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www.cers.com.br CARREIRA JURIDICA Processo Civil Mauricio Cunha 1 PRINCÍPIOS FUNDAMENTAIS DO PROCESSO CIVIL Considerações iniciais A expressão “princípios processuais” vem ganhando, ao longo dos tempos, seja na literatura, seja na jurisprudência brasileira, bastante ênfase (a propósito, ver trabalho desenvolvido por Teresa Arruda Alvim Wambier na obra Recurso especial, recurso extraordinário e ação rescisória. São Paulo: RT, 2009, p. 61). Reconhece-se a eficácia direta dos mesmos, como ocorre com o princípio do devido processo legal e o princípio da razoável duração do processo, dentre outros. Com Humberto Ávila, na obra Teoria dos princípios. São Paulo: Malheiros, 2006, p. 78 e seguintes, é possível afirmar que princípio é espécie normativa, norma que estabelece um fim a ser atingido. Se essa espécie normativa visa a um determinado “estado de coisas”, e esse fim somente pode ser alcançado com determinados comportamentos, “esses comportamentos passam a constituir necessidades práticas sem cujos efeitos a progressiva promoção do fim não se realiza”. É o mesmo autor que diz “os princípios instituem o dever de adotar comportamentos necessários à realização de um estado de coisas ou, inversamente, instituem o dever de efetivação de um estado de coisas pela adoção de comportamentos a ele necessários”. A eficácia de um princípio do processo não depende de intermediação por outras regras jurídicas, espalhados na legislação. O princípio da boa-fé processual, p.e., torna devidos os comportamentos necessários à obtenção de um processo leal e cooperativo. Conclui-se, assim, ser possível cogitar de situações jurídicas processuais atípicas (não expressamente previstas) decorrentes da eficácia direta com função integrativa do princípio da boa-fé processual. Há, porém, normas que servem à concretização dos princípios processuais. Os meios para alcançar esse “estado de coisas” podem ser típicos, determinados por subprincípios ou por regras jurídicas, que servem para delimitar o exercício do poder, contendo a arbitrariedade da autoridade jurisdicional. Aqui, fala-se que os princípios teriam uma eficácia indireta. Os subprincípios exercem uma função definitória, delimitando com maior precisão o comando normativo estabelecido pelo sobreprincípio. Ex.: o princípio da boa-fé processual (sobreprincípio) pode ser encarado com um subprincípio do devido processo legal, ou seja, o processo, para ser devido, precisa ser cooperativo ou leal; o princípio do devido processo legal, por sua vez, pode ser considerado um subprincípio do princípio do Estado de Direito ou do princípio da dignidade da pessoa humana. As regras jurídicas também exercem uma função definitória em relação aos www.cers.com.br CARREIRA JURIDICA Processo Civil Mauricio Cunha 2 princípios, pois delimitam o comportamento que deverá ser adotado para concretizar as finalidades estabelecidas pelos princípios. Ex.: é exigência do princípio do contraditório que o órgão jurisdicional tenha o dever de dar oportunidade de a parte manifestar-se sobre a demanda que lhe foi dirigida. O contraditório garante o direito à defesa. Os princípios exercem, ainda, em relação às normas menos amplas, uma função interpretativa, pois servem para interpretar normas construídas a partir de textos normativos expressos. Não se admite que um texto normativo seja interpretado no sentido de dificultar ou impedir a realização do fim almejado pelo princípio. Por fim, os princípios exercem uma função bloqueadora, servindo para justificar a não-aplicação de textos expressamente previstos que sejam incompatíveis com o estado de coisas que se busca promover. Ex.: o princípio do devido processo legal serve para fundamentar a não-aplicação de dispositivos normativos que permitam uma decisão judicial sem motivação. A sistematização da teoria dos princípios serve para que se possa dar uma interpretação mais adequada ao art. 126, CPC. O juiz não decide a lide com base na lei; o juiz decide a lide conforme o Direito, que se compõe do conjunto de espécies normativas: regras e princípios. Classificação Conforme seu campo de abrangência, os princípios são classificados em informativos e fundamentais. Os princípios INFORMATIVOS são normas principiológicas de denso caráter geral e abstrato, cuja aplicação é incidente sobre qualquer regra processual, de cunho constitucional ou infraconstitucional, independentemente de tempo ou lugar. São eles: o princípio lógico, o princípio jurídico, o princípio político e o princípio econômico. Lógico: segundo este princípio, a lógica do processo é aproximar o juiz da verdade a partir de uma sequência ordenada de atos, a qual possibilite uma justa composição aos conflitos de interesses apresentados. Ex.: petição inicial e resposta do réu antes da sentença. Jurídico: todo processo deve atender estritamente às disposições legais, desenvolvendo seus atos em conformidade à lei vigente (evitando-se surpresas). Ex.: rol de testemunhas no prazo fixado pelo juiz ou no prazo legal. Político: as regras processuais deverão estar em conformidade ao regime político adotado pelo sistema. O processo deve ter o maior rendimento possível, cumprindo sua instrumentalidade sem grandes sacrifícios às partes. Ex.: execução sob a forma menos gravosa para o devedor. Econômico: as regras processuais devem possibilitar o acesso à justiça a todos www.cers.com.br CARREIRA JURIDICA Processo Civil Mauricio Cunha 3 com o mínimo de dispêndio. Orienta os operadores do direito à obtenção máxima de rendimento. Ex.: modalidades de intervenção de terceiros. Por sua vez, os princípios FUNDAMENTAIS são normas principiológicas contextuais que se aplicam a ordenamentos jurídicos específicos e orientam a elaboração legislativa conforme os seus preceitos. O elenco é extenso. DEVIDO PROCESSO LEGAL: previsto no art. 5º, LIV, CF (ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal) corresponde à tradução