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1 PENAL II – PARTE ESPECIAL VALDINEI CORDEIRO COIMBRA Advogado (OAB/DF) Mestre em Direito Penal Internacional pela Universidade de Granada (Esp) Especialista em Direito Penal e Processual Penal pelo ICAT/UNIDF Especialista em Gestão Policial Judiciária – APC/Fortium Coordenador do www.conteudojuridico.com.br Delegado de Polícia PCDF (aposentado) Ex-analista judiciário do TJDF Ex-agente de polícia civil do DF Ex-agente penitenciário do DF Ex-policial militar do DF vcoimbr@gmail.com CÓDIGO PENAL - TÍTULO I – DOS CRIMES CONTRA A PESSOA Capítulo I – Dos crimes contra a Honra (Arts. 128 ao 145 do CP) 8. CRIMES CONTRA A HONRA Conceito. Objeto jurídico. Classificação. Elemento subjetivo. Elemento normativo. Sujeito ativo. Sujeito passivo. Exceção da verdade. Calúnia. Difamação. Injúria. Disposições comuns nos crimes contra a honra. Exclusão do crime. Retratação. CAPÍTULO V DOS CRIMES CONTRA A HONRA Calúnia Art. 138 - Caluniar alguém, imputando-lhe falsamente fato definido como crime: Pena - detenção, de seis meses a dois anos, e multa. § 1º - Na mesma pena incorre quem, sabendo falsa a imputação, a propala ou divulga. § 2º - É punível a calúnia contra os mortos. Exceção da verdade § 3º - Admite-se a prova da verdade, salvo: 2 I - se, constituindo o fato imputado crime de ação privada, o ofendido não foi condenado por sentença irrecorrível; II - se o fato é imputado a qualquer das pessoas indicadas no nº I do art. 141; III - se do crime imputado, embora de ação pública, o ofendido foi absolvido por sentença irrecorrível. Inviolabilidade constitucional à honra: art. 5º, X, dispõe que “são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação”. Daí a justificativa da punição criminal daquele que, deliberadamente, ofende a honra alheia. Espécies de honra: a) honra objetiva - A honra objetiva é a visão que as demais pessoas da coletividade têm acerca das qualidades físicas, morais e intelectuais de alguém, ou seja, é a reputação de cada indivíduo no meio social em que está imerso; em suma, é o julgamento que as pessoas fazem de alguém. b) honra subjetiva: é o sentimento que cada pessoa possui acerca das suas próprias qualidades físicas, morais e intelectuais, o juízo que cada um faz de si mesmo (autoestima). Subdivide-se em honra-dignidade (conjunto de qualidades morais do indivíduo) e honra-decoro (conjunto de qualidades físicas e intelectuais). Fala-se ainda em: a) honra comum e honra especial. Honra comum é a atinente à vítima enquanto pessoa humana, independentemente das atividades por ela exercidas. Honra especial, ou honra profissional, é a que se relaciona com a atividade particular da vítima. Subsidiariedade: Os crimes contra a honra estão previstos também em diversas leis extravagantes, como o Código Penal Militar e o Código Eleitoral. Os tipos previstos no Código Penal somente serão aplicados quando não se verificar nenhuma das hipóteses excepcionalmente elencadas pela legislação especial. Se o fato cometido no caso concreto ostentar os elementos especializantes contidos na lei especial, esta terá preferência sobre a lei geral (princípio da especialidade). Crimes contra a honra por meio de impressa: a ofensa perpetrada por meio de imprensa configura crime comum, na medida em que o Supremo Tribunal Federal, ao julgar a ADPF n. 130, entendeu que a Lei de Imprensa (Lei n. 5.250/67) não foi recepcionada pela Constituição Federal de 1988. É claro, porém, que, se o crime for cometido pela imprensa, na 3 propaganda eleitoral, estará caracterizada calúnia, difamação ou injúria do Código Eleitoral (Lei n. 4.737/67). Sujeito ativo: qualquer pessoa (crime comum). Algumas pessoas, todavia, são imunes aos crimes contra a honra. Não