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CITINCITINCITIN � CURSO DE IMERSÃO EM TERAPIA INTENSIVA NEUROLÓGICA 5ª Edição / 2005 � DIRETORIA EXECUTIVA DA AMIB BIÊNIO – 2004/2005 Presidente: José Maria da Costa Orlando (SP) Vice-Presidente: Waldemar Henrique Fernal (MG) 1º Secretário: Marcelo Moock (SP) 2º Secretário: Luiz Alexandre A. Borges (RS) 1º Tesoureiro: Rosa G. Alheira Rocha (SP) 2º Tesoureiro: Afonso José Celente So ares (RJ) � CONsUlTOREs DO CURsO E INsTRUTOREs Nossos agradecimentos aos familiares, que souberam entender nossa ausência durante o árduo período de reuniões semanais para confecção desse curso. Muito obrigado aos nossos colaboradores, pela valiosa contribuição científica, e à direção da AMIB, pela confiança depositada e pelo convite formulado, que muito nos honraram. Comissão Científica Álvaro Réa Neto (PR) • Professor do Departamento de Clínica Médica da UFPR • Chefe da UTI - Adulto do Hospital de Clínicas da UFPR • Diretor do CEPETI – Centro de Estudos e Pesquisa em Terapia Intensiva Flávio M. B. Maciel (sP) • Especialista em Medicina Intensiva pela AMIB e Consultor do FCCS • Chefe da UTI do Hospital Municipal Dr. Arthur Ribeiro de Saboya • Doutor em Medicina pela USP • Assistente da Disciplina de Imunologia da Faculdade de Medicina da USP Jorge luiz Paranhos (MG) - Diretor do Curso • Especialista em Neurocirurgia pela SBN e Terapia Intensiva pela AMIB • Membro do Comite de Terapia Intensiva do Depto de Trauma da SBN e Instrutor do FCCS • Chefe da UTI da Santa Casa da Misericórdia de São João del Rei – MG Rogério R. da silveira (RJ) • Especialista em Neurologia pela Academia Brasileira de Neurologia • Mestre em Neurologia pela UFF • Coordenador do Curso de Neurologia da Universidade do Grande Rio • Consultor em Neurologia na UTI do Hospital Cardiotrauma Ipanema e São Lucas – RJ – RJ Rose Plotnik (Rs) • Especialista em Medicina Interna pela SBCM e Intensivista pela AMIB • Responsável pela Rotina da UTI Neurocirúrgica do Hospital São José – Santa Casa POA • Mestranda do Serviço de Pneumologia da Universidade Federal do RS � Arthur lago Martinez Fº (RJ) • Especialista em Clínica Médica e Cardiologia; Intensivista pela AMIB • Rotina do CTI adulto do Hospital de Clínicas Mário Leoni – Duque de Caxias – RJ • Médico da Emergência do Hospital Cardiotrauma Ipanema e do Hospital Copa D’or RJ – RJ Almir Andrade (sP) • Chefe do Serviço de Neurotraumatologia da Emergência do Hospital das Clínicas de SP • Especialista em Neurocirurgia pela SBN e Diretor do Dpto. de Neurotraumatologia da SBN Antônio Capone Neto (sP) • Médico-Chefe do CTI-A Unidade Neuro-Intensiva Hospital Israelita Albert Einstein • Coordenador do Grupo de Neurotrauma do CTI- A Hospital Israelita Albert Einstein SP - SP Antonio Carlos Pires Carvalho (RJ) • Mestre e Doutor em Radilogia pela UFRJ • Professor Adjunto de Radilogia da FM da UFRJ Anselmo Dornas Moura (MG) • Especialista em Clinica Médica e Intensivista pela AMIB • Instrutor do ATLS e PHTLS • Coordenador Clínico da UTI do Hospital Mater Dei – BH -MG Antônio Eiras Falcão (sP) • Doutorado em Neurologia pela UNICAMP • Especialista em Neurologia pela ABN e Intensivista pela AMIB • Consultor em Neurologia e Terapia Intensiva Neurológica da UTI do HC da UNICAMP Cássio Morano Peluso (Es) • Mestre em Neurocirurgia pela UNIFESP • Diretor da Área de Saúde - Faculdade Novo Milênio - Vila Velha - ES • Diretor do Instituto de Tratamento Neurológico e Terapia Intensiva – INETI Cid Marcos Nascimento David (RJ) • Ex-Presidente da Associação de Medicina Intensiva Brasileira - AMIB • Consultor da Society Critical Care Medicine- SCCM, para o Curso FCCS • Intensivista com titulação pela Associação de Medicina Intensiva Brasileira-AMIB • Professor Adjunto de Pós-graduação de Medicina Intensiva da UFRJ Claudia Camargos Carneiro (MG) • Título de Especialista em Terapia Intensiva pela AMIB • Especialista em Medicina Interna e Plantonista da UTI - Hosp. Público Regional de Betim - MG • Coordenadora da Rotina de Neurointensivismo da UTI PO do Hosp. Madre Teresa - BH - MG Frederico Bruzzi (MG) • Título de Especialista em Terapia Intensiva pela AMIB e Clinica Médica e Medicina de Urgência pela SBCM • Intensivista/diarista da UTI Hospital Mater Dei – BH • Coordenador da Rotina de Neurointensivismo da UTI PO do Hosp. Madre Teresa - BH - MG Hipolito Carraro Jr. (PR) • Coordenador do Serviço de Emergências Neurológicas do Hospital de Clínicas da UFPR • Médico Intensivista e Neurologista do Hospital VITA de Curitiba Jair leopoldo Raso (MG) • Coordenador do Serviço de Neurocirurgia do Hospital BIOCOR - BH – MG • Especialista em Neurocirurgia pela SBN e 1ª Secretário da SBN Jairo C. Bitencourt Othero (Rs) • Especialista em Terapia Intensiva pela AMIB • Coordenador da Comissão Nacional de Ética da AMIB • Professor de Emergência e Trauma do Curso de medicina da ULBRA/RS • Intensivista da UTI de Trauma do Hospital de Pronto Socorro de Porto Alegre - RS José Fernando Guedes Corrêa (RJ) • Especialista em Neurocirurgia pela SBN • Professor da Faculdade de Medicina da Universidade do Rio de Janeiro UNIRIO • Chefe do Serviço de Neurocirurgia do Hospital Sousa Aguiar - RJ Jorge Eduardo Paranhos (RJ) • Título de Especialista em Cirurgia Geral pelo CBC e AMB • Médico da emergência do Hospital Municipal Miguel Couto – RJ • Coordenador da UTI da Casa de Saúde São Sebastião – RJ COlABORADOREs � José Oliva Proença Filho (sP) • Chefe da UTI Pediátrica do Hospital Nossa Senhora de Lourdes • Título de Especialista em Medicina Intensiva pela AMIB luiz Roberto Aguiar (PR) • Mestrado e Doutorado em Neurocirurgia pela UNIFESP • Doutor em Medicina pela Universidade Livre de Berlin • Prof. Titular de Neurocirurgia da PUC PR • Chefe do Serviço de Neurocirurgia do Hospital Universitário Cajuru - Curitiba - PR luiz Vicente Forte (Es) • Consultor em Neurocirurgia - Faculdade Novo Milênio - Vila Velha - ES • Diretor do Instituto de Tratamento Neurológico e Terapia Intensiva – INETI Maria luiza Procópio Amado (RJ) • Membro Titular da SBNC • Neurofisiologista da Rede D’Or – Rio de Janeiro • Neurofisiologista de referência de UTIs no RJ Marcos Freitas Knibel (RJ) • Presidente da Comissão de Qualidade em UTI da AMIB • Chefe da UTI dos Hospitais Cardiotrauma Ipanema e São Lucas – RJ • Intensivista pela AMIB e pós Graduação em Neurologia pela PUC – RJ Miguel Giudicissi Filho (sP) • Coordenador da Equipe Cenna (Neurocirurgia) do Hospital B. Portuguesa – SP • Especialista em Medicina Intensiva pela AMIB • Especialista em Neurocirurgia pela SBN • Neurocirurgião da UTI do Hospital Municipal Dr. Arthur Ribeiro de Saboya - SP Nazah Cherif Mohamad Youssef (PR) • Especialista em Medicina Intensiva e Neurologia • Diretora Clínica da Unidade de Terapia Intensiva do Hospital das Nações – Curitiba - PR • Coordenadora do Dpto. Neurológico do CEPETI - Centro de Estudos e Pesquisa em Terap. Int. Patrícia sousa Dias (MG) • Neurorradiologista do Serviço de Neurocirurgia da Santa Casa de BH • Neurorradiologista do Centro de Imagem - BH Paulo César Antoniazzi (sP) • Médico Assistente da Disciplina de Terapia Intensiva – Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto – USP • Especialista em Medicina Intensiva pela AMIB Paulo Melo (DF) • Professor Titular de Neurocirurgia da Universidade de Brasília • Coordenador da Comissão de Ensino da SBN Roberto Hirsch (sP) • Membro titular do Stroke Council da AHA, da American Academy of Neurology e Academia Brasileira de Neurologia • Chefe do Departamento de Doppler Transcraniano do HCFMUSP e do Hospital AlbertEinstein • Doutor em Neurologia pela FMUSP, médico do setor de Neurologia de Emergência do HCFMUSP Ruy Castro Monteiro da silva Filho (RJ) • Neurocirurgião da Rede D’Or de Hospitais • Membro Titular da Sociedade Brasileira de Neurocirurgia • Membro Titular da Sociedade Brasileira de Coluna sérgio Diniz Guerra (MG) • Especialista em Terapia Intensiva Pediátrica pela AMIB e Soc. Brasileira de Pediatria • Coordenador do CTI Pediátrico do Hospital João XXIII – FHEMIG BH – MG • Preceptor da Residência em Terapia Intensiva Pediátrica do Programa Santa Casa – FHEMIG Thelma Ribeiro Noce (MG) • Mestre em Neurologia pela USP – Ribeirão Preto • Plantonista do CTI Pediátrico do Hospital João XXIII – FHEMIG BH – MG � � Primeiro Dia: 08:00 às 12:30 horas - Parte Teórica 08:00 - Filosofia do atendimento em Terapia Intensiva 08:15 - Fisiologia e metabolismo cerebral 08:40 - ABC e manuseio básico do paciente neurológico 09:05 - Exame do paciente em coma 09:35 - Monitoração geral do paciente neurológico grave 10:05 - Intervalo – Café 10:20 - Propedêutica neurológica complementar 10:50 - Monitoração neurológica intensiva 11:30 - Hipertensão intracraniana – conceitos e condutas 12:00 - Miscelânea I – EM Epiléptico, Delirium, Seda- ção & Analgesia 12:30 às 13:30 - Almoço 13:30 às 17:00 - Parte Prática Estação Prática 1330-1430 1430-1530 1530-1600 1600-1700 Síndromes Neurológicas A C Café B Neuroradiologia B A Café C Monitoração I C B Café A 17:00 - Discussão do pré-teste 17:30 - Encerramento & Avisos CITIN – CURsO DE IMERsãO EM TERAPIA INTENsIVA NEUROlóGICA CITIN – Curso de Imersão em Terapia Intensiva Neurológica Segundo Dia: 08:00 às 12:30 horas - Parte Teórica 08:00 - Hemorragia intraparenquimatosa (HIP) 08:30 - Acidente vascular encefálico isquêmico (AVEI) 09:00 - Hemorragia subaracnóide (HSA) 09:30 - Trauma craniencefálico (TCE) 10:10 - Intervalo – Café �0:�� - Trauma raquimedular (TRM) 10:55 - Pós-operatório em Neurocirurgia 11:25 – Infecção do SNC 11:45 - Morte encefálica 12:05 - Miscelânea II – Transporte do paciente, Ence- falopatia, e Doença Neuromuscular (DNM) 12:30 às 13:30 - Almoço 13:30 às 16:30 - Parte Prática Estação Prática 1330-1420 1420-1510 1510-1600 1600-1630 Doenças Cerebrovasculares A C B Café TCE caso clínico B A C Café Monitoração II C B A Café 16:30 às 17:30 - PROVA 17:30 - Encerramento & Avisos � � sUMÁRIO Capítulo Título .....................................................................................................................................Página 1 Filosofia do atendimento - conceitos e suporte intensivo ............................................................... 