para o português da expressão inglesa “due process of law”. A palavra “law” corresponde ao significado de “Direito”, e não de “Lei”, ou seja, o processo deve estar em conformidade com o Direito como um todo, e não apenas com a Lei. É pacífico o entendimento de que o devido processo legal funciona como um supraprincípio, norteador de todos os demais que devem ser observados no processo. Tem a função de criar os elementos necessários à promoção do ideal de protetividade dos direitos, integrando o sistema jurídico eventualmente lacunoso. É a formação integrativa dos princípios, dele extraindo, como já mencionado, outros princípios e direitos fundamentais. Além do aspecto processual, também se aplica o princípio como fator limitador do poder de legislar da Administração Pública, bem como para garantir o respeito aos direitos fundamentais nas relações jurídicas privadas. Ainda que remanesça certe divergência a respeito da sua origem, costuma-se atribui-la à previsão contida na Magna Carta de João Sem Terra, no ano de 1215, que utilizava a expressão “law of the land”. Bastaria sua previsão no texto maior, uma vez que é princípio-base, com conceito indeterminado, pois, na prática, os valores essenciais à sociedade e ao idealdo justo dariam elementos suficientes para o juiz, no caso concreto, perceber os outros princípios que dele derivam. Não foi essa, porém, a opção legislativa. Atualmente, é analisado sob a ótica do devido processo legal substancial (substantive due process) e devido processo legal formal (procedural due process). No sentido substancial (desenvolvido nos Estados Unidos sob o raciocínio de que um processo devido não é apenas aquele em que se observam exigências formais: devido é o processo que gera decisões jurídicas substancialmente devidas), o devido processo legal diz respeito ao campo de elaboração e interpretação das normas jurídicas, evitando-se a atividade legislativa abusiva e irrazoável e ditando uma interpretação razoável quando da aplicação concreta das normas jurídicas. Funciona como controle das arbitrariedades do Poder Público, por ser originariamente voltado neste sentido. www.cers.com.br CARREIRA JURIDICA Processo Civil Mauricio Cunha 4 As normas jurídicas são produzidas após um processo. As leis, após o processo legislativo. As normas administrativas, após um processo administrativo. As normas individualizadas jurisdicionais, após um processo jurisdicional. Nenhuma norma pode ser produzida sem a observância do devido processo legal, sendo por tal motivo que se fala em devido processo legal legislativo, devido processo legal administrativo e devido processo legal jurisdicional. Todavia, vem sendo exigido em relações jurídicas privadas, com fundamento na vinculação dos particulares aos direitos fundamentais. Exemplo: estudante de universidade quase expulsa de seus quadros em razão de ter assistido à aula de minissaia, mediante sindicância interna na qual não se concedeu direito de defesa à aula. Ainda que a faculdade seja privada e tenha um regulamento por ela mesmo criado, é natural que tal regulamento não contrarie os direitos fundamentais. Já no sentido formal, o princípio traz a sua definição clássica, vez que obrigado que o juiz, no caso concreto, observe os princípios processuais na condução do instrumento estatal oferecido aos jurisdicionados para a tutela dos seus direitos materiais. É possível associá-lo à ideia de um processo justo, que permite a ampla participação das partes e a efetiva proteção dos seus direitos. CONTRADITÓRIO: o processo é um procedimento estruturado em contraditório. Aplica-se o princípio do contraditório, derivado que é do devido processo legal, nos âmbitos jurisdicional, administrativo e negocial (não obstante a literalidade do texto constitucional). A Constituição Federal prevê o contraditório no inciso LV do art. 5º: “aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recurso a ela inerentes”. O princípio do contraditório é reflexo do princípio democrático na estruturação do processo, devendo ser visto, portanto, como exigência para o exercício democrático de um poder. Pode ser decomposto em duas garantias: participação (audiência; comunicação; ciência) e possibilidade de influência na decisão. A garantia da participação é a dimensão formal do princípio do contraditório. Trata-se da garantia de ser ouvido, de participar do processo, de ser comunicado, poder falar no processo. Esse é o conteúdo mínimo do princípio do contraditório e concretiza a visão tradicional a respeito do tema. De acordo com esse pensamento, o órgão jurisdicional efetiva a garantia do contraditório simplesmente ao dar ensejo à ouvida da parte. Há, porém, ainda, a dimensão substancial do princípio do contraditório. Trata-se do “poder de influência”. Não adiante permitir que a parte simplesmente participe do processo. Apenas isso não é o suficiente para que se efetive o princípio do contraditório. É necessário que se www.cers.com.br CARREIRA JURIDICA Processo Civil Mauricio Cunha 5 permita que ela seja ouvida, é claro, mas em condições de poder influenciar a decisão do magistrado. Se não for conferida a possibilidade de a parte influenciar a decisão do órgão jurisdicional – e isso é o poder de influência, de interferir com argumentos, ideias, alegando fatos, a garantia do contraditório estará ferida. É fundamental perceber isso: o contraditório não se efetiva apenas com a ouvida da parte; exige-se a participação com a possibilidade, conferida à parte, de influenciar no conteúdo da decisão. Mais condizente com essa visão do princípio do contraditório é o art. 599, II, CPC, que determina que o juiz deve, em qualquer momento da fase executiva, advertir ao devedor que o seu procedimento constitui ato atentatório à dignidade da justiça. Ora, antes de punir, adverte sobre o comportamento aparentemente temerário, para que a parte possa explicar-se. Também deve ser assim a aplicação da multa do art. 14, § único, CPC. Deverá