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PENAL II – PARTE ESPECIAL VALDINEI CORDEIRO COIMBRA Advogado (OAB/DF) Mestre em Direito Penal Internacional pela Universidade de Granada (Esp) Especialista em Direito Penal e Processual Penal pelo ICAT/UNIDF Especialista em Gestão Policial Judiciária – APC/Fortium Coordenador do www.conteudojuridico.com.br Delegado de Polícia PCDF (aposentado) Ex-analista judiciário do TJDF Ex-agente de polícia civil do DF Ex-agente penitenciário do DF Ex-policial militar do DF vcoimbr@gmail.com CÓDIGO PENAL - TÍTULO I – DOS CRIMES CONTRA A PESSOA Capítulo I – Dos crimes contra a vida (Arts. 121 ao 128 do CP) PARTICIPAÇÃO EM SUICÍDIO (art. 122) E INFANTÍCIDIO (art. 123): Conceito. Objeto jurídico. Classificação. Elemento subjetivo. Sujeito ativo. Sujeito passivo. Causas de aumento de pena do Induzimento, instigação e auxílio ao suicídio. Infanticídio - Conceito. Objeto jurídico. Classificação. Elemento subjetivo. Sujeito ativo. Sujeito passivo. Concurso de pessoas no infanticídio PARTICIPAÇÃO EM SUICÍDIO Induzimento, instigação ou auxílio a suicídio Art. 122 - Induzir ou instigar alguém a suicidar-se ou prestar-lhe auxílio para que o faça: Pena - reclusão, de dois a seis anos, se o suicídio se consuma; ou reclusão, de um a três anos, se da tentativa de suicídio resulta lesão corporal de natureza grave. Parágrafo único - A pena é duplicada: Aumento de pena I - se o crime é praticado por motivo egoístico; II - se a vítima é menor ou tem diminuída, por qualquer causa, a capacidade de resistência. O que é suicídio: é a destruição deliberada da própria vida, também chamado de autocídio ou autoquíria. No Brasil, a conduta suicida não é crime, pois o Direito Penal só se preocupa com comportamentos que transcendem a figura do seu autor (princípio da alteridade). Mesmo que fosse crime, como o Estado iria punir o morto? A morte é uma das causas de extinção de punibilidade (art. 107, I, do CP). A coação exercida para impedir suicídio: não caracteriza constrangimento ilegal ( art. 146, § 3º, II do CP). O suicídio é ilícito, embora não seja criminoso. É crime o induzimento, a instigação ou auxílio a suicídio (participação em suicídio). O concorrer diretamente para que outrem destrua sua própria vida, sem, contudo, instigar, auxiliar ou induzir, não é crime. O consentimento da vítima é irrelevante, em face da indisponibilidade do bem jurídico penalmente tutelado. Objeto jurídico: A vida humana, direito fundamental (art. 5º, caput, CF). Objeto material: É o ser humano que suporta a conduta criminosa. Núcleo do tipo: Induzir significa incutir na mente alheia a ideia do suicídio (participação moral). Instigar é reforçar o propósito suicida preexistente (participação moral). Em ambas as hipóteses se exige seriedade na conduta do agente. Auxiliar é concorrer materialmente para a prática do suicídio (atividade acessória, secundária, sob pena de responder por crime de homicídio). Crime de ação múltipla, de conteúdo variado é um tipo misto alternativo. Não se admite a provocação indireta ao suicídio. O auxílio deve ser eficaz. Não se confunde com a omissão de socorro ao suicida, que caracterizará o delito do art. 135 do CP. Se o agente tinha o dever de agir, por ser garante, nos termos do art. 13, §2º do CP), responde pelo crime (ex.: bombeiro, que em condições de impedir o ato suicida, não o faz). Há entendimento contrário, em virtude da expressão “prestar auxílio” (comissiva), de forma que o bombeiro responderia pelo crime de omissão de socorro (art. 135, CP). Sujeito ativo: Qualquer pessoa (crime comum). Não exige requisito especial do sujeito ativo. Comporta coautoria e participação. Sujeito passivo: Qualquer pessoa que possua um mínimo de capacidade de resistência e de discernimento, pois, em caso contrário (resistência nula), estará caracterizado o crime de homicídio (ex.: induzir menor de 14 anos ou um doente mental a pular de um precipício é crime de homicídio). Da mesma forma se o agente emprega algum tipo de fraude para que a vítima realize ato contra a própria vida, sem notar que o está fazendo, o crime será o de homicídio (Ex.: alguém entrega uma granada para outra pessoa e a convence de que ela está descarregada e na sequencia sugere que ela retire o pino de segurança, e a granada estoura causando a morte da vítima). Se a vítima tem entre 14 a 18 anos, ou, sendo maior de 18 anos tiver diminuída a capacidade de entendimento do ato suicida, seria participação em suicídio com a pena duplicada. Se a vítima for maior de 18 anos e não possuir sua capacidade de entendimento