômico do País com a educação. Na década de 1970, em decorrência da expansão da oferta de trabalho, consequência da exploração do petróleo e do desenvolvimento industrial no País (o chamado “milagre econômico”), a educação tomou um viés produtivista, configurando a Pedagogia tecnicista, perspectiva que se ancorava no princípio da neutralidade científica, da racionalidade, da eficiência e da produtividade. Seu foco é a objetividade e a operacionalidade em todos os âmbitos educacionais. Apesar do discurso que promulgava importância ao ensino de Ciências e Biologia, o que ocorria, de fato, era um treinamento ligando o aluno ao mundo do trabalho, com Disciplinas de Zootecnia, Agricultura, Técnica de Laboratório (KRASILCHIK, 2003), consideradas de restrita aplicabilidade ao cotidiano e à tomada de decisões – reclamos sempre presentes na justificativa do ensino de Ciências e Biologia, com reflexos na cidadania. A impessoalidade, característica da concepção tecnicista, trouxe a perda da especificidade da evolução do aluno, ignorou a inter-relação escola-professor-aluno. Excessos de rotinas causaram um desânimo no professorado, refletindo num ensino ainda mais rarefeito. A década de 1980 ascende a novos horizontes, pressões de movimentos sociais requerendo a democratização, a crise econômica mundial associada à visualização dos impactos ambientais agravados pelo avanço da industrialização, o ensino de Ciências e Biologia retorna ao patamar de importância, neste momento como fator de conscientização para o papel do homem, a importância da tecnologia e da preservação ambiental, reclamos ainda mais presentes nos dias atuais. 15ENSINO E PESQUISA EM CIÊNCIAS E BIOLOGIA | Iniciam-se mudanças no ensino-aprendizagem sob o ponto de vista da compreensão de Ciências e Biologia, as quais continuam presentes. Emerge a concepção de Ciência, Tecnologia e Sociedade (CTS), a qual passa a ser difundida na abordagem dos conteúdos de Ciências e Biologia, buscando despertar nos estudantes uma formação cidadã, refletindo na compreensão de que estes conhecimentos científicos deverão ser integrados à tomada de decisões e, sobremaneira, na sua atuação social, política e econômica. Na década subsequente, o construtivismo apareceu como uma vertente virtuosa e, de certo modo, impositiva para o processo de ensino-aprendizagem, o que não excluiu as áreas de Ciências e Biologia, porém com poucas alterações curriculares. A materialização deste momento deu-se por meio dos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN), que, no sentido de atender a influência cognitivista, requer um ensino “contextualizado” e traz entre seus elementos os “temas transversais”, temáticas que poderiam ser tratadas em sala de aula associadas aos conteúdos curriculares. A orientação é partir das preconcepções de fenômenos naturais trazidos pelos estudantes, o que requer atenção para não tratar os conteúdos de forma superficial. O construtivismo é alvo, nesse momento, de críticas, entre as quais a de ter sido inserido de forma acrítica como proposta pedagógica no “universo do ensino de Ciências” (TEIXEIRA, 2003). É crescente a preocupação com questões ambientais, ênfase que evidenciou a necessidade de uma Educação Ambiental, o que propiciou a renovação do movimento CTS, hoje identificado pela sigla – CTSA, esta última letra referindo-se a “ambiente”. A Biologia, portanto, além de privilegiar os novos conteúdos relacionados às biotecnologias, vê-se imbuída da missão de conscientizar para as questões ambientais. Com efeito, Teixeira (2003, p. 12) advoga a transformação do perfil de ensino de Ciências e Biologia hoje, alertando para recomendações em torno da necessidade de uso “de uma multiplicidade de técnicas de ensino e estratégias didáticas”, de modo a favorecer aos educandos o “mergulho nas questões sociais de relevância e interesse científico”. Também assinala as “postulações sobre a necessidade de alterações no perfil docente”, para o que se faz necessário uma revisão dos processos de formação inicial e continuada de professores pautado em “um programa sistemático de formação em serviço, que além de capacitar permanentemente os professores, ofereça a oportunidade de interação entre ensino” (IBID.). 16 | ENSINO E PESQUISA EM CIÊNCIAS E BIOLOGIA O ensino de Ciências e Biologia, apesar de marcadas mudanças, na prática, oscilou entre duas vertentes pedagógicas: tradicional- comportamentalista e cognitivista-construtivista; ambas sem superar no todo um ensino conteudista. É notória a necessidade de mudança para a superação do modelo hegemônico de ensino centrado nos conteúdos, em face de um modo que possa despertar autonomia nos educadores e educandos. 3. Segmento conclusivo Concluímos, questionando: por que as práticas docentes, concepções e modelos didáticos permanecem ancorados numa Pedagogia que ainda privilegia ensino centrado nos conteúdos? Razão possível reside na ideia de formação de professores, característica das “universidades modernas”, particularizada por dicotomia entre teoria e prática, espaço de formação e local de atuação profissional. Apoia-se na compreensão de um profissional capaz de solucionar “problemas instrumentais, selecionando os meios técnicos mais apropriados para propósito específico” (SCHÖN, 2000, p. 15). Dito de outra forma, os cursos de licenciatura ainda privilegiam os conhecimentos específico dissociados das questões pedagógicas, fato que reflete na prática dos docentes da Educação Básica. As mudanças sociais traduzidas em avanços tecnológicos, estreitamento entre as formas de comunicação e de interligação das relações econômicas, incidem em novas exigências sobre a qualidade da escola e, por conseguinte, nos professores, sobretudo em sua formação. É neste contexto de redefinições, no qual a dissociação entre teoria e prática permeia os debates acerca dos problemas recorrentes nos processos formativos, que a pesquisa é postulada como componente curricular necessário à formação profissional e com as condições de responder aos enfrentamentos de um mundo em transformação. A importância da pesquisa no processo de formação profissional reside, principalmente, no seu potencial que possibilita ao docente o desenvolvimento da reflexão, tornando-o capaz de avaliar e analisar sua prática, desenvolvendo a sua autonomia intelectual e o capacitando para buscar conhecimentos, habilidades, atitudes que melhorem o seu trabalho e, consequentemente, despertando tal autonomia em seus educandos. Vivemos em momento de rompimento de paradigmas, quando trabalhar as diversidades e incertezas, inovações didáticas em uma sociedade interligada-global implique novas orientações para a formação 17ENSINO E PESQUISA EM CIÊNCIAS E BIOLOGIA | do professor fortemente influenciada pelos mitos culturais do professor de Ciência e Biologia, a saber: a transmissão do conhecimento, eficácia e rigor e preparação para exames e escassez de materiais curriculares adaptadosàs novas estratégias ao mundo contemporâneo, muito embora, se observe que não houve mudanças no seu processo de formação inicial e continuada que proporcionassem superação dessa racionalidade técnica, cujas raízes epistemológicas ancoram-se nessa perspectiva. Para os novos professores, fica o desafio de assumir um posicionamento frente os reclamos da sociedade contemporânea, adotando uma concepção pedagógica que fomente a formação de cidadãos críticos e socialmente atuantes. Aos em exercício, cabe pensar como iniciar/transformar sua participação neste movimento. 