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CCJ0043-WL-A-AMRP-05-O Estoicismo e Direito Natural

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AULA 5 – Filosofia Geral e Jurídica
Título da unidade: Fundamentos para uma Filosofia Jurídica
Tema: O Estoicismo e o direito natural
Professor(a): Clara Brum
Objetivos:
Ao final desta aula o aluno deverá ser capaz de: 
Conhecer em linhas gerais a importância do pensamento estoico para a teoria do direito natural; 
Estudar os conceitos de natureza, ordem, justiça, liberdade, igualdade e direito natural;
Compreender a relação entre justiça e direito natural segundo os estoicos;
Compreender a influência do estoicismo na doutrina do direito natural de Cícero;
É importante  compreender o conceito de racionalidade trabalhado por essa corrente de pensamento para que se possa observar sua relação com a ideia de ordem e, por fim, a concepção de justiça subjacente. Depois de uma análise cuidadosa do termo racionalidade, é interessante observar o sentido de igualdade e liberdade para os estoicos.
 
Sugere-se, ademais, perceber que o mundo grego antigo desenvolveu uma concepção de direito natural cosmológica, isso porque se buscava na natureza inspiração permanente ao sentido de universal, concebendo que na natureza havia o que mais tarde se compreenderia por lei: a permanência, o equilíbrio, o que faltava à ordem política, numa palavra: estabilidade. A razão e a lei operavam em toda a natureza (MORRISON, 2006, p. 61)
Vamos conhecer como os estoicos conceberam a teoria do Direito natural? E mais. Vamos investigar como Cícero, representante do estoicismo romano, formulou os fundamentos do republicanismo clássico?
António Truyol y Serra (1982, p. 145-6) observa que a partir das conquistas de Alexandre Magno, a cultura grega vivenciou um momento de fusão com o pensamento oriental. E neste encontro, sob o ponto de visa político, a cidade-estado (pólis) se enfraquece diante do império alexandrino e, depois, pela ordem romana.
E a Filosofia?
Truyol y Serra (1982) acrescenta que a filosofia assume um caráter prático, diante desta nova situação política, o homem grego perdeu seu modelo político, substituído por um poder distante.
Assim, a Filosofia assume três grandes áreas: a Lógica, a Física e a Ética. Neste caso, a Ética passa a se ocupar da ação humana como ação individual.
Pode-se observar que a Filosofia nos revela, nesse momento, a tentativa de restaurar em nível individual o que se desintegrou na esfera coletiva. Por isso alguns autores apontam para uma fuga no domínio da interioridade.
Roberto Bolzani Filho ( 2008, p. 166), comenta que:
Perdida a liberdade política, extinto o clássico modelo da pólis como cidade-estado autônoma, a especulação filosófica ter-se-ia voltado exclusivamente para ação individual; e o efeito disso seria a criação da ética entendida exclusivamente como uma reflexão sobre indivíduo enquanto tal e não mais como membro de uma cidade, como cidadão.
Resumindo o período helenístico... (MARCONDES, 1997.)
Helenismo – modus vivendi do grego imposto por Alexandre da Macedônia que marcou a quebra da comunidade político-religiosa da pólis;
O termo helenismo foi cunhado por J.G. Droysen (1836);
Na ocasião a cidade de Alexandria era o centro cultural do mundo antigo. Lugar de grande ecletismo;
A biblioteca de Alexandria contava com pelo menos 500 mil escritos antigos e funcionou durante 600 anos;
Nesta fase, a filosofia perdeu o seu caráter crítico e dialético e a ética se tornou o tema central;
Aparece o pensamento de escola: epicurismo, estoicismo e ceticismo.
Estoicismo: 
Fundado pelo fenício Zenão de Cítio (332-262 a.C.) em 300 a.C. O termo deriva de stoá poikilé, pórtico pintado, local das reuniões. Se dividiu em três fases: o estoicismo antigo, médio e novo. O pensamento de Zenão marcou o que se denomina de estoicismo antigo e a sua ética foi resumida em duas fórmulas:
“Vive de acordo contigo mesmo” e “ Vive de acordo com a Natureza”
O que significam?
Viver de acordo consigo mesmo significa viver de acordo com a razão, pois a virtude se afigura no império da razão sobre os sentidos, eliminando-se as paixões, consideradas doenças da alma. Os estoicos caracterizaram a natureza humana pela racionalidade, o logos, que constitui o elemento divino em nosso ser (TRUYOL Y SERRA, 1982, p.149).
