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Publicação Mensal de Legislação, Doutrina e Jurisprudência Diretor Responsável ARMANDO CASIMIRO COSTA(1937-2014) ARMANDO CASIMIRO COSTA FILHO Diretor Financeiro MANOEL CASIMIRO COSTA Fundador VASCO DE ANDRADE Conselho Editorial IVES GANDRA MARTINS FILHO (Presidente) MARIA CRISTINA IRIGOYEN PEDUZZI NELSON MANNRICH SÔNIA MASCARO NASCIMENTO MELCHÍADES RODRIGUES MARTINS Conselheiros Eméritos Benfepor AMAURI MASCARO NASCIMENTO (1989-2014) JOSE CASIMIRO COSTA IRANYFERRARI (1990-2012) I ANO 80 • Nº 02 • FEVEREIRO DE 2016 • SP • BRASIL • ISSN 1516-91541 -NOVO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL- ALTERAÇÕES PELA LEI N. 13.256, DE 4.2.2016 E OS CONFLITOS COM OS PRECEDENTES JUDICIAIS DA JUSTIÇA DO TRABALHO (SÚMULAS E ORIENTAÇÕES JURISPRUDENCIAIS) -DEDUÇÃO DO SEGURO NAS INDENIZAÇÕES POR ACIDENTE DO TRABALHO -Sebastião Geraldo de Oliveira -O REGIME DE PRECEDENTES NO NOVO CPC E REFLEXOS NO PROCESSO DO TRABALHO -Jorge Pinheiro Castelo -A CONSTITUIÇÃO,.AS NORMAS FUNDAMENTAIS DO PROCESSO CIVIL E O PROCESSO DO TRABALHO -João Humberto Cesário -A ATA NOTARIAL, O PROCESSO DO TRABALHO E O NCPC - Conrado Di Mambro Oliveira -A VALIDADE E EFICÁCIA DA QUITAÇÃO VOLUNTÁRIA AMPLA DADA POR ADESÃO A PLANO DE DESLIGAMENTO VOLUNTÁRIO ESTABELECIDO EM NORMA REGU- LAMENTAR DA EMPRESA SOB O CRIVO DA JURISPRUDÊNCIA CONSTITUCIONAL E TRABALHISTA. -Eugênio José Cesário Rosa -O DANO MORTE- A EXISTÊNCIA JURÍDICA DO PRETIUM MORTIS -Amaury Rodrigues Pinto Junior -DESCONSIDERAÇÃO DA PESSOA JURÍDICA NA EXECUÇÃO TRABALHISTA: ENFOQUE NA POSSIBILIDADE DA DESCONSIDERAÇÃO DE MODO INVERSO - Danielle Karolinne Weiler de Siqueira -DEMOCRACIA SINDICAL -Rafael Foresti Pego REPOSITÓRIO DE JURISPRUDÊNCIA ------- A Revista LTr, com tiragem superior a 3.000 exemplares e circulação em todo o Território N acionai, é Repositório autorizado de jurisprudência para indicação de julgados, registrado no Supremo Tribunal Federal sob n. 09/85, e no Tribunal Superior do Trabalho sob n. 02/94. Os acórdãos publicados neste número correspondem, na íntegra, às cópias obtidas nas Secretarias dos respectivos Tribunais. Vol. 80, n9 02, Fevereiro de 2016 Introdução O presente trabalho tem por objetivo estudar a teoria da desconsideração da personalidade jurídica com um enfoque na possibilidade da aplicação desta de modo inverso na execução trabalhista. Primeiramente faz-se importante urna análise de corno se dá aplicação da teoria da desconsideração da pessoa jurídica de modo clássico. Assim, de modo geral, a teoria da desconsideração da personalidade jurídica clássica tem por finalidade coibir fraudes realizadas mediante a abusiva utiliza- ção da autonomia patrimonial conferida à sociedade personificada. Tem corno fundamento o art. 28 da Lei n. 8.078/90 e o art. 50 do CC. Porém, além da desconsideração da personalida- de jurídica de forma clássica, tem-se verificado na jurisprudência a admissão da desconsideração in- versa da personalidade jurídica na área trabalhista, principalmente na execução, através da qual afasta- -se o princípio da autonomia da pessoa jurídica, pos- sibilitando que os bens da sociedade respondam por o obrigações dos sócios enquanto pessoa física, sendo aplicada quando for apurado o uso abusivo, simula- do ou fraudulento da pessoa jurídica. Diante da total impossibilidade de se executar os bens particulares dos sócios, tem sido autorizada a constrição judicial sobre o patrimônio das sociedades comerciais das quais os executados são acionistas ou cotistas, para responderem pelo valor exequendo. A desconsideração inversa da pessoa jurídica fun- damenta-se nos termos do art. 50, do Código Civil, o qual elenca os requisitos para a sua utilização, quais sejam: abuso de personalidade jurídica, desvio de fi- nalidade ou a confusão patrimonial. (*) Danielle Karolinne Weiler de Siqueira é Advogada, Pós- -graduada em Direito Individual, Coletivo e Processual do Trabalho, pela Escola Superior da Magistratura Trabalhista - ESMATRA/MT - TRT 23 e pós-graduanda em Direito Processual Civil com ênfase no Novo CPC pela Fundação Escola Superior do Ministério Público/MT. Revista LTr. 80-02/191 DESCONSIDERAÇÃO DA PESSOA !URÍDICA NAEXECUÇAO TRABALHISTA: ENFOQUE NA POSSIBILIDADE DA DESCONSIDERAÇÃO DE MODO INVERSO Danielle Karolinne Weiler de Siqueira (*) Portanto, de acordo com a desconsideração inver- sa da personalidade jurídica é permitido que o patri- mônio da pessoa jurídica responda pelas obrigações do sócio devedor, possibilitando que o credor do só- cio atinja o patrimônio da sociedade integrada pelo devedor, buscando ter seu crédito satisfeito. Em ambos os tipos de desconsideração da perso- nalidade jurídica é a eficácia jurídica da autonomia patrimonial que é suprimida pelo descumprimento das obrigações. Desta maneira, faz-se importante a pesquisa a res- peito da teoria da desconsideração da personalidade jurídica, de modo clássico ou inverso, pois tem por objeto o resgate do princípio da responsabilidade pa- trimonial, pela ruptura dos aspectos formais da per- sonificação jurídica. 1 - Considerações a respeito da responsabilidade patrimonial Antes de explanarmos a respeito da desconsidera- ção da pessoa jurídica, é importante trazermos à baila um terna a esta relacionada e de fundamental neces- sidade para o entendimento. Tal é a responsabilidade patrimonial. Assim, cumpre destacar que a responsabilidade patrimonial é advinda de urna obrigação contraída, e, por ser desta maneira, também não há corno falarmos em responsabilidade patrimonial sem observarmos, mesmo que rapidamente, o conceito de obrigação. Podemos citar duas definições, primeiramen- te a conforme o doutrinador Washington de Barros Monteiro: Obrigação é a relação jurídica, de caráter tran- sitório, estabelecida entre devedor e credor e cujo objeto consiste numa prestação pessoal econômica, positiva ou negativa, devida pelo primeiro ao segun- do, garantindo-lhe o adimplemento através do seu patrimônio _<I> (1) MONTEIRO, Washington de Barros. Curso de direito civil: di- reito das obrigações. 1ª parte. São Paulo: Saraiva, 2003. p. 8. Revista LTr. 80-021192 Já de acordo com Carlos Roberto Gonçalves: Obrigação é o vínculo jurídico que confere ao credor (sujeito ativo) o direito de exigir do devedor (sujeito passivo) o cumprimento de determinada prestação. Corresponde a urna relação de natureza pessoal, de crédito e débito, de caráter transitório (ex- tingue-se pelo cumprimento), cujo objeto consiste-se numa prestação economicamente aferível. (Z) Com base nestas definições trazidas, podemos ti- rar urna conclusão: após o vínculo obrigacional ter se estabelecido, caso não haja o cumprimento da obri- gação firmada, nasce um direito de exigir do credor o adimplemento, desta maneira e em decorrência disto, o devedor sujeita os seus bens à execução. O acesso do credor ao patrimônio do devedor é corroborado pelo art. 591 do CPC/73, e pelo Novo Código de Processo Civil, de acordo com o artigo 789 do CPC/15, a execução não tem um caráter pessoal, ou seja, ao contrário, esta atinge os bens do devedor, só existindo em nossa Constituição Federal duas ex- ceções: no caso de prestação alimentar e do depositá- rio infiel, sendo que quanto a esta última não há mais aplicação devido ao Pacto de São José da Costa Rica. Ou seja, somente a dívida de prestação alimentar, atualmente no Brasil, pode gerar execução pessoal, qual seja a prisão civil do devedor. Assim, a responsabilidade patrimonial é a possibi- lidade que os bens/patrimônio de um devedor pos- sam responder por urna obrigação não cumprida por este e que se encontra em execução. Cumpre destacar que, além da responsabilidade patrimonial anteriormente definida, há ainda a res- ponsabilidadepatrimonial secundária, a qual pode ser conceituada corno a responsabilidade que o Códi- go de Processo Civil atribui a certas pessoas que mui- to embora não constem no título executivo, podem ter os seus bens sujeitos ao cumprimento da execução. Esta responsabilidade patrimonial secundária se justifica em razão de terem mantido relações jurídi- cas de caráter patrimonial com o devedor, assim a lei atribui tal responsabilidade com o fim de garantir o pagamento do débito. Corno a Consolidação das Leis do Trabalho não regula este assunto, restou aplicável à execução tra- balhista o previsto no art. 592 do CPC/1973: Art. 592.CPC. Ficam sujeitos à execução os bens: I - do sucessor a título singular, tratando-se de execução fundada em direito real ou obrigação reipersecutória; II - do sócio, nos termos da lei; III- do devedor, quando em poder de terceiros; IV - do cônjuge, nos casos em que os seus bens próprios, reservados ou de sua meação respondem pela dívida; (2) GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro. vol. H. 5. ed. São Paulo: Saraiva, 2008. p. 21. Vol. 80, n!! 02, Fevereiro de 2016 V - alienados ou gravados com ônus real em fraude de execução.