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Dispensa do doente de AIDS no direito comparado por Sérgio Pinto Martins

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DISPENSA DO DOENTE DE AIDS NO DIREITO COMPARADO
02/07/2014 por Sergio Pinto Martins
Na Argentina, o artigo 16 da Constituição prevê a igualdade de todos perante a lei. O artigo 81 da Lei do Contrato de Trabalho dispõe que o empregador deve dispensar a todos os trabalhadores igual trato em identidade de situações. Não será possível fazer discriminações arbitrárias fundadas em sexo, religião ou raça. Aquele que alega é que deve provar a discriminação.
 
Na Colômbia, todos os trabalhadores são iguais perante a lei, têm a mesma proteção e garantias e, em consequência, ficam abolidos quaisquer tipos de distinção em razão de trabalho intelectual ou braçal, sua forma de retribuição (art. 10 do Código Substantivo).
 
Na Espanha, a Constituição determina a não discriminação por motivo de nascimento, raça, sexo, religião ou “qualquer outra condição ou circunstância pessoal ou social” (art. 14). Não é permitida a discriminação direta ou indireta em razão de idade, deficiência, de sexo, origem, raça e etnia, estado civil, condição social, religião, idéias políticas, orientação ou condição sexual, adesão ao sindicato (art. 17 do Estatuto dos Trabalhadores). Se há alegação de dispensa discriminatória, cabe ao empregador provar que obedeceu a motivos razoáveis na dispensa. São consideradas infrações muito graves.
 
Na França, o empregado não pode ser afastado por medida discriminatória, direta ou indireta, em razão do seu estado de saúde ou de ser deficiente (art. L 1132-1 do Código de Trabalho). É considerada uma espécie de limite ao poder de direção do empregador (Ray, Jean Emannuel. 20ª ed. Droit du Travail, Droit Vivant, Liaison, 2011, p. 110). Toda disposição ou todo ato tomado contra o empregado em desconhecimento ao capítulo de discriminação do Código é nulo (art. L 1132-4). É uma presunção de dispensa discriminatória. Toda dispensa com fundamento em saúde é discriminatória, compreendendo o fato de alguém ser doente de AIDS (Nathalie Lailler). A sanção é a nulidade do ato e a reintegração. Pode haver uma multa de até 150.000 euros para o empregador. As diferenças de tratamento em razão de inaptidão constatada pela Medicina do Trabalho em razão de estado de saúde ou de deficiência não constituem discriminação quando são objetivas, necessárias e apropriadas (art. L 1133-3). Prescreve em cinco anos a ação de reparação resultante de um ato de discriminação a contar da revelação da discriminação (art. L 1134-5). A Lei 2008-496, de 27 de maio de 2008, trata da adaptação ao direito comunitário na luta contra as discriminações.
 Na Itália, a Lei n.º 135, de 5 de junho de 1990, reza que a condição de soropositivo não pode ser motivo de discriminação no trabalho, na saúde, na escola e no esporte.  Existe a inversão do ônus da prova.
 
Em Portugal, o Código de Trabalho dispõe que o empregador não pode praticar qualquer discriminação, direta ou indireta (art. 25º, 1). Não constitui discriminação o comportamento baseado em fator de discriminação que constitua um requisito justificável e determinante para o exercício da atividade profissional, em virtude da natureza da atividade em causa ou do contexto da sua execução, devendo o objetivo ser legítimo e o requisito proporcional (art. 25º, 2). Cabe a quem alega discriminação indicar o trabalhador ou trabalhadores em relação a quem se considera discriminado, incumbindo ao empregador provar que a diferença de tratamento não assenta em qualquer fator de discriminação (art. 25º, 5). Adota, portanto, a inversão do ônus da prova. Constitui contra-ordenação muito grave a discriminação direta ou indireta (art. 25º, 8).
 
A Convenção 111 da OIT, promulgada pelo Decreto n.º 62.150/68, veda atos de discriminação no acesso à formação profissional, à admissão no emprego e às condições de trabalho por motivo de raça, cor, sexo, religião, opinião política, ascendência nacional ou origem social (art. 1.º). Não trata especificamente da reintegração de empregado em decorrência de doença, principalmente de AIDS.
 
A Convenção 142 da OIT, promulgada pelo Decreto n.º 98.656/89, trata do desenvolvimento de recursos humanos. Foi complementada pela Recomendação 150. Não versa especificamente sobre reintegração no emprego dos portadores de doenças.
 
A Lei n.º 9.029/95, que versa sobre a proibição de exigência de atestados de gravidez e esterilização, entre outras regras, não poderá ser utilizada por analogia para reintegração de doente de AIDS, pois se refere apenas a exames relativos à esterilização (art. 2.º, I e II, a), a estado de gravidez (art. 2.º, I) ou a controle de natalidade (art. 2.º, II, b), preceitos que dizem respeito à mulher e não a determinada doença; ou em relação a sexo, origem, raça, cor, estado civil, situação familiar ou idade (art. 1.º). Isso mostra que a lei é dirigida principalmente à proteção das mulheres e não a doentes. Entretanto, se a discriminação for realizada em virtude de sexo, por exemplo: do homem, preterindo-se algum direito deste por discriminação, será possível ser aplicado o artigo 4.º da Lei n.º 9.029, que deve ser interpretado em consonância com o artigo 1.º da referida norma, tendo direito o empregado à faculdade prevista no artigo 4.º: pagamento de indenização em dobro ou readmissão. A Súmula 443 do TST presume discriminatória a despedida de empregado portador do vírus HIV ou de outra doença grave que suscite estigma ou preconceito. Inválido o ato, o empregado tem direito à reintegração no emprego.
 
O doente de AIDS tem direito a auxílio-doença ou aposentadoria, independente do período de carência, desde que a doença se manifeste após a sua filiação à Previdência Social, bem como pensão por morte aos seus dependentes (art. 1.º, I, e, da Lei n.º 7.670/88). Enquanto a doença não se manifestar, não haverá direito a qualquer benefício previdenciário. A Lei n.º 7.670/88 permite o levantamento do FGTS em relação ao doente de AIDS, independentemente de rescisão do contrato de trabalho ou de qualquer outro tipo de pecúlio a que o paciente tenha direito (art. 1.º, II). Trata-se de hipótese excepcional em que há autorização de levantamento do FGTS para o empregado doente.
 
Estabeleceu a Lei n.º 12.984, de 2 de junho de 2014, crime de reclusão de um a quatro anos as condutas discriminatórias do portador de HIV e do doente de AIDS, em razão da sua condição de portador ou de doente: negar emprego ou trabalho (II). Negar emprego significa não admitir o trabalhador na empresa; exonerar ou demitir de seu cargo ou emprego (III). Se é crime exonerar, que parece diz respeito à Administração Pública, ou demitir, o trabalhador não poderá ser dispensado pelo empregador e terá direito ao emprego. Se é crime demitir, existe ilícito na dispensa. Por uma lei que estabelece crime, chega-se ao resultado de não poder dispensar o doente de AIDS ou portador do vírus HIV; segregar no ambiente de trabalho ou escolar (IV); divulgar a condição do portador do HIV ou de doente de AIDS, com intuito de ofender-lhe a dignidade (V).
Acesso em: 16/08/2016.
http://www.cartaforense.com.br/conteudo/colunas/dispensa-do-doente-de-aids-no-direito-comparado/13965

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