os praticam, ainda que ofendam a honra alheia, pois o ordenamento jurídico as afastam da incidência do Direito Penal. a) Imunidades Parlamentares: A imunidade material protege o parlamentar em suas opiniões, palavras e votos, desde que relacionadas às suas funções, não abrangendo manifestações desarrazoadas e desprovidas de conexão com seus deveres constitucionais. A imunidade material abrange os deputados federais e senadores. De acordo com o art. 27, § 1º, da Constituição Federal, aos deputados estaduais serão aplicadas as mesmas regras sobre imunidades relativas aos deputados federais e senadores. No tocante ao Poder Legislativo Municipal, dispõe o art. 29, inciso VIII, da Constituição Federal que os municípios serão regidos por lei orgânica, que deverá obedecer, entre outras regras, a da inviolabilidade dos vereadores por suas opiniões, palavras e votos, no exercício do mandato e na circunscrição do Município. b) Advogados: de acordo com o art. 7º, § 2º, da Lei 8.906/1994, “o advogado tem imunidade profissional, não constituindo injúria, difamação ou desacato puníveis qualquer manifestação de sua parte, no exercício de sua atividade, em juízo ou fora dele, sem prejuízo das sanções disciplinares perante a OAB, pelos excessos que cometer”. O Supremo Tribunal Federal, na Ação Direta de Inconstitucionalidade 1.127-8, declarou a inconstitucionalidade da expressão “ou desacato” constante deste dispositivo legal. A imunidade profissional do advogado não se estende ao crime de calúnia. c) Promotores: Os membros do Ministério Público gozam também de imunidade nos termos da Lei n 8.625/93 — Lei Orgânica do Ministério Público. Art. 41. Constituem prerrogativas dos membros do Ministério Público, no exercício de sua função, além de outras previstas na Lei Orgânica: V - gozar de inviolabilidade pelas opiniões que externar ou pelo teor de suas manifestações processuais ou procedimentos, nos limites de sua independência funcional; d) Magistrados1: O art. 41 da Lei 1 Supremo Tribunal Federal: “o Magistrado é inviolável pelas opiniões que expressar ou pelo conteúdo das decisões que proferir, não podendo ser punido nem prejudicado em razão de tais pronunciamentos. É necessário, contudo, que esse discurso judiciário, manifestado no julgamento da causa, seja compatível com o usus fori e que, desprovido de intuito ofensivo, guarde, ainda, com o objeto do litígio, indissociável nexo de causalidade e pertinência. Doutrina. Precedentes. A ratio subjacente à norma inscrita no art. 41 da LOMAN decorre da necessidade 4 Complementar n. 35/79, Lei Orgânica da Magistratura, confere o mesmo tipo de imunidade aos juízes de direito: “salvo os casos de improbidade ou excesso de linguagem, o magistrado não pode ser punido ou prejudicado pelas opiniões que manifestar ou pelo teor das decisões que proferir”. Sujeito passivo: Pode ser qualquer pessoa física. Os crimes contra a honra supõem, em sua configuração estrutural e típica, a existência de sujeito passivo determinado e conhecido. Não é imprescindível, contudo, que a pessoa moralmente ofendida seja objeto de expressa referência nominal. Basta que o ofendido seja designado de maneira tal que torne possível a sua identificação, ainda que na limitada esfera de suas relações pessoais, profissionais ou sociais. Os desonrados, os doentes mentais e menores de 18 anos também podem ser vítimas de todos os crimes contra a honra. A pessoa jurídica pode ser vítima de calúnia (apenas quanto a crimes ambientais) e difamação, mas nunca de injúria. Se o sujeito passivo da calúnia e da difamação for o Presidente da República, do Senado Federal, da Câmara dos Deputados ou do Supremo Tribunal Federal, a conduta pode ser deslocada do Código Penal para o art. 26 da Lei 