(3l Sendo que o citado artigo do CPC/73, no Novo Código de Processo Civil é correspondente ao art. 790 CPC/15, o qual acrescentou duas possibilida- des: 1) bens cuja alienação ou agravação com ônus tenha sido anulada em razão do reconhecimento, em ação autônoma, de fraude contra credores; e 2) do responsável, nos casos de desconsideração da perso- nalidade jurídica, as quais também serão aplicáveis à Justiça do Trabalho. Art. 790. São sujeitos à execução os bens: I - do sucessor a título singular, tratando-se de execução fundada em direito real ou obrigação rei persecutória; II - do sócio, nos terrnao da lei; III-do devedor, ainda que em poder de terceiros; IV - do cônjuge ou companheiro, nos casos em que seus bens próprios ou de sua meação respondem pela dívida; V - alienados ou agravados com ônus real em freude à execução; VI - cuja alienação ou gravação com ônus real tenha sido anulada em razão do reconhecimento, em ação autônoma, de fraude contra credores; VII - do responsável, nos casos de desconsidera- ção da personalidade jurídica.(4l No processo do trabalho, a responsabilidade patri- monial secundária ocorre, de forma evidente, na su- cessão trabalhista, quando na sucessão de empresas e empregadores, os sucessores, embora não tenham contraído a dívida, respondem pelas dívidas traba- lhistas dos sucedidos. Assim, de acordo com Alexandre Oliveira Soares: Segundo esse instituto, que é informado pelos princípios da continuidade do contrato de trabalho, da despersonalização do empregador e da inaltera- bilidade contratual lesiva, eventuais alterações na es- trutura jurídica da empresa, na propriedade ou na estrutura jurídica não afetarão os direitos adquiridos por seus empregados e os seus respectivos contratos de trabalho.(5l A responsabilidade patrimonial do sócio pelos dé- bitos contraídos pela pessoa jurídica é outra hipótese de responsabilidade patrimonial secundária. Dela se cuidará com mais vagar, por estar diretamente rela- cionada ao objeto desta pesquisa. (3) BRASIL, República Federativa do. Código de Processo Civil - CPC. Disponível em: <http:/ /www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/ 15869compilada.htm>, acessado no dia 16 de jan de 2015. (4) BRASIL, República Federativa do. Novo Código de Processo Ci- vil- Lei n" 13.105/2015. Disponível em: <http:/ /www.planalto.gov. br I ccivil_03/ _Ato2015-2018/2015/Lei/Ll3105.htm>, acessado no dia 05 de jun. de 2015. (5) SOARES, Alexandre Oliveira. Desconsideração Inversa da Personalidade Jurídica e Efetividade da Tutela Executiva. Dissertação (Mestrado). Pontifica Universidade Católica de Minas Gerais (PUC/ MG). Belo Horizonte, 2014. Vol. 80, n2 02, Fevereiro de 2016 Porém, na execução trabalhista podem ser consi- derados como responsáveis secundários somente nos casos de: -sucessão de empresas/empregadores; -do sócio que se retirou da sociedade em até dois anos da data de ingresso da ação. Sendo que o sócio que se retirou da sociedade há mais de dois anos não responde como regra, exceto se não averbou a sua saída na junta comercial. - da responsabilidade do sócio (no caso de des- consideração da personalidade jurídica). Portanto, vemos a seguir tais casos. 1.1- Responsabilidade secundária no caso de sucessão de empresas/empregadores Primeiramente, vamos tratar a respeito da res- ponsabilidade secundária no caso de sucessão de empresas/ empregadores. Com base no arts. 10 e no 448 da Consolidação das Leis Trabalhistas, e de acordo com o princípio da continuidade do contrato de trabalho, da desper- sonalização do empregador e da inalterabilidade do contrato de trabalho, a responsabilidade pelo referi- do contrato é da empresa e não por quem esteja ad- ministrando esta. Não sendo o contrato de trabalho, em geral, intui- to personae em relação ao empregador, nada impede, juridicamente, a substituição de uma pessoa por ou- tra, nessa qualidade, como sujeita da mesma relação de empregado. Ora, o estabelecimento tem um con- ceito unitário. O novo empregador responde pelos contratos de trabalho concluídos pelo antigo, porque lhe adquiriu o estabelecimento como organização produtiva, como um bem que resulta do conjunto de vínculos existentes entre os fatores de produção, um desses, o trabalho.<6> Se, excepçionalmente, existir o intuito personae, no contrato de trabalho, em relação a ambos os contra- tantes, já não poderá haver sucessão. Partindo, por outro lado, da premissa de. que a lei visa proteger o empregado, dando por findo o contrato, se o novo titular do estabelecimento não lhe oferecer garantias de solvabilidade. Do contrário, poderiam os empre- gados tomar-se vítimas de sucessões simuladas ou fraudulentas.<?) Lembrando que como traz a professora Alice Monteiro, há uma corrente jurisprudencial susten- tando a impossibilidade de sucessão quanto aos con- tratos findos: Há, todavia, corrente jurisprudencial sustentando a impossibilidade de sucessão no tocante aos contra- tos findos, ao argumento de que ela visa à continui- (6) MAGALHÃES, Délio. Direito do Trabalho. 15 ed. Rio de Janei- ro: Editora da Fundação Getúlio Vargas, 1988. p. 77-80. (7) SÜSSEKIND, Arnaldo; MARANHÃO, Délio; VIANNA, Se- gadas; TEIXERA, Lima. Instruções de Direito do Trabalho. 20 ed. São Paulo: LTr, 2002, v. 1, p. 303. Revista LTr. 80-02/193 dade dos contratos, logo, se eles não mais vigiam à época da sucessão, exclui-se a responsabilidade do sucessor do polo passivo da ação. (p. 313).<8> De acordo com o doutrinador Mauricio Godinho Delgado existem, conforme a doutrina clássica, dois requisitos da sucessão e, para a doutrina moderna não há a necessidade do empregado ter prestado ser- viços para a empresa sucessora, somente basta que tenha ocorrido a transferência total ou parcial de uma unidade de produção: São hipóteses típicas de sucessão para fins traba- lhistas: a transferência de titularidade da empresa, fusão, incorporação e cisão de empresas, contratos de concessão e arrendamento e também as privatizações de antigas estatais. Para a doutrina clássica, são requisitos da suces- são para fins trabalhistas: a) transferência de uma unidade empresarial econômica de produção de um titular para outro; b) inexistência de solução de con- tinuidade do contrato de trabalho, vale dizer: o em- pregado da empresa sucedida deve trabalhar para a empresa sucessora. Para a moderna doutrina, a qual me filio, com apoio da atual jurisprudência dos Tribunais, não há necessidade de que o empregado ou o reclamante em processo trabalhista ter prestado serviços paraa empresa sucessora, basta apenas que tenha havido a transferência total ou parcial de uma unidade de pro- dução de uma empresa para outra para que ocorra a sucessão para fins trabalhistas. Pensamos estar correta a moderna doutrina ao exigir apenas o requisito da transferência da unidade econômica de produção de um titular para outro para que se configure a sucessão, pois os arts. 10 e 448 da CLT não exigem que o empregado tenha trabalhado para a empresa sucedida. Além disto, a interpreta- ção está em consonância com o princípio protetor e propicia maior garantia de solvabilidade do crédito trabalhista.<9> Conforme Délio Magalhães<10>, são dois os requi- sitos para que se opere a sucessão de empresas/ em- pregadores: a) que uma unidade econômico-jurídica passe de um para outro titular; e b) que não haja solu- ção de continuidade da prestação de serviços. Já a doutrinadora Alice Monteiro de Barros dispõe que são três os requisitos para que a sucessão ocorra: a) mudança na estrutura jurídica ou na proprie- dade da empresa, como ocorre na compra e venda, sucessão hereditária ou arrendamento, incorporação, fusão, cisão, etc.( ... ); b) continuidade do ramo do ne- gócio; c) continuidade dos contratos de trabalho com unidade econômica de produção e não com a pessoa natural que a explora. Este último requisito não é imprescindível para que haja sucessão, pois poderá (8) BARROS, Alice Monteiro de. Curso de Direito do Trabalho. 8. ed. São Paulo: LTr, 2012. p. 315. (9) DELGADO, Mauricio Godinho. Curso de Direito do Trabalho. 12. ed. São Paulo, LTr, 2013. p. 415-433. (10) MAGALHÃES, Délio. Op. cit., p. 77-80. Revista LTr. 80-02/194 ocorrer que o empregador dispense os seus emprega- dos antes da transferência da empresa ou do estabele- cimento, sem lhes pagar os direitos sociais.<11l Sobre este tema, Arnaldo Süssekind sustenta que "a sucessão trabalhista opera-se ope legis, qualquer que seja o negócio jurídico realizado entre os empresários que se substituem no empreendimento objeto da transação. Para os empregados que continuam trabalhando na mesma uni- dade de produção, esse negócio é res inter alias acta".<12l A regra da responsabilidade secundária do suces- sor é que este responde de forma integral pela dívida, exceto no caso de fraude, pois que neste a empresa sucedida responderá solidariamente, eis o que trata o art. 9º da CLT e o art. 942 do Código Civil. Art. 9º- CLT. Serão nulos de pleno direito os atos praticados com o objetivo de desvirtuar, impedir ou fraudar a aplica~ão dos preceitos contidos na presen- te Consolidação.<13l Art. 942. CC Os bens do responsável pela ofensa ou violação do direito de outrem ficam sujeitos à re- paração do dano causado; e, se a ofensa tiver mais de um autor, todos responderão solidariamente pela reparação. Parágrafo único. São solidariamente responsáveis com os autores os coautores e as pessoas designadas no art. 932.