4. Referências BRASIL. Parâmetros Curriculares Nacionais. BRASÍLIA: MEC, 1997. CARVALHO, A. M. P.; GIL-PÉREZ, D. Formação de Professores de Ciências: tendências e inovações. 5ª ed. São Paulo: Cortez, 2001. FERREIRA, M. S., SELLES, S. E. Entrelaçamentos históricos das Ciências Biológicas com a disciplina escolar Biologia: investigando a versão azul do BSCS in: Pereira, M. G.; AMORIM, A. C. R. Ensino de Biologia: fios e desafios na construção de Saberes. João Pessoa. Editora Universitária UFPB: 2008, p. 37-61. KRASILCHIK, M. O Professor e o Currículo das Ciências. São Paulo: E.P.U, 1987. KRASILCHIK, M. Prática de Ensino de Biologia. 4ª ed. rev. e ampl. São Paulo: EDUSP, 2003. KRASILCHIK, M. Reforma e Realidade: o caso do ensino das Ciências. São Paulo em Perspectiva, vol. 14, n.1, 2000. Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/spp/ v14n1/9805.pdf LORENZ, K. M. Ciência, Educação e Livros Didáticos do Século XIX. Os compêndios das Ciências naturais do Colégio Pedro II. Uberlândia: EDUFU, 2010. MARANDINO, M., SELLES, S. E., FERREIRA, M. S. Ensino de Biologia: histórias e práticas em diferentes espaços educativos. São Paulo: Cortez, 2009, p.215. SAVIANI, D. História das ideias pedagógicas no Brasil. Campinas: Autores Associados, 2007. TEIXEIRA, P. M. M. Educação Científica e Movimento C.T.S. no quadro das tendências pedagógicas no Brasil. Revista Brasileira de Pesquisa em Educação em Ciências, ABRAPEC: Porto Alegre, v. 3 (1), n. 1, p. 88-102, 2003. Disponível em: http://www.fae.ufmg.br/abrapec/revistas/V3N1/v3n1a7.pdf 18 | ENSINO E PESQUISA EM CIÊNCIAS E BIOLOGIA A PESQUISA COMO FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA NA PRÁTICA DOCENTE E SUAS CONTRIBUIÇÕES PARA A PROPOSIÇÃO DE METODOLOGIAS DE ENSINO DE CIÊNCIAS/BIOLOGIA. Maria Márcia Melo de Castro Martins Francisco Ubiraju Ferreira de Souza Raquel Crosara Maia Leite 1. Introdução Sejam quais forem os objetivos estabelecidos, o próximo passo será definir o caminho ou estratégia a seguir para facilitar a passagem dos alunos da situação em que se encontram até alcançarem os objetivos fixados, tanto os de natureza técnico- profissional como os de desenvolvimento individual como pessoa humana e como agente transformador de sua sociedade (BORDENAVE; PEREIRA, 1999, p. 83). Iniciamos este capítulo com esta citação, no intuito de abrir um diálogo sobre a necessidade de refletir sobre as metodologias no ensino de Ciências/Biologia, uma vez que o ensino dessas áreas do conhecimento, suscitam, há décadas, questionamentos quanto ao seu alcance em relação à aprendizagem dos discentes na escola básica. Inserido no currículo escolar desde o estabelecimento do ensino secundário no Brasil, o ensino de Ciências se caracteriza como enciclopédico, memorístico e voltado ao acesso aos estudos superiores. Ao longo de sua história, o ensino de Ciências/Biologia na escola básica trouxe questionamentos quanto à sua finalidade, o que instigou proposições de tendências distintas. Em meados do século XX, esteve voltado para a reprodução do conhecimento científico por meio da repetição de experimentos, particularmente na década de 1960, por via de projetos estadunidenses aplicados no Brasil, como Biological Sciences Curriculum Study – BSCS e o Physical Science Study Committee – PSSC. Esses projetos tinham o objetivo de favorecer a experimentação, a comprovação do que teoricamente se verificava nos livros didáticos. Para tanto, voltavam-se para a produção de materiais didáticos inovadores. No Brasil, foram acompanhados pela produção de equipamentos de laboratórios sugeridos nos livros-texto e pelo treinamento de professores (KRASILCHIK, 1987). Nas décadas seguintes, passou-se a questionar os impactos do desenvolvimento científico e tecnológico no meio ambiente e a relação 19ENSINO E PESQUISA EM CIÊNCIAS E BIOLOGIA | do homem com o conhecimento científico, suscitando questionamentos sobre os fins do ensino de Ciências. Em meados da década de 1990, o Brasil lançou os Parâmetros Curriculares Nacionais – PCN (1997) para o ensino dessas áreas do conhecimento, logo após a promulgação da LDB 9394/96. Os PCN foram elaborados com a finalidade de orientar o ensino de Ciências em todo o País. Além dos PCN, a própria legislação se posicionava sobre questões relacionadas à formação de professores, fato que trouxe expectativas sobre a melhoria do ensino de Ciências, uma vez que passou a se priorizar a formação docente em cursos de licenciaturas em áreas específicas. As orientações apontam para um ensino de Ciências/ Biologia contextualizado, interdisciplinar, voltado para elaboração do conhecimento de forma crítica, com a valorização dos conhecimentos prévios dos aprendizes. Essa nova proposta de ensino de Ciências/Biologia trouxe grandes desafios à formação e à prática docente. Desde então, os professores são desafiados a desenvolver um ensino de Ciências mais integrado às questões sociais em um contexto de acelerado desenvolvimento científico e tecnológico, vivenciado pela sociedade, mais acentuadamente a partir da última década do século passado. Embora os PCN orientem quanto ao desenvolvimento das distintas áreas do conhecimento na educação básica, essa é uma questão complexa, uma vez que os professores não costumam vivenciar em seus cursos de formação experiências que os preparem para desenvolver os conteúdos científicos na perspectiva apontada pelos PCN. Desse modo, o desenvolvimento de metodologias de ensino de Ciências e Biologia que visem a uma participação ativa dos alunos, que os despertem para o aprendizado da Ciência numa perspectiva construtiva e crítica do conhecimento, perpassa as limitações que permeiam a prática docente, desde a formação do professor, condições de trabalho nas escolas, sobretudo em relação ao tempo de planejamento de atividades no sentido de propiciar aos alunos uma aprendizagem