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Scheila Maria 2016 1 GASTRO – DOENÇAS INFLAMATÓRIAS INTESTINAIS Doença intestinal inflamatória (DII) aplica-se a duas doenças intestinais crônicas e idiopáticas: Retocolite ulcerativa (RCU) e Doença de Crohn (DC). Ambas são doenças crônicas de origem desconhecida que não podem ser curadas por medicamentos e que compartilham muitas características epidemiológicas, clínicas e terapêuticas. O principal fator de risco comprovado para ambas é a história familiar positiva. A diferenciação em um tipo ou outro é feita por métodos clínicos, endoscópicos e histopatológicos. Em 20% dos casos não é possível a diferenciação entre RCU e DC, sendo considerada colite indeterminada. ANATOMOPATOLOGIA [Retocolite Ulcerativa] Doença exclusiva do cólon; Doença exclusiva da mucosa; E tipicamente ascendente e uniforme. Ou seja: RCU é uma doença intestinal caracterizada pelo surgimento inexplicado (idiopático) de lesões inflamatórias que ascendem de maneira uniforme (homogênea) pela mucosa do cólon. Aspecto macroscópico da mucosa colônica varia de normal a completo desnudamento. o Desaparecimento do padrão vascular típico do cólon (precoce) o Hiperemia, edema, mucosa friável, erosões, ulcerações e exsudação [muco, pus, sangue] o Formação de pseudopólipos {15 – 30% dos casos} o Mucosa pálida, atrófica, com aspecto tubular {cronicidade} Uniforme, contínua, sem áreas de mucosa normal entremeadas aspecto endoscópico Scheila Maria 2016 2 Inflamação e necrose do epitélio das criptas (criptite) com ulcerações até a lâmina própria (rasas) aspecto histopatológico {longa evolução} ocorrem alterações na musculatura colônica: perda de haustrações e espessamento da musculatura lisa com aspecto de “cano de chumbo” exame radiológico. Com o tto a recuperação se inicia nas porções proximais {reto é o último a recuperar} e a distorção do padrão vascular da mucosa permanece bem como podem surgir pseudopólipos pós-inflamatórios. [Doença de Crohn] Pode acometer qualquer parte do sistema digestivo {da boca ao ânus} Acometimento descontínuo e focal. Alterações inflamatórias de acometimento transmural. Ou seja: Não acomete o trato intestinal de forma homogênea (contínua), ocorrem trechos de mucosa normal entre as lesões e podem ocorrer alterações microscópicas distante das macroscópicas, causando recidivas. O acometimento transmural vai levar a: o Espessamento da parede intestinal o Estreitamento do lúmen (estenose) o Potencialidade para formação de fístula para mesentério e órgãos; Inicia com a formação de úlceras aftóides {pequenas ulcerações da mucosa sobre as placas de Peyer no ID ou sobre aglomerados linfoides no cólon} que evoluem para: o Extensão lateral de forma linear {quando várias úlceras se encontram pode ocorrer a lesão em “pedras de calçamento”}; OU o Aprofundamento através das camadas da parede intestinal {forma fístulas} Granulomas não caseosos: encontrados em 30% dos casos patognomônico para DC {não são vistos na RCU} Porção distal do íleo e o cólon regiões mais acometidas. Doença perianal: ocorre em 1/3 dos pacientes com DC {fístula, fissura, abscesso} 20% apresentam acometimento exclusivo do cólon [com o reto preservado em 50% - diagnóstico diferencial para RCU] e outros 20% tem doença limitada ao ID. Fat wrapping: Invasão da serosa por tecido adiposo {específico da DC}. Critérios de diferenciação Retocolite ulcerativa Doença de Crohn Localização das lesões Colônico limitado Difuso Padrão de acometimento Contínuo Salteado Envolvimento de planos profundos Não Sim Envolvimento do canal anal Sim 50% Granulomas não caseosos Não Sim [30%] Presença de fístulas Não Sim Scheila Maria 2016 3 MANIFESTAÇÕES CLÍNICAS [Retocolite Ulcerativa] Episódios de diarreia invasiva {sangue, muco e pus} que variam de intensidade e duração e intercalam com períodos assintomáticos. Diarreia sanguinolenta e dor abdominal acompanhada, em casos + graves por febre e sintomas gerais e leucocitose. Geralmente início insidioso dos sintomas [diagnóstico em média após 9 meses do início do quadro] com: o Crescente urgência para defecar { complacência do reto inflamado} o Leves cólicas abdominais baixos; o Aparecimento de sangue e muco nas fezes. OBS: Menos comumente a RCU tem início agudo e fulminante com diarreia violenta e súbita, síndrome febril e toxemia. OBS: Quando a doença se restringe ao retossigmóide pode haver fezes endurecidas por