1 2 Fisiologia e metabolismo cerebral .................................................................................................. 3 3 Abc e cuidados básicos do paciente neurológico ...........................................................................11 4 Abordagem do paciente em coma ................................................................................................25 5 Monitoração geral do paciente neurológico grave .........................................................................31 6 Propedêutica neurológica complementar ......................................................................................43 7 Monitoração neurológica multimodal ..........................................................................................47 8 Hipertensão intracraniana ............................................................................................................59 9 Estado de mal epiléptico (eme) .....................................................................................................69 10 Delirium .......................................................................................................................................75 11 Hemorragia intraparenquimatosa (hip) ........................................................................................83 12 Acidente vascular encefálico isquêmico (avei) ...............................................................................91 13 Hemorragia subaracnóide (hsa) ..................................................................................................101 14 Traumatismo crânio encefálico ...................................................................................................109 15 Traumatismo raquimedular ........................................................................................................127 16 Pós-operatório em neurocirurgia .................................................................................................145 17 Infecções do sistema nervoso central...........................................................................................153 18 Morte encefálica .........................................................................................................................161 Doenças neuro musculares ..........................................................................................................167 Síndrome de guillain-barré (sgb) .................................................................................................167 Encefalopatia por disfunção tiroidiana .......................................................................................177 19 Transporte intra e extra-hospitalar .............................................................................................183 20 Encefalopatia hipóxica-isquêmica ...............................................................................................187 Apêndice Título .....................................................................................................................................Página 1 Escalas na avaliação clínica inicial ..............................................................................................193 2 Semiologia neurológica ...............................................................................................................197 3 Monitoração da temperatura cerebral.........................................................................................213 4 Algoritmos para suporte cardíaco avançado de vida ...................................................................217 Desfibrilação/cardioversão ..........................................................................................................228 5 Eletroencefalografia nas unidades de terapia intensiva ................................................................231 Oximetria cerebral transcraniana por espectrofotometria ...........................................................239 � Capítulo 1 Filosofia do atendimento - Conceitos e suporte intensivo “A preocupação com o homem e com seu destino deve sempre constituir a motivação principal de todos os esforços tecnológicos e científicos. Jamais esqueçam isto em meio a seus diagramas e equações. A mais bela e a mais pro- funda emoção que podemos experimentar é o sentido do mistério em benefício do homem. É aí que se encontra a semente de toda verdadeira ciência” (ALBERT EINSTEIN). O estigma da doença neurológica, dita incapacitante, e a falta de centros preparados para o manejo destes pacien- tes, acabam retardando o início do tratamento, que, em muitos hospitais, resume-se na simples observação clínica em um “canto” da enfermaria geral. É lá que o paciente, privado de suas funções encefálicas, permanece à própria sorte, perdendo a oportunidade de melhorar, ou mesmo reverter seu quadro. Posteriormente, também não é orien- tado quanto à importância da reabilitação para poder retornar, em melhores condições, ao convíviofamiliar. Esta situação pode e deve mudar. O tratamento inicial eficaz é fundamental para a diminuição da morbi-mortali- dade das doenças do Sistema Nervoso influenciando diretamente no prognóstico. A Terapia Intensiva Neurológica assim como a Medicina não podem ser subestimados como prática pessoal: “OS MÉDICOS SÃO PESSOAS QUE DÃO MEDICAMENTOS QUE MAL CONHECEM, PARA CURAR DOEN- ÇAS QUE CONHECEM MENOS AINDA, PARA SERES HUMANOS DOS QUAIS NÃO SABEM ABSOLU- TAMENTE NADA“ (François Marie Voltaire 1694-1778). A Terapia Intensiva Neurológica é uma conduta especializada na avaliação, diagnóstico precoce, monitoração ade- quada e tratamento precoce das doenças do Sistema Nervoso, central ou periférico, independente de sua etiologia (vascular, traumática, neoplásica, desmielinizante, congênita, metabólica, nutricional, degenerativa, inflamatória, infecciosa, etc). Deve-se priorizar o controle rigoroso do hemometabolismo cerebral. A manutenção das necessidades metabólicas cerebrais é fundamental para o tratamento de qualquer situação que altere a perfusão encefálica, evitando a pro- gressão do dano isquêmico. Como no Discurse de la Methode, precisamos medir, mensurar e monitorar: “EM CIÊNCIA, O QUE VALE NÃO SÃO SÓ OPINIÕES. HÁ QUE HAVER EMBASAMENTO E SUSTENTAÇÃO POR DADOS CONCRETOS. TUDO QUE FOR MENSURÁVEL DEVE SER REALIZADO PARA O BEM DA CIÊNCIA. PARA QUE SE FAÇA CIÊNCIA SÃO NECESSÁRIAS MEDIDAS CUJA VALIDAÇÃO SEJA INDUBITÁVEL. AFIRMATI- VAS NÃO SUSTENTADAS VIRAM OPINIÃO“ (René Descartes 1596-1650). A lesão isquêmica é o evento final mais comum para a destruição do tecido cerebral, quer por ação primária ou secundária, de forma difusa ou focal e ocorrendo em conseqüência de alterações permanentes ou temporá- rias no fluxo sanguíneo cerebral, potencialmente presentes em todas as doenças neurológicas. Apesar da sua extrema complexidade funcional, o encéfalo apresenta um metabolismo energético relativamente simples. Sua enorme avidez e dependência pelos nutrientes básicos, O2 e glicose, revelam sua vulnerabilidade aos processos isquêmicos. Quanto maior for a queda do fluxo sanguíneo e o tempo de isquemia, para um determinado estado metabólico, maior será a lesão cerebral primária ou secundária. O metabolismo encefálico depende da rela- ção adequada entre o consumo e a oferta de oxigênio e glicose. É através da rigorosa e intensiva monitoração destes parâmetros, que vamos conseguir preservar a função encefálica, agindo precocemente nas alterações do hemometabolismo cerebral. “EM CIÊNCIA O QUE VALE É O CONHECIMENTO ADQUIRIDO A PARTIR DE ANÁLISES CRITERIOSAS QUE SE SUSTENTAM PELA RAZÃO INDISCUTIVEL DA MEDIDA REALIZADA COM PRECISÃO. A ORIENTAÇÃO DA CIÊNCIA PELO BOM SENSO É PE- RIGOSA, POR SER DÁDIVA DE DEUS, E TODOS A POSSUEM!!! FOI A PARTIR DO BOM SENSO � QUE SE CONCLUIU QUE A TERRA ERA PLANA E QUE O SOL EM TORNO DELA GIRAVA“ (René Descartes 1596-1650). Obviamente que além desses cuidados extremamente específicos, as medidas para evitar a lesão cerebral estendem- se ao controle clínico rigoroso, sendo de importância fundamental o suporte ventilatório e hemodinâmico adequa- do, a fisioterapia precoce, o controle hidroeletrolítico e nutricional e a prevenção de infecções. Assim, os pacientes, através de medidas intervencionistas, têm a chance de uma melhor recuperação, pelo controle e prevenção precoce das complicações clínicas e neurológicas. O ponto central é a preocupação constante de oferecer as melhores condições de tratamento com o menor custo. Isto envolve uma otimização e humanização do atendimento, com atenção especial aos seguintes pontos: recursos humanos, técnicos, de informática e ambientais. “MEDICINA NÃO É SÓ ARTE, É CIÊNCIA E COMO TAL DEVE SER APLICADA. DEVE SER SUSTENTADA POR CONHECIMENTOS E PERCEPÇÃO ADEQUA- DA. PARA SABER AGIR E DIFERENCIAR-SE DO PRÁTICO QUE DEPENDE DO BOM SENSO!!! DEVE SER SUSTENTADA POR EVIDÊNCIAS DE BENEFICÊNCIA“ (Euryclides Zerbini 1912-1993). Na Terapia Intensiva Neurológica estimulamos uma visão global das necessidades do paciente, o atendimento in- tervencionista, a adoção de medidas preventivas e o trabalho em equipe, onde cada um contribui com seu potencial máximo para o tratamento. Tudo isto dentro de um ambiente de trabalho adequado e agradável. Regularmente são realizados