significativa. Segundo Ausubel (apud MOREIRA, 1999, p. 9), esta ocorre quando “o significado lógico do material se transforma em significado psicológico para o aprendiz”. Esse desafio é particularmente importante, uma vez que, historicamente, o ensino e a prática do professor em relação ao ensino de Ciências e Biologia esteve engessado no livro didático. Este, via de regra, 20 | ENSINO E PESQUISA EM CIÊNCIAS E BIOLOGIA apresentava/apresenta os conteúdos de forma estanque, fragmentada, linear e descontextualizada, embora venha sendo modificado com o lançamento do Programa Nacional do Livro Didático (PNLD) pelo Ministério de Educação e Cultura – MEC, um Programa de distribuição de livros didáticos nas escolas. Desde então os livros buscaram se aproximar dos conteúdos e perspectivas de abordagens sugeridos pelos PCN. Tal esforço está relacionado ao fato de a seleção e compra dos livros didáticos pelo Governo Federal para a distribuição nas escolas estarem vinculadas às orientações dos referidos Parâmetros. Ainda que a demanda por livros didáticos venha sendo atendida pelo Governo, e que se tenha feito um esforço para melhorar sua qualidade, esse é um caminho longo a percorrer, pois, além do livro didático, faz-se necessário ao docente experimentar situações de ensino em que possa vivenciar metodologias mais adequadas aos contextosescolares. Nesse sentido, não basta estar munido das orientações curriculares para que tenha condições de desenvolver um trabalho efetivo junto aos estudantes, pois é imprescindível uma reflexão sobre as práticas pedagógicas para o ensino de Ciências e quais metodologias poderiam ser pensadas e desenvolvidas para aproximar o aluno do conhecimento científico, de forma que dele se aproprie e o ressignifique com suporte em suas vivências. As metodologias de ensino, contudo, não se restringem à operacionalização de determinadas técnicas com fim em si mesmas; antes, se fundamenta em pressupostos teóricos e epistemológicos e ocupam um lugar imprescindível para a transformação do saber científico em saber escolar. Assim, a transposição didática dos conteúdos é mediada pela prática pedagógica do professor e utilização de metodologias potencialmente mais favoráveis ao aprendizado do que as experimentadas no modelo de transmissão-recepção do conhecimento, ou no modelo de educação bancária, criticado por Freire (1987). E considerando, ainda, a proposta dos PCN para o ensino de Ciências, numa perspectiva interdisciplinar, podemos apontar que a efetivação das metodologias com esse fim é dificultada pela tímida compreensão dos docentes sobre o que constituem uma proposta e um planejamento de ensino dessa natureza. São diversos os fatores que interferem negativamente na 21ENSINO E PESQUISA EM CIÊNCIAS E BIOLOGIA | consolidação dessa proposta, a exemplo do tempo de aula e da forma como o conhecimento científico se encontra distribuído entre as disciplinas no currículo escolar, o tempo de planejamento docente, as fronteiras estabelecidas na formação dos professores, inicialmente como alunos da educação básica e posteriormente como estudantes do ensino superior, em cursos de licenciatura. Nesse sentido, o professor carrega impresso em si os modelos a que esteve sujeito em todo esse tempo. Como avançar e superar essas questões? Embora as Ciências não estejam isoladas das demais áreas do conhecimento, antes se encontram imbricadas e tenham se constituído nas interações dos distintos campos do saber, ao professor, relacionar esses elementos se constitui um grande desafio no sentido de superação de suas limitações e necessidades formativas. Avançar nessas questões precisa se constituir um desejo e uma busca dos sujeitos envolvidos no fenômeno educativo, e, no caso deste estudo, os que estão direta e indiretamente envolvidos nos processos de ensino e aprendizagem de Ciências/Biologia na escola básica. Este estudo aponta a pesquisa como um caminho, uma possibilidade no tocante à constituição e desenvolvimento de metodologias de ensino de Ciências e Biologia mais favoráveis à aprendizagem discente. 2. Metodologia Desse modo, este estudo parte de uma reflexão teórico-empírica acerca da importância da pesquisa para fundamentação de propostas para o ensino de Biologia. Surgiu do contexto da prática docente dos autores, onde se observam dificuldades várias no ensino/aprendizagem dessa área do conhecimento na escola e na universidade. Emerge também da experiência vivenciada por dois licenciandos de Ciências Biológicas/UFC, quando de sua inserção na escola pública como bolsistas de Iniciação Científica - IC em 2010, quando acompanhavam atividades desenvolvidas por um grupo de outros bolsistas, também licenciandos da mesma área, vinculados ao Programa Institucional de Bolsas de Iniciação à Docência – PIBID, os quais atuavam em duas escolas públicas estaduais no município de Fortaleza, contempladas pelo Programa: o Liceu de Messejana e o Liceu do Conjunto Ceará. Um dos objetivos do referido Programa é o desenvolvimento de metodologias de ensino de Biologia na escola. Assim, essa investigação trata das impressões de dois ex-bolsistas de Iniciação científica - IC, 22 | ENSINO E PESQUISA EM CIÊNCIAS E BIOLOGIA hoje bolsistas do PIBID, sobre o desenvolvimento de tais metodologias na escola e do papel da pesquisa no processo de seleção, elaboração, adequação e execução em sala de aula. As propostas de ensino tinham como orientação o Projeto do PIBID na área de Biologia, o qual privilegia a interdisciplinaridade como eixo das ações desenvolvidas no Programa. O estudo insere-se, ainda, na abordagem qualitativa e utilizou- se da entrevista semiestruturada como técnica de coleta de dados. Os dados obtidos são apresentados à luz das ideias de Krasilchik (1987, 2008), Bordenave (1999), Demo (2011) e Veiga (2006). 