7.170/1983 – Crimes contra a Segurança Nacional. Consentimento do ofendido: A honra é bem jurídico disponível. Portanto, o consentimento do ofendido, se prévio, emanado de pessoa capaz e livre de qualquer tipo de coação ou fraude, exclui o crime. O consentimento posterior, por outro lado, pode ensejar a renúncia ou o perdão, extinguindo a punibilidade, pois os crimes contra a honra, em regra, somente procedem-se mediante queixa. O consentimento prestado pelo representante legal de um menor de idade ou incapaz não afasta o crime, pois a honra não lhe pertence, e a ninguém é dado dispor validamente de direito alheio. Elemento subjetivo: Em regra é o dolo, direto ou eventual, não havendo crime contra a honra de natureza culposa. No subtipo de calúnia, definido pelo art. 138, § 1º, do Código Penal, admite-se exclusivamente o dolo direto, pois consta a expressão “sabendo falsa a imputação”. Não basta praticar a conduta descrita pelo tipo penal de cada um dos crimes contra a honra. Exige-se um especial fim de agir (teoria finalista = elemento subjetivo do tipo ou elemento subjetivo do injusto; de proteger os magistrados no desempenho de sua atividade funcional, assegurando-lhes condições para o exercício independente da jurisdição” (STF — Inq. 2.699/DF — Rel. Min. Celso de Mello — Pleno — DJe 07.05.2003). 5 teoria clássica = dolo específico), consistente na intenção de macular a honra alheia (animus diffamandi vel injuriandi). Núcleo do tipo: atribuir falsamente a alguém a prática de fato definido como crime. Se for contravenção penal, caracteriza difamação. A ofensa dirigida contra pessoa certa e determinada. Elemento normativo do tipo – “falsamente”: A falsidade pode se referir: a) à existência do fato criminoso imputado, hipótese em que o agente narra um crime que ele sabe que não ocorreu; b) à autoria do crime, ou seja, quando o delito existiu, mas o agente, tendo ciência de que determinada pessoa não pode ter sido o seu causador, a ele atribui a responsabilidade pelo fato. Objeto jurídico: O bem jurídico tutelado é a honra objetiva, ou seja, a reputação da pessoa na sociedade. Objeto material: É a pessoa que tem sua honra objetiva ofendida pela conduta criminosa. Consumação: No momento em que a imputação falsa de crime chega ao conhecimento de terceira pessoa, sendo irrelevante se a vítima tomou ou não ciência do fato. Tentativa: É ou não possível, dependendo do meio de execução do crime, ou seja, se o delito apresentar-se como plurissubsistente (exemplo: carta que se extravia) ou unissubsistente (exemplo: ofensa oral). Meios de execução: A calúnia, tal como os demais crimes contra a honra, pode ser cometida de forma verbal, por escrito, por gestos ou por qualquer outro meio simbólico (ex.: uma charge, um quadro, uma escultura, uma encenação). Formas de calúnia: a) Inequívoca ou explícita: Ocorre quando a ofensa é feita às claras, sem deixar qualquer margem de dúvida em torno da intenção de ofender. b) Equívoca ou implícita: Quando a ofensa é velada, sub-reptícia. O agente dá a entender que alguém teria feito alguma coisa. c) Reflexa: Quando o agente quer caluniar uma pessoa, mas, na narrativa do fato, acaba também atribuindo crime a uma outra. Em relação a esta última, a calúnia é reflexa. Ex.: querendo deixar uma mulher malfalada, o agente diz que ela procurou determinado médico para fazer aborto. Reflexamente, o sujeito atribui crime de aborto também ao médico. Subtipo da calúnia (art. 138, § 1º): depois de tomar conhecimento da imputação falsa de um crime à vítima, o autor leva adiante a ofensa, transmitindo-a a outras pessoas. Propalar é relatar verbalmente, enquanto divulgar consiste 6 em relatar por qualquer outro meio (exemplos: panfletos, outdoors, gestos etc.). Essa