Qual a relação que os estoicos estabeleceram entre o ser humano e a natureza?
Os estoicos relacionaram a cidade, lugar da existência humana, ao universo. Neste modo de ver, observaram que o universo seria uma civitas habitada por homens e deuses e, dessa forma, contribuíram para o surgimento de uma visão cosmopolita. É interessante perceber que para essa corrente de pensamento o universo é vivificado por uma Divindade através de um fogo que configura os objetos singulares, com fins próprios (concepção teleológica do universo). Então, todos s integrantes deste universo experimentam uma conexão, o que nos revela a concepção de um destino inexorável para cada ser. “O sábio aceita com resignação o curso inelutável dos fatos, submete-se ao destino” (TRUYOL Y SERRA, 1982, p. 149).
Qual a implicação desta relação entre homens e logos divino?
Dessa percepção cosmopolita, podemos inferir o sentido de igualdade que se desvela no pensamento estoico e a repulsa à escravidão. Todos os homens são livres e, por consequência, a escravidão é fruto da convenção (TRUYOL Y SERRA, 1982, p. 149).
E como fica o ser humano?
O ser humano se reconhece como membro desse sistema e promove a ligação da ética com a natureza. Por quê? Porque a ética focaliza a conduta humana nesse sistema. E, ao perceber o seu lugar na natureza, deve buscar a melhor conduta. Essa é a postura do sábio que se reconhece e se associa a esse mecanismo.
Por que esta corrente de pensamento contribui para a ideia de gênero humano?
Segundo Del Vecchio (1963, p. 15), tal ideia se afigura na concepção de uma lei natural que domina o mundo e se reflete na consciência individual: o ser humano é partícipe por sua natureza de uma lei que vale universalmente. Um direito universal para o gênero humano. Há entre os homens uma profunda igualdade e todos realizam a ordem cósmica.
Segundo Billier e Maryoli (2006, p. 89-90), o universo estoico é pleno, harmonioso que liga todos os seres e a doutrina estoica do direito natural, um laço universal entre os seres. O ser humano é um cidadão cosmopolita, portador de direitos naturais. A lei natural é a razão do mundo, é imutável, está em todos os lugares.
Segundo preleciona Luc Ferry (2007, p. 41-42),
Para os estoicos, de fato, a estrutura do mundo, ou, se você preferir, a ordem cósmica, não é apenas uma organização magnífica, mas também uma ordem análoga à de um ser vivo. (...) É essa ordem, esse cosmos como tal, essa estrutura ordenada do universo todo que os gregos chamam de “divino” (theion), e não, como para os judeus ou os cristãos, um Ser exterior ao Universo, que existiria antes dele e que o teria criado.(...) Pode-se portanto dizer que a estrutura do universo não é apenas “divina”, perfeita, mas também “racional”, de acordo com o que os gregos chamam de logos (termo que dará a palavra lógica) e que designa justamente essa ordenação admirável das coisas.
Assim, o famoso imperativo segundo o qual é preciso imitá-la em tudo vai poder se aplicar não apenas ao plano estético, da arte, mas também ao da moral e o da política. (...) Marco Aurélio pensa que a natureza, pelo menos em seu funcionamento normal, excetuando-se os acidentes ou catástrofes que às vezes nos submergem, faz justiça a cada um, tendo em vista que ela nos dota, quanto ao essencial, daquilo de que precisamos (...). De modo que, nessa grande partilha cósmica, cada um recebe o que lhe é devido.
Essa teoria do justo anuncia uma fórmula que servirá de princípio a todo o direito romano: “dar a cada um o que é seu”, colocar cada um no seu lugar.
Esclarece Kauffmann e Hassemer ( 2002) que o estoicismo operou a transição filosófica do direito natural da Antiguidade para o direito natural medieval-cristão. (...) a lei única e divina que os estoicos designavam, por nomos, existe, por natureza, para todosos homens, em contraste com a norma humana, que não pertence à natureza e só é válida para um campo de aplicação limitado. Cícero (106-43 a.C.) terá conferido a esta ideia estoica, totalmente abrangente, do direito natural a sua expressão mais eloquente: “A verdadeira lei representa-se, pois, na recta razão, que está em harmonia com a natureza, que é comum a todos os homens”.
O que isso significa?