constipação. Quando o processo é mais difuso e proximal ocorrem as fezes amolecidas e diarreia com cólicas intensas e tenesmo. [Doença de Crohn]. Diarreia crônica invasiva associada à dor abdominal Sintomas gerais: febre, anorexia, perda de peso. Massa palpável no QID. Doença perianal. Os sintomas da DC são decorrentes de sua localização. No caso da colite de Crohn os sintomas são semelhantes aos da colite ulcerativa. COMPLICAÇÕES DAS DII 1. Sangramentos Sangramento oculto geralmente + na DC Sangramentos macroscópicos mais frequentes na RCU 2. Megacólon tóxico/ perfuração/ peritonite É mais comum na RCU. Ocorre quando uma inflamação transmural grave compromete a camada muscular. Ocorre adelgaçamento da parede e todo o cólon pode se dilatar por perda de elementos neurais e musculares. Pode culminar em perfuração e/ou peritonite. Scheila Maria 2016 4 3. Estenoses Mais comuns na DC. Resultam do comprometimento competitivo e grave dos planos profundos da parede intestinal. Ocorre sintomas de obstrução parcial: cólica, distensão abdominal pós-prandial, constipação, diarreia paradoxal. 4. Fístulas Típicas da DC. Podem resultar em massas inflamatórias e abcessos. 5. Câncer O adenocarcinoma de cólon pode ocorrer em pacientes com RCU assintomática de longa duração. {a gravidade do episódio inicial não é fator de risco} Lesão precursora = displasia da mucosa {investigar e tratar} MANIFESTAÇÕES EXTRAINTESTINAIS 1. Manifestações articulares: artralgias, artrite aguda com dor e edema. Podem ter acometimento periférico ou central, não deformante e as articulações mais acometidas são joelho, punho e tornozelo. 2. Manifestações cutaneomucosas: eritema nodoso (que apresenta relação com a intensidade da doença); pioderma gangrenoso (não apresenta relação com a intensidade); lesões labiais e úlceras aftosas orais. 3. Manifestações oculares: Uveíte, conjuntivite, episclerite. 4. Hepáticas e biliares: Hepatite focal ou infiltração gordurosa alterando as provas de função hepática. Acometimentos biliares incluem: pericolangite, cirrose biliar, etc. 5. Manifestações renais: Cálculos de oxalato de cálcio, cálculos de ácido úrico, uropatia obstrutiva. 6. Manifestações ósseas: osteoporose [pode ser consequência corticoterapia prolongada] e osteomalacia. 7. Distúrbios nutricionais e metabólicos: perda de peso, desnutrição com hipoalbuminemia, deficiências vitamínicas, retardo no crescimento. 8. Manifestações tromboembólicas: hipercoagulabilidade manifestando-se como TVP, TEP, AVE devido ao aumento de fatores de coagulação. DIAGNÓSTICO [Retocolite Ulcerativa] Scheila Maria 2016 5 Retossigmoideoscopia com biopsias é o exame de escolha. Praticamente todos os pacientes apresentam lesão inflamatória de reto {proctite} e do cólon sigmoide {proctossigmoidite} O que encontraremos? Comprometimento uniforme e contínuo manifesto por perdado padrão vascular da mucosa, exsudato, friabilidade e pseudopólipos {nas de longa data} Histopatológico revela: distorção das criptas, infiltrado inflamatório mononuclear na lâmina própria e abscesso das criptas com acúmulo de neutrófilos no epitélio. [Doença de Crohn]. Ileocolonoscopia com biopsia é o exame de escolha. A grande maioria dos pctes apresenta acometimento do íleo terminal e cólon ascendente ou ceco. O que encontraremos? Comprometimento salteado com áreas normais, úlceras aftosas {por vezes o aspecto “pedras de calçamento”}, Histopatológico semelhante ao da RCU, porém podem ocorrer granulomas não caseosos. OBS: Em ambas a doenças deve-se excluir as infecções bacterianas e parasitárias antes de firmar diagnóstico RESUMINDO: Algorítimo para diagnóstico; Depois da análise clínica, com as diferenças já citadas pode-se prosseguir da seguinte forma: 1º Retossigmoideoscopia: objetivo de estabelecer se há inflamação {e não o de determinar até onde vai a inflamação, por isso se houver alterações nos primeiros 8-10cm, não prossegue com o exame} o RCU: encontraremos comprometimento uniforme, perda do padrão vascular da mucosa, exsudato, friabilidade, ulcerações, granulosidade, pseudopólipos. o DC: reto preservado na maioria dos casos ou com úlceras afotsas, fissuras ou estenoses. Lesões perianais com inflamação granulomatosa. 2º Colonoscopia: O paciente apresenta sintomas sugestivos e teve retossigmoideoscopia negativa. Objetiva avaliar o TI mais alto. {é melhor para a DC, que apresenta lesões acima do reto}. 