<14l Para Mauro Schiavi há dois tipos de responsabili- dade secundária neste caso, a responsabilidade soli- dária da sucessora em caso de fraude, e subsidiária, mesmo não existindo fraude: Pensamos que subiste a responsabilidade solidá- ria da sucessora em caso de fraude e também subsi- diária, mesmo não havendo fraude, nas hipóteses em que a empresa sucessora não apresenta patrimônio suficiente para solver o crédito trabalhista, ou para maior efetividade do recebimento deste.<15l Portanto, com base nesta responsabilidade, pode ser atingido o patrimônio da empresa sucedida com o fim de buscar o cumprimento da execução. 1.2 - Responsabilidade secundária do sócio que se retirou da sociedade Quanto ao sócio que se retirou a menos de dois anos da sociedade (até dois anos de averbada a mo- dificação do contrato), este responderá solidariamente (11) BARROS, Alice Monteiro de. Op. cit., p. 308-313. (12) SÜSSEKIND, Arnaldo. Curso de Direito do Trabalho. 3 ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2010. p.225. (13) BRASIL, República Federativa do. Consolidação das Leis Trabalhistas- CLT. Disponível em: <http:/ /www.planalto.gov.br/ ccivil_03 I decreto-lei/Del5452compilado.htm>, acessado no dia 16 jande2015. (14) BRASIL, República Federativa do. Código Civil - CC. Dis- ponível em: <http:/ /www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/ L10406compilada.htm>, acessado no dia 15 de jan de 2015. (15) SCHIAVI, Mauro. Manual de direito processual do trabalho. 5. ed. São Paulo: LTr, 2012. Vol. 80, n!! 02, Fevereiro de 2016 com o cessionário, perante a sociedade e terceiros, pe- las obrigações que tinha como sócio. Já quanto a responsabilidade secundária do sócio que se retirou da sociedade há mais de dois anos, de acordo com o art. 1.003 do Código Civil, como regra, este não responde pelas dívidas contraídas pela so- ciedade, posteriormente a estes dois anos. Eis o que traz o referido artigo: Art. 1.003. CC. A cessão total ou parcial de quota, sem a correspondente modificação do contrato social com o consentimento dos demais sócios, não terá efi- cácia quanto a estes e à sociedade. Parágrafo único. Até dois anos depois de aver- bada a modificação do contrato, responde o cedente solidariamente com o cessionário, perante a socie- dade e terceiros, pelas obrigações que tinha como sócio.<16l O entendimento do doutrinador Mauro Schiavi é que o referido artigo do Código Civil é aplicável ao processo do trabalho, porém lembra que excepcio- nalmente, nos casos de fraude e de notória insolvên- cia da empresa ao tempo da retirada, pode sim ser o sócio retirante responsabilizado posteriormente ao prazo de dois anos de sua retirada: No nosso sentir, o art. 1.003 do CC se aplica ao Processo do Trabalho, por conter um critério objetivo e razoável de delimitação da responsabilidade do só- cio retirante. Não obstante, em casos de fraude ou de notória insolvência da empresa ao tempo da retirada, a responsabilidade do sócio retirante deve persistir por prazo superior a dois anos.<17) 1.3- Responsabilidade secundária do sócio (desconside- ração da personalidade jurídica) Sabemos que a responsabilidade da pessoa ju- rídica não se confunde com a do sócio, porém a lei estabelece ao sócio uma chamada responsabilida- de patrimonial/ secundária, conforme os arts. 591 e 592, inciso II do CPC/73, correspondentes aos arts. 789 e 790, incisos 11 (bens do sócio, nos termos da lei) e o novo inciso VII (bens do responsável, nos casos de desconsideração da personalidade jurídica) do CPC/15. Art. 591. O devedor responde, para o cumprimen- to de suas obrigações, com todos os seus bens presen- tes e futuros, salvo as restrições estabelecidas em lei. Art. 592. Ficam sujeitos à execução os bens:( ... ) 11 - do sócio, nos termos da lei;<18l Assim, de acordo com esta responsabilidade pa- trimonial, os bens particulares dos sócios podem ser atingidos na execução, caso a sociedade de que o sóçio (16) BRASIL, República Federativa do. Código Civil- CC. Op. cit. (17) SCHIAVI, Mauro. Op. cit. (18) BRASIL, República Federativa do. Código de Processo Civil- CPC. Disponível em: <http:/ /www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/ 15869compilada.htm>. Acesso em: 16 jan. 2015. Vol. 80, n!! 02, Fevereiro de 2016 faz parte não possua bens suficientes a satisfação da execução. Em virtude desta responsabilidade do sócio, de- corre a desconsideração da personalidade jurídi- ca, a qual vem regulamentada pelo art. 28 da Lei n. 8.078/1990 e pelo art. 50 do Código Civil. Art. 28. Lei n. 8.078/90. CDC. O juiz poderá des- considerar a personalidade jurídica da sociedade quando, em detrimento do consumidor, houver abu- so de direito, excesso de poder, infração da lei, fato ou ato ilícito ou violação dos estatutos ou contrato social. A desconsideração também será efetivada quando houver falência,estado de insolvência, encerramento ou matividade da pessoa jurídica provocados por má administração. Art. 50. CC. Em caso de abuso da personalidade jurídica, caracterizado pelo desvio de finalidade, ou pela confusão patrimonial, pode o juiz decidir, a re- querimento da parte, ou do Ministério Público quan- do lhe couber intervir no processo, que os efeitos de certas e determinadas relações de obrigações sejam estendidos aos bens particulares dos administradores ou sócios da pessoa jurídica.(19> Há aplicação da desconsideração da personalida- de jurídica em processos trabalhistas: Atuahnente, a moderna doutrina e jurisprudência trabalhista encamparam a chamada teoria objetiva da desconsideração da personalidade jurídica que disci- plina a possibilidade de execução dos bens do sócio, independentemente de os atos destes terem violado óu não o contrato, ou de haver abuso de poder. Basta a pessoa jurídica possuir bens para ter início a execu- ção aos bens do sócio. No processo do trabalho, o presente entendimento se justifica em razão da hipossuficiência do trabalha- dor, da dificuldade que apresenta o reclamante em demonstrar a má-fé do administrador e do· caráter alimentar do crédito trabalhista.(20> No processo do trabalho, na fase executória, a des- consideração da personalidade jurídica pode ocorrer de ofício, por meio de decisão interlocutória, art. 878 da CLT, porém é necessário lembrar que o sócio tem o direito de invocar o benefício de ordem e reque- rer que sejam executados primeiramente os bens da sociedade. A desconsideração da personalidade jurídica no proce~so do trabalho, na fase executória, pode ser de- terminada de ofício pelo Juiz do Trabalho (art. 878 da CLT), independentemente de requerimento da parte, em sede de decisão interlocutória, devidamente fun- damentada (art.93, IX da CF). Não obstante, o sócio, uma vez tendo seus bens contristados para a garantia da execução tem o direito de invocar o chamado be- nefício de ordem e requerer que primeiro sejam exe- cutados os bens da sociedade, mas para que tal seja possível é necessário que indique onde estão os bens, (19) BRASIL, República Federativa do. Código Civil- CC. Op. cit. (20) SCHIAVI, Mauro. Op. cit. Revista LTr. 80-02/195 livres e desembaraçados para penhora, que sejam de fácil liquidez, e obedeçam a ordem de preferência mencionada no art. 655 do CPCJ21> A seguir vamos nos aprofundar mais um pouco a respeito da desconsideração da personalidade jurí- dica, primeiramente com um enfoque na que ocorre de forma clássica e, posteriormente, na que se dá de forma inversa, tratando também em ambas dos seus conceitos, fundamentação, aplicação, entre outros aspectos. 2 - A desconsideração da personalidade jurídica direta/clássica Como meio de garantir uma maior efetividade à decisão judicial proferida pelos órgãos trabalhistas, a Justiça do Trabalho vem admitindo a aplicação nesta de institutos de outros ramos do direito, tal como ocorre com a desconsideração da personali- dade jurídica na execução trabalhista. A finalidade desta aplicação é permitir que haja efetividade dos direitos trabalhistas e também assegurar o fim útil do processo. A desconsideração clássica da pessoa jurídica consiste na possibilidade de execução dos bens par- ticulares do sócio ante a insuficiência do patrimônio societário, prova de violação da lei, fraude, falência, estado de insolvência ou encerramento ou inatividade da empresa decorrentes de má administração da pes- soa jurídica. Tal como exposto no tópico anterior, a teoria da desconsideração da personalidade jurídica clássica tem por finalidade coibir fraudes realizadas median- te a abusiva utilização da autonomia patrimonial conferida à sociedade personificada. Tem como fun- damento, já anteriormente mencionado; o art. 28 da Lei n. 8.078/90 e o art. 50 do CC. Para o Código de Defesà do Consumidor é autori- zada a desconsideração da personalidade jurídica da sociedade em três hipóteses: 1) quando os sócios rea- lizarem condutas ilegais e ilícitas, tais como o abuso de direito, excesso de poder, infração da lei, fato ou ato ilícito; ou mesmo violação de .estatutos ou con- tratos sociais, que sejam prejudiciais