3. A pesquisa na fundamentação teórica e proposição de metodologias de ensino de Biologia. Como expresso na introdução deste estudo, as metodologias exercem importante papel na transposição didática dos conteúdos e na transformação do saber do cientista em saber escolar. Assim, buscamos trazer as percepções de futuros professores de Biologia e que acompanharam a proposição de metodologias de ensino guiados por uma proposta interdisciplinar. A análise está organizada sob cinco aspectos: o papel da metodologia no ensino de Biologia e o que se deve considerar na sua proposição; as dificuldades na proposição de metodologias de ensino; as metodologias no processo formativo docente; a percepção da pesquisa na orientação e na proposição de novas metodologias para o ensino de Biologia; a proposta metodológica interdisciplinar do PIBID/Biologia/UFC. 3.1 Sobre o papel da metodologia no ensino de Biologia e do que se deve considerar na sua proposição Os sujeitos reconhecem a importância das metodologias no ensino de Biologia no tocante ao direcionamento e organização do conteúdo a ser abordado, de forma a permitir a apropriação dos conhecimentos pelos estudantes, contudo consideram que esse é um processo complexo que envolve aspectos diversos, como o reconhecimento dos estudantes, de suas demandas, das especificidades de cada turma e do contexto escolar. Embora no âmbito universitário as metodologias de ensino sejam discutidas, há necessidade de aproximar essa discussão da realidade das salas de aula das escolas púbicas, do que, de fato, pode ser efetivado: 23ENSINO E PESQUISA EM CIÊNCIAS E BIOLOGIA | Eu acho que a metodologia no ensino ou em qualquer área é algo muito importante porque é um direcionamento pra sua organização, de como você vai agir. Mas para o ensino de Biologia eu acho que a gente não conseguiu... e acho que talvez nem exista, não sei, uma metodologia eficaz, existem várias metodologias pra situações diferentes e que a gente tenta alcançar alguma coisa e mesmo assim a gente não consegue... a gente tem algumas áreas, algumas disciplinas que tentam trabalhar isso, mas ainda acho que é muito falho, porque ainda tá muito longe da realidade, da conjuntura das escolas que a gente atua, principalmente as escolas públicas, né? E aí fica meio aquém do que realmente precisa, a gente não tem assim, uma ligação com aquele local que a gente vai trabalhar, com as pessoas, com as vivências e com o que elas são pra gente sair aplicando algo, e muita gente atropela o processo e aplica alguma coisa... (Sujeito A). A gente aplica muito pelo que a gente vive aqui (universidade), até no PIBID, na última atividade que a gente fez atividade prática, a gente fez uma avaliação e a gente percebeu algumas falhas durante a aplicação da atividade, porque a gente falava com os meninos de uma forma como se a gente tivesse falando com o pessoal daqui, da universidade, e a gente não entendia e achava que tinha sido tão claro... não entendia porque eles tinham tanta dificuldade... mas acho que é porque falta isso, também, da gente... é porque eu acho que a metodologia reflete tanto um pouco de como você é mesmo como professor... se você quer uma participação maior dos estudantes, se você se sente, sei lá, mais à vontade pra dominar um pouco mais a aula...mas é também de conhecer aquele espaço, né, conhecer os estudantes, conhecer a turma... tem muita diferença nas turmas, então eu acho que ... (Sujeito B). As metodologias de ensino configuram-se como elementos fundamentais ao trabalho do professor. A complexidade dos conteúdos requer estratégias adequadas para a consecução do processo de transposição didática. Geralmente, não costumamos refletir sobre a fundamentação teórica que embasa nossas escolhas metodológicas. O que guia nosso olhar metodológico quando abordamos determinados conteúdos? A esse respeito, um dos sujeitos assim se posiciona: Hoje a gente tava discutindo o planejamento das atividades, a gente ia fazer uma avaliação em cima disso tudo, e aí num ponto do planejamento se colocou que a gente falhou muito na questão do embasamento. Que a gente fazia as atividades, elaborava as metodologias, até a questão dos conteúdos... mas muito na prática 24 | ENSINO E PESQUISA EM CIÊNCIAS E BIOLOGIA que a gente tem... pegava pouco um livro, e discutia muito pouco sobre qual a melhor metodologia...se essa... se aquela... a gente escolhe qual? Qual a importância de tratar esse ou aquele? (Sujeito B). As falas dos sujeitos sinalizam que, além do conhecimento que fundamenta a metodologia selecionada, essa escolha precisa considerar o universo dos alunos e cuidados no tocante à adequação da linguagem utilizada, evidenciando a compreensão de que as metodologias não têm um fim em si mesmas, antes precisam atender demandas específicas de um contexto que se faz necessário reconhecer e sobre ele atuar. Requer do docente um conhecimento específico, como destacam Bordenave e Pereira (1999): Assim como a competência profissional do engenheiro se manifesta na escolha acertada de materiais e métodos de construção, a idoneidade profissional do professor se manifesta na escolha de atividades de ensino adequadas aos objetivos educacionais, aos conteúdos de matéria e aos alunos (BORDENAVE; PEREIRA,1999, p.121). Para os referidos autores, a forma de o professor oferecer ao aluno a oportunidade para viver as experiências desejadas é “estruturar atividades, isto é, estabelecer ou promover situações de ensino aprendizagem, em que haja uma alta probabilidade de que ditas experiências aconteçam [...] (p. 83, 84). É nesse sentido que advogamos um maior espaço para discussão sobre as metodologias de ensino nos cursos de formação de professores, incluindo o reconhecimento das dificuldades que se apresentam a esse processo nos contextos escolares. 3.2 Das dificuldades na proposição de metodologias de ensino Uma vez reconhecendo a importância das metodologias para o ensino de Biologia e as demandas que precisam ser atendidas em sua proposição, os sujeitos apontam dificuldades nesse processo. Dentre estas, o sujeito A destaca o fato de as metodologias serem concebidas para um contexto, sem considerar a multiculturadlidade: [...] e assim... complementando, eu gosto muito de viajar um pouquinho pra perceber o que tá bem além, porque eu acho que a metodologia no ensino de biologia e as outras metodologias são falhas, porque elas não são feitas pra... elas são feitas pra uma massa, pra um contexto homogêneo, e não existe esse contexto 25ENSINO E PESQUISA EM CIÊNCIAS E BIOLOGIA | homogêneo na escola... eu vendo uma palestra do professor João Figueiredo, ele é daqui, que ele fala em uma educação intercultural, que a gente não tem aqui... o que a gente faz é uma educação como se todas as pessoas vivessem as mesmas coisas, os mesmos processos e ... e passa aquilo pra ela daquela forma, e não é daquela forma, porque cada uma tem um processo, vem de um processo diferente... porque da onde eu venho, do que eu vivi, dá forma que eu vejo o mundo, e como eu penso ele, como eu vou absorver aquilo, e aquela metodologia vai ser diferente pra mim e diferente pras outras pessoas, ela pode ser muito mais difícil pra mim e muito mais fácil pra outros... e aí é um problema bem maior assim... e aí a gente tem um projeto como o PIBID... que é uma tentativa de trazer as novas metodologias e tentar perceber essas falhas e agir sobre elas, né? Então, não é tão fácil assim como a gente imagina, a gente tem assim uma ideia romântica, mas não é tão romântico assim. A realidade da escola é bem