o magistrado, ao expedir a ordem ou o mandado para cumprimento da diligência, providenciar advertir esses sujeitos (partes ou terceiros) de que o seu comportamento recalcitrante poderá resultar na aplicação da mencionada multa. Sem essa comunicação/advertência prévia, a multa porventura aplicada é inválida, por desrespeito ao princípio do contraditório. O responsável precisa saber das possíveis consequências de sua conduta, até mesmo para demonstrar ao magistrado as razões pelas quais não cumpriu a ordem, ou não a fez cumprir, ou até mesmo para demonstrar que a cumpriu ou não criou qualquer obstáculo para o seu cumprimento. Afinal, o contraditório se perfaz com a informação e o oferecimento de oportunidade para influenciar no conteúdo da decisão; participação e poder de influência são as palavras-chave para a compreensão desse princípio constitucional. Correta também a solução encontrada pelo STJ, no julgamento do REsp nº 250.781, rel. Min. José Delgado, DJ de 19.06.2000: “Processual civil. Litigância de má-fé. Requisitos para sua configuração. 1. Para a condenação em litigância de má-fé, faz-se necessário o preenchimento de três requisitos, quais sejam: que a conduta da parte se subsuma a uma das hipóteses taxativamente elencadas no art.17, CPC; que à parte tenha sido oferecida oportunidade de defesa 9CF, art.5º, LV); e que da sua conduta resulte prejuízo processual à parte adversa”. E a questão da formação dos pronunciamentos judiciais e o princípio do contraditório? Os pronunciamentos judiciais pautam-se, obviamente, em questões de fato e de direito. O juiz examina a questão de fato e, em seguida, examina a questão de direito, para poder decidir. O art. 131, CPC, prescreve que “O juiz apreciará livremente a prova, atendendo aos www.cers.com.br CARREIRA JURIDICA Processo Civil Mauricio Cunha 6 fatos e circunstâncias constantes dos autos, ainda que não alegados pelas partes; mas deverá indicar, na sentença, os motivos que lhe formaram o convencimento”. O juiz pode basear-se em fato que não foi alegado pelas partes. O art.462, CPC, por sua vez, determina que “se, depois da propositura da ação, algum fato constitutivo, modificativo ou extintivo do direito influir no julgamento da lide, caberá ao juiz toma-lo em consideração, de ofício ou a requerimento da parte, no momento de proferir a sentença”. O juiz, ao decidir, pode basear-se em fato que influa no julgamentoda causa, mesmo que ninguém lhe tenha provocado a respeito. Há questões fáticas que podem ser apreciadas pelo magistrado ex officio. O juiz pode conhecer de fatos que não tenham sido alegados. Ele pode trazer, ele pode aportar fatos ao processo, mas o órgão jurisdicional não pode levar em consideração um fato de ofício, sem que as partes tenham tido a oportunidade de se manifestarem a respeito. Imagine a seguinte situação: A e B estão litigando, cada um argumenta o que quis e o juiz, no momento da sentença, baseia-se em um fato que não foi alegado pelas partes, não foi discutido por elas, mas está provado nos autos. Ele trouxe esse fato para fundamentar a sua decisão com base no art. 131, conjugado com o art. 462, ambos do CPC. Mas ele não poderia ter feito isso sem submeter esse fato ao prévio debate entre as partes. Isso feriria, escancaradamente, o contraditório. Vamos examinar o tema em relação às questões de direito. Há um velho brocardo iura novit curia (do Direito cuida a corte). Há, ainda, outro da mihi factum dabo tibi ius (dá-me os fatos, que eu te darei o direito). Não pode o órgão jurisdicional, assim, decidir com base em um argumento, uma questão jurídica não posta pelas partes no processo. Perceba: o órgão jurisdicional, por exemplo, verifica que a lei é inconstitucional. Ninguém alegou que a lei é inconstitucional. O autor pediu com base em uma determinada lei, a outra parte alega que essa lei não se aplicava ao caso. O juiz entende de outra maneira, ainda não aventada pelas partes: “Essa lei apontada pelo autor como fundamento do seu pedido é inconstitucional. Portanto, julgo improcedente a demanda”. O órgão jurisdicional pode fazer isso, mas deve antes submeter essa nova abordagem à discussão das partes. O órgão jurisdicional teria de, nessas circunstâncias, intimar as partes para manifestar-se a respeito (“intimem-se as partes para que se manifestem sobre a constitucionalidade da lei”). Trata-se de exercício democrático e cooperativo do poder jurisdicional, até mesmo porque o juiz pode estar em dúvida sobre o tema. AMPLA DEFESA: contraditório e ampla defesa, não por acaso, estão previstos www.cers.com.br CARREIRA JURIDICA Processo Civil Mauricio Cunha 7 no mesmo dispositivo constitucional (art. 5º, LV, CF). A ampla defesa é “direito fundamental de ambas as partes”, consistindo no conjunto de meios adequados para o exercício do adequado contraditório. Atualmente, tendo em vista o desenvolvimento da dimensão substancial do princípio do contraditório, pode-se dizer que eles se fundiram, formando uma amálgama de um único direito fundamental. A ampla defesa corresponde ao aspecto substancial do princípio do contraditório. PUBLICIDADE: processo devido é processo público. Os atos processuais hão de ser públicos. O princípio da publicidade gera o direito fundamental à publicidade. Trata-se de direito fundamental que tem, basicamente, duas funções: a) proteger as partes contra juízos arbitrários e secretos (e, nesse sentido, é conteúdo do devido processo legal, como instrumento a favor da imparcialidade e independência do órgão jurisdicional); b) permitir o controle da opinião pública sobre os serviços da justiça, principalmente sobre o exercício da atividade jurisdicional. Essas duas funções revelam que a publicidade processual tem duas dimensões: a) interna: publicidade para as partes, bem ampla, em razão do direito fundamental ao processo devido; b) externa: publicidade para terceiros, que pode ser restringida em alguns casos. Observe-se que o processo arbitral