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NOTAS TANATOSCOPICAS (EFEITOS JURIDICOS DA MORTE DA PESSOA NATURAL)_REVISTO

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NOTAS TANATOLÓGICAS
(efeitos jurídicos as morte)
Natanael Sarmento - Prof. Dr. Titular da UNICAP
		Mors omnia solvit – A morte acaba com tudo. Princípio jurídico.
Se quiseres suportar a vida, fica pronto para aceitar a morte. Sigmund Freud.
Efeitos jurídicos da morte
Essas notas sobre os efeitos jurídicos da morte destinam-se aos estudantes do curso de direito civil I. Trata-se, portanto, de estudo propedêutico com finalidades didáticas. Neste sentido, faz-se rápida abordagem dos efeitos jurídicos da morte no direito em geral e, mais detidamente, com o direito civil, especialmente no tocante à parte geral do Código Civil brasileiro, instituído pela lei n º 10.406/2002.
Primeiro, ressalte-se que o evento da morte da pessoa alcança amplas esferas do direito positivo; reflete em todas as relações nas quais o “de cujos” era sujeito de direito e deveres anteriormente ao óbito: civil, previdenciário, trabalhista, securitário, tributário, empresarial, eleitoral, penal, processual, dentre outros.
 Na perspectiva da lei civil, a morte representa o termo final da existência da pessoa natural ou física: a cessação da personalidade. Por consequência lógica, a morte da pessoa acarreta a dissolução do vínculo conjugal, Art. 1.571, I; cessa o poder familiar, Art. 1.635, I; extingue os contratos de serviços, Art. 607; cessa os mandatos, Art. 682, II; extingue o usufruto, Art. 1.410, I; determina a abertura da sucessão e da transmissão dos bens, Art. 1.784, dentre as principais repercussões na vida civil. 
 No processo civil, a morte de qualquer das partes, do representante legal ou procurador suspende o processo, CPC Art. 265, I. No direito penal, a morte do agente importa na extinção da punibilidade, CP Art. 107, I. No âmbito processual criminal, a realização do exame cadavérico pelo menos seis horas depois do óbito, CPP. Art. 162; a extinção da punibilidade à vista da certidão de óbito do acusado, Art. 62; a transferência do direito de queixa ou de prosseguimento da ação ante a morte do ofendido, Art. 31 e a perempção da ação penal face à morte do querelante, Art.60,II, dentre outras repercussões. 
Diagnóstico da morte
Tem-se banalizado a ideia da morte como cessação dos sinais vitais. De fato, na prática, admite-se o fim da vida quando cessadas a respiração e a circulação. Sucede, porém, que os atos vitais não cessarem de uma vez. Havendo, inclusive, casos de morte com o coração em movimento qual a dos decapitados, segundo o magistério de THOINOT (Apud FÁVERO, P.545). 
	Nesse sentido, o diagnóstico seguro da morte requer do medico que assinará o atestado de óbito ou do perito um criterioso estudo dos fenômenos cadavéricos abióticos e transformativos, entre os quais: cessação da respiração e circulação; movimento cardíaco; perda da consciência; insensibilidade; imobilidade; dilatação da pupila; queda da mandíbula; movimento cardíaco, coagulação; nos destrutivos: putrefação, maceração, mumificação e saponificação, dentre outros aspectos.
	Nas mortes ditas naturais, basta o atestado do óbito passado pelo médico com a indicação da causa-mortis na nomenclatura técnica internacional, do dia e hora da morte e demais informações pertinentes para o oficial de registro exarar o respectivo registro e expedir a certidão de registro de óbito. A necropsia é exceção em mortes de causas naturais e regra em mortes decorrentes de crimes e acidentes. 
	