cursos de reciclagem, com ênfase na discussão dos aspectos psicológicos envolvidos com o manejo de pacientes confusos e desorientados. A Terapia Intensiva Neurológica dispõe de protocolos próprios e enfatiza a profilaxia de escaras, trombose venosa e lesões laringo-traqueais. Empregar equipamentos que garantam uma monitoração completa de nosso paciente, com ênfase especial no controle do hemometabolismo cerebral. A soma dos recursos humanos, científicos e técnicos proporciona as condições ideais para realizarmos um diagnós- tico precoce e, com ele realizado, poder iniciar o tratamento adequado. É preciso ter no inconsciente essa seqüên- cia de examinar, diagnosticar, monitorar e tratar, conseguindo informações adequadas de forma rápida, segura e dinâmica. A Terapia Intensiva Neurológica seria a expansão sem especialização desta filosofia de trabalho multiprofissional, que é a Medicina Intensiva, respaldada em conhecimento científico geral e especializado, munida de equipamentos de monitorição, e cuja terapêutica converge para o bem estar do paciente. Assim, além de tratar da sua doença de base, preocupamo-nos com uma série de medidas preventivas e, sobretudo, com a prevenção da Lesão Secundária. O estetoscópio, a lanterna, o martelinho, nossas mãos, nossos ouvidos ainda são excelentes recursos e fundamentais na avaliação de nossos pacientes. Entretanto, não vamos esquecer que a mensuração adequada e intensiva do maior número possível de parâmetros, é o que torna nossa medicina ciência, e que, enquanto for somente arte e bom senso será frágil frente às surpresas desagradáveis da evolução de um paciente neurocrítico. “O GRANDE MISTÉRIO DA MEDICINA ESTÁ EM APLICÁ-LA COM ARTE E RIGOR TECNICO, JÁ QUE, FUNDAMENTADOS NO ESPÍRITO DE HUMANIZAÇÃO, EMPREGAMOS CIÊNCIA DA MAIOR QUALIDADE VISANDO O BEM ESTAR DO HOMEM” (Sir Willian Osler 1849-1919). � Capítulo 2 Fisiologia e metabolismo cerebral INTRODUÇãO Muitos pacientes criticamente doentes se apresentam com doenças neurológicas graves ou desenvolvem complica- ções neurológicas. Uma grande parte destas complicações resulta de hipoperfusão cerebral. Por isso, o conheci- mento da fisiologia do fluxo sanguíneo e do consumo de oxigênio cerebral é importante para aqueles que trabalham em unidades de terapia intensiva. Qualquer lesão neurológica pode ter conseqüências devastadoras. Lesão neurológica definitiva do tecido cerebral com seqüela permanente pode ocorrer no momento da injúria primária. Mas o risco de injúria neurológica adicio- nal por alterações da dinâmica intracraniana também é alto e dependente de hipertensão intracraniana e de vários outros fatores potencialmente deletérios. Um grande número de alterações clínicas pode afetar a dinâmica cerebral e o cérebro secundariamente, ampliando a lesão primária. Muitas dessas alterações podem ser prevenidas ou trata- das precocemente, aumentando a chance de recuperação neurológica desses pacientes. Nisso reside a importância do conhecimento da fisiologia e da monitoração neurológica e as suas conseqüentes intervenções efetivas. Alguns dos fatores envolvidos na lesão neurológica relacionada às alterações da dinâmica cerebral incluem hiper- tensão intracraniana, regulação do fluxo sanguíneo cerebral, formação de edema cerebral e alterações no líquor. Uma compreensão fisiopatológica plena dos princípios subjacentes à dinâmica cerebral é essencial para o manejo adequado dos pacientes neurológicos graves. As alterações fisiológicas que mantêm o fluxo sanguíneo cerebral (FSC) e acomodam as alterações no volume ce- rebral são relativamentecomplexas, mas fáceis de se entender. Grandes avanços no atendimento dos pacientes com graves doenças cerebrais têm se desenvolvido nos últimos dez a quinze anos e baseiam-se fundamentalmente na compreensão das regras fisiológicas básicas e do processo fisiopatológico subjacente. O cérebro é capaz de suportar apenas períodos muito curtos de isquemia, diferentemente dos rins, do fígado e dos músculos, por exemplo. Então o FSC deve ser mantido para assegurar uma oferta constante de oxigênio e glicose, além de retirar os produtos do metabolismo cerebral. A manutenção do FSC depende de um equilíbrio entre a pressão dentro do crânio, a pressão intracraniana (PIC) e a pressão arterial média do sangue (PAM). É importante manter um FSC relativamente constante. Assim, quando a PAM diminui, alguns mecanismos fisiológicos são ati- vados para manter o FSC e evitar isquemia neuronal. Da mesma forma, se a PAM se eleva, o FSC também deve ser mantido senão o cérebro incharia pelo aumento do FSC e a PIC se elevaria. Este processo é denominado de auto-regulação e será melhor explicado posteriormente. PREssãO INTRACRANIANA O crânio possui, nos adultos, um compartimento rígido preenchido com 3 componentes: tecido cerebral, sangue e líquor. De acordo com a doutrina de Monro-Kellie, todos os três componentes estão em um estado de equilíbrio dinâmico. Se o volume de um dos componentes aumenta, o volume de um ou mais dos outros componentes deve diminuir ou a pressão intracraniana irá aumentar. Dentro dos ventrículos, a pressão intracraniana normalmente deve ser menor que 15 mmHg. Os principais elementos dentro do crânio são o encéfalo (80%), o sangue (10-12%) e o líquor (8-10%). O volume total é de cerca de 1600 ml. Como o crânio pode ser visto fisiologicamente como uma caixa rígida cheia de líquido, se o volume de um de seus constituintes aumentar, a pressão dentro do crânio deverá aumentar, a não ser que algum de seus elementos líquidos possa escapar. E este não pode ser o encéfalo, mas o sangue ou o líquor. Se o encéfalo aumenta de volume (tumor, hematoma, edema, etc.), alguma quantidade de sangue ou líquor deverá � escapar de dentro do crânio para que a pressão não se eleve. Quando isto não puder mais ocorrer, a PIC irá se elevar acima de seu valor normal (5-15 mmHg). Normalmente, a resposta inicial é uma redução no volume de líquor do crânio. O líquor é desviado do crânio para dentro do saco espinhal. Desta forma, a PIC é inicialmente controlada. Se o processo patológico inicial progride com mais aumento de volume, o sangue venoso dos seios e eventualmente mais líquor podem ser forçados a sair do crânio. Quando este mecanismo de compensação é exaurido, qualquer aumento maior de volume intracraniano irá causar um rápido aumento da PIC. As relações entre as variações de volume e de pressão dentro do crânio são representadas na figura 1. Ela indica que um aumento no volume com pouca mudança de pressão ocorre até certo ponto, quando pequenos aumentos de volume acarretam grandes aumentos de pressão. Este ponto geralmente indica que os mecanismos de compensação se tornaram exauridos e uma fase de aumento da PIC compensada foi sucedida por uma fase descompensada. Fig. 1. Curva de Langfitt que expressa a relação entre pressão e volume intracraniano. É interessante notar que esta curva clássica representa as alterações de pressão quando um único compartimento dentro do crânio varia, neste caso, o líquor. Na prática, quando o aumento do volume cerebral ocorre por um tu- mor ou hematoma, a curva é menos íngreme. Gradientes de pressão se desenvolvem dentro da substância cerebral e, dependendo da complacência e da compressibilidade das estruturas adjacentes e do desenvolvimento de hérnias cerebrais, a curva se torna geralmente menos abrupta. Aumentos de volume cerebral localizados podem levar a her- niações cerebrais internas ou externas, acarretar torções do tronco cerebral e lesão cerebral irreversível (figura 2). Fig. 2. Principais herniações cerebrais. � A complacência intracraniana é de grande importância para a manutenção da dinâmica intracraniana. Compla- cência intracraniana é a capacidade do crânio de tolerar aumentos no volume sem um aumento correspondente na pressão intracraniana. Quando a complacência é adequada, um aumento no volume do tecido cerebral, de sangue ou de líquor não produz inicialmente aumento na pressão intracraniana. Quando a complacência é diminuída, mes- mo um pequeno aumento no volume de qualquer componente intracraniano é suficiente para causar uma grande elevação na pressão intracraniana. A extensão da elevação da PIC decorrente do aumento do volume intracraniano é determinada pela complacência ou compressibilidade do conteúdo intracraniano. Quando a complacência é baixa, o conteúdo é pouco compres- sível e a PIC irá se elevar bastante mesmo que com pequenos aumentos de volume. A complacência também afeta a elastância ou a distensibilidade da parede dos ventrículos. Quando a elastância é reduzida, a distensibilidade da parede dos ventrículos é reduzida e, portanto, mais rígida. Conseqüentemente, haverá uma maior variação de pres- são para uma mudança de volume. Se um cateter estiver inserido dentro de um dos ventrículos laterais, esta com- placência poderá ser avaliada pela injeção cuidadosa de 1 ml de solução salina isotônica e subseqüente verificação da variação de pressão. Se a elevação de pressão for maior que 5 mmHg, então o paciente está numa fase avançada à direita da curva pressão-volume intracraniano, de baixa complacência e sem mais capacidade de compensação. O volume de sangue contido dentro dos seios venosos é reduzido a um mínimo como parte do processo de com- pensação. Entretanto, se o fluxo livre de sangue venoso for impedido, mesmo que por algumas razões corriqueiras (tosse, aumento da pressão intratorácica, veias jugulares obstruídas), este aumento no volume de sangue venoso num cérebro criticamente inchado irá levar a um rápido aumento na PIC. Na prática é imperativo assegurar que estes pacientes mantenham a cabeceira da cama elevada a 30º e a cabeça seja mantida numa posição neutra. Isto melhora a drenagem venosa sem interferência