pode, e é o que costuma ocorrer, ser sigiloso. O sigilo do processo arbitral restringe-se à publicidade externa. Não há problema em relação a isso: trata-se de exercício da jurisdição por órgão não- estatal, cujo objeto envolve situações jurídicas disponíveis titularizadas por pessoas capazes. O sigilo do processo arbitral é concretização do direito fundamental à preservação da intimidade. A CF estabelece possibilidade de restrição (mas não eliminação) à publicidade externa: “a lei só poderá restringir a publicidade dos atos processuais quando a defesa da intimidade ou o interesse social o exigirem” (art. 5º, LX, CF). O CPC também segue esta linha: a) em que o exigir o interesse público; b) que dizem respeito ao casamento, filiação, separação dos cônjuges, conversão desta em divórcio, alimentos e guarda de menores (art. 155, § único, CPC). Perceba que a restrição à publicidade tanto pode fundar-se no interesse público como também na preservação da intimidade, aplicado, sempre, o princípio da proporcionalidade. A Emenda Constitucional nº 45/2004 ratificou a exigência da publicidade de todos os atos provenientes dos órgãos do Poder Judiciário (arts. 93, incisos IX e X, CF). Há uma íntima relação entre os princípios da publicidade e a regra da motivação das decisões judiciais, na medida em que a publicidade torna efetiva a participação no controle das decisões judiciais; trata-se de www.cers.com.br CARREIRA JURIDICA Processo Civil Mauricio Cunha 8 verdadeiro instrumento de eficácia da garantia da motivação das decisões judiciais. A publicidade em processos eletrônicos tem as suas peculiaridades. Com o objetivo de dar efetividade ao §6º do art.11 da Lei nº 11.419/2006, o CNJ editou a Resolução nº 121/2010, cuja leitura é recomendável. DURAÇÃO RAZOÁVEL DO PROCESSO: a Convenção Americana de Direitos Humanos, Pacto de São José da Costa Rica, no art. 8, 1, prevê que “Toda pessoa tem o direito a ser ouvida com as devidas garantias e dentro de um prazo razoável, por um juiz ou tribunal competente, independente e imparcial, estabelecido anteriormente por lei, na apuração de qualquer acusação penal formulada contra ela, ou para que se determinem os seus direitos ou obrigações de natureza civil, trabalhista, fiscal ou de qualquer outra natureza”. A República Federativa do Brasil é signatária desse Pacto, que adquiriu eficácia no plano internacional em 18.7.1978. O Congresso Nacional editou o Decreto 27, de 26.5.1992, aprovando o seu texto. O Governo Federal depositou, em 25.9.1992, a Carta de Adesão ao mencionado pacto. Com a ulterior publicação do Decreto 678 (9.11.1992), o Pacto de São José da Costa Rica foi promulgado e incorporado ao ordenamento jurídico brasileiro. O procedimento de incorporação do tratado foi respeitado em seus mínimos detalhes. Estávamos, pois, diante de norma constitucional, que impunha a decisão judicial em prazo razoável. Concluía-se, portanto, que, também em nosso país, o direito ao processo sem dilações indevidas, como corolário do devido processo legal, vinha expressamente assegurado ao membro da comunhão social por norma de aplicação imediata (art. 5º, § 1º, CF). Decorreria esse direito fundamental, ainda, dos princípios da inafastabilidade e da proteção à dignidade da pessoa humana. A EC nº 45/2004, que reformou constitucionalmente o Poder Judiciário, incluiu, então, o inciso LXXVIII, no art. 5º, CF, com a seguinte redação: “a todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação”. A mesma emenda constitucional acrescentou a alínea “e” ao inciso II do art.93, CF, estabelecendo que “não será promovido o juiz que, injustificadamente,retiver autos em seu poder além do prazo legal, não podendo devolvê-los ao cartório sem o devido despacho ou decisão”. Processo devido é, pois, processo com duração razoável. A Corte Europeia dos Direitos do Homem firmou entendimento de que, respeitadas as circunstâncias de cada caso, devem ser observados três critérios para se determinar a duração razoável do processo, quais sejam: a) a complexidade do assunto; b) o comportamento dos litigantes e de seus www.cers.com.br CARREIRA JURIDICA Processo Civil Mauricio Cunha 9 procuradores ou da acusação e da defesa no processo; c) a atuação do órgão jurisdicional. IGUALDADE PROCESSUAL (PARIDADE DE ARMAS): os sujeitos processuais devem receber tratamento processual idêntico; devem estar em combate com as mesmas armas, de modo a que possam lutar em pé de igualdade. Chama-se a isso de paridade de armas: o procedimento deve proporcionar às partes as mesmas armas para a luta. A garantia da igualdade significa dar as mesmas oportunidades e os mesmos instrumentos processuais para que possam fazer valer os seus direitos e pretensões, ajuizando ação, deduzindo resposta etc.. O processo não pode ensejar apenas o contraditório formal, mas, sim, o material. Neste sentido substancial, o princípio da igualdade confunde-se com o devido processo legal substancial. O princípio da igualdade processual impõe a criação de uma série de regras processuais adequadas às particularidades de cada sujeito do processo. Neste sentido, a igualdade processual confunde-se com a adequação subjetiva do processo. EFICIÊNCIA: o processo, para ser devido, há de ser eficiente. O princípio da eficiência, aplicado ao processo, é um dos corolários da cláusula geral do devido processo legal. Realmente, é difícil conceber como devido um processo ineficiente. Ele resulta, ainda, da incidência do art. 37, caput, CF. Esse dispositivo também se dirige ao Poder Judiciário – como indica, aliás, a literalidade do enunciado, que fala em “qualquer dos Poderes”. Assim, o princípio do processo eficiente é resultado de uma combinação de dois dispositivos da CF: art. 5º, LIV, e art. 37, caput. O princípio repercute sobre a atuação do Poder Judiciário em duas dimensões: a) Administração Judiciária e b) a gestão de um determinado processo. Vejamos: a) sobre a Administração Judiciária. O Poder Judiciário