O registro dos óbitos
O assento do óbito no livro de registro do cartório de registros públicos da localidade do evento da morte é obrigatório no Brasil, a teor do Art. 77 da lei 6.216/75, que altera a lei 6.015/73, que dispõe sobre registros públicos.
Com a nova redação, o artigo 78 da lei alterada passa: 
"Art. 77 - Nenhum sepultamento será feito sem certidão, do oficial de registro do lugar do falecimento, extraída após a lavratura do assento de óbito, em vista do atestado de médico, se houver no lugar, ou em caso contrário, de duas pessoas qualificadas que tiverem presenciado ou verificado a morte. 
§ 1º Antes de proceder ao assento de óbito de criança de menos de 01 (um) ano, o oficial verificará se houve registro de nascimento, que, em caso de falta, será previamente feito. 
§ 2º A cremação de cadáver somente será feita daquele que houver manifestado a vontade de ser incinerado ou no interesse da saúde pública e se o atestado de óbito houver sido firmado por 02 (dois) médicos ou por 01 (um) médico legista e, no caso de morte violenta, depois de autorizada pela autoridade judiciária." 
Portanto, requisito para registro do óbito é o atestado do óbito. Preferencialmente, fornecido por médico da localidade, na falta deste, por duas testemunhas qualificadas que tenham presenciado ou constatado a morte.
Em que pesem essas determinações legais sobre o registro da mortalidade, o país apresenta deficiências operacionais, principalmente, no norte e no nordeste, conforme reconhece relatório do IBGE de 2003. 
Destaque-se que médicos, peritos e oficiais registradores respondem civil, criminal e administrativamente pelos atos praticados no exercício das respectivas atribuições. 
 	4. O fim da personalidade civil
	A personalidade civil da pessoa começa com o nascimento com vida, a teor do Art. 2º do código civil e termina com a morte, pela regência do Art. 6º:
 Art. 6º. “A existência da pessoa física termina com a morte; presume-se esta, quanto aos ausentes, nos casos em que a lei autoriza a abertura de sucessão definitiva”. 
5. Morte real e morte presumida 
O Código prescreve o término da pessoa com a morte; em seguida, trata da morte presumida dos ausentes. Os civilistas usam expressões como morte física e morte real com o escopo de distinguir a morte atestada pelo exame médico clínico ou pericial da morte presumida para fins de direito das pessoas desaparecidas. 
 
	 5.1. Morte presumida pela ausência
A configuração jurídica de ausente é dada no art. 22 do Código Civil. Pessoa desaparecida do seu domicílio sem dela haver notícia, sem deixar representante ou procurador para administrar os seus bens, declarada ausente por sentença do juiz a requerimento de qualquer interessado ou do Ministério Público:
Art. 22. Desaparecendo uma pessoa do seu domicílio sem dela haver notícia, se não houver deixado representante ou procurador a quem caiba administrar-lhes os bens, o juiz, a requerimento de qualquer interessado ou do Ministério Público, declarará a ausência e nomear-lhe-á curador. 
A ausência é decretada por sentença pelo juiz, que nomeia um curador com o encargo de zelar pelo patrimônio do desaparecido em processo de ausência. A curadoria tem o prazo de um ano se o ausente não deixou procurador, ou três anos, se o deixou. Nessa fase, os bens do ausente serão arrecadados e geridos pelo curador. Em seguida, abre-se a sucessão provisória do ausente, a pedido dos interessados, Art. 26. Nessa fase, os sucessores são imitidos na posse dos bens mediante prestação de caução, farão jus a frutos e rendimentos. Mas a transmissão do domínio dos bens e o levantamento da garantia prestada somente com a sucessão definitiva, dez anos depois da abertura da sucessão provisória. 
Durante a fase da curadoria e a sucessão provisória do ausente, não cabe falar em morte presumida, ex-vi da parte final do Art. 6º: “quanto aos ausentes, nos casos em que a lei autoriza a abertura da sucessão definitiva”. A sucessão definitiva pode ser requerida em cinco anos da sucessão provisória no caso de ausentes octogenários, Art. 38.
5.2. Morte presumida independente da ausência
O código civil instituído pela lei nº 10.406/2002 regula a morte presumida independente de declaração da ausência em duas situações, Art. 7°, I e II. 
Na primeira, nos casos de extrema probabilidade da ocorrência de morte da pessoa. Situação de comprovado risco ou perigo de vida. Por exemplo, as vítimas de um desastre aéreo ou marítimo cujos corpos não sejam encontrados.No segundo caso, de pessoa desaparecida durante uma guerra, do prisioneiro de guerra que, após dois anos do fim do conflito, não retorne aos seus, nem dele se tenha notícias a despeito de buscas e diligências. No requerimento judicial, o interessado deve comprovar o esgotamento das diligências. 
Art. 7º: “Pode ser declarada a morte presumida, sem decretação de ausência:
se for extremamente provável a morte de quem estava em perigo de vida;
se alguém, desaparecido em campanha ou feito prisioneiro, não for encontrado até dois anos após o término da guerra.
 Parágrafo único: a declaração da morte presumida, nesses casos, somente poderá ser requerida depois de esgotadas as buscas e averiguações, devendo a sentença fixar a data provável do falecimento.
 