significativa da pressão arterial. A drenagem venosa é passiva e ma- ximizada se garantida que nenhuma interferência existe no fluxo livre através das jugulares. PREssãO DE PERFUsãO CEREBRAl A pressão de perfusão cerebral (PPC) é definida como a diferença entre a pressão arterial média (PAM) e a pres- são venosa jugular (PVJ). Como esta última é difícil de ser medida e é influenciada pela PIC, a PVJ geralmente é substituída pela PIC na avaliação da PPC. A PAM é a pressão arterial diastólica mais um terço da pressão de pulso (diferença entre a pressão sistólica e diastólica). A PAM então está entre as pressões diastólica e sistólica, mais pró- xima da diastólica. Ela é usada como uma estimativa da “cabeça de pressão” que perfunde o cérebro. PPC = PAM – PIC A PPC normal é de cerca de 80 mmHg, mas quando reduzida abaixo de 50-60 mmHg aparecem sinais evidentes de isquemia e atividade elétrica reduzida. Existem alguns estudos em pacientes com trauma craniencefálico (TCE) que mostram um aumento da mortalidade ou de seqüelas neurológicas quando a PPC cai abaixo de 60 mmHg. A moni- toração da saturação do bulbo jugular (SjO2) pode ser usada para avaliar a adequação do fluxo sanguíneo cerebral (FSC). A SjO2 é a saturação venosa do sangue que deixa o cérebro na base do crânio e sua variação normal é entre 55-75%. Se o FSC está diminuído abaixo de um nível crítico, o sangue venoso que deixa o cérebro irá demonstrar também uma diminuição na SjO2. Mais especificamente, quando a PPC é inadequada para o consumo de oxigênio cerebral, a SjO2 cai demonstrando uma maior extração de oxigênio pelo cérebro. FlUXO sANGUÍNEO CEREBRAl O cérebro recebe aproximadamente 750 ml/min de sangue arterial ou cercade 15% do total do débito cardíaco em repouso, e tem cerca de 20% do consumo de oxigênio corporal. Sob condições normais, este suprimento sanguíneo permanece relativamente constante. O fluxo sanguíneo cerebral (FSC) é definido como o volume de sangue que circula através da circulação cerebral num determinado tempo. Uma vez determinado o FSC, é possível calcular a oferta e o consumo de oxigênio ce- rebral a partir do conteúdo de oxigênio arterial e venoso. O FSC normal é de 50-60 ml/100 g/min, variando desde 20 ml/100 g/min na substância branca até 70 ml/100 g/min em algumas áreas da substância cinzenta (figura 3). � Crianças entre 2 e 4 anos têm fluxos mais altos, ao redor de 100-110 ml/100 g/min, e que se “normalizam” ao longo da adolescência. Se o FSC cair, ocorrerá primeiro uma diminuição da função neuronal e, posteriormente, lesão ir- reversível. Se, entretanto, o FSC se elevar acima de limites fisiológicos, edema cerebral e áreas de hemorragia podem aparecer. Desta forma, o FSC deve ser mantido dentro de valores normais apesar das flutuações da PPC. Fig. 3. Fluxo sanguíneo cerebral normal e seus limites funcionais. De acordo com a lei de Ohm, o fluxo é diretamente relacionado com a pressão de perfusão e inversamente rela- cionado com a resistência cerebrovascular. Os principais vasos de resistência cerebral são as pequenas artérias e as arteríolas, as quais são capazes de alterar em até 300% seu diâmetro normal. O FSC é mantido e regulado pelas variáveis presentes na lei de Poiseuille, a qual relaciona o fluxo fisiológico com as variáveis do sistema cerebrovas- cular: Q = Δ P π r4 / 8 λ η Desta forma, o fluxo (FSC ou Q) é diretamente proporcional ao gradiente de pressão (ΔP ou PPC) e à quarta po- tência do raio dos vasos de resistência (r4), e inversamente proporcional ao comprimento da árvore vascular (λ) e à viscosidade do sangue (η). A viscosidade é primariamente afetada pelo hematócrito. Uma boa oferta de oxigênio (equilíbrio entre conteúdo arterial de oxigênio e uma adequada reologia) parece ocorrer com um hematócrito entre 30 a 34%. Quando a resistência e o hematócrito estão estáveis, a PPC (PAM - PIC) é o estímulo primário para as alterações de auto-regulação, mediada principalmente pelos vasos de resistência. Em pacientes com uma lesão intracraniana, essencialmente três padrões de fluxo podem ser vistos: hiperêmico, normal e oligoêmico. Hiperemia pode causar edema na área envolvida e predispor a sangramento. Também pode causar isquemia de áreas adjacentes pelo fenômeno de roubo do fluxo. Oligoemia aumenta a vulnerabilidade da área envolvida à isquemia. O consumo de oxigênio pelo encéfalo é de aproximadamente 35% da oferta de oxigênio. Em pacientes com SaO2 normal, isso acarreta uma SjO2 normal de cerca de 65%. Sob circunstâncias normais, 30 a 40% do oxigênio consu- mido pelo cérebro é necessário para manutenção da sua integridade celular, enquanto o restante é utilizado para realizar trabalho eletrofisiológico (figura 3). A energia necessária para a manutenção da integridade celular do neu- rônio é diretamente relacionada à temperatura cerebral (figura 4). Em geral, um declínio de 10º C está associado a uma queda na taxa de consumo de oxigênio cerebral em 50% (isto significa um Q10 de 2, ou seja, a mudança no � consumo de oxigênio associada com a alteração na temperatura cerebral). Na prática clínica, isso significa que a depressão metabólica produzida pela hipotermia pode fornecer alguma proteção cerebral em pacientes adequa- damente selecionados. Da mesma forma, uma elevação na temperatura pode aumentar o risco de lesão cerebral permanente. Modificações no nível de atividade elétrica do cérebro também alteram o consumo de oxigênio (figura 4). Depressão profunda da atividade, como a produzida por doses elevadas de barbitúricos ou benzodiazepínicos, suficiente para gerar eletroencefalogramas com atividade suprimida, podem diminuir até a metade o consumo de oxigênio. Pelo contrário, agitação psicomotora e crises convulsivas aumentam bastante o consumo de oxigênio cerebral. A diminuição da taxa metabólica pode fornecer proteção contra a injúria isquêmica, enquanto o aumento da taxa metabólica pode precipitar isquemia se o paciente não for capaz de aumentar o fluxo sanguíneo cerebral para satisfazer o aumento adicional de demanda metabólica. Fig. 4. Efeitos da atividade cerebral e da temperatura sobre o fluxo sanguíneo e o consumo de oxigênio cerebral. AUTO-REGUlAÇãO O FSC é mantido num nível relativamente constante, mesmo frente às flutuações normais na PAM, pelo mecanismo de auto-regulação. Este é um mecanismo vascular fisiológico de vasoconstrição e vasodilatação, ainda dependendo de uma melhor compreensão dos seus mecanismos fisiopatológicos intrínsecos. Uma queda da PPC é compensada com vasodilatação, assim como uma elevação da PPC é compensada por vasoconstrição, dentro de limites fisioló- gicos. Estes ajustes são regulados principalmente pela demanda metabólica, pela inervação simpática e parassimpá- tica e pela concentração de algumas substâncias como adenosina, óxido nítrico, PaO2 e PaCO2. Normalmente, a auto-regulação mantém o FSC normal entre uma PAM de 60 a 140 mmHg. O FSC normal de 50- 60 ml/100 g/min a uma PAM de 80-100 mmHg pode ser mantido às custas de vasodilatação (quando a PAM cai até o limite de 60 mmHg) ou vasoconstrição arteriolar cerebral (quando a PAM se eleva até o limite de 150 mmHg), o que protege o cérebro de isquemia ou hiperemia, apesar das flutuações fisiológicas da PPC (figura 5). Nos pacientes com hipertensão arterial crônica, tanto os limites inferiores quanto superiores são mais elevados. Nesta situação, o uso agressivo de anti-hipertensivos pode diminuir a PAM para valores “normais”, mas abaixo da capacidade de auto-regulação destes pacientes, podendo comprometer significativamente o FSC. Pacientes com TCE, isquemia cerebral ou agentes vasodilatadores (anestésicos voláteis, nitroprussiato de sódio) po- dem ter diminuição ou perda da auto-regulação cerebral. Neste caso, o FSC torna-se dependente da PAM. Então, se a PAM se eleva, o FSC também se eleva e pode causar um aumento no volume cerebral. Se a PAM cai, o FSC também diminui, reduzindo a PIC, mas podendo acarretar isquemia e necrose (figura 5). � Fig. 5. Auto-regulação cerebral normal e alterada patologicamente. Uma queda na PAM ou na PPC também pode ser deletéria em pacientes com TCE, mesmo com preservação da auto-regulação. A isquemia decorrente da queda da PPC elicita uma vasodilatação como resposta auto-regulatória. Se o encéfalo estiver sem complacência, isto acarreta uma elevação da PIC e maior queda da PPC, acentuando a isquemia e a hipertensão intracraniana. Esta seqüência de eventos é chamada de cascata isquêmica ou vasodilata- tória e contribui significativamente para injúria neurológica secundária por isquemia (figura 6). A forma de corrigir estes eventos deletérios é elevar a PPC ou qualquer outro estímulo primário para a vasodilatação. Fig. 6. Auto-regulação cerebral normal e alterada patologicamente. ACOPlAMENTO METABólICO Acoplamento metabólico refere-se ao equilíbrio da oferta e demanda de oxigênio e glicose cerebrais. Normalmente, estas funções estão intimamente relacionadas e se alteram proporcionalmente. Durante a ativação cortical, o au- mento no consumo de oxigênio e de glicose é compensado por um aumento concomitante no FSC regional (figura 4). O contrário ocorre durante sedação, anestesia e hipotermia. Vários mediadores têm sido imputados na mediação entre consumo e demanda metabólica. Os principais vasodi- latadores são o íon hidrogênio, o ácido lático, a concentração extracelular de potássio, a prostaciclina, a adenosina como produto de degradação do ATP e o óxido nítrico. O tromboxane A2 é um importante vasoconstritor. � DIóXIDO DE CARBONO O dióxido de carbono (CO2) causa vasodilataçãocerebral. O aumento da PaCO2 causa vasodilatação arte- riolar cerebral, aumento do FSC e pode elevar a PIC (figura 7). O contrário ocorre com a diminuição da PaCO2 e a conseqüente