também pode ser encarado, sob uma perspectiva, como ente da administração – e é exatamente por isso que o art. 37, CF, também a ele se refere. A Administração Judiciária – administração dos órgãos administrativos que compõem o Poder Judiciário – deve ser eficiente. A criação do CNJ, pela EC nº 45/2004, corrobora essa dimensão do princípio da eficiência administrativa. A simples leitura do § 4º do art. 103-B, CF, é suficiente para demonstrar o que se afirma. O princípio, neste sentido, é norma de direito administrativo, sem qualquer especificidade digna de nota pelo fato de ser dirigido ao Poder Judiciário. b) dimensão do princípio da eficiência que ora nos interessa é a outra. O princípio da eficiência, aplicado ao processo jurisdicional, www.cers.com.br CARREIRA JURIDICA Processo Civil Mauricio Cunha 10 impõe a condução eficiente de um determinado processo pelo órgão jurisdicional. O princípio, aqui, dirige-se ao órgão do Poder Judiciário, não na condição de ente da administração, mas, sim, na de órgão jurisdicional, responsável pela gestão de um processo (jurisdicional) específico. Assim, é norma de direito processual e, nessa qualidade, aqui nos interessa. A compreensão da eficácia processual do principio da eficiência impõe, ainda, que se levem em consideração algumas premissas. I. Esse princípio se relaciona com a gestão do processo. O órgão jurisdicional é, assim, visto como um administrador: administrador de um determinado processo. Para tanto, a lei atribui- lhe poderes de condução (gestão) do processo. Esses poderes deverão ser exercidos de modo a dar o máximo de eficiência ao processo. Trata-se, corretamente, o serviço jurisdicional como uma espécie de serviço público. Para a compreensão do princípio do processo jurisdicional eficiente, é imprescindível, então, o diálogo entre a Ciência do Direito Processual e a Ciência do Direito Administrativo. Essa é a primeira premissa: o princípio da eficiência dirige-se, sobretudo, a orientar o exercício dos poderes de gestão do processo pelo órgão jurisdicional, que deve visar à obtenção de um determinado “estado de coisas”: processo eficiente. II. A aplicação do princípio da eficiência ao processo é uma versão contemporânea (e também atualizada) do conhecido princípio da economia processual. Muda-se a denominação, não apenas porque é assim que ela aparece no texto constitucional, mas, sobretudo por ser uma técnica retórica de reforço da relação entre esse princípio e a atuação do juiz como um administrador ainda que administrador de um determinado processo. III. Exatamente por conta disso, pode-se sintetizar a “eficiência”, meta a ser alcançada por esse princípio, como o resultado de uma atuação que observou dois deveres: a) o de obter o máximo de um fim com o mínimo de recursos (efficiency); b) o de, com um meio, atingir o fim ao máximo (effectiveness). Eficiente é a atuação que promove os fins do processo de modo satisfatório em termos quantitativos, qualitativos e probabilísticos. Ou seja, na escolha dos meios a serem empregados para a obtenção dos fins, o órgão jurisdicional deve escolher meios que os promovam de modo minimamente intenso (quantidade – não se pode escolher um meio que promova resultados insignificantes) e certo (probabilidade – não se pode escolher um meio de resultado duvidoso), não sendo lícita a escolha do pior dos meios para isso (qualidade – não se pode escolher um meio que produza muitos efeitos negativos paralelamente ao resultado buscado). A eficiência é algo que somente se constata a www.cers.com.br CARREIRA JURIDICA Processo Civil Mauricio Cunha 11 posteriori: não se pode avaliar a priori se a conduta é ou não eficiente. Assim como o princípio da adequação, o princípio da eficiência impõe ao órgão jurisdicional o dever de adaptar regras processuais, com o propósito de atingir a eficiência. Mas enquanto a adequação é atributo das regras e do procedimento, a eficiência é uma qualidade que se pode atribuir apenas ao procedimento – encarado como ato. Embora se conceba um procedimento a priori (em tese) adequado – um procedimento definido pelo legislador, com a observância dos critérios objetivo, subjetivo e teleológico, um procedimento eficiente é inconcebível a priori: a eficiência resulta de um juízo a posteriori, como se disse, sempre retrospectivo. Note que, assim, podemos distinguir eficiência e efetividade. Efetivo é o processo que realiza o direito afirmado e reconhecido judicialmente. Eficiente é o processo que atingiu esse resultado de modo satisfatório, nos termos acima. Um processo pode ser efetivo sem ter sido eficiente – atingiu-se o fim “realização do direito” de modo insatisfatório (com muitos resultados negativos colaterais e/ou excessiva demora, por exemplo). Mas jamais poderá ser considerado eficiente sem ter sido efetivo: a não realização de um direito reconhecido judicialmenteé quanto basta para a demonstração da ineficiência do processo. Estabelecidas as premissas, podemos, agora, visualizar algumas aplicações do princípio da eficiência no processo. I) O dever de eficiência impõe-se na escolha do meio a ser utilizado para a execução da sentença (art. 461, § 5º, CPC). O meio executivo deve promover a execução de modo satisfatório, nos termos mencionados acima. II) O princípio da eficiência exerce uma função interpretativa. Os enunciados normativos da legislação processual devem ser interpretados de modo a observar a eficiência. Dispositivos relacionados à suspensão do processo, por exemplo, que impõem um limite temporal máximo para a suspensão (art. 265, §§ 3º e 5º, CPC), devem ser interpretados com temperamento: em certas situações, o prosseguimento do processo, após o vencimento do prazo máximo de suspensão, é medida que pode revelar-se extremamente ineficiente, sob o ponto de vista da administração do processo. III) Do princípio da eficiência pode-se extrair a permissão de o órgão jurisdicional estabelecer uma espécie de “conexão probatória” entre