complicada, a gente já sabe e tem que bater nesse ponto diariamente. (Sujeito A). Entende que, no âmbito do PIBID, as metodologias foram pensadas atentando para o significado das propostas de ensino para os alunos, e destaca que não podem ser concebidas numa perspectiva romantizada da escola, pois a realidade desse contexto é complexa, necessitando de constante reflexão sobre o que se propõe na ação docente. Estendemos essas considerações para o universo da formação dos futuros professores, de forma geral, pois, não raro, se atribuem às metodologias a solução para os problemas do ensino. A realidade, contudo, por ser complexa, não pode ser apreendida por uma metodologia, tampouco por uma proposta de ensino gestada distante do contexto onde será vivenciada. Essas ponderações nos ajudam a refletir sobre o que temos discutido a respeito das metodologias de ensino nos cursos de licenciatura, uma vez que o ensino pressupõe, além do conhecimento pedagógico da matéria a ser ensinada, o conhecimento dos sujeitos da ação docente e de seu contexto. Assim, as metodologias precisam ser concebidas como importante aspecto do processo formativo, de preferência, vivenciadas nos contextos escolares onde atuarão os futuros professores. A esse respeito nos informa Veiga (2006): O ensino é a busca de interfaces no conhecimento curricular e no mundo de conhecimentos e práticas vivenciadas no cotidiano 26 | ENSINO E PESQUISA EM CIÊNCIAS E BIOLOGIA sociocultural dos alunos. A construção do conhecimento é sempre do sujeito, mas não é só dele; o conhecimento se constrói por uma mediação social que pode estar mais ou menos presente. Na situação de ensino há necessidade da mediação do professor para [...] propor atividades e estratégias didáticas necessárias à construção do conhecimento, acompanhar e avaliar o processo de construção /assimilação do conhecimento realizado pelo aluno (VEIGA, 2006, p. 25). 3.3 As metodologias de ensino no processo formativo de professores de Biologia. Ante a necessidade de tornar os conteúdos escolares acessíveis aos alunos, as metodologias assumem centralidade no trabalho do professor. Em se tratando de conteúdos biológicos, destacamos a abstração inerente aos conhecimentos dessa área, o que resulta em dificuldade de compreensão entre alunos, sobretudo os de Citologia e Botânica (COSTA, 2013). A respeito da referida dificuldade, informa-nos Krasilchik (2008): [...] nas aulas de citologia o número de termos novos passa de seis para onze por aula, o que indica ênfase na nomenclatura em lugar em destaque da análise dos processos metabólicos. Esse dado parece indicar também que o lugar da anatomia como fonte de sofrimento para os alunos, que tinham que decorar os nomes das estruturas, é ocupado agora pela citologia e a minuciosa descrição das organelas e dos mapas metabólicos que os alunos acabam memorizando sem entender o que representam (KRASILCHIK, 2008, p.17). Além da necessidade de pensarmos sobre as questões que envolvem as metodologias de ensino durante o processo formativo do professor de Biologia, não podemos deixar de considerar as dificuldades relacionadas às condições de trabalho no ambiente escolar, como aponta um dos sujeitos entrevistados: [...] e pensar também nas limitações mencionadas, numa sala de 40 alunos, tem gente que, de fato, não vai conseguir... não consegue se colocar dentro daquela metodologia que você colocou pra aula. Na última aula que a gente fez do estágio, a gente fez umaelaboração de fanzine, tinha o projeto e no último dia era o fanzine e tinham várias pessoas interessadas e tinham outras que não tava nem aí... (Sujeito B) 27ENSINO E PESQUISA EM CIÊNCIAS E BIOLOGIA | Em razão dessas dificuldades, faz-se imprescindível pensar as metodologias com base nos contextos onde serão desenvolvidas, a fim de diminuirmos a distância entre o que é vivenciado nos cursos de formação e as demandas dos sujeitos na escola. Além disso, apontam a necessidade da vigilância para não reproduzirmos, na Educação Básica, concepções metodológicas as quais consideram inadequadas. Destacam, ainda, que as metodologias estão além das técnicas: [...] porque eu tenho muito problema com a metodologia que é dada pra gente de forma geral, até o ensino da gente, da própria faculdade, daquele velho e básico ... do professor fala a gente escuta, o ensino bancário, etc. E eu tenho muita dificuldade de ganhar atenção daquilo, daquela forma[...] na parte que a gente tratou da genética bem no início... foi muito interessante de pegar esses assuntos no Ensino Médio e que são totalmente abstratos... a forma que é passado nos livros didáticos é uma forma totalmente abstrata, de imagens, enfim... a quantidade enorme de palavras que eles não sabem e a gente vai normalizando aquilo... pra gente aqui na academia, na faculdade... e a gente normaliza, é assim, tá dado... a gente tem que aceitar, passar pelas disciplinas e se formar. Só que a gente acaba reproduzindo isso na escola, aí normaliza a situação e o aluno vai ter que aceitar aquilo. [...] E a forma de agir na sala reflete a metodologia que aplicaram nele, ele reforça querendo ou não... Eu acabo... quando eu comecei a atuar diretamente assim no PIBID com os alunos, mesmo assim sendo em menor quantidade, eu reforçava coisas que eu critiquei, entendeu? Eu tava tentando só falar do conteúdo, sem ao menos escutar e perceber como ele tava reagindo àquilo, eu só tava querendo encerrar aquele assunto, né, e você percebe muito bem que você vai reforçando aquilo sem se dar conta e isso reflete a metodologia que aplicaram em você. [...] a metodologia não é só uma técnica... essa formulazinha que você vai aplicar, ela vai além disso. (Sujeito A) Assim, uma concepção das metodologias além da aplicação de técnicas de ensino aponta para o que nos adverte Araújo (1991): Embora estejam subordinados às finalidades, os processos metodológicos traduzem certamente as finalidades educativas mais amplas. Se assim não fosse, as técnicas estariam sendo objetos em si mesmas ou de si mesmas. Por isso, procurar algo contido nos processos metodológicos significa também investigar as finalidades sociais da educação (ARAúJO, 1991, p. 28). 28 | ENSINO E PESQUISA EM CIÊNCIAS E BIOLOGIA Até o momento, os sujeitos destacaram a importância das metodologias no fazer docente, suas especificidades, apontaram a necessidade de debatê-las mais nos cursos de formação de professores e de aproximá-las dos contextos escolares onde serão desenvolvidas, não com fim em si mesmas. Queremos, contudo, ainda saber se, transpondo as propostas metodológicas a que tiveram acesso na graduação, os sujeitos entendem a necessidade de vincular a pesquisa e/ou fundamentação teórica na orientação de novas metodologias de ensino de Biologia. 