vasoconstrição arteriolar cerebral. Desta maneira, hiperventilação pode levar a uma redução na PIC, mas às custas de uma diminuição no FSC e de um potencial de isquemia cerebral. O FSC é diretamente proporcional à PaCO2 entre 20 e 80 mmHg. Dentro destes limites, uma variação de 1 mmHg na PaCO2 se acompanha de uma variação de 1 a 3 % no FSC. Uma boa regra prática diz que uma elevação da PaCO2 de 40 para 80 mmHg duplica o FSC e, uma queda da PaCO2 de 40 para 20 mmHg, diminui para a metade o FSC. O efeito de vasodilatação ou vasoconstrição parece ser mediado pela concentração do H+ na parede da arteríola cerebral. Portanto, a vasoconstrição hipocápnica aguda dura apenas algumas horas. Quando a hipocapnia é mantida por mais tempo, existe uma gradual correção do pH sérico e um retorno do FSC aos valores normais. Se a PaCO2 for “normalizada” agudamente após algumas horas, isso poderá levar a hipe- remia cerebral e aumento da PIC. OXIGÊNIO Valores muito baixos da PaO2 também podem ter profundos efeitos no FSC (figura 7). Quando a PaO2 cai abaixo de 50 mmHg, existe um rápido aumento no FSC e no volume de sangue intracraniano por vasodila- tação. Valores muito altos de PaO2, geralmente acima de 300 mmHg, podem acarretar vasoconstrição. Hipóxia cerebral é um sério risco em pacientes hipoxêmicos, principalmente quando a PaO2 é menor que 50 mmHg, devido à diminuição na oferta de oxigênio cerebral, mas também por causa da marcante vasodila- tação. Vasodilatação cerebral põe o cérebro em risco adicional por duas razões. Primeiro, a vasodilatação leva a hiperemia e predispõe ao edema cerebral nas áreas lesadas e também nas regiões normais. Segundo, o aumento no FSC e no volume cerebral eleva a PIC e pode diminuir significativamente a PPC, causando isquemia cerebral global e lesão neuronal secundária. Fig. 7. Relação entre o FSC e a PaCO2 e a PaO2. Em muitos pacientes com doença neurológica grave, o prognóstico neurológico a longo prazo pode depender criti- camente da adequação do FSC global ou regional. O progresso da monitoração neurológica e o desenvolvimento recente de tratamentos eficientes somente estão se tornando realidade devido ao conhecimento fisiológico e fisiopa- tológico bem caracterizado das últimas décadas. �0 REFERÊNCIAs BIBlIOGRÁFICAs 1. Rossberg MI et al: Principles of cerebroprotection. In: Murray MJ et al. Critical care medicine: perioperative management. 2. ed. Philadelphia: Lippincott: Williams & Wilkins, 2002. 225-235p. 2. Prough DS, Rogers AT. Physiology and pharmacology of cerebral blood flow and metabolism. In: Prough DS. Crit Care Clinics 1989;5:713-28. 3. Castillo MA. Monitoring neurologic patients in intensive care. Curr Opin Crit Care 2001;7:49-60. 4. Stávale MA. Hemodinâmica encefálica na hipertensão intracraniana. In: Stávale MA. Bases da terapia intensiva neurológica. São Paulo: Santos, 1996. 1-12p. 5. Ullman JS. Cerebrovascular pathophysiology and monitoring in the neurosurgical intensive care unit. In: An- drews BT (ed.) Intensive care in neurosurgery. New York: Thieme, 2003. 29-46p. 6. Marshall WK, Arancibia CU, Williams CL. Monitoring intracranial pressure. In: Lake C, Hines RL, Blitt CD. Clinical monitoring: practical applications for anesthesia and critical care. New York: W.B. Saunders Company, 2001. 103-117p. 7. Mizumoto N. Regulação do fluxo sanguíneo cerebral. In: Stávale MA. Bases da terapia intensiva neurológica. São Paulo: Santos, 1996. 1-12p. 8. Power I, Kam P. Physiology of the nervous system. In: Power I, Kam P. Principles of physiology for the anaesthe- tist. London: Arnold Publishers, 2001. 33-62p. 9. Robertson C. Management of Cerebral Perfusion Pressure after Traumatic Brain Injury. Anesthesiology 2001; 95(6):1513-1517. �� Capítulo 3 ABC e cuidados básicos do paciente neurológico OBJETIVOs 1. ABC (Recomendações do ATLS, ACLS e FCCS) 2. Controle de sangramentos 3. Profilaxia da TVP, da Úlcera de Pressão e da Úlcera de Stress 4. Hidratação e Nutrição 5. Distúrbios ácido-básicos e hidroeletrolíticos 6. Sondas e cateteres 7. Alterações Cardiovasculares do Paciente Neurocrítico I. INTRODUÇãO O paciente portador de lesão neurológica grave requer um tratamento minucioso. O resultado positivo depende de uma série de detalhes. A antecipação e o diagnóstico precoce constituem medidas fundamentais e devem nortear a atitude dos médicos envolvidos no tratamento deste grupo de pacientes. A extrema dependência da atenção e dos cuidados externos tornam o paciente vulnerável a várias complicações clínicas. A equipe envolvida no tratamento deve se antecipar e instituir medidas de profilaxia e manter um monitoramento constante para o diagnóstico pre- coce das complicações mais prováveis. Podemos afirmar que os cuidados básicos com o paciente neurológico constituem parte fundamental do tratamen- to. A prescrição médica de um paciente com quadro grave corrobora esta afirmação. Pelo menos um terço dos itens estão voltados para orientações posturais e cuidados básicos. A equipe de atendimento deve estar preparada para receber o paciente portador de lesão neurológica. As diretrizes devem ser de conhecimento de todos e implantadas após discussão ampla. Os cuidados básicos começam na sala de emergência com a adoção das diretrizes e recomendações do ATLS, ACLS e FCCS. Merecem destaque especial os itens: • Manutenção das vias aéreas • Ventilação e oxigenação • Acesso venoso e controle de sangramentos Não podem ocorrer rupturas no tratamento e os cuidados básicos devem continuar na UTI. Os critérios e cuidados observados no transporte do paciente dentro do hospital e preparo do leito na UTI devem estar padronizados. A imobilização, a ventilação mecânica prolongada, as alterações nutricionais, as infecções e a presença de diferentes cateteres, comumente presentes no paciente grave, são os maiores responsáveis pelas diversas complicações clínicas. Desta forma devemos agir de forma vigorosa na profilaxia de certas condições: • Mobilização passiva precoce • Trombose venosa profunda �� • Úlceras de decúbito ou pressão • Úlceras de “Stress” • Sondas e cateteres • Desidratação • Desnutrição • Distúrbios hidroeletróliticos e ácido-básicos As diretrizes do atendimento inicial visam manter a perfusão e oxigenação adequados e evitar as lesões secundárias. O conhecimento das técnicas e ações é fundamental. A seguir, descreveremos, sucintamente, as medidas de atendi- mento inicial, já que elas são mais amplamente discutidas em protocolos básicos como ATLS, ACLS e FCCS. II. ABC (MANUTENÇãO DAs VIAs AÉREAs, VM E ACEssO VENOsO) Manutenção das vias aéreas As técnicas e dificuldades do processo de entubação não são o objetivo primário desse curso. Como já foi dito, o CITIN segue, e recomenda, nesse aspecto, as normas do FCCS e detalhes das técnicas estão expostos no anexo. Diferentes formas de acesso podem ser utilizadas, tais como: • Tubo orotraqueal • Tubo nasotraqueal • Cricotiroidomia • Traqueostomia A escolha sobre a via a ser utilizada dependerá de vários fatores: urgência do procedimento, material disponível, experiência profissional e o tempo disponível para o estabelecimento de uma via aérea segura. Ventilação e oxigenação Não temos como objetivo nesse curso abordar a ventilação mecânica (VM), apenas ressaltar alguns pontos impor- tantes em relação à ventilação do paciente neurocrítico. Existem basicamente duas situações; a primeira, relaciona- da aos pacientes em pós-operatório de neurocirurgia eletiva, que geralmente são ventilados por curtos períodos de tempo, de maneira simples sendo rapidamente desmamados e extubados. Em segundo lugar está o manejoventila- tório do paciente mais grave, onde se deve dar atenção às seguintes recomendações: 1. Manter ventilação e oxigenação adequados, mantendo saturação arterial de oxigênio sempre acima de 92% - 94%. 2. Atentar para o fato que a VM interfere de modo direto na pressão intracraniana e conseqüentemente na PPC, pois com a variação do pH extra-celular e da pressão parcial arterial de CO2 (PaCO2) ocorre o controle do flu- xo sanguíneo cerebral. A acidose decorrente da hipercapnia acarreta hiperfluxo cerebral, levando a hipertensão intracraniana, já a alcalose respiratória acarreta a vasoconstrição cerebral devido à hipocapnia. Sendo assim, a recomendação é de manter a PaCO2 entre 35 e 40 mmHg, pois o hipofluxo cerebral acarretado pela hipocapnia pode levar a piora da isquemia cerebral, inclusive perfusão de luxo, que ocorre quando o fluxo sanguíneo é direcio- nado para as áreas isquêmicas devido a vasoconstrição da região saudável. A hiperventilação mantida, objetivando hipocapnia, está contraindicada pelo risco de isquemia e porque, após cerca de 12 horas ocorre reequilíbrio do pH perivascular, apesar da hipocapnia. Existe apenas um momento em que a hiperventilação se faz necessária, que ocorre quando há sinais de hipertensão intracraniana e o provável tratamento cirúrgico e definitivo da causa básica está planejado ou próximo a ser iniciado. Nessa situação, a hiperventilação com manutenção da PaCO2 em torno �� de 30 mmHg ou até um pouco mais baixa pode ser utilizada emergencialmente, sendo desmamada gradativamente assim que possível. O CITIN, nessas raras situações, preconiza a hiperventilação otimizada, com cateter de bulbo da jugular instalado. Podemos levar a PaCO2 para 30 mmHg ou um pouco menos, desde que a saturação venosa do bulbo da jugular (SjO2) se mantenha em seus valores normais, entre 55% e 65%. O objetivo desse controle rigo- roso é evitar que a hipocapnia, que inequivocamente diminui a PIC, leve a quedas indesejáveis do FSC. Portanto, o CITIN não admitirá reduções da PIC às custas de diminuição exagerada do FSC, hipofluxo e piora da perfusão cerebral de nossos pacientes. 