causas pendentes, de modo a unificar a atividade instrutória, como forma de redução de custos, mesmo que isso não implique a necessidade de julgamento simultâneo de todas elas. Imagine-se o caso em que um mesmo fato é afirmado em várias causas pendentes – nocividade de um determinado produto, por www.cers.com.br CARREIRA JURIDICA Processo Civil Mauricio Cunha 12 exemplo -, que não podem ser reunidas para julgamento simultâneo, porque cada uma delas possui, ainda, suas próprias peculiaridades fáticas. Pode o órgão jurisdicional, neste caso, determinar uma perícia única, cujos custos seriam repartidos entre os sujeitos interessados de todos os processos. IV) O princípio da eficiência é fundamento para que se permita a adoção, pelo órgão jurisdicional, de técnicas atípicas (porque não previstas expressamente na lei) de gestão do processo, como o calendário processual (definição de uma agenda de atos processuais, com a prévia intimação de todos os sujeitos processuais de uma só vez), ou outros acordos processuais com as partes, em que se promovam certas alterações procedimentais, como a ampliação de prazos ou inversão da ordem de produção de provas. BOA-FÉ PROCESSUAL: os sujeitos do processo devem comportar-se de acordo com a boa-fé, que, nesse caso, deve ser entendida como uma norma de conduta (“boa- fé objetiva”). Esse é o princípio da boa-fé processual, que se extrai do texto do inciso II do art. 14, CPC. O inciso II do art. 14, CPC, não está relacionada à boa-fé subjetiva, à intenção do sujeito processual: trata-se de norma que impõe condutas em conformidade com a boa- fé objetivamente considerada, independentemente da existência de boas ou más intenções. O princípio da boa-fé extrai-se de uma cláusula geral processual. A opção por uma cláusula geral de boa-fé é mais correta. É que a infinidade de situações que podem surgir ao longo do processo torna pouco eficaz qualquer enumeração legal exaustiva das hipóteses de comportamento desleal. É correta, portanto, a opção da legislação brasileira por uma norma geral que impõe o comportamento de acordo com a boa-fé (o art. 14, II, CPC, é cláusula geral). Há, porém, regras de proteção à boa-fé, que concretizam o princípio e compõem a modelagem do devido processo leal brasileiro (normas de litigância de má-fé dos arts. 17 e 18, CPC). A boa-fé subjetiva é elemento do suporte fático de alguns fatos jurídicos (é fato, portanto). A boa-fé objetiva é norma de conduta (impõe e proíbe condutas). Não existe princípio da boa- fé subjetiva. Importante lembrar que os destinatários das normas são todos aqueles que de qualquer forma participam do processo, incluindo não apenas as partes, mas também o órgão jurisdicional. Vinculação do Estado-juiz ao dever de boa-fé é o reflexo do princípio de que o Estado deve agir com a boa-fé, de maneira leal e com proteção à confiança. O princípio da boa-fé impõe verdadeiros deveres de cooperação entre os sujeitos do processo. www.cers.com.br CARREIRA JURIDICA Processo Civil Mauricio Cunha 13 A cláusula geral da boa-fé objetiva processual implica, entre outros efeitos, o dever de o sujeito processual não atuar imbuído de má-fé, considerada como fato que compõe o suporte fático de alguns ilícitos processuais. Qual seria o fundamento constitucional da boa- fé processual? Mesmo que não houvesse texto normativo expresso na legislação infraconstitucional, o princípio da boa-fé processual poderia ser extraído de outros princípios constitucionais: comportar-se em conformidade com a boa-fé pode ser exigência de conteúdo de outros direitos fundamentais. O STF segue o entendimento de que o princípio da boa-fé processual compõe a cláusula do devido processo legal, exigindo um processo leal e pautado na boa-fé (RExtr 4649632/GO, Relator Ministro Gilmar Mendes, j.14.02.2006). EFETIVIDADE: da cláusula geral do “devido processo legal” podem ser extraídos todos os princípios que regem o direito processual. Dela também se extrai o princípio da efetividade: os direitos devem ser, além de reconhecidos, efetivados. Processo devido é processo efetivo. O princípio da efetividade garante o direito fundamental à tutela executiva, que consiste “na exigência de um sistema completo de tutela executiva, no qual existam meios executivos capazes de proporcionar pronta e integral satisfação a qualquer direito merecedor de tutela executiva”. Esse posicionamento é reforçado pela moderna compreensão do chamado “princípio da inafastabilidade”, que, conforme célebre lição de Kazuo Watanabe, deve ser entendido não como uma garantia formal, uma garantia de pura e simplesmente “bater às portas do Poder Judiciário”, mas, sim, como garantia de acesso à ordem jurídica justa, consubstanciada em uma prestação jurisdicional célere, adequada e eficaz. O direito fundamental à tutela executiva, mais concretamente, significa: a) a interpretação das normas que regulamentam a tutela executiva tem de ser feita no sentido de extrair a maior efetividade possível; b) o juiz tem o poder-dever de deixar de aplicar uma norma que imponha uma restrição a um meio executivo, sempre que essa restrição não se justificar à luz da proporcionalidade, como forma de proteção a outro direito fundamental; c) o juiz tem o poder-dever de adotar os meios executivos que se revelem necessários à prestação integral de tutela executiva. Partir da premissa de que existe um direito fundamental à tutela executiva é indispensável para a solução de diversos problemas oriundos do procedimento executivo, principalmente aqueles relacionados à aplicação das regras de proteção do executado, com as hipóteses de impenhorabilidade. ADEQUAÇÃO (LEGAL E JURISDICONAL) DO PROCESSO: o princípio da adequação pode ser visualizado, de acordo www.cers.com.br CARREIRA JURIDICA Processo Civil Mauricio Cunha 14 com a doutrina, em dois momentos: a) legislativo, como informador da produção legislativa das regras processuais; b) jurisdicional, permitindo ao juiz, no caso