ao consumidor; 2) em caso de falência, estado de insolvência, encer- ramento ou inatividade da pessoa jurídica em razão de má administração e; 3) ·quando a personalidade jurídica for obstáculo ao ressarcimento dos prejuízos causados ao consumidor. Fábio Ulhoa Coelho (1999) sustenta que o Código de Defesa do Consumidor consagrou em seu citado art. 28 a Teoria Menor da Desconsideração da Perso- nalidade Jurídica. Para ele, essa teoria é menos con- sistente do que a Teoria Maior da Desconsideração da Personalidade Jurídica, prevista no art. 50 do Código Civil, sobre a qual se tecerá alguns comentários. Para a Teoria Menor, a desconsideração da perso- nalidade jurídica poderá ser levada a efeito quando se verificar a insatisfação do crédito do consumidor e (21) Idem. Revista LTr. 80-02/196 se constatar a ausência de bens empresariais que pos- sam solver a dívida, mas que existam bens dos sócios capazes de satisfazer a obrigação social. O Código Civil disciplina a desconsideração da personalidade jurídica. Segundo Fábio Ulhoa Coelho (1999}, esse Código consagrou a Teoria Maior da Des- consideração da Personalidade Jurídica, considerada por ele mais abstrata, mais elaborada e mais consis- tente, se comparada com a Teoria Menor adotada pelo Estatuto Consumerista. Para a Teoria Maior, não é suficiente a simples in- satisfação do . crédito para autorizar a relativização momentaneamente da regra da autonomia patrimo- nial. Necessário se faz demonstrar que houve a ma- nipulação fraudulenta e abusiva da personalidade jurídica para que o magistrado decida pela afetação dos bens particulares dos administradores ou sócios da pessoa jurídica.<22> A Justiça do Trabalho vem aplicando a teoria me- nor, ou objetiva, da desconsideração da personalidade jurídica, a qual os sócios poderão ter responsabilida- de patrimonial secundária quando a pessoa jurídica não tiver mais patrimônio a ser executado, seguindo o disposto no código de defesa do consumidor. Há a possibilidade de aplicação na esfera traba- lhista ante a hipossuficiência do trabalhador, na sua dificuldade em provar a má-fé do administrador e o caráter alimentar das verbas devidas, assim como sempre que a personalidade da pessoa jurídica for obstáculo ao ressarcimento de prejuízos causados. É importante assinalar que o instituto da descon- sideração da pessoa jurídica encontra-se previsto no art. 28, § 5º da Lei n. 8.078/90 (CDC), que, segundo pensamos, pode ser aplicado, por analogia, ao pro- cesso do trabalho, "sempre que sua personalidade for, de alguma forma, obstáculo ao ressarcimento de prejuízos causados aos consumidores" (e nós acres- centamos, aos trabalhadores). Em se tratando de falência ou alienação de parte da empresa, em recuperação judicial, nada obsta o prosseguimento da execução contra os sócios, desde que o juiz adote a teoria da desconsideração da per- sonalidade jurídica da empresa executada.( ... ) Há, porém, entendimento jurisprudencial admi- tindo que somente depois de esgotadas todas as pos- sibilidades de responsabilização da empresa falida é que se toma possível o redirecionamento da execu- ção trabalhista contra os sócios da empresa falida.<23> Não é necessário pedido da parte ou interessado para que haja a aplicação da desconsideração da per- sonalidade jurídica. É nesse cenário que surge o estudo da denomi- nada teoria da desconsideração da personalidade jurídica do executado, também chamada de disregard doctrine, teoria da penetração, disregard of legal entify ou teoria do disregard. (22) SOARES,Alexandre Oliveira. Op. cit. Vol. 80, n2 02, Fevereiro de 2016 No entanto, o Tribunal Superior do Trabalho tem aplicado a teoria da penetração de forma ampla, em todos os casos nos quais se verifica a insuficiência de patrimônio da empresa para honrar as dívidas traba- lhistas contraídas, independentemente da comprova- ção da existência de fraude, simulação ou desvio de finalidade. Entendemos que a Lei n. 8.078/1990 (Código de Defesa do Consumidor}, na parte processual, é apli- cável ao processo do trabalho, principalmente pelo fato de o art. 21 da Lei n. 7.347/1985 (Lei da Ação Civil Pública) determinar a aplicação às ações coleti- vas e individuais da parte processual do Código de Defesa do Consumidor, naquilo que for compatível. Ademais, a regra insculpida no art. 28 da Lei n. 8.078/1990 está em consonância com os princípios da celeridade, proteção ao trabalhador hipossuficiente, da efetividade da execução trabalhista e do privilégio do crédito laboral, merecendo plena aplicação ao pro- cesso do trabalho.<24> Cumpre destacar que os acionistas não possuem responsabilidade patrimonial nem de caráter primá- rio, quanto menos de secundário, pois que não rea- lizaram atos de gestão ou atual na administração da sociedade. Nesse contexto, tome-se a lealdade- em sinôni- mo de boa-fé - como pressuposto de qualquer rela- ção jurídica. Associado a preceitos éticos, decorrentes de princípios inafastáveis no mundo jurídico, como o de não se admitir efeitos decorrentes de atos ilícitos, esse pressuposto moral embasa e robustece as teses doutrinárias de desconsideração da personalidade jurídica (disregard oflegal entity). Essa matéria adquire relevo especial na relação de trabalho, haja vista que o Poder Judiciário não pode, pela inexistência de re- gras positivas específicas sobre a hipótese particular, pactuar com a fraude e com o abuso de direito perpe- trados mediante manipulação da pessoa jurídica pe- las pessoas naturais em manobras de planejamento societário e tributário. Há, entre nós; normas positivadoras déi desconsi- deração da personalidade jurídica. As pioneiras ma- nifestações, constam do Código Comercial (arts. 305, 306,350 e 359), seguidas do Código Civil (art. 1.375 e 1.407); da Lei da Sociedade por Quotas de Responsa- bilidade Ltda. (Decreto n. 3.708/1919, arts. 11 e 16); da Lei de falências (Decreto-lei n. 7.661/45, art. 6º). Mais recentemente, há previsão no Código de Proces- so Civil (art. 593, li); no Código Tributário Nacional (Lei n. 5.172/66, arts. 134, IV e 135}, e, de modo inci- sivo, no Código de Defesa do Consumidor( ... ) (Lei n. 8.078/1990; art. 28). A lacuna da legislação do trabalho a respeito do tema autoriza o intérprete a socorrer-se do Código do Consumidor, por analogia, com base no art. 8º da CLT. Cabe ressaltar que, se a responsabilidade do sócio for cogitada somente na fase de execução, o procedimen- to encontra fundamento na conjugação dos arts. 889 (23) LEITE, Carlos Henrique Bezerra. Curso de Direito Processual (24) SARAIVA, Renato. Curso de Direito Processual do Trabalho. 8. do Trabalho. 11 ed. São Paulo: LTr, 2013. p. 1.132-1.136. ed. Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: Método, 2011. p. 537-539. 1 I I Vol. 80, n9 02, Fevereiro de 2016 da CLT e 42, V, da Lei n. 6.830/80. Mas, nesse caso, é imprescindível a ciência da determinação judicial para que passe a integrar a relação processua1.'25> Parte da doutrina trabalhista considera indispen- sável a prévia intimação dos sócios para conheci- mento da desconsideração da personalidade jurídica, para que assim fosse oportunizado a estes o contra- ditório e a ampla defesa, sendo que a ausência desta intimação ocasionaria a nulidade do processo. Porém, prevalece atualmente o entendimento da desnecessidade de prévia intimação dos sócios nes- tes casos, pois que a responsabilidade patrimonial secundária decorre de lei. Parece-nos, contudo, que nas ações oriundas de relação de trabalho diversa da relação de emprego, o Juiz do Trabalho deverá ter redobrada cautela ao adotar a teoria da desconsideração da pessoa jurídi- ca, pois em tais ações o crédito objeto da obrigação contida no título executivo judicial, por não ter na- tureza trabalhista, no sentido estrito do termo, isto é, por não ser crédito empregatício, não autoriza a ilação de que os sócios seriam ilimitadamente res- ponsáveis. Nestes casos, parece-nos que a fonte sub- sidiária será o Código Civil e não o Código de Defesa do Consumidor.<26> Sabe-se que, de lege lata, os sócios só respondem na proporção de sua respectiva cota-parte na empre- sa. Caso esta não tenha sido integralizada, poderá responder com seu patrimônio particular até a parte faltante. Já os sócios-gerentes poderão responder soli- dária e ilimitadamente se praticarem atos com exces- so de mandato ou desrespeitarem normas legais ou o contrato social (CC. arts. 1.052 et seq.).<27l O que vem se notado na jurisprudência trabalhista é a aplicação não só da desconsideração da persona- lidade jurídica de forma clássica, mas também a de forma inversa. Assim, diante da atual importância do tema, ex- plana-rmo-lo a seguir. 