3.4 A percepção da pesquisa na orientação e na proposição de novas metodologias para o ensino de Biologia Os sujeitos, embora reconheçam a necessidade da pesquisa na proposição de metodologias de ensino, reforçam a ideia de que não podem ser transpostas e aplicadas em sala de aula sem as devidas adequações. Eu acho que a pesquisa é necessária, mas não tem como entrar como uma fórmula...assim, entendeu? E mostrar o ensino de biologia através de algumas formas e deixar claro como pode ser trabalhado, mas também perceber que as pessoas são diferentes, os contextos das escolas são diferentes, que não adianta você chegar lá, aplicar aquilo que você leu naquele artigo e nem sempre vai sair da forma como se colocou lá... (Sujeito B). Essa compreensão revela o caráter dinâmico dos processos de ensino-aprendizagem. Então, indagamos: como promover a apropriação do produto das pesquisas sobre metodologias de ensino pelos docentes, de forma que possam orientar suas propostas metodológicas na escola básica? Os sujeitos apontam um direcionamento sobre essa questão: [...] se a gente for avaliar a nossa produção, daqui que ela chegue na comunidade, ela tem um caminho enorme e assim, uma maneira da gente encurtar esse caminho é produzir com eles, a partir deles, de vivência deles, e a gente já direciona aquele conteúdo pra aquelas pessoas e assim ele já chega ao meio acadêmico pra se difundir entre o meio científico, mas a gente enfrenta hoje esse grande espaçamento, assim, a Universidade não consegue alcançar a comunidade , assim, e a licenciatura cumpre muito esse papel, às vezes, assim... porque ela tá diretamente ligada com a comunidade, com público, com os alunos, né... mas ainda assim eu acredito que há um distanciamento e isso talvez tenha ligação com a metodologia e vários outros fatores... e uma forma de encurtar isso seria a gente tá 29ENSINO E PESQUISA EM CIÊNCIAS E BIOLOGIA | produzindo com eles, e aí direcionando pra pergunta que você fez, a importância das novas metodologias pra o ensino da biologia, a pesquisa é essencial, assim...(Sujeito A). Dessa forma, as metodologias, embora orientadas por um referencial teórico, produto de pesquisas realizadas no campo das metodologias de ensino, precisariam ser pensadas com os sujeitos aprendentes, no intuito de aproximar a cultura universitária da cultura escolar. Nessa direção, destacamos o papel dos cursos de licenciatura, no sentido de também atuarem promovendo essa aproximação, não a restringindo aos estágios supervisionados, nem ao PIBID ou programas similares, mas como prática formativa durante toda a graduação. Assim, ao pensar as metodologias como esse elemento de aproximação, destacamos o que nos dizem Bordenave e Pereira (1999) sobre as opções metodológicas dos docentes: [...] a opção metodológica feita pelo professor pode ter efeitos decisivos sobre a formação da mentalidade do aluno, de sua cosmovisão, de seu sistema de valores e, finalmente de seu modo de viver. Alguém disse uma vez, que, “enquanto os conteúdos do ensino informam, os métodos de ensino formam”. Efetivamente, dos conteúdos de ensino, o aluno aprende datas, fórmulas, estruturas, classificações, nomenclaturas, cores, pesos, causas, efeitos, etc. Dos métodos, ele aprende a ser livre ou submisso; seguro ou inseguro; disciplinado ou organizado; responsável ou irresponsável; competitivo ou cooperativo. Dependendo de sua metodologia, o professor pode contribuir para gerar uma consciência crítica, ou uma memória fiel, uma visão universalista ou uma visão estreita e unilateral, uma sede de aprender pelo prazer de aprender e resolver problemas, ou uma angústia de aprender apenas para receber um prêmio e evitar um castigo (BORDENAVE; PEREIRA,1999, p. 68). Em razão disso, chamamos atenção para a necessidade de despertar o aluno da licenciatura para a busca da fundamentação teórica que embasa os processos de ensino-aprendizagem como subsídio para a proposição de metodologias de ensino. Entendemos o conhecimento pedagógico da matéria a ser ensinada (SHULMAN,1986) como algo essencial ao fazer docente e que ainda é pouco discutido nos cursos de formação de professores. Desta feita, as chances de insucesso para as propostas de ensino gestadas sem 30 | ENSINO E PESQUISA EM CIÊNCIAS E BIOLOGIA esse conhecimento são elevadas. Este, sem dúvida, inclui apropriação de experiências exitosas desenvolvidas pelos pares, em buscar aproximações com as realidades dos diversos contextosescolares, sem, contudo, deixar de apontar as dificuldades percebidas durante esse processo, como destaca um dos sujeitos: E assim tem muito trabalho que faz relatos da questão das metodologias... que apresenta como se fosse uma coisa linda, que não teve trabalho e problema nenhum! Até quando eu leio, eu digo: meu Deus, isso aqui foi um sonho! Porque deu tudo certo, todo mundo ficou ótimo, se interessou, e tal...E aí eu acho importante nesses trabalhos, desde IC, é de deixar claro nesses trabalhos quais foram as dificuldades, as falhas... isso se faz extremamente pertinente, pra gente ver as propostas que se pode fazer em cima disso... (Sujeito B). O tópico seguinte apresenta as impressões dos sujeitos sobre o desenvolvimento de uma proposta interdisciplinar para o ensino de Biologia no âmbito do PIBID. 3.5 Interdisciplinaridade no ensino de Biologia no âmbito do PIBID: o que dizem os sujeitos da pesquisa Para Fazenda (2001), a interdisciplinaridade constitui nova atitude ante a questão do conhecimento, de abertura à compreensão de aspectos ocultos do ato de aprender e dos aparentemente expressos, colocando-os em questão. Exige, portanto, na prática, na imersão do trabalho cotidiano. É concebida como atitude e nos convoca a refletir sobre as possibilidades de uma ação que promova a integração. No âmbito da formação docente, Fazenda (2008) advoga um saber- ser interdisciplinar. Para essa autora, no âmbito dos saberes da docência e da formação profissional, a interdisciplinaridade requer competências relativas às formas de intervenção solicitadas e às condições que concorrem para o seu melhor exercício. Neste caso, o desenvolvimento das competências necessárias requer a conjugação de diferentes saberes disciplinares. Entenda-se por saberes disciplinares: saberes da experiência, saberes técnicos e saberes teóricos interagindo de forma dinâmica sem nenhuma linearidade ou hierarquização que subjugue os profissionais participantes (BARBIER, 1996; TARDIF, 1990; GAUTHIER, 1996 apud FAZENDA, 2008, p. 23). Para os sujeitos da pesquisa, se apresentou como um grande 31ENSINO E PESQUISA EM CIÊNCIAS E BIOLOGIA | desafio, sobretudo