Foi por meio do estoicismo que se iniciou o contato entre as filosofias grega e romana;
A lei natural seria inata ao homem;
O espírito do estoicismo se desvela na expressão de Ulpiano: Honeste vivere, alterum non laedere, suum cuique tribure;
E Cícero? Qual a sua contribuição para a teoria do Direito natural?
Cícero e o Direito Natural
Marco Túlio Cícero ( 106-43 a.C.):
Senador romano e recebeu influencia do estoicismo médio;
Viveu na época clássica do direito romano (150 a.C. a 284 a.C.)
Na ocasião a principal fonte deste direito era a jurisprudência, os éditos dos magistrados, o costume e a legislação;
Foi um pensador eclético, tornou o latim língua filosófica e organizou diversas teorias filosóficas;
Elaborou um estudo profundo sobre a lei, sua natureza e as leis naturais.
Recebeu influência socrática, sofística, platônica, aristotélica e estoica;
Para ele, o direito é uma decorrência natural para a organização justa e reta dos homens;
O parâmetro da conduta humana deverá ser a observância da lei natural que é anterior ao homem:
Segundo Truyol Y Serra (1982, p. 158), não se pode inserir Cícero em qualquer escola em particular, pois que nele se notam vestígios de quase todas as do período pós-aristotélico. No entanto, o maior de todos é o influxo estoico, principalmente recebido através de Possidônio, de quem foi discípulo.
Acrescente-se que a sua ciência do direito não surgiu dos éditos ou da Lei das Doze Tábuas, mas é resultado de uma filosofia. Foram as concepções filosóficas que observaram a existência de uma razão comum a todos os homens e que é lei em si. Por isso, “todos aqueles a quem a Natureza concedeu razão, foi recta razão que lhes concedeu, e com ela a lei, que não é senão a recta razão enquanto ordena ou proíbe” (TRUYOL Y SERRA, 1982, p. 159). 
Truyol Y Serra (1982, p. 159) observa que decorre desta lei primeira e anterior a toda lei escrita, um Direito que nos leva ao justo da Natureza. E neste ponto, as leis humanas devem participar desta Natureza. Apoiando-se na tese estoica leva às últimas consequências a separação entre lei da natureza e lei positiva, bem como a tese da igualdade social, não de um modo absoluto, mas a partir da ideia de razão presente em todos os seres. Daí resulta sua generosa confiança na natureza humana. Assim, podemos resumir suas ideias:
Formulou uma teoria da lei natural que afirmou a tese segundo a qual a Ciência do Direito decorre da Filosofia;
A Filosofia nos ensina, diz Cícero, que há nos homens uma razão comum que é lei em si mesma;
No âmbito político: reafirmou a natureza social e política do homem e compreendeu a justiça como convivência humana ordenada;
Res publica: sociedade humana unida a partir da noção do justo – uma sociedade política.
A felicidade depende do grau evolutivo de organização da República; esta organização depende da ética.
O direito é fundamental enquanto estiver de acordo com a natureza. É uma decorrência natural para a organização justa e reta dos homens em sociedade.
A justiça significa não fazer o mal injusto a outrem, nem utilizar-se do que é comum sem que seja para a finalidade comum. Respeito aos direitos privados: dar a cada um o que é seu.
 Como compreendeu o princípio do bem comum?
Neste ponto Cícero buscou apoio no pensamento aristotélico, pois o bem comum se traduz no exercício do poder segundo o Direito. Assim, a lei é o princípio informador da vida política, por isso a sociedade tem como sua fonte o povo, embora de modos diversos. Então, o governo tem por finalidade o bem do povo em geral. E neste ponto, Cícero, defende a forma mista de governo.
O que Cícero quis dizer?
“Se Roma existe, é por seus homens e seus hábitos. A brevidade e a verdade desse verso fazem com que seja, para mim, um verdadeiro oráculo. Com efeito: sem nossas instituições antigas, sem nossas tradições venerandas, sem nossos singulares heróis, teria sido impossível aos mais ilustres cidadãos fundar e manter, durante tão longo tempo, o império de nossa República. (...) Em suma, não há felicidade sem uma boa constituição política; não há paz, não há felicidade possível, sem uma sábia e bem organizada República.” (CÍCERO, 1988, p.175-176.)
O Republicanismo encontra raízes na Grécia, mas apresenta aspectos neorromanos. Seus pontos importantes são:
A liberdade
A participação do cidadão ( envolvimento com a esfera pública) 
Características:
Desenvolvimento das virtudes cívicas;
Fortalecimento da res publica.