3 -'- Desconsideração inversa da personalidade jurídica De acordo com a desconsideração inversa, é per- mitido que o patrimônio da pessoa jurídica respon- da pelas obrigações do sócio devedor, possibilitando que o credor do sócio atinja o patrimônio da socieda- de integrada pelo devedor, buscando ter seu crédito satisfeito. A eficácia jurídica da autonomia patrimonial que é suprimida pelo descumprimento das obrigações, visando o resgate do princípio da responsabilidade patrimonial, pela ruptura dos aspectos formais da personificação jurídica. (25) SÜSSEKIND, Arnaldo; MARANHÃO, Délio; VIANNA, Se- gadas; TEIXERA, Lima. Op. cit., p. 1.446. (26) LEITE, Carlos Henrique Bezerra. Op. cit., p. 1.033. (27) LEITE, Carlos Henrique Bezerra. Op. cit., p. 1.132-1.136 Revista LTr. 80-02/197 É caracterizada pelo afastamento da autonomia patrimonial da sociedade, para, desta maneira, atin- gir o ente coletivo e o seu patrimônio, causando a responsabilidade da pessoa jurídica por obrigações advindas do sócio controlador. O que vem ocorrendo atualmente é que, alguns sócios integram seus bens particulares ao patrimônio de empresas, com o objetivo de lesar terceiros; assim o patrimônio particular é deficitário porque o sócio integralizou seus bens no patrimônio empresarial, com o fim de protegê-los de alguma execução promo- vida por credores. Esta situação pode ser considerada uma fraude ou mesmo um abuso de poder. Ou em outros casos, estes com divergência juris- prudencial, há o esgotamento patrimonial do deve- dor trabalhista, a dívida não consegue ser saldada, porém o devedor integra a sociedade de uma pessoa jurídica, da qual obtém lucros, tem uma quota-parte, sem que tenha ocorrido fraude ou má-fé, seria tam- bém aplicável a desconsideração inversa nestes casos para parcela da jurisprudência trabalhista, conforme colocaremos a seguir. A diferença da desconsideração inversa em rela- ção à desconsideração da personalidade jurídica clás- sica, é que a primeira se dá de maneira contrária a segunda, pois que em vez de os bens do sócio serem atingidos pela obrigação da empresa, o patrimônio da empresa é que suporta as obrigações contraídas pelo sócio desta. É uma medida excepcional, assim verificados os requisitos basilares de sua incidência o juiz poderá desconsiderar a pessoa jurídica, atingindo os bens da empresa para quitar dívidas pessoais dos sócios desta. Podemos encontrar respaldo doutrinário na obra literária do professor Mauro Schiavi: A moderna doutrina, diante dos princípios da boa-fé objetiva e da função social da atividade em- presarial, tem defendido a aplicaçãoda teoria inversa da desconsideração da personalidade jurídica. Vale dizer: responsabilizar o patrimônio da pessoa jurídi- ca por atos praticados por seus dirigentes de forma abusiva ou ilícita, por interpretação evolutiva e teleo- lógica dos já citados arts. 50 do CC e 28 do CDC. A presente teoria se aplica ao processo do tra- balho (art. 769 e 889 da CLT), pois tem por objeti- vo fixar maior garantia de solvabilidade do crédito trabalhista.<28> A desconsideração inversa da personalidade jurí- dica é oriunda da doutrina e jurisprudência, não ten- do regramento legislativo específico, sendo porém utilizado para a sua fundamentação o mesmo respal- do legislativo da desconsideração da personalidade jurídica clássica. Há incontáveis decisões judiciais que reconhecem a aplicação da desconsideração inversa da persona- lidade jurídica no âmbito do direito civil. Pela im- portância paradigmática, serão tecidos comentários (28) SCHIAVI, Mauro. Op. cit., p. 911-927. Revista LTr. so-o2/198 acerca da decisão proferida pela ministra Nancy An- drighi, do Superior Tribunal de Justiça, relatora do recurso especial n. 948.117-MS: De início, impende ressaltar que a desconsidera- ção inversa da personalidade jurídica caracteriza-se pelo afastamento da autonomia patrimonial da socie- dade, para, contrariamente do que ocorre na descon- sideração da personalidade jurídicà propriamente dita, atingir o ente coletivo e seu patrimônio social, de modo a responsabilizar a pessoa jurídica por obri- gações do sócio. Conquanto a consequência de sua aplicação seja inversa, sua razão de ser é a mesma da desconside- ração da personalidade jurídica propriamente dita: combater a utilização indevida do ente societário por seus sócios. Em sua forma inversa, mostra-se como um instrumento hábil para combater a prática de transferência de bens para a pessoa jurídica sobre o qual o devedor detém controle, evitando COJ11 isso a excussão de seu patrimônio pessoal. Assim procedendo, verifica-se que a finalidade maior da disregard doctrine, contida no referido pre- ceito legal, é combater a utilização indevida do ente !!Ocietário por seus sócios. A utilização indevida da personalidade jurídica da empresa pode, outrossim, compreender tanto a hipótese de o sócio esvaziar o patrin;lônio da pessoa jurídica para fraudar tercei- ros, quanto no caso de ele esvaziar o seu patrimônio pessoal, enquanto pessoa natural, e o integralizar na pessoa jurídica, ou seja, transferir seus bens ao ente societário, de modo a ocultá-los de terceiros. Feitas essas considerações, tem-se que a inter- pretação teleológica do art. 50 do CC/02 legitima a inferência de ser possível a desconsideração inversa da personalidade jurídica, de modo a atingir bens da sociedade em razão de dívidas contraídas pelo sócio controlador, conquanto preenchidos os requisitos previstos na norma. Ademais, ainda que não se considere o teor do art. 50 do CC/02 sob a ótica de uma interpretação tt~leológica, entendo que a aplicação da teoria da des- consideração da personalidade jurídica em sua mo- dalidade inversa encontra justificativa nos princpios éticos e jurídicos intrínsecos a própria disregard doc- trine, que vedam o abuso de direito e a fraude contra credores. Outro não era o fundamento usado pelos nossos Tribunais para justificar a desconsideração da personalidade jurídica propriamente dita, quando, antes do advento do CC/02, não podiam se valer da regra contida no art. 50 do diploma atual [ ... ].<29) Este entendimento passou a ser seguido por di- versos julgados em nosso país, como uma medida excepcional quando cumpridos os requisitos legais de fraude ou abuso de direito estabelecidos no art. 50 do CC. (29) SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. STJ- Recurso Especial n. 948.117-MS. Relatora Ministra Nancy Andrighi. Data de Julga- mento: 22.6.2010, T3- Terceira Turma. Vol. 80, n2 02, Fevereiro de 2016 Existem duas principais críticas à desconsideração inversa da personalidade jurídica: primeiramente que ela não poderia ser realizada no bojo do proces- so de execução ou falimentar, mas sim por ação pró- pria; a outra é que ela ofende ao princípio do devido processo legal, o contraditório e a ampla defesa, pois que o executado não pode defender seus direitos de modo pleno. A ministra, no julgado citado anteriormente, afir- ma que está sedimentada no Superior Tribunal de Justiça o fato de que a desconsideração da perso- nalidade jurídica independe de uma ação própria, podendo também ocorrer em sede de processo de execução ou falimentar. O novo Código de Processo Civil, em seu art. 133, já preceitua que a desconsideração da pessoa jurídica é cabível em todas as fases do processo de conheci- mento, no cumprimento de sentença, assim como na execução fundada em título extrajudicial. Quanto à segunda crítica, a desconsideração da personalidade jurídica, seja ela no modo tradicional ou inverso, deve obedecer ao devido processo legal, ao contraditório, assim como à ampla defesa, pois do contrário seria uma afronta ao direito fundamental de propriedade (art. 5º, inciso XXII, da CF). O enten- dimento jurisprudencial majoritário é da desnecessi- dade da citação dos sócios. Não há quanto a desconsideração da personali- dade jurídica, em sua forma direta ou inversa, uma norma celetista específica que disciplina essa matéria. Assim como não há regra quanto ao assunto na Lei de Execução Fiscal ou mesmo no Código de Processo Civil. A autorização de aplicação subsidiária das regras de direito comum na seara trabalhista advém do art. 8º da Consolidação das Leis Trabalhistas. A desconsideração inversa da personalidade ju- rídica na execução trabalhista ocorre com funda- mento no Código Civil e no Código de Defesa do Consumidor. A conduta do sócio que integraliza seu patrimônio particular no patrimônio social ou que transfere os bens de uma empresa para outra, pertencente ou não ao grupo econômico, com o intuito de lesar o credor trabalhista, é prática que caracteriza desvio de fina- lidade da personalidade jurídica, ofensiva à boa-fé. objetiva e à função social da empresa .. Os atos materializados com essa inspiração pade- cem de nulidade absoluta, porquanto violam todo um arcabouço constitucional definidor da função social da empresa, tais como a dignidade da pessoa humana do trabalhador, a solidariedade, a valoriza- ção do trabalho, o fim da ordem econômica, a justiça social, a busca do pleno emprego, a redução das desi- gualdades sociais e o valor social do trabalho. Por outro lado, as condutas de que se cuidam re- presentam grande desrespeito e desprezo aos princí- pios da eticidade, da sociabilidade, da operabilidade e da concretude, os quais trouxeram uma pauta de socialização e de solidarizàção do direito para todos Vol. 80, n2 02, Fevereiro de 2016 os institutos do direito civil, incluindo, por óbvio, a personalidade jurídica. ( ... ) Ao utilizar a personalidade jurídica para fins diver- sos e alheios à função social