na concepção entre os bolsistas de áreas distintas do conhecimento, do que vem a ser interdisciplinaridade e, portanto, das dificuldades de desenvolvimento da proposta: Como a interdisciplinaridade se materializa, é complicado... porque é o ponto principal do PIBID, mas a concretização ela é muito complicada! E por n fatores, assim, e acho que falta muito da gente ter uma concepção, não igual mas com semelhanças sobre o que é a interdisciplinaridade, como ela se dá, e de ver ela se dar...acho que de um referencial teórico de outras ações de interdisciplinaridade, como foi que ela se deu, quais foram as dificuldades... falta um pouco desse estudo pra gente também, assim... e sobre o que ela é... (Sujeito A). Entre os PIBID, entre as áreas, eu acho que existe assim, uma divergência sobre o que seja interdisciplinaridade. Não é algo, assim, muito claro. Assim, ah, o PIBID Biologia acha que interdisciplinaridade é isso, baseado em tal autor, em fulano, em cicrano... Acho que não existe isso. Mas você percebe mesmo uma divergência. Por exemplo, no PIBID passado, sem ser no nosso, tinham alguns projetos que se diziam interdisciplinares, mas pra gente não era interdisciplinar, pra ninguém do PIBID da biologia era, mas pra outros era... pra Física, pra Matemática... e a concepção da própria escola também... (Sujeito A). A experiência do PIBID/Biologia/UFC acompanhada pelos sujeitos desta pesquisa reafirma a necessidade de fundamentação teórica e pesquisa para a elaboração e proposição de metodologias de ensino, pois, como sinaliza Demo (2011, p. 15): “quem ensina carece pesquisar [...]”. Para esse autor, a pesquisa, sobretudo a busca prática, tem papel fundamental na identificação da necessidade de adequação das teorias à realidade. Ensina ainda: “[...] Quem não pesquisa apenas reproduz ou apenas escuta. Quem pesquisa é capaz de produzir instrumentos e procedimentos de comunicação (DEMO, 2011, p. 39). Nessa perspectiva, e assumindo com Demo (2011) a pesquisa como princípio científico e educativo, advogamos a necessidade de os cursos de formação investirem na pesquisa como meio de apropriação da fundamentação teórica que embasa as metodologias e que as práticas de ensino desenvolvidas na escola possam reorientar as referidas metodologias nos diversos contextos onde são propostas, sem, contudo, esquecer de atentar para o que nos diz Martins (2013): [...] nos damos conta de que não existem formas infalíveis de ensino que garantam a aprendizagem dos conteúdos biológicos, 32 | ENSINO E PESQUISA EM CIÊNCIAS E BIOLOGIA mas há formas potencialmente mais favoráveis que outras, fundamentadas em um saber pedagógico que não se restringe à dimensão técnica do ensinar, antes assume intencionalidades mais amplas e comprometidas com a construção da emancipação humana (MARTINS, 2013, p. 133). 4. Notas conclusivas A investigação aponta para a necessidade de fundamentação teórica no desenvolvimento e proposição de novas metodologias de ensino de Biologia, além da urgência em suscitar discursões sobre a aplicação de propostas de ensino concebidas em contextos distintos da realidade escolar na qual os docentes atuam. Deve ainda a pesquisa assumir papel na mediação do conhecimento sobre os sujeitos aprendentes e os contextos sociais nos quais estão inseridos. Desse modo, conclui-se que a pesquisa na seleção e fundamentação da prática do professor, no tocante à seleção, proposição e desenvolvimento de novas metodologias de ensino se apresenta como uma atitude que tende a favorecer a efetivação das propostas de ensino e a apropriação dos conteúdos pelos alunos. O estudo ainda sugere que as metodologias de ensino precisam ser mais bem conhecidas, discutidas e experimentadas no curso de formação de professores, práticas que podem e precisam ser mediadas e potencializadas pela pesquisa. 5. Referências ARAúJO, J. C. S. Para uma análise das representações sobre as técnicas de ensino. In: VEIGA, I. P. A. (Org.). Técnicas de ensino: por que não? 17. ed. Campinas, SP: Papirus, 1991. BORDENAVE, J. E. D.; PEREIRA, A. M. Estratégias de Ensino-Aprendizagem. 20. ed. Petrópolis: Editora Vozes, 1999. DEMO, P. Pesquisa: princípio científico e educativo. 14. ed. São Paulo: Cortez, 2011. FAZENDA, I. C. A. Interdisciplinaridade: dicionário em construção. São Paulo: Cortez, 2001. ______. Interdisciplinaridade - transdisciplinaridade: visões culturais e epistemológicas. In: FAZENDA, I. O que é interdisciplinaridade? (Org.). São Paulo: Cortez, 2008. FREIRE, P. Pedagogia do oprimido, 17. ed. Rio de Janeiro, Paz e Terra,. 1987. 33ENSINO E PESQUISA EM CIÊNCIAS E BIOLOGIA | KRASILCHIK, M. O professor e o currículo das Ciências. São Paulo: Edusp, 1987. ______. Práticas de ensino de Biologia. 4. ed. São Paulo: Edusp, 2008. MARTINS, M. M. M .de C. Saberes pedagógicos e o desenvolvimento de metodologias de ensino de Biologia: o PIBID como elemento de construção. 2013. 229f. Dissertação de Mestrado. Mestrado em Ensino de Ciências e Matemática/Universidade Federal do Ceará, Fortaleza, 2013. MOREIRA, M. A. Aprendizagem Significativa. Brasília: Editora da Universidade de Brasília, 1999. SHULMAN, Lee. S. Those who understands: knowledge growth in theaching. Education Researcher. v. 17, nº 1, p. 4-14. 1986. VEIGA, I. P.A. Ensinar: uma atividade complexa e laboriosa. In: VEIGA, I. P. A. (Org.). Lições de Didática. 4. ed. Campinas: Papirus, 2006. (Magistério: formação e trabalho pedagógico). 34 | ENSINO E PESQUISA EM CIÊNCIAS E BIOLOGIA PESQUISA E ENSINO NA EDUCAÇÃO BÁSICA: DILEMAS E CONFLITOS NA FORMAÇÃO DO PROFESSORPESQUISADOR Alexsandra de Sales Araújo Ana Vérica de Araújo Isabel Cristina Higino Santana 1. Introdução Para o professor e o aluno a pesquisa é algo bem presente. Quase sempre ao final de cada aula é solicitada aos alunos uma “pesquisa” sobre determinado conteúdo, tema ou situação vivida, onde os alunos recorrem a fontes impressas como o próprio livro didático, à internet ou outro meio de informação. Na maioria das vezes, fazem cópias fiéis do que está escrito em coletâneas impressas ou em sites pesquisados. Considerando as aulas de Matemática ou Física, se faz pesquisa para “solucionar problemas” que se limitam à solução de questões. Pelo que foi descrito, é fácil perceber o verdadeiro equívoco existente entre os profissionais da educação sobre a concepção do que é pesquisa. Não só este, mas outros fatores também causam muita confusão, quando se fala em pesquisa na escola, o que vai sendo incorporado pelos alunos ainda nos seus estudos e permanecendo após esse período. Os docentes também possuem noções equivocadas quanto à pesquisa em sala de aula, acreditando que fazer pesquisa é uma atividade somente da