reduzida, o crime seria de participação em suicídio, na sua forma simples. Elemento subjetivo: somente dolo (direto ou eventual). Não há modalidade culposa. Deve ser dirigida a uma pessoa certa (alguém) ou algumas pessoas determinadas. Se o dolo for dirigido à pessoas indeterminadas (ex. uma música que estimule as pessoas a se suicidarem) não há o crime de participação em suicídio. Consumação: Ocorre com a morte da vítima ou com a produção de lesão corporal de natureza grave (expressão que abrange a lesão grave e a lesão gravíssima – CP, art. 129, §§ 1º e 2º). É irrelevante o intervalo temporal entre a conduta criminosa e o suicídio da vítima. Somente a partir da morte da vítima terá início o curso da prescrição (art. 111, I, CP). Divergência quanto a natureza jurídica do resultado morte e da lesão corporal grave, no caso de suicídio: a doutrina majoritária entende que o resultado morte ou lesão corporal grave é elementar do crime de participação em suicídio, por entender que é um crime de resultado material, bem como pelo fato de que apesar de estarem no preceito secundário da norma, o resultado (morte ou lesão grave) integra o dolo do agente. Veja que para essa corrente não se pune a tentativa branca ou a vermelha que não gerou lesão grave, por política criminal, pois na prática seria possível a ocorrência da tentativa, uma vez que por se tratar de crime material, a conduta pode ser fracionada. Uma outra corrente, mais antiga, encabeçada por Nelson Hungria, entende que o resultado morte ou lesão grave, seria condição objetiva de punibilidade, ou seja, o crime de participação em suicídio seria um crime formal, que não exige resultado material para sua consumação, não admitindo a tentativa. Uma vez praticada as condutas (induzir, instigar ou auxiliar), para punir o agente, seria apenas exigido a ocorrência da condição objetiva de punibilidade (morte ou lesão grave), que se não ocorresse impediria o Estado exercer o seu ius puniendi. Tentativa: Não é possível, pois a lei só pune o crime se o suicídio se consuma, ou se da tentativa de suicídio resulta lesão corporal de natureza grave. O crime é condicionado à produção do resultado (morte ou lesão grave). Veja que se a intenção do autor é de que a vítima se mate, no caso de lesão grave, haveria tentativa cruenta, em que o legislador optou puni-la de forma diferenciada da regra geral dos crimes tentados (art. 14, II, do CP). Causas de aumento de pena (duplicação da pena): a) se o crime é praticado por motivo egoístico (interesse próprio, sem consideração pelos seus pares que revela alto grau de insensibilidade e falta de caráter do agente); b) se a vítima é menor (entre 14 e 18 anos) ou tem diminuída, por qualquer causa, a capacidade de resistência. Pacto de morte ou suicídio a dois: podem ocorrer as seguintes situações: a) se o sobrevivente praticou atos de execução da morte do outro, a ele será imputado o crime de homicídio; b) se o sobrevivente somente auxiliou o outro a suicidar-se, responderá pelo crime de participação em suicídio; c) se ambos praticaram atos de execução, um contrao outro, e ambos sobreviveram, responderão os dois por tentativa de homicídio; d) se ambos se auxiliaram mutuamente e ambos sobreviveram, a eles será atribuído o crime de participação em suicídio, desde que resultem lesões corporais de natureza grave; e) se um deles praticou atos de execução da morte de ambos, mas ambos sobreviveram, aquele responderá por tentativa de homicídio, e este por participação em suicídio, desde que o executor, em razão da tentativa, sofra lesão corporal de natureza grave. Roleta-russa e duelo americano: Aos sobreviventes será imputado o crime de participação em suicídio. Se um dos envolvidos, que não sabia se a arma de fogo estava ou não apta a efetuar o disparo, aciona seu gatilho, apontando-a na direção de terceiro, provocando sua morte, o crime será de homicídio com dolo eventual. Ação Penal: Pública incondicionada. Competência: É do Tribunal do Júri (art. 5º, XXXVIII, d, da CF). Lei 9.099/1995: Caberá a suspensão condicional do processo em caso de produção de lesão corporal grave (art. 89). Causas de aumento de pena: A pena será duplicada: a) se o crime for praticado por motivo egoístico; ou b) se a vítima for menor ou tiver diminuída, por qualquer causa, a capacidade de resistência. Motivo egoístico é o que revela individualismo exagerado, excessivo apego próprio em detrimento dos interesses alheios. Vítima menor é a pessoa humana com idade entre 14 anos e 18 anos. Possui capacidade de discernimento reduzida em face do incompleto