 6. Comoriência ou morte simultânea 
O princípio de que a morte acaba com tudo é válido para as pessoas, não para os bens dessa pessoa que subsistem ao falecimento do seu titular. Na questão sucessória patrimonial, aliás, a morte é o começo, porquanto só há abertura de sucessão depois da ocorrência da morte. O patrimônio do morto – a herança – passa aos sucessores. Não há herança de pessoa viva.
Porém a morte de duas ou mais pessoas pode ocorrer sucessiva ou simultaneamente. Logicamente, uma sucessão por morte pressupõe anterioridades e posterioridades do evento morte. Se todos morrem ao mesmo tempo, não se tem sucessão, mas simultaneidade. 
No direito civil, a questão é relevante em temos patrimoniais e sucessórios. Imagine-se que o Sr. João é bilionário e pai de Joãozinho, Joana e Joaquina. E que cada um dos filhos de João tenha pequeno patrimônio e a própria prole. Em desastre aéreo, falecem simultaneamente João, Joãozinho e Joana. Se eles falecem na mesma ocasião, mesmo momento, mesmo que a condição de filhos confira a condição de herdeiro de João a Joãozinho e Joana, não haverá transferência de direito entre eles, eles não são sucessores de João. Portanto, os bilhões de João irão para a filha Joaquina e demais herdeiros e sucessores necessários. Joãozinho, Joana e respectivos filhos estão excluídos da sucessão. 
O instituto da comoriência tem o escopo de presumir legalmente a simultaneidade da morte e, assim, não estabelecer sucessão nos casos de morte de duas ou mais pessoas, impossíveis de se determinar a ordem de falecimento entre elas. Comoriência é a presunção legal de simultaneidade da eventualidade morte de duas ou mais pessoas. Diz o Art. 8º:
 “Se dois ou mais indivíduos falecerem na mesma ocasião, não se podendo averiguar se algum dos comorientes precedeu aos outros, presumir-se-ão simultaneamente mortos.” 
Portanto, são comorientes as pessoas que, presumivelmente, morrerem na mesma ocasião, sem sucessão entre elas. 
7. Tutelas legais post-mortem
Impende ressaltar que, embora a morte da pessoa represente o fim da sua existência, a cessação da personalidade e demais reflexos nas relações jurídicas, subsistem algumas tutelas legais a desmentir o princípio do mors omnia solvit. 
Pode-se observar que certos interesses materiais e morais do falecido não desaparecem juntamente com o fim da sua existência. E não apenas em relação ao patrimônio material. 
Nesse sentido, destacamos a tutela legal contra a ameaça ou a lesão de direito da personalidade ao nome, à imagem e à honra, Parágrafo único do Art. 12, do CC. O ato de disposição do corpo para depois da morte, Art. 14. A declaração da vontade na disposição dos bens por testamento, Art.1.857. Na criminalização de atos contra mortos, dos tipos penais nos artigos 209, 210, 211 e 212 do CP, respectivamente, crimes de impedimento ou perturbação de cerimônia fúnebre, crime de violação de sepultura, crime de destruição e subtração ou ocultação de cadáver e de vilipêndio a cadáver. 
8. O destino dos defuntos
Nem de longe intentamos tergiversar com conotações metafísicas ou veleidades literárias qual o título pode sugerir. Existe previsão legal para o destino dos cadáveres. Qual o teor dessas disposições? 
A lei nº 8051/92 dispõe sobre a utilização do cadáver não reclamado, defuntos anônimos, sem identificação, sem parentes, sem endereço. Pela lei, deve ser encaminhado às escolas de medicina para fins de estudo e pesquisa, depois de 30 dias.
A lei nº 9434/97 regula a remoção de órgãos, tecidos e partes do corpo humano para fins de transplante e tratamento. É admissível em vida ou post-mortem, neste caso, após o diagnóstico de morte encefálica. A finalidade da remoção deve ser terapêutica e depende de autorização expressa do doador ou de familiares. 
 
 O corpo humano depois da morte não destinado à curiosidade científica ou ao estudo médico ou à terapêutica do transplante, a nosso ver, tem as seguintes destinações, resumidamente:
Inumação: o sepultamento simples ou embalsamado, o mais frequente em nossa cultura. O tradicional caixão e covas;
Cremação: o cadáver é incinerado em forno apropriado e as cinzas são colocadas em pequenos recipientes;
Imersão: o cadáver é atirado no mar, cumpridas as formalidades legais, por motivo de segurança sanitária;
Louvação: o cadáver integra o ritual ou culto e tanto pode ser exposto para ser devorado por animais como canibalizados em cerimonial antropofágico.
Sem nada mais de relevo a ressaltar, dou por findos os trâmites das presentes notas com a célebre sentença de John Keynes: amanhã estaremos todos mortos.
REFERÊNCIAS:
Legislativa:
BRASIL. Lei nº 10.406/2002. Código civil.
BRASIL. Lei nº 94.34/1997. Remoção de órgãos e tecidos p/ transplante.
BRASIL. Lei nº 80.51/1992. Destinação de cadáver não reclamado.
BRASIL. Lei nº 5.869/1973. Código de processo civil.
BRASIL. Lei nº 6.015/1973. Registros públicos.
BRASIL. Lei nº 6.216/1975. Altera a lei de registros públicos.
BRASIL. Decreto- Lei nº 2848/1940. Código penal.
BRASIL. Decreto- Lei nº 3689/1941. Código de processo penal.
Bibliográfica:
FÁVERO, Flamínio. Medicina legal. Belo Horizonte: Martins Editora, 1991.
SARMENTO, Natanael. Notas de direito civil. São Paulo: Harbra, 2004.

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