3º Marcadores sorológicos: o p-ANCA {anticorpo anticitoplasma de neutrófilo, padrão perinuclear de imunofluorescência} está em 60-70% dos casos de RCU e apenas 5-10% dos casos de DC e indica pior prognóstico. Scheila Maria 2016 6 o ASCA {anti-Saccharomyces cerevisiae} estão em 60-70% dos casos de DC e apenas 10-15% dos casos de RCU. DIAGNÓSTICOS DIFERENCIAIS 1. Síndrome do cólon irritável: não há características inflamatórias 2. Infecção entérica: autolimitadas e não inflamatórias {geralmente}. Em outros casos o parasitológico de fezes é altamente significativo. 3. Apendicite 4. Hemorroidas: no sangramento retal persistente precisa excluir DII. 5. Carcinoma de cólon. 6. Linfoma intestinal TRATAMENTO 1. Aminossalicilatos {com sulfa = sulfassalazina; sem sulfa = mesalazina} Sulfassalazina é a ligação entre sulfapiridina + ácido 5-amino salicílico (5-ASA). Atravessa o TGI superior inerte e ao chegas ao cólon sofre clivagem bacteriana e libera seus componentes. A sulfapiridina é absorvida no cólon, sofre acetilação hepática e é excretada na urina. O 5-ASA é excretado nas fezes, produz os benefícios terapêuticos e tem seus mecanismos não muito esclarecidos. o É indicada para DII de pequena a média gravidades. Dose inicial: 500mg, 12/12h aumentando para 4-6 g/dia até obter resposta (geralmente ocorre em 2-4 semanas). Não devem ser utilizados nas formas graves pois geram intolerância gástrica, podem piorar o processo inflamatório e suas propriedades anti-inflamatórias são inferiores as dos corticoides. 2. Corticóides Controle das formas agudas moderadas ou graves Não usar no ttt de manutenção pois são incapazes de evitar recidiva e tem muitos efeitos colaterais Via oral: prednisona 40mg/dia. Endovenoso: hidrocortisona ou metilprednisolona 3. Antibióticos Na RCU nos casos graves ou tóxicos Na DC: metronidazol ou ciprofloxacina atenuam sintomas e promovem cicatrização 4. Imunossupressoes 6-mercaptopurina e azatioprina: ttt em longo prazo. Scheila Maria 2016 7 Azatioprina: 2-2,5 mg/kg/dia 6-mercaptopurina: 1,5 mg/kg/dia Indicações: pacientes com altas doses de corticoides; com doença refratária ao ttt padrão; para promover fechamento de fístulas perianais e intestinais; e para ttt de manutenção quando há intolerância a mesalamina 5. Terapia biológica Anti-TNF como infliximab: ttt de DC moderada a grave em casos de refratariedade aos outros ttts. TRATAMENTO ESPECÍFICO [Retocolite Ulcerativa] Divide-se em ttt de fase aguda e ttt de manutenção. Proctite ulcerativa: o Tratamentos tópicos {clisteres, espuma, supositório de 5-ASA, hidrocortisona, budesonida} até que os sintomas cedam. o Redução do ttt tópico até dose mínima de manutenção {2-3x/semana} com aminossalicilato ou contínuo oral com aminossalicilato. o Em casos mais graves pode-se usar corticoides ou mesalamina tópicos com o aminossalicilato oral. Proctossigmoidite: o Tratamento tópico {corticoide ou mesalamina} + aminossalicilato oral o Casos mais graves: corticoide oral {prednisona 40mg/kg/dia} o Manutenção: aminossalicilato oral Colite extensa: o Aminossalicilato oral e em casos mais graves prednisona oral reduzindo após remissão. o Manutenção: 5-ASA. Colite grave ou megacólon tóxico: o Emergência médica: internar pacientes com febre, leucocitose, anemia, taquicardia o Corticoide IV + clisteres ou espuma de hidrocortisona o Antibioticoterapia de largo espectro o Intervenção cirúrgica em casos de dor a descompressão ou ar livre sob o diafragma MANUTENÇÃO: Deve ser feita com aminossalicilatos e nunca com corticoides. Outro fator é a dieta que deve ser rica em fibras, com reposição de ferro e ácido fólico, entre outros. INDICAÇÕES CIRÚRGICAS: megacólon tóxico, perfuração, hemorragia incontrolável, intratabilidade clínica, complicações incontroláveis do ttt medicamentoso, displasia de alto grau confirmada e retardo do crescimento. TRATAMENTOS CIRÚRGICOS: Scheila Maria 2016 8 a) Colectomia total com fechamento do coto retal e ileostomia terminal temporária Consiste na ressecção de todo o cólon com fechamento do coto retal com estoma ileal localizado no quadrante inferior direito de forma temporária. Esse procedimento é realizado geralmente em pacientes com colite extensa, poupando o reto o suficiente para considerar sua preservação. Entretanto, freqüentemente, esses pacientes com doença colorretal necessitam de uma proctolectomia total e ileostomia. b) Proctocolectomia total com anastomose ileoanal com reservatório ileal. É o