O ponto comum que identifica uma tese republicana é: a preocupação com a sobrevivência das instituições políticas. Preocupação com a salvação da República. Temos duas variantes da tradição Republicana: 1. democrática (governo popular ilimitado); 2. aristocrática ( teme as decisões de uma maioria plebeia – facilmente manipulável e corruptível, por vezes incapaz de reconhecer o bem comum).
Lema: uma República precisa de leis eficazes e cidadãos virtuosos (virtudes cívicas – marca do pensamento político antigo).
Que tipo de virtudes?
Solidariedade;
Respeito às leis;
Tolerância religiosa;
Respeito às diferenças;
Moderação;
Justiça;
Patriotismo;
Sacrifício do interesse individual pelo bem comum;
O que está na base do surgimento de teorias como a do republicanismo é: 
“De que tipo de conhecimento precisam os governantes e governados para que a paz e a estabilidade sejam mantidas.”
Cícero, na obra Sobre a República, enaltece a vida prática quando afirma a tese segundo a qual o homem existe para servir o outro e se aperfeiçoar na virtude. Assim, afirma: “A coisa pública é o que pertence ao povo; mas o povo não é todo o conjunto de homens reunidos de qualquer maneira, mas sim o conjunto de uma multidão associada por um mesmo direito, que serve a todos por igual” (§ 25/39).
Por que Roma e não Grécia?
Na Grécia, predominava a idéia de unicidade como o lugar da perfeição;
Em Roma, devido ao Império, o diferente, a integração, configurou a aceitação do diverso, do heterogêneo; teremos o consulado, o senado e o tribunado (plebe);
Síntese histórica: na transformação da antiga Roma de cidade-estado em Império, com a expulsão do último rei romano Tarquínio, o soberbo ( 509 a.C.), a república é fundada com a substituição do Monarca pelo Magistério. O governo se tornou res publica e não mais questão régia.
Na República clássica a característica central é a convicção de que a liberdade individual não pode ser dissociada da liberdade do Estado, de modo que a participação ativa dos cidadãos nos afazeres cívicos se torna um exigência, assim como a organização de um espaço em que o poder será exercido pelos membros da comunidade política.
Enfim, Cícero foi a fonte mais importante para os Padres da Igreja Ocidental (de Lactâncio a Santo Agostinho), patrística e escolástica. O seu estilo foi profundamente admirado no renascimento, o que perdurou até o século XIX. E como acrescenta Truyol Y Serra (1982, p. 165), “Assim, o direito romano se tornou, ao lado da filosofia grega e da religião cristã, pedra angular da construção do mundo ocidental”.
Qual a mensagem que podemos extrair do estoicismo e de Cícero?
“Em vez de exigir que os eventos do mundo ocorram segundo nossos desígnios, e sofrer uma frustração paralisante sempre que os fatos não correspondam aos nossos desejos, convém aceitá-los do modo como se apresentam e desejar, positivamente, que operem conforme o exigem seus processos naturais; a paz de espírito e uma serena felicidade podem ser obtidas mediante a aceitação do mundo como ele é” (MORRISON, 2006, p. 61).
Referências
ARANHA, M. l. A.; MARTINS, M. H. P. Filosofando: introdução à filosofia. 3.ed.,SãoPaulo: Moderna, 2003.
BOLZANI FILHO, R. Estoicismo e ceticismo. In: MACEDO JR. (Coord.). Curso de filosofia política. São Paulo: Atlas, 2008.
CÍCERO, M. T. Da República. In: Col. Os Pensadores. São Paulo: Abril Cultural, 1988. 
DEL VECCHIO, G. Lezioni di filosofia del diritto. Milano: Dott A. Giuffré, 1963.
FERRY, Luc. Aprender a viver. Filosofia para os novos tempos. Rio de Janeiro: Objetiva, 2007.
KAUFMANN, A.; HASSEMER, W. Introdução à filosofia do direito e à teoria do direito contemporâneo. Lisboa: Calouste Gulbenkian, 2002.
MARCONDES, D. Iniciação á história da Filosofia. Rio de Janeiro: Zahar, 1997.
MORRISON, W. Filosofia do direito: dos gregos ao pós-modernismo. São Paulo: Martins Fontes, 2006.
TRUYOL Y SERRA, A. História da filosofia do direito e do estado. Lisboa: Instituto de Novas profissões, 1982.

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