concreto, adaptar o procedimento às peculiaridades da causa que lhe é submetida. Nesse segundo momento, fala-se em princípio da adaptabilidade, elasticidadeou adequação formal do processo. Inicialmente, a própria construção do procedimento deve ser feita tendo-se em vista a natureza e as peculiaridades do objeto do processo a que servirá; o legislador deve atentar para estas circunstâncias, pois um procedimento inadequado ao direito material pode importar verdadeira negação da tutela jurisdicional. O princípio da adequação não se refere apenas ao procedimento. A tutela jurisdicional há de ser adequada; o procedimento é apenas uma forma de encarar este fenômeno. O princípio da inafastabilidade da jurisdição garante uma tutela adequada à realidade de direito material, ou seja, garante o procedimento, a espécie de cognição, a natureza do provimento e os meios executórios adequados às peculiaridades da situação de direito material. Do princípio da inafastabilidade, é possível retirar-se o princípio da adequação da tutela jurisdicional. Também é possível retirá-lo do direito fundamental a um processo devido: processo devido é processo adequado. Lembre-se que o devido processo legal é uma cláusula geral, de onde se podem retirar outros princípios, tal como o da adequação. Há quem entenda, ainda, que o princípio da adequação decorre do princípio da efetividade, também esse corolário do devido processo legal. O titular do direito, para obter aquilo que realmente tem direito de obter, precisa de uma série de medidas estabelecidas pelo legislador, dentre as quais avulta a criação de um procedimento adequado ás particularidades da situação jurídica substancial submetida à apreciação do órgão jurisdicional. A adequação subjetiva do processo se opera em razão dos litigantes. São exemplos de regras de adequação subjetiva do processo: a) intervenção obrigatória do Ministério Público nas ações de incapazes (art. 82, I, CPC); b) diferenciação de regras de competência (domicílio do alimentando, art. 100, II, CPC; entes públicos federais, art. 109, I, CF); c) incapacidade processual para litigar em certos procedimentos (art. 8º, Lei Federal nº 9.099/1995); d) prazos especiais (art. 188, CPC) etc. A adequação teleológica do procedimento faz- se de acordo com as diversas funções a que visa: “Claro está que o processo de conhecimento, porque visa à definição do direito, requer atos e rito distintos daqueles exigidos para a execução, onde se cuida da realização coativa do direito declarado, ou para o processo cautelar, que busca a segurança do interesse em lide”. Há www.cers.com.br CARREIRA JURIDICA Processo Civil Mauricio Cunha 15 adequação teleológica também quando o procedimento é adaptado aos valores preponderantes em cada caso. Assim, por exemplo, o procedimento dos Juizados Especiais é adequado aos valores duração razoável do processo e efetividade, que presidiram a sua criação. Três são, basicamente, os critérios objetivos de que se vale o legislador para adequar a tutela jurisdicional pelo procedimento: um, a natureza do direito material, cuja importância e relevância impõem uma modalidade de tutela mais efetiva; o segundo, a forma como se apresenta o direito material no processo; o terceiro, a situação processual da urgência. São exemplos do primeiro critério os procedimentos das “possessórias”, dos alimentos, da busca e apreensão em alienação fiduciária e o da liminar em ação civil pública etc. Do segundo critério são exemplos, o mandado de segurança, a ação monitória e a tutela antecipada genérica do art. 273, CPC. São exemplos de tutela de urgência os procedimentos especiais de alimentos e mandado de segurança preventivo. A indisponibilidade do direito é fator levado em consideração para a diferenciação procedimental. Quando a diferenciação do procedimento ocorre pela apresentação processual do direito, temos a proteção daquilo que foi muito bem denominado de tutela da evidência (aparência) com que se mostra nos autos. Não tem importância, a princípio, a natureza do direito material posto em litígio, Privilegia-se, sem dúvida, a comprovação do direito alegado: direito líquido e certo (cujos fatos se comprovam documentalmente) e prova escrita, em se tratando de ação monitória. Mas o processo deve ser adequado também pelo órgão jurisdicional, que deve estar atento aos mesmos critérios de adequação. Nada impede que se possa previamente conferir ao magistrado, como diretor do processo, poderes para conformar o procedimento às peculiaridades do caso concreto, tudo como meio de mais bem tutelar o direito material. Também se deve permitir ao magistrado que corrija o procedimento que se revele inconstitucional, por ferir um direito fundamental processual, como o contraditório (se um procedimento não previr o contraditório, deve o magistrado determina-lo, até mesmo ex officio, como forma de efetivação desse direito fundamental). Eis que aparece o princípio da adaptabilidade, elasticidade ou adequação judicial do procedimental: cabe ao órgão jurisdicional prosseguir na empresa da adequação do processo, iniciada pelo legislador, mas que, em razão da natural abstração do texto normativo, pode ignorar peculiaridades de situações concretas somente constatáveis caso a caso. Muitas vezes, há regras legais que autorizam essa adequação judicial do procedimento. Podem ser citadas, como exemplos: a) possibilidade de inversão da regra do ônus da www.cers.com.br CARREIRA JURIDICA Processo Civil Mauricio Cunha 16 prova, em causas de consumo: a regra do procedimento é alterada no caso concreto, ope iudicis, preenchidos certos requisitos, de acordo com o art. 6º, VIII, CDC; b) a possibilidade de conversão do procedimento sumário em ordinário, em razão da complexidade da prova técnica ou do valor da causa (art. 277, §§ 4º e 5º, CPC); c) o julgamento antecipado da lide, em que se pode abreviar o rito, com a supressão de uma de suas fases (art. 330, CPC); d) a determinação ou não de