pós-graduação e que deve englobar apenas estudos quantitativos, experiências nos laboratórios. Demo (2009), em seu discurso, já alerta para a tradição brasileira de aula e reprodução, o que não acontece nos centros superiores de formação de profissionais em outros países como, Alemanha, por exemplo. Tal fato provocou-nos inquietação, o que nos levou a relatar experiências vivenciadas como bolsistas do Programa Institucional de Bolsa de Iniciação à Docência (PIBID) da FACEDI/UECE em escolas na rede estadual de ensino no Município de Itapipoca-Ceará. As experiências relatadas aqui estão apoiadas em referenciais teóricos e mostram as discrepâncias entre o que se considera pesquisa na escola e o que realmente ela é. O foco deste capítulo rodeia os dilemas da pesquisa como princípio educacional e científico (DEMO, 2009), o que será feito com um breve esclarecimento dos termos. Dessa forma, pretendemos demonstrar as peculiaridades da pesquisa científica e educacional, relatando as dificuldades dos professores de Biologia em compreender essa modalidade de pesquisa. 35ENSINO E PESQUISA EM CIÊNCIAS E BIOLOGIA | Pesquisa é o ato pelo qual procuramos obter conhecimento sobre alguma coisa. Sendo assim, por esse conceito, tudo o que se faz é pesquisa? Na verdade, não é bem assim. A pesquisa busca produzir um conhecimento que ultrapasse o nosso saber imediato, aquilo que já está estabelecido pelo senso comum. É necessário certo cuidado para que não se caia na própria concepção do senso comum de que tudo é pesquisa e esse fato já foi exposto por diversos autores e estudos, como Demo (2009) e Lüdke (2009). Para compreendermos bem o objetivo deste capítulo, devemos, inicialmente, compreender o que é a pesquisa nos moldes comuns e também opostos destes dois princípios, o científico (no sentido experimental) e o educacional (de cunho interpretativo), assim como nas perspectivas quantitativa e qualitativa, o que se deve fazer situando o leitor no percurso histórico traçado por ela. Pensadores como Francis Bacon e René Descartes foram precursores da tradição cientificista, com heranças relativamente opostas. Para este, somente as Ciências exatas, “com seus princípios atemporais e imutáveis”, poderiam entender e explicar a natureza, remetendo ao racionalismo de Platão. Já para aquele, a experimentação, a indução e a observação representavam a chave para o conhecimento, relembrando o empirismo aristotélico (BORTONI-RICARDO, 2008). A tradição cientificista estruturou-se com o positivismo de Auguste Comte, no século XIX. Esse paradigma, de tradição lógico-empirista, que começou nas Ciências Exatas e privilegia a razão analítica, era a base da Ciência na época e, já em meados do século, para o conhecimento ser considerado legítimo, ele teria que ter sua fundamentação em supostos científicos quantitativos. Dessa forma, o positivismo foi incorporado pelas Ciências Sociais, que logo encontrou barreiras ao desenvolvimento de suas pesquisas em razão do escopo dos seus objetos de estudo. Como lembra Bortoni-Ricardo (2008), Comte propunha que as Ciências Sociais e Humanas deveriam usar os mesmos métodos e princípios epistemológicos que guiam a pesquisa das Ciências Exatas. A reação a essa atitude veio no início do século XX, já que a pesquisa nas áreas social e humana trabalha com algo relativo aos seres humanos ou com eles próprios, envolvendo desde problemas psicológicos a questões de ordem social. Como não se controlam seres humanos como um reagente em laboratório, houve contraposição das metodologias positivistas empregadas na pesquisa social, situando sob avaliação o caráter destes estudos como pesquisa de fato. 36 | ENSINO E PESQUISA EM CIÊNCIAS E BIOLOGIA Assim, na Escola de Frankfurt, em princípios dos anos 1920, vários pensadores reuniram-se para propor alternativa ao modo de se fazer Ciência da época e assim surgiu o paradigma interpretativista, em contraposição ao positivismo. Para eles, a compreensão do conhecimento nas Ciências Sociais não poderia de forma alguma negligenciar o contexto sócio-histórico. Segundo Tauchen (2006, p. 8), “o pesquisador não pode omitir-se da sua condição e dos condicionantes sociais que influenciam a pesquisa científica”. Um trabalho publicado que pôs em dúvida os pressupostos positivistas para a pesquisa nas Ciências Humanas foi o do antropólogo polonês Bronislaw Malinowski, ainda no início do século XX. Esse pesquisador conviveu durante muito tempo com os habitantes da ilha que pesquisava e conseguiu, com riqueza de detalhes, registros escritos da cultura e costumes da população. Sua pesquisa encontrou divergências de opinião entre aqueles que não a consideravam pesquisa científica por não ter a experimentação e rigor dos métodos científicos vigentes na época e os que achavam ser aquela uma forma alternativa ao positivismo de gerar e trabalhar com o conhecimento. O grande ponto levantado pelos adeptos do positivismo foi que o pesquisador não deve ser sistema de referência para a pesquisa, ou seja, os princípios postulados devem ser independentes das crenças e valores, livres de contexto e do senso comum. Para os defensores do interpretativismo, a pesquisa pode sim levar em conta as impressões subjetivas do pesquisador, pois, [...] não há como observar o mundo independentemente das práticas sociais e significados vigentes. Ademais, e principalmente, a capacidade de compreensão do observador está enraizada em seus próprios significados, pois ele (ou ela) não é um relator passivo, mas um agente ativo (BORTONI- RICARDO, 2008, p. 32) Com suporte nos estudos de Malinowski, outros autores passaram a usar o interpretativismo. Após a Segunda Grande Guerra, os etnógrafos deixaram de pesquisar comunidades isoladas e voltaram-se para ambientes educacionais. No começo dos anos 1980, por exemplo, a interação professor-aluno e a qualidade do processo de aprendizagem ganharam relevância no cenário educacional de países industrializados. Isso motivou os professores a investigarem sua prática pedagógica, a fim de compreenderem melhor a aprendizagem dos alunos, aperfeiçoarem 37ENSINO E PESQUISA EM CIÊNCIAS E BIOLOGIA | métodos de ensino e solucionarem problemas. Os professores investigavam as próprias turmas e trocavam experiências e, à medida que aprofundavam essa atividade, começaram a desenvolver pesquisa científica, surgindo então a figura do professor pesquisador. Como anota Demo (2009), a pesquisa científica é um legado de séculos, bem consolidado, de construção do conhecimento por meio de métodos. O positivismo influenciou toda a atividade científica e cultural, o próprio senso comum e o modo de vida das
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