da empresa, a aplicação da teoria da desconsideração inversa da personalida- de jurídica é medida jurídica necessária a coibir o ato ilícito lesivo ao trabalhador. A incidência desse insti- tuto encontra amparo no citado art. 9º do Texto Con- solidado, no art. 50 do Código Civil e no art. 28, § 5º do Código de Defesa de Consumidor, porquanto tais dispositivos visam coibir a fraude, a simulação, o des- vio de finalidade e a confusão patrimonial, tendentes a fraudar os interesses do credor trabalhista. Oportuno destacar que a desconsideração inversa da personalidade jurídica, a pretexto da efetividade e da celeridade processuais, não pode, por óbvio, desrespeitar o devido processo legal, o contraditório e a ampla defesa. Há que se assegurar aos executa-dos o exercício desses direitos e garantias processuais fundamentais. Por outro lado, a pret~xto de se respeitar o devido processo legal e o amplo exercício do contraditório e da ampla defesa dos executados, não se pode negar efetividade à execução trabalhista, sobretudo quando se tem em mente que os sócios praticaram ato ilíci- to ao utilizarem a personalidade jurídica para além dos limites impostos pelo seu fim econômico, social e pela boa-fé objetivaP0> Não é possível a exigência do obreiro que prove cabalmente a condição financeira da pessoa jurídica, a prática de atos ilícitos de fraude, simulação, desvio de finalidade, confusão patrimonial ou prova de que a própria personalidade jurídica é o obstáculo da sa- tisfação dos seus créditos exequendos. Dessa forma, o fundamento republicano da dig- nidade da pessoa humana (art. 1 º, inciso III, da Constituição da República), o objetivo republicano da solidariedade (art. 3º, inciso I, da Constituição da República}, a valorização do trabalho humano como fundamento da ordem econômica (art. 170, caput, da Constituição da República), a justiça social como fim da ordem econômica (art. 170, caput, da Constituição da República), a redução das desigualdades sociais (art.170,inciso VII, da Constituição da República) e o valor social do trabalho (art. 1 º, inciso IV, da Consti- tuição da República) podem ser invocados para fun- damentar e justificar a desconsideração inversa da personalidade jurídica. ( ... ) A reprimenda dessa conduta por meio da descon- sideração inversa da personalidade jurídica tem dois efeitos. O primeiro, individual, aumenta a possibili- dade de recebimento pelo trabalhador de seus crédi- tos trabalhistas, impedindo a consumação integral de todos os males sociais do desrespeito à função social da empresa. O segundo, social, consiste no efeito pe- dagógico dessa medida, porquanto a excussão do (30) SOARES, Alexandre Oliveira. Op. cit., p. 86-87. Revista LTr. 80-02/199 patrimônio social para adimplir dívida do sócio de- sestimula, de certa forma, o desvio de finalidade da personalidade jurídica." (91) O ministro do Tribunal Superior do Trabalho, José Roberto Freire Pimenta, estabelece, em decisão de sua lavra, importante relação entre a desconsidera- ção da personalidade jurídica e a tutela dos direitos sociais fundamentais: ( ... ) Constatada a existência de fraude à execução, con- forme análise no tópico precedente é viável a descon- sideração inversa da pessoa jurídica, nos termos do art. 28, § 5º, da Lei n. 8.078/90, de modo a mitigar a autonomia patrimonial da pessoa jurídica para asse- gurar direitos e garantias fundamentais, insculpidos na Constituição Federal, em consonância com o prin- cípio da dignidade da pessoa humana e os valores sociais do trabalho, nos termos do art. 1º, III e IV, e 170 da CF. Logo, não há falar que referido instituto é inaplicável ao processo do trabalho por ausência de previsão legal. ( ... ) A desconsideração inversa da personalidade jurí- dica, assim como a tradicional, permite a tutela efe- tiva dos direitos trabalhistas, porquanto assegura ao trabalhador o direito de efetivamente receber as par- celas que lhe são devidas e que lhe foram sonegadas pelo empregador. Ao lançar mão dessa ferramenta,·a Justiça do Trabalho assegura o direito fundamental do trabalhador a uma tutela executiva efetiva.'31> Este instituto vem sendo amplamente aplicado em questões de cunho civil, em especial nos casos rela- cionados ao direito de família. Na seara trabalhista existem duas hipóteses de ca- bimento da desconsideração inversa: em caso de fraude/abuso de poder e em caso de esgotamento patrimonial. Se no decorrer do processo restar provada a frau- de ou o abuso de poder realizado pelo reclamado por meio da pessoa jurídica, tal como a transferência de bens particulares à pessoa jurídica e a má-fé, não há controvérsia na jurisprudência, é plenamente cabível e aplicável a desconsideração inversa da personali- dade jurídica: Desconsideração inversa da . personalidade jurídica. Aplica-se ao processo do trabalho a teoria da descon- sideração inversa da personalidade jurídica, segundo a qual é possível o excepcional afastamento do prin- cípio da autonomia patrimonial da pessoa jurídica para responsabilizar a sociedade empresarial por dívida de sócio, a fim de impedir que o desvio frau- dulento de bens pessoais do sócio para a sociedade empresária frustre a execuçãoP2> (31) SOARES, Alexandre Oliveira. Op. cit., p. 90-95. (32) TRIBUNAL REGIONAL DO TRABALHO DA 3° REGIÃO. TRT-3 - AP: 03195201203003007 0003195 - 74.2012.5.03.0030. Re- lator: Sercio da Silva Pecanha, Oitava Turma, Data de Publicação: 9.5.2014, 8.5.2014. DEJT /TRT3/Cad.Jud, p. 184. Revista LTr. 80-02/200 Agravo de instrumento em recurso de revista - Agra- vo de instrumento. Execução. Constrição de bens. Servi- ços prestados no período em que o executado era sócio da terceira embargante. Reconhecimento de grupo econômico. Desconsideração inversa da personalidade jurídica. Des- provimento. Diante da ausência de violação do dispo- sitivo constitucional indicado, nos termos do art. 896, § 2º, da CLT, deve ser mantido o r. despacho. Agravo de instrumento desprovidoP3> Processo de execução. Desconsideração inversa da personalidade jurídica. A admissibilidade do Recur- so de Revista em processo de execução depende de demonstração inequívoca de ofensa direta e literal à Constituição, nos termos do art. 896, § 2º, da CLT e da Súmula n. 266 do TST. Agravo de Instrumento a que se nega provimento.<34> Contudo, no caso do reclamado se encontrar com esgotamento patrimonial, não podendo portanto pa- gar o seu débito trabalhista, e sendo este sócio em uma pessoa jurídica, a qual não foi utilizada para ocultar o patrimônio deste, muito menos com o intui- to de furtar-se da dívida, há divergência jurispruden- cial quando a possibilidade ou não da utilização da desconsideração inversa com o fim de saldar o débito. Existem decisões, tais como as colacionadas abai- xo, que aplicam a desconsideração inversa da per- sonalidade jurídica considerando que não há uma necessidade de prova da fraude ou mesmo do abu- so do poder, bastando apenas para a sua aplicação o descumprimento de uma obrigação ou a insolvência, o que configura por existir sentença trabalhista tran- sitada em julgado que não pode ser cumprida por ausência de patrimônio do credor. No seguinte caso a pessoa física executada não possuía bens para o adimplemento da dívida traba- lhista, mas era sócia proprietária de uma empresa, não restou configurado nos autos fraude ou mesmo má-fé, mas mesmo assim foi autorizada a aplicação da desconsideração inversa: Eexecução. Desconsideração inversa da personalidade jurídica. Inexistência de bens do devedor principal ou de seus sócios. Existência de empresa de propriedade do sócio. Mesmo ramo de atividade. Grupo econômico. A pessoa jurídica não pode servir de anteparo para o inadim- plemento de crédito exequendo, sendo a desconside- ração da personalidade jurídica salutar solução para assegurar a satisfação final do crédito. Caso a pessoa física não apresente bens, mas seja proprietária de outra empresa, esta é passível de constrição de seus bens. O fato de serem ambas controladas pela mesma pessoa configura grupo econômico, que autoriza a penhora pela ocorrência da solidariedade. Agravo de Petição provido.<35> (33) TRIBUNAL SUPERIOR DO TRABALHO. TST- ·AIRR-62-43.2011.5.15.0121, 6ª Turma, Relator Ministro Aloysio Corrêa da Veiga, Julgamento em 7.8.2012. (34) TRIBUNAL SUPERIOR DO TRABALHO. TST- ·AIRR-752-53.2012.5.04.0021, 8ª Turma, Relator Ministro Márcio Eurico Vitral Amaro, julgado em 12.02.2014. (35) TRIBUNAL REGIONAL DO TRABALHO DA 2ª REGIÃO. Processon. 