audiência preliminar, a depender da disponibilidade do direito em jogo (art. 331, CPC); e) as variantes procedimentais previstas na Lei de Ação Popular (Lei Federal nº 4.717/1965, arts. 7º e ss); f) a possibilidade de o relator da ação rescisória fixar o prazo de resposta, dentro de certos parâmetros (art. 491, CPC); g) as mutações permitidas ao agravo de instrumento do art. 544, § 4º, CPC; h) adequação do processo em jurisdição voluntária (art. 1.109, CPC) etc. Mas o princípio da adequação do processo pode atuar diretamente, sem a intermediação de que regras que o concretizem. Se a adequação do procedimento é um direito fundamental, cabe ao órgão jurisdicional efetivá-lo, quando diante de uma regra procedimental inadequada às peculiaridades do caso concreto, que impede a efetivação de um direito fundamental (à defesa, à prova, à efetividade etc.). É como afirma Humberto Ávila, referindo-se ao devido processo legal, do qual, é preciso lembrar, se extrai o princípio da adequação: “No plano da eficácia direta os princípios exercem uma função integrativa, na medida em que justificam agregar elementos não previstos em subprincípios ou regras. Mesmo que um elemento inerente ao fim que deve ser buscado não esteja previsto, ainda assim o princípio irá garanti-lo. Por exemplo, se não há regra expressa que oportunize a defesa ou a abertura de prazo para manifestação da parte no processo – mas elas são necessárias -, elas deverão ser garantidascom base direito no princípio do devido processo legal”. Um exemplo: o prazo de defesa no procedimento comum ordinário é de quinze dias. Entende-se que esse é o prazo adequado para elaboração da defesa pelo réu. Imagine, porém, que a petição inicial venha acompanhada de dez volumes de documentos (dois mil documentos, mais ou menos). Esse prazo revelar-se-á, naquele caso, como inadequado. Permite-se que o magistrado dilate o prazo de defesa, permitindo a efetivação do direito fundamental a um processo adequado à apresentação da defesa pelo demandado. A flexibilidade do procedimento às exigências da causa é, então, fundamental para a melhor consecução dos fins do processo. Carlos Alberto Alvaro de Oliveira sugere, para uma reforma legislativa, o estabelecimento do princípio da adaptabilidade (que ele denomina de princípio da adequação formal, seguindo a terminologia do CPC Português, que contém www.cers.com.br CARREIRA JURIDICA Processo Civil Mauricio Cunha 17 regra expressa) como princípio geral do processo, uma espécie de cláusula geral de adequação do processo, “facultando ao juiz, obtido o acordo das partes, e sempre que a tramitação processual prevista na lei não se adapte perfeitamente às exigências da demanda aforada, a possibilidade de amoldar o procedimento à especificidade da causa, por meio da prática de atos que melhor se prestem à apuração da verdade e acerto da decisão, prescindindo dos que se revelem inidôneos para o fim do processo. Como se trata de um desvio (previsível e permitido) da rota originariamente traçada, o órgão jurisdicional sempre deve alertar as partes de sua intenção, de modo a garantir a higidez do contraditório; somente com o prévio anúncio podem os litigantes comportar-se processualmente de acordo com as novas regras. Pensar o contraditório seria permitir surpresas processuais, em afronta direta aos princípios do contraditório e da cooperação. Em síntese: procede-se à adequação do processo ao seu objeto tanto no plano legislativo, abstrato, com a construção de procedimentos compatíveis com as necessidades do direito material, como também no plano do caso concreto, processual, conferindo-se ao órgão jurisdicional o poder de adequar o procedimento às exigências da causa. NOVO CPC LIVRO I – DAS NORMAS PROCESSUAIS CIVIS TÍTULO ÚNICO – DAS NORMAS FUNDAMENTAIS E DA APLICAÇÃO DAS NORMAS PROCESSUAIS CAPÍTULO I – DAS NORMAS FUNDAMENTAIS DO PROCESSO CIVIL Art. 1º O processo civil será ordenado, disciplinado e interpretado conforme os valores e as normas fundamentais estabelecidos na Constituição da República Federativa do Brasil, observando-se as disposições deste Código. Art. 2º O processo começa por iniciativa da parte e se desenvolve por impulso oficial, salvo as exceções previstas em lei. Art. 3º Não se excluirá da apreciação jurisdicional ameaça ou lesão a direito. Art. 4º As partes têm o direito de obter em prazo razoável a solução integral do mérito, incluída a atividade satisfativa. Art. 5º Aquele que de qualquer forma participa do processo deve comportar-se de acordo com a boa-fé. Art. 6º Todos os sujeitos do processo devem cooperar entre si para que se obtenha, em tempo razoável, decisão de mérito justa e efetiva. www.cers.com.br CARREIRA JURIDICA Processo Civil Mauricio Cunha 18 Art. 7º É assegurada às partes paridade de tratamento em relação ao exercício de direitos e faculdades processuais, aos meios de defesa, aos ônus, aos deveres e à aplicação de sanções processuais, competindo ao juiz zelar pelo efetivo contraditório. Art. 8º Ao aplicar o ordenamento jurídico, o juiz atenderá aos fins sociais e às exigências do bem comum, resguardando e promovendo a dignidade da pessoa humana e observando a proporcionalidade, a razoabilidade, a legalidade, a publicidade e a eficiência. Art. 9º Não se proferirá decisão contra uma das partes sem que ela seja previamente ouvida. Parágrafo único. O disposto no caput não se aplica: I – à tutela provisória de urgência; II – às hipóteses de tutela da evidência previstas no art. 311, incisos II e III; III – à decisão prevista no art. 701. Art. 10. O juiz não pode decidir, em grau algum de jurisdição, com base em fundamento a respeito do qual não se tenha dado às partes oportunidade de se manifestar, ainda que se trate de matéria sobre a qual deva decidir de ofício. Art. 11. Todos os julgamentos dos órgãos do Poder Judiciário serão públicos, e fundamentadas todas as decisões, sob pena de nulidade.
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