desenvolvimento mental, podendo ser mais facilmente convencida a suicidar-se. Aplicam-se analogicamente os arts. 217-A, 218 e 218-A do CP. Se não houver qualquer capacidade de discernimento estará configurado crime de homicídio. Como já dito em tópico anterior, caso de vítima menor de 14 anos, o crime será de homicídio. Vítima que, por qualquer causa, tem diminuída a capacidade de resistência é a pessoa mais propensa a ser influenciada pela participação em suicídio. Deve ser maior de 18 anos de idade. A menor resistência pode ser provocada por enfermidade física ou mental, por efeitos do álcool ou de drogas. Tais fatos devem ser de conhecimento do agente, para afastar a responsabilidade penal objetiva. Doentes terminais: A criminalização do auxílio ao suicídio é tema polêmico quando a pessoa é portadora de doença terminal e, estando lúcida, deseja dar fim à sua própria vida de forma indolor, com auxílio médico. No Brasil tal conduta é conhecida como eutanásia, caracterizando homicídio privilegiado por motivo de relevante valor moral. Testemunhas de Jeová: O médico que atua contra a vontade da vítima, maior e capaz, que se recusa a receber transfusão de sangue em situação de imprescindibilidade, age amparado pelo art. 146, § 3º, I do CP, pois tal recusa pode ser considerada como tentativa de suicídio. Disparo de arma de fogo: O disparo de arma de fogo, como ato preparatório para o suicídio, não é conduta típica, uma vez que o art. 15 do Estatuto do Desarmamento (L 10826/03) dispõe que: Art. 15. Disparar arma de fogo ou acionar munição em lugar habitado ou em suas adjacências, em via pública ou em direção a ela, desde que essa conduta não tenha como finalidade a prática de outro crime: Pena – reclusão, de 2 (dois) a 4 (quatro) anos, e multa. Assim, o autor de auxílio a suicídio, não responde pelo crime de disparo, mas apenas o crime de participação em suicídio (art. 122, CP). Já se o disparo for realizado pelo suicida, como não existe crime de suicídio, este responderia pelo crime de disparo de arma de fogo, desde que não tenha se suicidado. INFANTICÍDIO Infanticídio Art. 123 - Matar, sob a influência do estado puerperal, o próprio filho, durante o parto ou logo após: Pena - detenção, de dois a seis anos. O que é infanticídio? É uma forma privilegiada de homicídio que vem sendo contemplada desde o Código do Império (1831) que punia o infanticídio com pena de prisão com trabalho forçado por 1 a 3 anos (naquela época o homicídio era punido no seu grau máximo com a morte), sendo que no Código Republicano (1890) o infanticídio tinha pena de 6 a 24 anos, mesma do homicídio, no entanto se praticado por motivo de honra a pena de 3 a 9 anos. No Código de 1940 o legislador previu uma pena menor (detenção de 2 a 6 anos) pelo fato de ser praticado pela mãe contra seu filho, nascente ou recém- nascido, durante o parto ou logo após, influenciada pelo estado puerperal. Possui iguais elementares do crime de homicídio, mas também elementos especializantes atinentes aos sujeitos, ao tempo e à motivação do crime. Não se exige qualquer finalidade especial para favorecer a mãe com a figura típica privilegiada, bastando esteja ela influenciada pelo estado puerperal. É preciso identificar o momento em que o feto passa a ser considerado nascente, a fim de diferenciar o infanticídio durante o parto do crime de aborto. Assim, o parto tem início com a dilatação, seguida da expulsão e terminando com a expulsão da placenta. A morte do ofendido, em qualquer dessas fases, tipifica o crime de infanticídio. Influência do estado puerperal: Estado puerperal é o conjunto de alterações físicas e psíquicas que acometem a mulher em decorrência das circunstâncias relacionadas ao parto e que afetam sua saúde mental. Não é imprescindível a perícia para sua constatação (é efeito normal e inerente ao parto – presunção iuris tantum). Nosso Código Penal adota o critério fisiológico, ou seja, é necessário que o estado puerperal provoque perturbações emocionais ou psíquicas. Segundo Cesar Bitencourt, o estado puerperal pode apresentar quatro hipóteses: a) o puerpério não produz nenhuma alteração na mulher (se matar o filho, responde por homicídio); b) acarreta- lhe perturbações psicossomáticas que são a causa da violência contra o próprio filho (infanticídio); c) provoca-lhe doença mental (isenta de pena pela inimputabilidade, art. 26, caput, CP); d) produz-lhe perturbação da saúde mental diminuindo- lhe a capacidade de entendimento ou de determinação (gera a semi-imputabilidade, causa de diminuição de pena, no crime de infanticídio). Exige-se