modalidade do crime de calúnia é incompatível com o dolo eventual, pois o tipo utiliza a expressão “sabendo falsa a imputação”. Calúnia contra os mortos (art. 138, § 2º): A lei tutela a honra das pessoas mortas relativamente à memória da boa reputação, bem como o interesse dos familiares em preservar a dignidade do falecido. Vítimas do crime são o cônjuge e os familiares do morto, pois este último não tem mais direitos a serem penalmente protegidos. Calúnia e denunciação caluniosa: Na calúnia o agente visa atingir apenas a honra da vítima, imputando-lhe falsamente um crime perante outra(s) pessoa(s). Na denunciação caluniosa, descrita no art. 339, do Código Penal, a conduta é mais grave, pois nela o agente quer prejudicar a vítima perante as autoridades constituídas, narrando a elas que tal pessoa teria cometido um crime ou contravenção, quando, em verdade, sabe que é inocente. Com isso, o agente dá causa ao início de uma investigação policial, administrativa ou até mesmo a uma ação penal. Em outras palavras, trata-se de crime mais grave porque expõe a risco a liberdade de pessoa inocente e porque faz com que as autoridades percam seu precioso tempo investigando um inocente. A denunciação caluniosa é crime contra a administração da justiça. É comum que, com uma só ação, o agente cometa denunciação caluniosa e, ao mesmo tempo, ofenda a honra da vítima. Nesse caso, nossos tribunais firmaram entendimento de que a calúnia fica absorvida pelo crime mais grave. Nesse sentido: “Calúnia e denunciação caluniosa constituem-se em imputações de que uma é excludente da outra, se fundada no mesmo fato” (STF — Rel. Clóvis Ramalhete — RT 561/418); “A calúnia, como crime menor, é abrangida pela denuncia caluniosa, crime maior, quando ambos os delitos estiverem fundados em um mesmo fato” (Tacrim-SP — Rel. Gonzaga Franceschini — RJD 4/76). Lei 9.099/1995: a calúnia, em face da pena máxima cominada, caracteriza infração penal de menor potencial ofensivo. Exceção da verdade: Só existe calúnia se a imputação for falsa. Se ela for verdadeira, o fato é atípico. A falsidade da imputação é presumida, sendo, entretanto, uma presunção relativa, uma vez que a lei permite que o acusado (ofensor) se proponha a provar, no mesmo processo, por meio de exceção da verdade, que sua imputação é verdadeira. Assim, se o querelado conseguir provar a veracidade de suas afirmações, 7 será absolvido e, caso o crime imputado seja de ação pública e ainda não esteja prescrito, o juiz deverá remeter cópia dos autos ao Ministério Público, na forma do art. 40 do Código de Processo Penal, para que referida Instituição tome as providências pertinentes — promoção de ação penal em relação ao autor da infração. A exceção da verdade é um verdadeiro procedimento incidental, usado como meio de defesa, que deve ser apresentada no prazo da defesa prévia (se o procedimento tramitar no JECrim, nas hipóteses em que a pena máxima da calúnia não supere dois anos), ou da resposta escrita (se a tramitação se der no juízo comum por estar presente alguma causa de aumento que retire a competência do Juizado Especial). O querelado pode arrolar testemunhas que venham a juízo para confirmar a veracidade da imputação. O juiz, então, ouve as testemunhas arroladas por ambas as partes e, ao final, analisa a exceção da verdade. O ônus de provar a veracidade da imputação é do querelado, pois, como já mencionado, existe uma presunção — relativa — de que ela seja falsa. Assim, caso ele prove cabalmente ser verdadeira a imputação, será absolvido da calúnia por atipicidade de sua conduta. Caso, todavia, não tenha êxito, será condenado, exceto, é claro, se houver alguma outra causa que impeça o decreto condenatório. Exceção da verdade quando o querelado