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1 DOGMÁTICA HERMENÊUTICA OU A CIÊNCIA DO DIREITO COMO TEORIA DA INTERPRETAÇÃO - XVII 1. O problema da interpretação: - Ao disciplinar a conduta humana, as normas jurídicas usam palavras, signos lingüísticos que devem expressar o sentido daquilo que deve ser. Este uso oscila entre o aspecto: a) onomasiológico da palavra, isto é, o uso corrente para a designação de um fato; b) semasiológico, isto é, a sua significação normativa; Os dois aspectos podem coincidir, mas nem sempre isto ocorre. O legislador usa vocábulos que tira da linguagem cotidiana, mas freqüentemente lhe atribui um sentido técnico e apropriado à disciplina desejada. Ex.: o art. 1.591 CC, ao estabelecer a relação de parentesco, fala de parentes em linha reta como as pessoas que estão ligadas umas as outras numa relação de ascendentes e descendentes. No art. 1.592, fala de parente em linha colateral, como as pessoas que provêm, até o quarto grau, de um só tronco, sem descenderem uma das outra. Assim observa-se que o uso comum da palavra parente, não coincide com a legal, na medida em que vulgarmente não se faz a limitação do art. 1.592. O mesmo se diga, quando se designa vulgarmente, a palavra parente às relações de afinidade, como a do genro e sogro, nora e sogra, onde o CC no art. 1.595, não usa a expressão parente, mas de vinculo de afinidade. Apesar destas diferenças e oscilações é de se entender a importância do exato conhecimento do sentido destas relações, uma vez que têm conseqüências para a distribuição de direitos, obrigações e restrições; - A determinação do sentido das normas, o correto entendimento do significado dos seus textos e intenções, tendo em vista a decidibilidade de conflitos constitui a tarefa da dogmática hermenêutica. O propósito básico do jurista não é simplesmente compreender um texto, mas também lhe determinar a força e o alcance, pondo o texto normativo em presença dos dados atuais de um problema. Ex.: quando uma constituição garante a todos os cidadãos a liberdade e a igualdade de trabalho. O que se deve entender ou o significado que deve ser atribuído à expressão cidadão? 2. A função simbólica da Língua: - Para o autor Signo é um ente que se caracteriza por sua mediatidade, aponta para algo distinto de si mesmo. Significar é apontar para algo ou estar em lugar de algo. A função significativa pode ser exercida por emblemas, roupas, distintivos e outros. Os signos lingüísticos têm por base sons e fonemas. O fonema é um som que, num determinado contexto se distingue: ex.: CA-SA. A junção dos fonemas é base, em português, para um signo. O signo não se confunde com a base fonética embora seja sempre necessário que haja uma base matéria. Isto é observado quando utilizamos, por exemplo, a base fonética MAN-GA, que serve tanto para o signo-fruta, quanto para o signo-parte do vestuário. Por outro lado, dois signos, mesmo que haja a abstração de sua base fonética, podem ter a mesma ou semelhante significação. Ex: MO-RA-DI-A, CA-SA, embora tenham bases fonéticas diferentes, pode-se verificar que os signos têm significações semelhantes; - Os símbolos, tomados, isoladamente, nada significam. Assim, mesa significa quando usada. Para que um símbolo se torne tal ele tem de aparecer num ato humano, o ato de 2 falar. Falar é atribuir símbolos a algo: “Isto é uma mesa”. Uma língua, assim, é um repertório de símbolos inter-relacionados numa estrutura (as regras de uso). Há uma distinção entre língua e fala (ou discurso). A língua é um sistema de símbolos e relações. A fala se refere ao uso atual da língua; - Como os símbolos, isoladamente, nada significam, percebemos desde já que não tem nenhum sentido a pergunta: que é a mesa em si. A resposta deve ser: depende do uso, ou seja, do discurso. Neste caso poderíamos dizer: o presidente da mesa ficou furioso; naquela família a mesa é farta, e etc.; - Assim diante destas premissas, que devemos entender por interpretação? Dissemos que a fala se refere ao uso atual da língua. Falar é dar a entender alguma coisa a alguém mediante símbolos lingüísticos. A fala, portanto, é um fenômeno comunicativo. Exige um emissor, um receptor e a troca de mensagens. Exige a fala à ocorrência do entendimento, este nem sempre corresponde à mensagem emanada, ou seja, quem envia a mensagem comunica um complexo