3. Atentar para as lesões derivadas da VM, lesão pulmonar aguda e SARA. Evitar ventilar o paciente com altas pressões de plateau, iniciando a ventilação por uma a duas horas com “baixos” volumes correntes (6 ml/kg peso), de tal maneira a manter a pressão de plateau < 30 cmH2O. A seguir, se a complacência pulmonar permitir, volumes correntes mais altos (8 a 10 ml/kg) serão permitidos se a pressão de plateau se mantiver < 30 cmH2O. Uma PEEP mínima de 5 cmH2O deve ser ajustada no início da VM para prevenir colapso alveolar no fim da expiração. Alguns “experts” titulam a melhor PEEP à beira-do-leito baseada na curva PV ou no método da melhor complacência. Iniciar a VM com fração inspirada de oxigênio de 100% e ir diminuindo progressivamente até 40% para manter a SaO2 acima de 92%-94%. 4. Evitar que o paciente “brigue” com o ventilador, o que pode causar elevações abruptas da pressão intracraniana, fazendo uso da sedação, de acordo com protocolos pré-determinados de seu hospital; a intensidade da sedação deve ser avaliada de acordo com escalas de sedação. Tanto sedação em “bolus” quanto infusão contínua podem ser utilizadas, com interrupção ou diminuição da intensidade da sedação diária para avaliação neurológica e, se necessário, re-titulação da dose (ver capítulo de sedação/analgesia). O bloqueio neuromuscular deve ser evitado, mas quando necessário deve ser preferido seu uso intermitente. 5. Sempre que possível manter o trabalho da musculatura respiratória, utilizando os modos assistidos, como a pressão de suporte (PSV), pois tanto a utilização de ventilação mecânica prolongada associada a bloqueio muscu- lar, quanto o catabolismo celular elevado, levam a atrofia muscular precoce, dificultando o desmame ventilatório, perpetuando o suporte ventilatório e aumentando o risco de infecções. 6. Em casos de falência neuromuscular, o suporte ventilatório é especial e será comentado em outro capítulo. É importante lembrar que em situações de agitação psico-motora deve-se identificar e tratar a causa básica da agi- tação, evitar sedar o paciente em demasia, pois isso dificulta o exame neurológico. Sempre aventar a possibilidade de traqueostomia precoce. Quando do momento da retirada do suporte ventilatório, certificar que as condições que levaram à utilização da VM estejam resolvidas, e que existe adequado nível de consciência para a extubação, boa força muscular, ausência de distúrbios hidroeletrolíticos e estado nutricional satisfatório. Realizar o desmame gradativamente, sempre atentando para sinais de fadiga do paciente. Acesso venoso O acesso venoso inicial deve ser obtido, de preferência, por duas veias periféricas de bom calibre, enquanto se ava- liam as indicações e contra-indicações do acesso venoso profundo. Idealmente, puncionam-se duas veias calibrosas, de preferência em membros superiores, para rápida reposição volêmica e hidroeletrolítica, administração de trom- bolítico e demais medicações inerentes à patologia. Veias Profundas Os pacientes neuro-críticos caracteristicamente permanecem muitos dias internados, apresentam com freqüência instabilidade hemodinâmica que leva ao uso vasopressores e drogas inotrópicas, hidratação vigorosa e monitoração da pressão venosa central para manter normovolemia. Portanto, o acesso venoso profundo é a linha de infusão preferencial. O CITIN recomenda apenas três opções: veia subclávia, veia jugular interna e veia femoral. As principais contra-indicações de punção de veia central são: intenção de administrar trombolítico, distúrbios de coagulação, durante a reanimação cárdio-respiratória, infecção ou queimadura no local de punção, e recusa do �� paciente. A escolha do local de punção depende da experiência do operador, futuro uso da veia jugular para moni- toração da saturação venosa de oxigênio do bulbo jugular (SjO2), predição de complicações em determinados sítios de punção, e uso de colar cervical. As complicações são freqüentes: punção arterial inadvertida, sangramento no local de punção, pneumotórax, perfuração de traquéia, punção acidental do ducto torácico, embolia gasosa, mau posicionamento do cateter, formação de trombos, e infecção do cateter. O pneumotórax é mais freqüente na catete- rização da veia subclávia (<5%) do que da veia jugular interna (<2%), sendo as técnicas supraclavicular e posterior menos relacionadas a complicações, respectivamente. III. CONTROlE DE sANGRAMENTO O paciente portador de doença cérebro-vascular aguda apresenta freqüentemente distúrbios de coagulação, che- gando a 10% nos casos de hemorragia intracraniana. Alguns aspectos podem ser ressaltados no que tange ao con- trole e prevenção de sangramentos, levando em conta a gravidade do doente em questão: 1. Uso prévio de anticoagulantes: Pacientes em uso de cumarínico e que apresentem doença cerebral isquêmica de pequena monta podem ser obser- vados caso o INR esteja em torno de 3,5. Acima deste valor, considerar administração de vitamina K intravenosa 10 mg em infusão lenta e, se houver urgência, plasma fresco congelado na dose de 5-8 ml/Kg. O uso de cumarínico em doentes com evento cerebral hemorrágico ou isquemia volumosa e INR > 1,5 demanda reversão imediata da anticoagulação com plasma fresco congelado na dose já citada. As heparinas não-fracionadas podem ter seu efeito revertido com Protamina, sendo que 1 mg desta reverte 100 UI de Heparina; lembrando que após 1 hora sem infusão da droga em pacientes com metabolização renal preservada, apenas uma pequena fração da droga estará ativa, fato que deve ser considerado. As heparinas fracionadas não são facilmente antagonizadas com Protamina e possuem meia-vida bem mais elevada que seu antídoto. Caso necessário pode-se administrar plasma fresco congelado. Levar emconta também o tipo de evento cerebral, conforme já foi citado para os cumarínicos. 2. Recomendações para a utilização de plasma fresco congelado: • Reversão urgente dos efeitos cumarínicos na dose já citada • Correção de sangramentos microvasculares associados à tempo de protrombina ou tempo de tromboplastina maior que 1,5 vezes o normal com administração de 10-15 ml/Kg. 3. Recomendações para terapia com concentrado de plaquetas: • Transfusão profilática é inefetiva e raramente indicada em casos de destruição aumentada de plaquetas como acontece na Púrpura Trombocitopênica Idopática. • Concentrado de plaquetas deve ser obrigatoriamente administrado quando a contagem plaquetária for < 5.000/ mm3, independente da presença ou não de sangramento; com contagens entre 5.000 e 30.000/mm3 e risco de san- gramento presente, a transfusão plaquetária deve ser considerada; procedimentos que cursam com sangramentos insignificantes podem ser realizados com contagem plaquetária de 50.000/mm3 ou maior. • Antes de cirurgia neurológica, deve-se alcançar níveis acima de 100.000 plaquetas/mm3. A dose usual é de um concentrado para cada 10 Kg de peso do doente. • Contagem plaquetária aparentemente normal não contra-indica transfusão, caso se suspeite de disfunção plaque- tária ou haja sangramento microvascular. IV. TROMBOsE VENOsA PROFUNDA As recomendações da Sociedade de Cirurgia Vascular, apoiada em estudos multicêntricos, são a base para as orien- �� tações do tratamento dos pacientes neurológicos. A indicação da profilaxia nos pacientes com lesões isquêmicas está bem estabelecida, porém em portadores de hemorragias ou no pós-operatório recente de neurocirurgia, a indi- cação deve ser estudada em cada caso. As principais complicações da TVP são tromboembolismo pulmonar (TEP) e a síndrome pós-TVP, onde a recanali- zação incompleta do trombo junto ao plano valvar do sistema venoso profundo causa estase venosa e insuficiência valvar. Nos Estados Unidos, a TVP acomete mais de dois milhões de americanos/ano, e 600.000 desenvolvem TEP, com óbito em 8 a 10% dos casos na primeira hora do evento. A TVP recorre em 30 % dos pacientes até 8 anos do primei- ro evento e os que evoluem com hipertensão pulmonar terão prognóstico mais reservado. A profilaxia da TVP é a melhor forma de prevenção do TEP. Quando adequada, reduz o risco de TVP e TEP em 70% a 80 % dos casos, sendo raras as complicações hemorrágicas. O fato de sua incidência ser subestimada (a maioria é assintomática), dúvidas quanto à eficácia e medo de sangramento são fatores que contribuem para sua subutilização. Profilaxia A profilaxia da TVP pode ser realizada por medidas não-farmacológicas, farmacológicas ou ambas. Vários fatores de risco, clínicos ou cirúrgicos, para TVP, foram identificados e temos proposto que se atribua a cada um deles um peso diferenciado. Como mostrado na tabela I, cada fator de risco recebe uma pontuação, cuja somatória deve ser aplicada à tabela III. O paciente é classificado de risco baixo quando a soma desta pontuação for menor ou igual a 1, risco moderado, quando entre 2 e 4, e de risco alto quando acima de 4 pontos. A profilaxia será realizada de forma individualizada conforme o risco encontrado. Quanto mais fatores de risco estiverem presentes, maior será a estratificação do risco do paciente e, portanto mais intensa a profilaxia. Tabela I: Trombose venosa profunda: fatores predisponentes FATORES DE RISCO PONTOS FATORES DE RISCO PONTOS 01. Idade ≥ 40 anos 01 15. IAM complicado 02 02. Idade ≥ 60 anos 02 16. AVCI 02 03. Tabagismo 01 17. Antecedente TVP/ TEP 02 04. Obesidade 01 18. Edema, varizes, úlcera MMII 01 05. Estrógenos ou anticoncepcionais 01 19. Diabete mellitus 01 06. Neoplasia 02 20. ICC 02 07. Gravidez e puerpério 01 21. História familiar TVP/ TEP 02 08. Imobilização 02 22.Cirurgia de grande porte nos últimos 6 meses 01 09. Deficiência proteínas C, S, AT-III 01 23. Queimaduras extensas 02 10. Síndrome nefrótica 01 24. Anticorpo antifosfolípide 02 11. Policitemia 02 25. Infecções 01 12. Doença auto-imune 01 26. Cirurgia geral ≤ 60 min 01 13. Leucenias 02 27. Cirurgia geral > 60 min 02 14. IAM não complicado 01 28. Cirurgias do quadril, joelhos, prótese, fraturas osso longo ou múltiplas, politrauma 04 TOTAL DE PONTOS = ............