0002021- 43.2011.5.02.0046, Relator: Davi Furtado Meirel· les, julgado em 20.5.2012. Vol. 80, n2 02, Fevereiro de 2016 Neste outro caso, o qual foi submetido a julga- mento pelo TRT da 15ª Região, o trânsito em julgado da sentença trabalhista havia se dado em 10 anos sem qualquer solução, ou seja, sem a quitação do débito, assim considerando a razoável duração do processo e o claro abuso de direito ocorrido, restou decidido pela aplicação da desconsideração inversa da perso- nalidade jurídica, visto que o devedor, muito embora não possuísse bens passíveis de execução, era sócio administrador de uma pessoa jurídica, a qual foi con- siderada pelos magistrados altamente rentável: Execução de crédito trabalhista. Efetividade da decisão judicial. Garantia da razoável duração do processo. Proces- so com sentença transitada em julgado há quase 10 anos sem solução. Abuso de direito. Desconsideração inversa da personalidade jurídica. Constatado que o executado (pessoa física) não cumpre o comando judicial, se fur- tando a pagar verbas de natureza salarial há quase 10 anos, e que é sócio-administrador de um negócio com- provadamente rentável, cabível a desconsideração inversa da personalidade jurídica, para direcionar a execução contra a empresa que administra, incluindo- -a no polo passivo da demanda, a fim de conceder efe- tividade à execução. Inteligência dos arts. 5º, LXXVIII da Constituição Federal e 50 do Código Civil.<36> Existem várias outras decisões aplicando a des- consideração inversa pelo mero esgotamento patri- monial, tais como: ( ... ) Aplica-se no Processo do Trabalho a teoria menor porque o primado do Direito do Trabalho é a proteção do hipossuficiente trabalhador cujo cré- dito advindo do título executivo judicial trabalhista possui natureza alimentícia. Portanto, não há neces- sidade de prova da fraude ou abuso de poder, bastan- do apenas o descumprimento de uma obrigação ou insolvência, que, no caso, se configura por existirem sentenças trabalhistas transitadas em julgado que simplesmente não podiam ser cumpridas por ausên- cia de qualquer tipo de patrimônio hábil em nome dos executados a responder pela dívidaP7) Agravo de petição. Da desconsideração inversa da personalidade jurídica. A desconsideração inversa da per- sonalidade jurídica consiste no afastamento da au- tonomia patrimonial da sociedade, para, ao revés do que ocorre na desconsideração da personalidade propriamente dita, atacar o patrimônio da pessoa ju- rídica por obrigações do sócio. Uma vez que o escopo da disregard doctrine é combater a utilização indevida (36) TRIBUNAL REGIONAL DO TRABALHO DA 15º REGIÃO. Processo n. 0526500-78.2005.5.15.0147. Agravo de Petição. 2ª Turma, 4ª Câmara. Disponível em: 29.11.2013. (37) TRIBUNAL REGIONAL DO TRABALHO DA 4ª REGIÃO. Acórdão- Processo 0122200-42.1997.5.04.0013, Data: 5.8.2014, Ori- gem: 13ª Vara do Trabalho de Porto Alegre, órgão Julgador: Seção especializada em Execução, Relatora: Lúcia Ehrenbrink. Ementa: Impenhorabilidade. Art. 649, V, do CPC. Pessoa jurídica. A impenho- rabilidade prevista no art. 649, V, do CPC somente alcança os bens daqueles que vivem do trabalho pessoal próprio, ou seja, a pessoa física que exerce profissão de forma autônoma, não se aplicando aos bens utilizados na atividade empresarial de propriedade de pessoa jurídica. Aplicação da Orientação Jurisprudencial n. 25 des- ta Seção Especializada. Negado provimento ao agravo de petição da executada. Vol. 80, n2 02, Fevereiro de 2016 do ente societário por seus sócios, o que pode ocorrer também nos casos em que o sócio controlador esva- zia o seu patrimônio pessoal e o integraliza na pessoa jurídica, conclui-se, de uma interpretação teleológica do art. 50 do CC, art. 4º da Lei n. 9.605/1998 e do art. 28 do CDC, ser possível a desconsideração inver- sa da personalidade jurídica, alcançando-se bens da sociedade em razão de dívidas contraídas pelo só- cio controlador. Ademais, o Enunciado n. 283 da IV Jornada de Direito Civil considera ser cabível a des- consideração da personalidade jurídica denominada "inversa" para alcançar bens de sócio que se valeu da pessoa jurídica para ocultar ou desviar bens pessoais, com prejuízo a terceiros. Quanto ao preenchimento dos requisitos do art. 50 do CC, tem-se por afastados, pois, pela teoria menor da desconsideração da pessoa jurídica, que deve ser adotada no direito trabalhista, o mero inadimplemento autoriza o ataque ao patrimônio do sócio ou, no caso, do ente social. Agravo de petição interposto pela empresa Engesa Engenharia e Sanea- mento Ambiental Ltda. a que se nega provimento.<38l (grifas acrescidos) Execução. Desconsideração inversa da personalidade jurídica. Possibilidade. Tratando-se de execução que vem se processando de longa data, sem que se tenha obtido êxito na localização dos sócios ou de bens li- vres para satisfação do crédito do autor, nada obsta o envio de ofício à Jucerja, para que seja informada a composição societária da empresa denunciada a fim de se possibilitar o prosseguimento da execução com a aplicação da desconsideração da personalida- de jurídica inversa.<39l Agravo de petição do exequente. Desconsideração in- versa da personalidade jurídica. Hipótese em que apli- cável ao caso a teoria da desconsideração inversa da personalidade jurídica, porquanto o sócio executado, tendo se desfeito de todos os seus bens passíveis de constrição, assumiu cotas de outra empresa, da qual detém 50% do capital e é sócio administrador, deven- do esta responder pelos créditos devidos ao empre- gado, pelo seu caráter alimentar especialíssimo.<40l Já outros julgadores consideram que somente em caso de fraude ou abuso de poder, mediante a pessoa jurídica, pode ser realizada a desconsideração inver- sa desta, o que deixa clara a divergência atual. Outro ponto interessante a respeito do tema é o fato de que o novo Código de Processo Civil brasi- leiro traz uma previsão de um incidente de desconsi- deração da pessoa jurídica, deste modo trataremos a (38) TRIBUNAL REGIONAL DO TRABALHO DA 4ª REGIÃO. Processo n. 0055400-95.2002.5.04.0291 AP, Seção Especializada em Execução, disponível em 27.9.2013, Relator: Desembargador João Alfredo Borges Antunes de Miranda. (39) TRIBUNAL REGIONAL DO TRABALHO DA 1ª REGIÃO. AP: 01585007020005010016 RJ, Relator: Tanía da Silva Garcia, Data de Julgamento: 27/05/2014, Quarta Turma, Data de Publicação: 9.6.2014. (40) TRIBUNAL REGIONAL DO TRABALHO DA 4ª REGIÃO. ACÓRDÃO 0078000-54.2008.5.04.0371 AP, Data 25.11.2014, Origem: 1 º Vara do Trabalho de Sapiranga, Órgão Julgador: Seção especiali- zada em Execução, Relator: Luiz Alberto de Vargas. Revista LTr. 80-02/201 respeito se tal incidente é aplicável ou não ao proces- so do trabalho. 4 - Do incidente de desconsideração da pessoa jurídica previsto no novo Código de Processo Civil e o processo do trabalho OnovoCódigodeProcessoCivil(Lein.13.105/2015) nos arts.133 e seguintes (arts. 77 a 79 do projeto), prevê a possibilidade de um incidente de desconsideração da pessoa jurídica no decorrer do processo. Cabe analisar se tal incidente é compatível com a Justiça do Trabalho, pois que esta rege-se pelos prin- cípios da concentração dos atos e da celeridade. Conforme colocado pela Desembargadora Suzy Elisabeth Cavalcante Koury, o incidente não é com- patível com o processo do trabalho: O Projeto trata, ainda, do procedimento para a aplicação da teoria da desconsideração da personali- dade jurídica nos arts. 77 a 79, em relação ao qual há uma lacuna normativa no processo do trabalho, mas apenas parcial, na medida em que o § 2º do art. 2º da CLT já prevê a hipótese de responsabilização solidá- ria da empresa principal e de cada uma das demais integrantes do grupo econômico, o que dispensa,por si só, a necessidade de instauração do incidente nes- tas hipóteses. A criação do incidente de desconsideração da per- sonalidade jurídica também contradiz o objetivo da celeridade, pois que há previsão de prazo comum de 15 dias, para a defesa e requerimento de provas, após o que será instruído o incidente e proferida a decisão interlocutória. Mais uma vez, ressalta-se que a aplicação do in- cidente não se adequa ao processo do trabalho, na medida em que contraria os princípios da concen- tração dos atos e da celeridade, além de possibilitar a interposição de mandado de segurança em relação à decisão interlocutória proferida, vez que descabe agravo de instrumento para esse fim no processo la- boral, posição esta que, registro, não será pacífica na doutrina e jurisprudência e em muito prejudicará a execução da!' decisões, com a efetiva entrega da tute- la jurisdicional.