simbólico que é selecionado pelo ouvinte, e que pode não coincidir com a seletividade do emissor. Podemos chamar esta seletividade de interpretar. Interpretar, portanto, é selecionar possibilidades comunicativas da complexidade discursiva. Para interpretar é necessário decodificar os símbolos no seu uso e isto significa conhecer-lhes as regras semânticas, as regras sintáticas e as regras pragmáticas; 3. O desafio Kelseniano: Interpretação Autêntica e Doutrinária: - Segundo o autor a idéia de que interpretar juridicamente é decodificar conforme regras de uso é muito simples para ser aceita desta maneira. Cita como exemplo de dificuldade a obra de Hans Kelsen, sobre a Interpretação, contida na parte final de sua obra Teoria Pura do Direito, e especificamente sobre a interpretação autêntica e a doutrinária, e a frustração deixada por Kelsen em relação aos objetivos fundamentais do saber dogmático, desde que ele foi configurado como um conhecimento racional do direito, e, também, faz algumas observações como a de que ele não explica a diferença entre a mera opinião, não técnica, sobre o conteúdo de uma lei, exarada por alguém que sequer tenha estudado Direito e a opinião do doutrinador, que busca, com os meios da razão jurídica, o sentido da norma; 4. Voluntas Legis ou Voluntas Legislatoris? - O autor estuda as duas correntes doutrinárias sobre a interpretação da Lei, a primeira denominada subjetiva sustenta a prevalência da vontade do legislador (voluntas legislatoris), a segunda chamada objetiva sustenta a vontade da lei (voluntas legis). Assim a subjetiva tem que na interpretação deverá ser compreendido o pensamento do legislador, portanto interpretação ex tunc, desde então, isto é desde o aparecimento da norma pela positivação da vontade do legislador, sendo preponderante o aspecto genético e das técnicas que lhe são apropriadas (método histórico). Já para a doutrina objetivista, a norma goza de um sentido próprio, determinado por fatores objetivos (arbítrio social), independentes até certo ponto do sentido que lhe tenha dado o legislador, portanto uma interpretação com uma compreensão ex nunc, desde agora, ou seja, tendo em vista a situação e o momento atual de sua vigência, ressaltando-se o papel preponderante dos aspectos estruturais em que a mesma ocorre e as técnicas apropriadas à sua captação (método sociológico); 3 - Os objetivistas contestam os subjetivistas, dentre os vários argumentos, com o: a) da vontade, afirmando que uma vontade do legislador é mera ficção, pois o mesmo é raramente uma pessoa identificável; b) b) da integração, pelo qual só a concepção que leva em conta os fatores objetivos na sua continua mutação social explica a complementação e até mesmo a criação do direito pela jurisprudência; - Por sua vez o subjetivistas contestam, dizendo, dentre os vários argumentos, que o: a) recurso à técnica de interpretação, aos documentos e às discussões preliminares dos responsáveis pela positivação da norma, é imprescindível, donde a impossibilidade de se ignorar o legislador originário; b) os fatores (objetivos) que eventualmente determinassem a chamada vontade objetiva da lei (voluntas legis) também estão sujeitos a dúvidas interpretativas: com isso, os objetivistas criaram no fundo um subjetivismo que põe avontade do interprete acima da vontade do legislador, tornando aquele não apenas mais sábio que este, mas também mais sábio que a própria norma legislada; c) haveria um desvirtuamento do Direito em termos de segurança e de certeza, pois ficaríamos sujeitos à opinião do interprete; - Ambas as correntes, na opinião do autor, podem levar a extremos. O subjetivismo a certo autoritarismo personalista a privilegiar a figura do legislador, pondo a sua vontade em relevo. Ex.: a exigência, na época do nazismo, de que as normas fossem interpretadas, em ultima análise, segundo a vontade do Füher. O objetivismo favorece um certo anarquismo, uma vez que estabelece o predomínio de uma equidade duvidosa dos interpretes sobre a própria norma ou desloca a responsabilidade do legislador na elaboração do direito, pra os interpretes ainda que legalmente constituídos. _______________________________________ FERRAZ JR., Tercio Sampaio. Introdução ao estudo do Direito, 3. Ed. São Paulo: Atlas, 2001, p. 251 a 303
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