goza de foro por prerrogativa de função: O art. 85 do Código de Processo Penal estabelece que, caso seja oposta exceção da verdade contra querelante que goze de foro por prerrogativade função, deverá a exceção ser julgada pelo Tribunal e não pelo Juízo por onde tramita a ação penal. Assim, suponha-se que um juiz de direito, sentindo-se caluniado, ingresse com ação penal contra o ofensor, na Comarca de Ribeirão Preto. O querelado, então, ingressa com exceção da verdade, dispondo-se a provar que o juiz efetivamente praticou o crime que lhe foi imputado. Nesse caso, a exceção da verdade deverá ser julgada pelo Tribunal de Justiça. A doutrina, contudo, entende que apenas a exceção é julgada pela Corte Superior, devendo os autos retornarem à comarca de origem para a decisão do processo originário, que, todavia, deverá respeitar os parâmetros do julgamento quanto à exceção da verdade, que vincula o juiz de 1ª instância. Hipóteses em que é legalmente vedada a exceção da verdade: O art. 138, § 3º, do Código Penal, após declarar, inicialmente, que é cabível a exceção da verdade na calúnia, 8 em seguida, enumera três hipóteses em que a utilização desse meio de defesa é vedado: I - se, constituindo o fato imputado crime de ação privada, o ofendido não foi condenado por sentença irrecorrível; II - se o fato é imputado a qualquer das pessoas indicadas no nº I do art. 141; III - se do crime imputado, embora de ação pública, o ofendido foi absolvido por sentença irrecorrível. Possibilidade de condenação por imputação verdadeira: nas hipóteses em que a lei veda o uso da exceção da verdade, a presunção de falsidade da imputação assume caráter absoluto e o autor da imputação pode ser condenado, ainda que tenha feito narrativa verdadeira, já que está impossibilitado de fazer prova nesse sentido, motivo pelo qual parte da doutrina vem sustentando que essas vedações ao uso da exceção da verdade ferem o princípio constitucional da ampla defesa, porque proíbem o uso de meio de defesa que demonstraria a atipicidade da conduta. Exceção de notoriedade do fato: O art. 523 do Código de Processo Penal prevê, ainda, a exceção de notoriedade do fato, em que o querelado, nos crimes de calúnia e difamação, visa demonstrar que apenas falou coisas que já eram de domínio público, de modo que sua fala não atingiu a honra da vítima, pois o assunto já era, anteriormente, de conhecimento geral. Difamação Art. 139 - Difamar alguém, imputando-lhe fato ofensivo à sua reputação: Pena - detenção, de três meses a um ano, e multa. Exceção da verdade Parágrafo único - A exceção da verdade somente se admite se o ofendido é funcionário público e a ofensa é relativa ao exercício de suas funções. Objeto jurídico: A lei penal protege a honra objetiva. Objeto material: É a pessoa que tem sua honra objetiva atacada pela conduta criminosa. Núcleo do tipo: É imputar a alguém um fato ofensivo à sua reputação. Consiste, pois, em desacreditar publicamente uma pessoa, maculando os atributos que a tornam merecedora de respeito no convívio social. Falsidade da imputação: Ao contrário do que ocorre com a calúnia, na difamação não se exige que a imputação seja falsa. 9 Em outras palavras, a lei tenciona que cada um tome conta da própria vida e evite fazer comentários desairosos sobre a vida alheia, pois, ainda que verdadeiros, constituirão crime de difamação. Assim, se alguém viu a filha do vizinho entrando para trabalhar em casa de prostituição, não deve espalhar isso para os demais moradores, porque, ao fazê-lo, o agente sabe que a moça ficará mal falada. Se o fizer, responderá pela difamação, ainda que o fato seja verdadeiro. Deve sempre ser analisado o animus do autor, pois, se um funcionário de um prédio conta para o patrão