(aplique na tabela III) Weinmann et al classificam os pacientes em três níveis de risco: 1. Baixo risco; 2. Risco moderado e 3. Risco alto, conforme a incidência de TVP e TEP naqueles não submetidos a profilaxia da TVP (tabela II). Nessa tabela foi adaptada a pontuação do paciente conforme o seu risco. �� TABELA II: Risco de evento tromboembólico sem profilaxia Risco Baixo ( ≤ 1 ponto) Risco Moderado (2-4 pontos) Risco alto (> 4 pontos) TVP distal (%) 2 10 – 40 40 – 80 TVP proximal (%) 0,4 2 – 8 10 – 20 TEP sintomático (%) 0,2 1 – 8 5 – 10 TEP fatal (%) 0,002 0,1 - 0,4 1 – 5 (modificado de Weinmann et al.) Um indivíduo com menos de 40 anos submetido a ato operatório com duração de 60 min. e sem nenhum outro fa- tor de risco é classificado como de risco baixo. Entretanto, se a idade for maior do que 40 anos e o tempo cirúrgico acima de 60 min, o risco será moderado. Conforme a tabela III, a profilaxia para os diversos níveis de risco deve ser diferenciada. No primeiro exemplo, o paciente deveria ser submetido a profilaxia não-farmacológica (meias elásticas e deambulação precoce); no segundo, à profilaxia farmacológica (heparina de baixo peso molecular ou a não fracionada), além das meias elásticas e deambulação. TABELA III: Profilaxia conforme o número de pontos Risco Baixo ( ≤ 1 ponto) Risco moderado (2-4 pontos) Risco alto (> 4 pontos) Não Farmacológica: realizar movimentação ativa dos membros inferiores, deam- bulação precoce, uso de meias elásticas de média compressão até a coxa ou compressão pneu- mática intermitente. Nadroparina: 0,3 ml SC (1x/dia) Enoxaparina: 20 mg SC (1x/dia) Heparina: 5.000 UI SC (2x/dia) Devem-se associar as medidas não-farma- cológicas. Nadroparina: 0,6 ml SC (1x/dia) Enoxaparina: 40 mg (1x/dia) Heparina: 5.000 UI SC (3x/dia) Devem-se associar as medidas não- farmacológicas. Nadroparina = Fraxiparina ®; Enoxaparina = Clexane ®; Heparina-Liquemine ® As principais contra-indicações para a profilaxia farmacológica são sangramento ativo e os distúrbios hemorrági- cos graves (congênito ou adquirido). Profilaxia não-farmacológica Meias elásticas: as de compressão gradual aumentam em 36% a velocidade de fluxo da veia femoral. É a primeira medida a ser adotada além de deambulação precoce. Compressão pneumática intermitente dos membros inferio- res: a insuflação seqüencial de cuffs do tornozelo à coxa aumenta em 240% a velocidade de fluxo na veia femoral e também a atividade fibrinolítica endógena. Filtro de veia cava inferior: indicado quando a profilaxia farmacológica não pode ser realizada (p. ex. sangramento ativo), na vigência de alto risco de TEP. Complicações: migração do filtro, estase venosa crônica e TEP através de vasos colaterais. Filtros especiais para uso temporário (duração de até 14 dias), com retirada após comprovação de ausência de trombo, é outra opção profilática. Profilaxia farmacológica Heparina não fracionada (HNF) (Liquemine®): polissacáride extraído da mucosa intestinal de porco ou de pul- mão bovino. Interage com a antitrombina III inativando os fatores da coagulação XIIa, Xla, Ixa, Xa e IIa (trom- bina). Heparina de baixo peso molecular (HBPM) (Nadroparina-Fraxiparina®), (Enoxaparina-Clexane®): obtida pela despolimeração da heparina, tem maior capacidade em inibir o fator Xa. Em relação à HNF, tem maiores biodisponibilidade e meia-vida plamática além de determinar menor incidência de plaquetopenia. O Dextran 40 �� reduz a adesividade e a agregação plaquetárias quando utilizado nas doses de 500 mlEV durante 6 e 24 horas e mantido por alguns dias. Em resumo, a profilaxia deve ser realizada em todo paciente de risco. Procure estratificar este risco para que a pro- filaxia seja a mais adequada possível. Não subestime o risco de seu paciente. Recomendações especiais Nas cirurgias neurológicas de grande porte recomenda-se a compressão pneumática intermitente ou as doses in- dicadas para a profilaxia de risco moderado. Durante a internação, manter a profilaxia farmacológica enquanto persistirem os fatores de risco. Iniciar a não-farmacológica quando o paciente deambular ou retornar às atividades normais. Após a alta hospitalar, tomar as seguintes medidas: (1) manter a profilaxia farmacológica (3 a 4 semanas) nos pacientes de alto risco e (2) não-farmacológica (3 a 4 semanas) nos de baixo risco até retornarem às suas ati- vidades normais. Nos portadores de cateteres centrais, a prevenção da trombose da veia subclávia-auxiliar poderá ser feita com war- farin (Marevan®) 1 mg/dia. Nas obstruções de cateteres venosos, utilizar o fibrinolítico uroquinase (Abbokinase Open-Cath®), na dose de 5.000 UI, injetadas dentro do cateter. Aspirar após 30 min e repetir a dose caso não tenha havido sucesso. No trauma medular, a incidência de TVP é maior nas duas primeiras semanas e rara após o terceiro mês. Utilizar HNF ou HBPM (pelo menos três meses) associada às medidas não-farmacológicas. A profilaxia deve ser realizada também nos pacientes domiciliares. O risco deve alguma forma ser estratificado. V. ÚlCERAs DE DECÚBITO OU PREssãO Pessoas que não conseguem se movimentar e ficam acamadas ou sentadas por muito tempo, na mesma posição, podem apresentar feridas conhecidas por escaras ou úlcera de pressão. Estas feridas podem ocorrer em qualquer parte do corpo onde haja saliência óssea, mas são mais comuns nas nádegas, calcanhares e nas regiões laterais da coxa. Se o paciente não tem controle dos esfíncteres urinário e fecal e apresenta, associadamente, diferentes graus de desnutrição, o problema pode se agravar. Entretanto, algumas medidas preventivas podem ser usadas para di- minuir o problema: 1. A pele deverá ser limpa no momento em que se sujar; evitar água quente e usar um sabão suave para não causar irritação ou ressecamento da pele; a pele seca deve ser tratada com cremes hidratantes de uso comum; 2. Evitar massagens nas regiões de proeminências ósseas; ao observar eritemas, manchas roxas ou bolhas, prestar atenção, pois estes sinais indicam o início da escara e a massagem vai causar mais danos; 3. Se não há controle do esfíncter urinário, usar fraldas descartáveis ou absorventes e trocar as roupas úmidas assim que possível; o uso de pomadas neutras (como hipoglós) também ajuda a formar uma barreira contra a umidade; 4. O uso de um posicionamento adequado, o uso de técnicas corretas para transferência da cama para cadeira e mudanças de decúbito podem diminuir as feridas causadas por fricção; o paciente precisa ser alçado ao ser movi- mentado e, nunca, ser arrastado contra o colchão; 5. Os pacientes precisam de adequado suporte nutricional; 6. A mudança de decúbito deve ser feita pelo menos a cada duas horas, se não houver contra-indicações relaciona- das às condições gerais do paciente; um controle horário por escrito deve ser feito para evitar esquecimentos; 7. Travesseiros ou almofadas de espuma devem ser usados para manter as proeminências ósseas (como as dos joe- lhos) longe de contato direto uma com a outra; os calcanhares devem ser mantidos levantados da cama usando um travesseiro debaixo da panturrilha; 8. Quando o paciente ficar na posição lateral, deve-se evitar o apoio diretamente sobre o trocanter do fêmur; �� 9. A cabeceira da cama não deve ficar muito tempo na posição elevada para não aumentar a pressão nas nádegas, o que leva ao desenvolvimento da úlcera de pressão; 10. Se a pessoa ficar sentada em cadeira de rodas ou poltrona usar sempre uma almofada de ar, água ou gel, mas jamias aquelas almofadas que tem um orifício no meio (roda d´água ou pneu), pois elas favorecem o aumento da pressão e o início da ferida; 11. Usar aparelhos como o trapézio, ou o forro da cama para movimentar o paciente (ao invés de puxar ou arrastar); lembrar que o paciente normalmente não consegue ajudar durante a transferência ou nas mudanças de posição; 12. Usar um colchão especial para redução da pressão, como colchão de ar ou colchão d’água; o colchão caixa de ovo aumenta o conforto, mas não reduz a pressão; para os pacientes que já apresentam a úlcera de pressão, o adequado é o uso do colchão de ar ou água; 13. Evitar que o paciente fique sentado ininterruptamente em qualquer cadeira ou cadeira de rodas; os indivíduos que são capazes devem ser ensinados a levantar o seu peso a cada quinze minutos, aqueles que não conseguem de- vem ser levantados por outra pessoa ou levados de volta para a cama; 14. Diariamente deve-se examinar a pele da paciente na procura de escaras iniciais; se o paciente apresentar o início de uma escara, não deixar a pessoa sentar ou deitar sobre a região afetada e procurar descobrir a causa do proble- ma para que não se agrave; 15. Para tratamento da úlcera, normalmente é necessária uma avaliação multiprofissional do estágio da ferida; porém, em todos os casos, lavar somente com soro fisiológico ou água, não usar sabão, sabonete, álcool, mertiolate, mercúrio cromo, iodo ou povidine; não deixar o paciente deitado ou sentado sobre a ferida e verificar se a equipe multiprofissional da UTI está adotando as medidas de prevenção citadas. VI. ÚlCERAs GÁsTRICAs E DUODENAIs DE “sTREss” Os pacientes que se encontram em unidade de terapia intensiva apresentam elevado risco de sangramento gastro- intestinal, principalmente aqueles com patologias encefálicas. A profilaxia dessas lesões do trato digestivo alto pode ser não farmacológica (dieta oral precoce) e farmacológica (bloqueadores H2 e inibidores da bomba de prótons). As indicações de profilaxia farmacológica são: VM por insuficiência