<41l Ademais, a aplicação deste na Justiça do Trabalho, principalmente em sede de execução, ocasionaria um atraso ao processo e prejudicaria a prestação jurisdi- cional adequada: No processo do trabalho é usual declarar-se a desconsideração da pessoa jurídica, ex officio, na fase de execução, quando, pelos elementos dos autos, o juiz do trabalho infere que os administradores ou os sócios esvaziaram de tal modo o patrimônio da so- ciedade que a tomou insolvente, de sorte que o exe- quente nada encontrará, ou quando encontrar, só se (41) KOURY, Suzy Elizabeth Cavalcante. As Repercussões do Novo Código de Processo Civil no Direito do Trabalho: Avanço ou Retrocesso?. Revista do Tribunal Superior do Trabalho. São Paulo: LexMagister, v. 78, n. 3, jul./set. 2012. p. 276. Revista LTI. 80-02/202 depara com bens inidôneos a responder pelo crédito trabalhista. Não raro, a precária situação econômica da sociedade comercial, industrial ou de serviços, os administradores ou sócios ostentam patrimônio pes- soal e particular incompatível com os rençlirnentos a título de pro labore ou de. retiradas dos frutos da so- ciedade. Em comarcas do interior, em que a conduta das pessoas é mais exposta perante a comunidade, este quadro é extremamente desrnoralizante para a Justiça, porque não se consegue entregar ao credor o bem da vida, fim último da prestação jurisdicional, a pretexto que não encontra patrimônio do devedor (sociedade). No entanto, os seus sócios não têm o me- nor constrangimento de ostentar padrão de vida que absolutamente nada condiz com a situação econômi- ca da empresa. Assim, é extremamente útil, na busca da real efeti- vidade da execução, a declaração da desconsideração da pessoa jurídica de forma célere e expedita, com vistas alcançar os bens particulares dos administra- dores ou dos sócios, para responder pelas dívidas trabalhistas da sociedade. O administrador ou sócio passa a ser, então, o devedor e integra o polo passivo da execução trabalhista. Ato contínuo, determina-se sua a citação, para que a execução contra ele prossiga. Apesar de ser um procedimento singelo e célere, não oferece insegurança jurídica, porque está sob a salvaguarda do contraditório e ampla defesa, por to- dos os meios processuais que a Lei Processual oferece ao devedor, para resistir à execução. Nesta oportu- nidade poderá alegar e provar todas as questões de fato e de direito, em defesa dos seus interesses, espe- cialmente o eventual descabirnento da declaração de desconsideração da pessoa jurídica. O anteprojeto traz inovações profundas, porque pressupõe a necessidade de requerimento da parte, para a instauração de um incidente específico com vistas à obtenção de declaração judicial de descon- sideração da pessoa jurídica. Ainda que possa ser requerida em qualquer processo ou procedimento (conhecimento ou execução), preconiza-se a conces- são de um prazo de quinze dias para sócio ou terceiro manifestar e requerer as provas cabíveis, seguindo- -se a possibilidade de instrução probatória específica que culminará com decisão impugnável por agravo de instrumento. O Código é silente, mas parece visível a necessi- dade de suspensão do processo até a decisão do inci- dente, mesmo porque não há disposição de que sua instauração não suspenda o andamento do processo. Se se der na fase de conhecimento é admissível e até razoável a suspensão do procedimento, mas na fase de execução, corno visto, será prejudicial à celeridade e efetividade. Não se vislumbra, porém, a necessidade de instauração do incidente no processo do trabalho, na fase de conhecimento. De sorte que, à primeira vista, estaria inviabiliza- da a desconsideração da pessoa jurídica, por iniciati- va do juiz ou de ofício. Não obstante omissa a Consolidação das Leis do Trabalho, este é um dos pontos que o anteprojeto Vol. 80, n2 02, Fevereiro de 2016 atrita frontalmente com os princípios da informalida- de, celeridade e efetividade do processo do trabalho, tomando, por isso, desaconselhável a sua aplicação. A possibilidade de cabimento de recurso da decisão, nitidamente de natureza interlocutória, vai na contra- mão do espírito do anteprojeto que alardeia a irrecor- ribilidade imediata dos interlocutórios. Na Justiça do Trabalho, se aplicado tal proce- dimento incidental, será o caos, especialmente na execução, porque deflagraria um procedimento inci- dental complexo que postergaria e até atravancaria a prestação jurisdicional. A dinâmica da atividade econômica que envolve a atuação empresarial, seja com a alienação do patrimônio da empresa ou alte- ração da personalidade jurídica, retirada e admissão de sócios, ou os escaninhos artificiosos de desvios de patrimônio das empresas, inviabiliza o uso de tal pro- cedimento, sem prejuízo à efetividade do processo do trabalho. Este é um dos pontos que o anteprojeto se distan- cia do processo do trabalho.<42> Portanto, cumpre destacar que o incidente de desconsideração da personalidade jurídica acima ex- planado não é compatível com a Justiça do Trabalho, pois que não condiz com o princípio da celeridade aplicável e necessária as causas laborais. Resta evidente, da mesma forma, a regulamen- tação da desconsideração inversa da personalidade jurídica, conforme o art. 133, parágrafo segundo, do novo CPC. Considerações finais Corno meio de garantir urna maior efetividade à decisão judicial proferida pelos órgãos trabalhistas, a Justiça do Trabalho vem admitindo a aplicação nesta de institutos de outros ramos do direito, tal corno ocorre com a desconsideração da personali- dade jurídica na execução trabalhista. A finalidade desta aplicação é permitir que haja efetividade dos direitos trabalhistas e também assegurar o fim útil do processo. A desconsideração clássica da pessoa jurídica consiste na possibilidade de execução dos bens par- ticulares do sócio ante a insuficiência do patrimônio societário, prova de violação da lei, fraude, falência, estado de insolvência ou encerramento ou inativida- de da empresa decorrentes de má administração da pessoa jurídica. Tem por finalidade coibir fraudes realizadas me- diante a abusiva utilização da autonomia patrimonial conferida à sociedade personificada. Tem corno fun- damento o art. 28 da Lei n. 8.078/1990 e o art. 50 do CC. Há a possibilidade de aplicação na esfera traba- lhista ante a hipossuficiência do trabalhador, na sua dificuldade em provar a má-fé do administrador e (42) PANCOTTI, José Antônio. Anteprojeto do CPC e repercussões no processo do trabalho. Revista do Tribunal Superior do Trabalho, São Paulo, v. 78, n. 1, jan./rnar. 2012. p. 109-135. Vol. 80, nº 02, Fevereiro de 2016 o caráter alimentar das verbas devidas, assim como sempre que a personalidade da pessoa jurídica for obstáculo ao ressarcimento de prejuízos causados. O que vem se notando na jurisprudência traba- lhistaé a aplicação não só da desconsideração da per- sonalidade jurídica de forma clássica, mas também a de forma inversa. De acordo com a desconsideração inversa, é per- mitido que o patrimônio da pessoa jurídica respon- da pelas obrigações do sócio devedor, possibilitando que o credor do sócio atinja o patrimônio da socieda- de integrada pelo devedor, buscando ter seu crédito satisfeito. A eficácia jurídica da autonomia patrimonial é suprimida pelo descumprimento das obrigações, visando o resgate do princípio da responsabilidade patrimonial, pela ruptura dos aspectos formais da personificação jurídica. É caracteriz(lda pelo afastamento da autonomia patrimonial da sociedade, para, desta maneira, atin- gir o ente coletivo e o seupatrimôri.io, causando a responsabilidade da pessoa jurídica por obrigações advindas do sócio controlador. A desconsideração inversa da personalidade jurí- dica é oriunda da doutrina e jurisprudência, não ten- do regramento legislativo específico, sendo porém utilizado para a sua fundamentação o mesmo respal- do legislativo da desconsideração da personalidade jurídica clássica. Na seara trabalhista existem duas hipóteses de ca- bimento da desconsideração inversa: em caso de fraude/abuso de poder e em caso de esgotamento patrimonial. Se no decorrer do processo restar provada a frau- de ou o abuso de poder realizado pelo reclamado por meio da pessoa jurídica, tal como a transferência de bens particulares à pessoa jurídica e a má-fé, não há controvérsia na jurisprudência, é plenamente cabível e aplicável a desconsideração inversa da personali- dade jurídica: Revista LTr. 80-021203 Contudo, no caso do reclamado se encontrar com esgotamento patrimonial, não podendo portanto pa- gar o seu débito trabalhista, e sendo este· sócio em uma pessoa jurídica, a qual não foi utilizada para ocultar o patrimônio deste, muito menos com o in- tuito de furtar-se da dívida, há divergência jurispru- dencial quando a possibilidade ou não da utilização da desconsideração inversa com o fim de saldar o débito. Existem decisões que aplicam a desconsideração inversa da personalidade jurídica considerando que não há uma necessidade de prova da fraude ou mes- mo do abuso do poder, bastando apenas para a sua aplicação o descumprimento de uma obrigação ou a insolvência, o que configura por existir sentença tra- balhista transitada em julgado que não pode ser cum- prida por ausência de patrimônio do credor. O novo Código de Processo Civil, nos seus arts. 133 e seguintes, prevê a possibilidade de um inciden- te de desconsideração da pessoa jurídica no decorrer do processo, e preceitua que esta é cabível em todas as fases do processo de conhecimento, no cumpri- mento de sentença, assim como na execução fundada em título extrajudicial. Restou verificado que o incidente de desconside- ração da personalidade jurídica acima explanado não é compatível com a Justiça do Trabalho, pois que não condiz com o princípio da celeridade aplicável e ne- cessária as causas laborais. Da mesma forma, observou-se que houve a re- gulamentação da desconsideração inversa da per- sonalidade jurídica, conforme o art. 133, parágrafo segundo, do novo CPC. Portanto, tanto a desconsideração clássica da personalidade jurídica, quanto a inversa, são impor- tantes para a garantir o cumprimento de direitos e garantias dos trabalhadores, da mesma forma que reestabelecem o equilíbrio ante a violação destes. ----*----