procedimento mais comum e efetivo no tratamento cirúrgico eletivo da RCU. Consiste na retirada total do cólon e reto, preservando-se o aparelho esfincteriano; uma bolsa ileal, que pode ser confeccionada por diversas técnicas, é anastomosada quase junto à linha pectínea e protegida temporariamente por uma ileostomia em alça, que é fechada algumas semanas ou meses após a cirurgia. Essa técnica cirúrgica pode desenvolver complicações como obstrução intestinal, sepse pélvica, fístula da bolsa para vagina nas mulheres e a inflamação crônica da bolsa. Muitas dessas complicações irão necessitar de uma reoperação para que aja a ressecção da bolsa. Os resultados funcionais são aceitáveis, com uma média de seis evacuações ao dia que irá diminuir ao longo do tempo. A continência fecal também é considerada, podendo ocorrer escape fecal em alguns casos, geralmente, à noite. c) Proctocolectomia total com ileostomia definitiva A Proctocolectomia total com ileostomia definitiva pode ser considerada padrão de tratamento, visto que retira todo o órgão doente ou com potencialidade para desenvolver a doença e suas complicações. No entanto, a técnica implica numa ileostomia definitiva, pois todo o reto e os esfíncteres são removidos. As morbidades mais importantes são as complicações com a ileostomia, obstrução intestinal e retardo na cicatrização da ferida perineal.Esta técnica é em pacientes idosos, com mau funcionamento do esfíncter anal e naqueles que desenvolvem câncer no terço inferior do reto. d) Colectomia total com ileorretoanastomose Essa cirurgia é utilizada para diminuir os índices de complicações e preservando o reto, evita a ileostomia definitiva. Porém o risco de desenvolvimento de displasia e câncer se mantem no reto preservado, assim como a recorrência dos sintomas da doença. Isto exige que estes doentes sejam submetidos periodicamente a exames endoscópicos com biopsias da mucosa. Esta técnica não deve ser empregada em pacientes com câncer ou displasia em qualquer seguimento do cólon, pois o mesmo prediz desenvolvimento de câncer retal no futuro. [Doença de Crohn]. A dieta tem um papel muito importante Corticóides não são efetivos e nem devem ser usados na manutenção Scheila Maria 2016 9 Manutenção: imunomoduladores {6-mercaptopurina e azatioprina} Em geral: sufassalazina e antibióticos INDICAÇÕES CIRÚRGICAS: o Intratabilidade da doença não complicada o Intratabilidade das complicações: fístula, abcesso, hemorragia, obstrução o Complicações do ttt medicamentoso, incontroláveis o Displasia de alto grau confirmada o Suspeita de estenose maligna TRATAMENTOS CIRÚRGICOS: a) Estrituroplastia - Pode ser também chamado de estenosoplastia.É uma técnica cirúrgica que é utilizada normalmente para o tratamento de lesões estenosantes, onde nesse caso esse tipo de cirurgia - que é utilizada também na tuberculose intestinal- tem como principal indicação quando as lesões estenóticas são múltiplas e a técnica de ressecção total de todo um segmento comprometeria a função intestinal. (Adendo - essa é uma técnica que consiste na abertura longitudinal da estenose com rutura e no sentido inverso) Estudos não mostram existir incidência maior de deiscência do que na técnica com ressecção do segmento e anastomose. b) Ressecção do segmento doente e anastomose - A ressecção do segmento doente é a técnica cirúrgica mais utilizada, na qual se secciona a alça acima e abaixo da área doente, poupando-se ao máximo o órgão, realizando, posteriormente, a anastomose dos segmentos. c) Colectomia total com ileorretoanastomose - Colectomia abdominal total com anastomose ileorretal. Doença de Crohn, Oferece os melhores resultados funcionais nos pacientes que desejam manter a continuidade intestinal, os pacientes podem esperar ter entre quatro a seis evacuações por dia. Desvantagem: alta probabilidade de recidiva demandando protectomia em dez anos. d) Proctocolectomia total com ileostomia definitiva - Considerado padrão de tratamento, pois retira todo órgão doente ou com potencialidade para desenvolver a doença e suas complicações. Todo o reto e os esfíncteres serão removidos. A morbidade pode chegar a 40%. Complicações como obstrução intestinal e retardo na cicatrização da ferida perineal, apesar disso ela é indicada para pacientes idosos, com mau funcionamento do esfíncter anal e os que desenvolvem câncer no terço inferior do reto.
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