respiratória, HIC, instabilidade hemodinâmica, distúrbios da coagulação e história pregressa de hemorragia digestiva alta. Os bloqueadores H2 são melhores que sucralfate e são os agentes preferidos. Os inibidores da bomba de prótons não foram comparados diretamente com os bloqueadores H2 nos pacientes neurocríticos e, portanto, sua eficácia é desconhecida. Foi, no entanto, demons- trada uma equivalência entre as duas drogas na capacidade de aumentar o pH gástrico. Seguem algumas recomen- dações da utilização da profilaxia de úlceras de estresse: 1. Pacientes com queda abrupta do hematócrito ou hemoglobina são mais propensos à complicação; 2. Não existe necessidade da profilaxia em pacientes com alimentação via oral; 3. Pacientes com alimentação abaixo do piloro devem realizar profilaxia; 4. Bloqueadores H2 são a droga de escolha, sendo os bloqueadores da bomba de prótons reservados para episódios de sangramento ou como no ítem 01; 5. A ranitidina pode elevar a concentração plasmática de: amoxacilina, diltiazen, midazolan, warfarin, teofilina, e fenitoína; 6. O omeprazol pode elevar a concentração de: ampicilina, carbamazepina, claritromicina, diazepan, fenitína e midazolan; 7. O clearence de creatinina deve ser medido, pois interfere na concentração da ranitidina, cimetidina e famotidina. O omeprazol não tem a concentração alterada. �� VII. HIDRATAÇãO E NUTRIÇãO O paciente neurocrítico deve ser mantido sempre com a volemia ideal, isto é, devemos evitar a desidratação, pois ela propicia hipoperfusão cerebral, aumento do risco de vasoespasmo em determinadas situações, além de outras complicações sistêmicas. A hidratação deve ser feita preferencialmente com cristalóides e deve ser guiada tanto pela clínica do paciente, como pela utilização de monitoração hemodinâmica, e acompanhamento de diurese horária, que serãomelhor elucidados abaixo. A reposição volêmica do paciente neurocrítico deve começar rapidamente, não havendo necessidade de se aguardar a internação na UTI. Devem ser usadas alíquotas de 500 a 1000 ml de cristalói- des ou 300 a 500 ml de colóides a cada 30 minutos, repetidas ou não, com base na resposta satisfatória ou evidência clínica de hipervolemia. O lactato sérico elevado é o melhor indicador de hipoperfusão cerebral em pacientes nor- motensos. Durante as primeiras seis horas de reposição volêmica, os objetivos a serem alcançados são: • PVC entre 8 e 12 mmHg e entre 12 e 15 mmHg para pacientes sob VM • PAM > 80 mmHg • Débito urinário ≥ 0,5 ml/kg/h • SvO2 (veia cava superior, no cateter de PVC ou mistura venosa, no CAP) ≥ 70% Se esses objetivos não forem alcançados em 6 horas de reposição volêmica, então deve-se transfundir concentrado de glóbulos para atingir um hematócrito ≥ 30% e/ou infundir dobutamina até o máximo de 20 µg/kg/min até se alcançarem os objetivos acima descritos. A nutrição deve ser a mais precoce possível. Como o paciente neurocrítico geralmente apresenta-se com o sensório diminuído, dá-se preferência pela via enteral, que tende a diminuir o risco de translocação bacteriana e a possibilidade de infecção. Em relação ao tipo de dieta utilizada, a recomendação é que se evite o uso de carboidratos em demasia, pois isto acarreta uma produção elevada de CO2, interferindo grandemente no fluxo cerebral e no pH intravascular. No mais não há maiores recomendações, pois o paciente raramente apresenta-se desnutrido, visto que, na maioria das vezes, nossas patologias são agudas. Porém, em situações em que ocorre agravamento do quadro clínico, motivado por infecções ou por complicações da doença de base, devemos avaliar cada caso e a decisão deve ser individualizada. VIII. DIsTÚRBIOs ÁCIDO-BÁsICOs E HIDROElETROlÍTICOs Os distúrbios ácido-básicos são importantes no paciente neurocrítico, porque eles modulam uma das propriedades próprias da vasculatura cerebral, a vasoreatividade ao PaCO2. Portanto, é muito importante que o pH seja mantido em seus valores normais e a PaCO2 entre 35 e 40 mmHg. Maiores detalhes no capítulo 2, Fisiologia e Metabolismo Cerebral. Durante a condução e evolução do paciente neurocrítico, o aparecimento de distúrbios hidroeletroíticos é freqüente e a sua interpretação e manuseio são de grande importância. sódio O sódio é o íon mais importante e fundamental na manutenção do volume intravascular. Suas variações influen- ciam grandemente o funcionamento do sistema nervoso central e o controle da água e volumes encefálicos. Hiponatremia A hiponatremia é o distúrbio mais comum, sendo a hipernatremia menos freqüente. A hiponatremia dilucional é a forma mais comum deste distúrbio, geralmente causada por diminuição da excreção de água ou iatrogenia (excessos de infusão de volume). Suas manifestações iniciais são inespecíficas, podendo pas- sar despercebidas por serem discretas, como delirium, confusão, sonolência, e cefaléia. Com a progressão, ocorrem náusea, vômitos, e, de acordo com a diminuição do nível sérico, pode-se evoluir para insuficiência respiratória, convulsão, coma e até morte por herniação cerebral. Os sinais e sintomas aparecem com Na sérico abaixo de 125 �0 mEq/L, e, quanto mais rápida a queda dos valores, maior será a sintomatologia, devido à instalação de edema cere- bral. Quando a instalação da hiponatremia é crônica, ela é melhor tolerada, e apresenta sintomas somente quando os valores encontram-se abaixo de 110-115 mEq/L. Outras causas importantes de hiponatremia no paciente neurocrítico são a secreção inapropriada de hormônio an- tidiurético (SIADH) e síndrome cerebral perdedora de sal (SCPS). A explicação mais tradicional para a hiponatre- mia após lesões encefálicas é a SIADH, entretanto ela não é tão freqüente. Como a restrição hídrica é o tratamento de escolha para SIADH e esse tratamento pode provocar vasoespasmo e produzir isquemia, o que é absolutamente indesejável aos nossos pacientes, devemos estar atentos para fazer com precisão o diagnóstico diferencial entre SIADH e SCPS. A CSPS é comum no paciente neurocrítico e pouco diagnosticada; seu tratamento é diametral- mente oposto e consiste na hidratação e reposição do Na perdido. Portanto, precisamos melhorar nossa acurácia diagnóstica e tratar corretamente nossos pacientes com hiponatremia. A SIADH foi descrita por Schwartz e colaboradores em 1957, quando foi entendido que o ADH é um peptídeo liberado pelo hipotálamo em resposta às alterações da osmolaridade: se a osmolaridade sérica aumenta, aumenta a secreção de ADH e aumenta a absorção de água pelo rim; ao contrário, se diminui a osmolaridade sérica, diminui a secreção de ADH e diminui a absorção de água pelo rim. Assim, a liberação excessiva de ADH nessa síndrome pro- duz hiponatremia dilucional. A lesão encefálica dos nossos pacientes neurocríticos causaria, portanto, um reajuste (“downregulation”) dos osmorreceptores, levando à liberação de ADH com níveis mais baixos de osmolaridade. Resumindo, a SIADH é um estado hipervolêmico e seu tratamento é a restrição de líquidos. A SCPS foi descrita por Cort em 1950. Ela é uma explicação menos tradicional para a hiponatremia de nossos pacientes com lesão encefálica, mas provavelmente é mais freqüente que a SIADH (principalmente nas hiponatre- mias mais tardias, que ocorrem no final da primeira semana e durante a segunda semana após a agressão ao SNC). O peptídeo natriurético cerebral (BNP) e/ou o peptídeo natriurético atrial (ANP) aumentam sua concentração e levam primariamente a um aumento na excreção renal de sódio, causando hiponatremia e depleção do fluido ex- tracelular. O BNP e o ANP são hormônios primariamente excretados pela parede ventricular e atrial, mas também podem ser secretados pelo cérebro. Em condições normais, sua secreção é estimulada por aumento do volume e/ou da pressão das câmaras cardíacas e eles tem propriedades natriuréticas, vasodilatadoras e de inibição da aldoste- rona. Em condições normais, o BNP não atravessa a BHE e, talvez isso aconteça na HSA e em outras condições em que haja lesão da BHE, situações comuns em nossos pacientes neurocríticos. Resumindo, a SCPS é um estado hipovolêmico e hipontrêmico e seu tratamento é a administração de sódio e água. De acordo com a avaliação clínica, e para fins de abordagem terapêutica, a hiponatremia é classificada em hipo, hiper ou normovolêmica. O tratamento se dá de acordo com a instalação do distúrbio, se é agudo e grave, com sintomatologia importante, deve-se repor imediatamente com solução salina 3%, se a instalação é crônica ou com sintomatologia frustra, a reposição deve ser mais lenta e guiada pela melhora dos sintomas. O importante é que a reposição não deve ultrapassar 8-10 mEq/L/dia, e o aumento no valor de sódio sérico não deve ultrapassar 10-12 mEq/L em 24 horas, pelo risco de mielinólise pontina. A reposição deve ser acompanhada ou de oferta volêmica com solução salina ou com restrição hídrica, de acordo com a causa da hiponatremia. Cada perda de 1 mEq/L de sódio equivale a uma queda de 1,7 mmHg na pressão arterial intravascular. Hipernatremia A hipernatremia apresenta grande correlação com o nível de desidratação. As causas mais comuns são desitrata- ção e diabetes insipidus. Além de hipovolêmicos, os pacientes encontram-se sonolentos, agitados, confusos, e com tremores. Em casos mais severos pode haver crises convulsivas, e o coma pode advir quando a osmolaridade sérica passa de 350 mOsm/L. A hipernatremia não pode isoladamente acarretar danos neurológicos, dependendo para isso da causa básica, porém em casos com hipernatremia severa, acima de 160 mEq/L, a mortalidade se eleva. O tratamento da hipernatremia se dá com a administração de água livre ou solução glicosada a 5% ou solução salina 0,45%, objetivando a diminuição gradativa
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