relação de causalidade subjetiva entre a morte do nascente ou recém-nascido com o estado puerperal. Objeto material: É a criança, nascente ou recém-nascida, contra quem se dirige a conduta criminosa. Núcleo do tipo: É o verbo “matar”. Elemento subjetivo: É o dolo, direto ou eventual. Não se admite a modalidade culposa. Elemento temporal: A expressão “logo após o parto” será interpretada no caso concreto. Enquanto subsistirem os sinais indicativos do estado puerperal, bem como sua influência no tocante ao modo de agir da mulher, será possível a concretização do delito. O período do estado puerperal pode variar de mulher para mulher. No Código Penal Republicano (1890) o prazo legal era de 7 dias1. Sujeito ativo: A mãe (crime próprio). Como ela possui o dever de agir para evitar o resultado é possível que cometa o crime por omissão (CP, art. 13, § 2º, a). Prepondera o entendimento da admissão da coautoria e participação (todos os terceiros que concorrem para um infanticídio por ele também respondem, tendo em vista o disposto no art. 30 do CP2 – teoria monista). No entanto há divergência doutrinária, entendendo que terceiro que figura como coautor juntamente com a mãe que mata o próprio filho responderia por homicídio e não por infanticídio. Sujeito passivo: O nascente (durante o parto) ou recém- nascido (ou neonato, logo após o parto). Não incidem as agravantes genéricas previstas no art. 61, II, do CP (descendente e criança), pois tais circunstâncias já funcionam como elementares da descrição típica (vedação do bis in idem).1 Art. 298. “Matar recém‐nascido, isto é, infante, nos sete primeiros dias do seu nascimento, quer empregando meios diretos e ativos, quer recusando à víctima os cuidados necessários à manutenção da vida e a impedir sua morte: pena — de prisão cellular por seis a vinte e quatro anos. Parágrafo único. Se o crime fôr perpetrado pela mãe, para occultar a desonra própria: pena de prisão cellular por tres a nove anos 2 Art. 30 do CP: não se comunicam as circunstâncias e condições de caráter pessoal, salvo quando elementares do crime. Se a mãe quer matar o próprio filho, mas, por erro, o confunde com outro bebê no berçário da maternidade, responde por infanticídio, porque o art. 20, § 3º, do Código Penal, ao tratar do instituto do “erro sobre a pessoa”, determina que o agente seja responsabilizado como se tivesse matado a pessoa que pretendia. A questão da anencefalia: Se a mãe, sob a influência do estado puerperal, praticar alguma conduta visando a morte o filho, nascente ou recém-nascido, acometido de anencefalia, estará caracterizado crime impossível, em razão da impropriedade absoluta do objeto material, nos termos do art. 17 do Código Penal. Com efeito, não há vida apta a justificar a intervenção penal, em sintonia com a decisão lançada pelo Supremo Tribunal Federal no julgamento da ADPF – Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental nº 54/DF. O erro no infanticídio: Se a mãe, influenciada pelo estado puerperal e logo após o parto, mata outra criança acreditando ser seu filho, responde por infanticídio (infanticídio putativo); se, nas mesmas condições matar um adulto, o crime será de homicídio. Consumação: Dá-se com a morte do nascente ou neonato. Tentativa: É possível, pois se trata de crime plurissubsistente. Crime impossível: Estará configurado crime impossível, por impropriedade absoluta do objeto material (art. 17 do CP), se a criança for expulsa morta do útero, e a mãe, supondo-a viva, realizar atos de matar. Ação Penal: Pública incondicionada. Competência: É do Tribunal do Júri (art. 5º, XXXVIII, d, da CF), sem possibilidade de aplicação dos benefícios da Lei n. 9099/95. 1. BIBLIOGRAFIA BÁSICA BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de Direito Penal, vol. 2, parte especial, 14ª ed., 2014, Saraiva. NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de Direito Penal, 10ª ed., 2014, Forense. PRADO, Luiz Regis Prado. Curso de Direito Penal, vol. único, 13ª ed., 2014, RT. 2. BLIBIOGRAFIA COMPLEMENTAR CAPEZ, Fernando. Curso de Direito Penal- vol.2, parte especial, 13ª Ed, 2013, São Paulo: Saraiva. DELMANTO, Roberto. Código Penal Comentado, 5. ed., atual. e ampl. Rio de Janeiro: Renovar, 2000. JESUS, Damásio de. Direito Penal, vol. 2, parte especial, 33ª Ed., 2012, Saraiva GRECO, Rogério. Curso de Direito Penal, parte especial, vol. 2, 10 ed., rev., ampl. e atual. Niterói: Impetus, 2013. MIRABETE, Julio Fabbrini. Manual de Direito Penal, vol. II, 25. ed., rev. e atual. São Paulo: Atlas, 2007
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