que a babá de seu filho não cuida do menino, quando ele está perto da piscina, para aquela ficar namorando ou que usa droga na presença da criança, não está configurada a infração por falta de intenção de ofender, já que ele visa apenas proteger o infante. Consumação: O crime se consuma quando terceira pessoa toma conhecimento da ofensa dirigida à vítima. Tentativa: em alguns casos é possível, dependendo do meio de execução do crime (delito unissubsistente – exemplo: ofensa oral, ou plurissubsistente – exemplo: difamação por escrito, como na carta ofensiva que se extravia). Pessoa jurídica como vítima de difamação: há divergência doutrinária e jurisprudencial. Autores como Damásio de Jesus, Cezar Roberto Bitencourt e Flávio Monteiro de Barros entendem que é possível, pois pessoa jurídica possui reputação, nome a zelar, que pode ser afetada pela atribuição de fatos desonrosos. A maliciosa propalação de que determinada empresa não cumpre suas avenças ou de que sempre atrasa as entregas de mercadorias pode afetar irremediavelmente seus negócios. O Supremo Tribunal vem admitindo a difamação contra pessoa jurídica, em razão do art. 23, III, da Lei de Imprensa (Lei n. 5.250/67), não havendo motivos para que o fato não seja criminoso se, igualmente ofensivo, mas cometido por meio diverso, já que o bem jurídico tutelado é o mesmo: “A pessoa jurídica não pode ser sujeito passivo dos crimes de injúria e calúnia, sujeitando-se apenas à imputação de difamação. Precedentes” (STF — Rel. Maurício Corrêa — Pet 2491/AgR/BA — DJ 14.06.2002, p. 00127). Ainda nesse sentido: RHC 61993/RS; RHC 59290/RS e Inq. 800/RJ. Por outro lado, autores como Nélson Hungria e Magalhães Noronha recusam a possibilidade de pessoa jurídica ser vítima de difamação, argumentando, basicamente, que, estando a difamação contida no Título Dos Crimes Contra a Pessoa, só pode ter como vítima pessoas naturais, pois é isso o que 10 ocorre nos demais delitos elencados em tal Título. No Superior Tribunal de Justiça, podem ser encontrados inúmeros julgados nesse sentido: “Pela lei em vigor, pessoa jurídica não pode ser vítima dos crimes contra a honra previstos no Código Penal. A própria difamação ex vi legis (art. 139 do CP) só permite como sujeito passivo a criatura humana. Inexistindo qualquer norma que permita a extensão da incriminação, nos crimes contra a pessoa (Título I do Código Penal), não se inclui a pessoa jurídica no polo passivo e, assim, especificamente, (Capítulo IV do Título I) só se protege a honra das pessoas físicas. (Precedentes)” (STJ — AgRg n. 672522/PR — Rel. Felix Fischer — DJ 17.10.2005, p. 335). No mesmo sentido: HC 7391/SP; HC 10602/GO; RHC 7512/MG; Resp. 603.807/RN. Exceção da verdade: Em regra não se admite a exceção da verdade no crime de difamação, pois pouco importa se a falsidade da imputação não funciona como elementar típica. Excepcionalmente, entretanto, o legislador autoriza nos casos em que o ofendido é funcionário público e a ofensa é relativa ao exercício de suas funções. Assim, a exceção da verdade irá permitir que o autor da imputação demonstre que um funcionário público agiu de forma irregular, para que ele possa ser punido e até mesmo eventualmente desligado de suas funções. Se a exceção da verdade for julgada procedente, o querelado será absolvido. Lei 9.099/1995: Em face da pena máxima cominada ao delito, trata-se de infração penal de menor potencial ofensivo. Injúria Art. 140 - Injuriar alguém, ofendendo-lhe a dignidade ou o decoro: Pena - detenção, de um a seis meses, ou multa. § 1º - O juiz pode deixar de aplicar a pena: I - quando o ofendido, de forma reprovável, provocou diretamente a injúria; II - no caso de retorsão imediata, que consista em outra injúria. § 2º - Se a injúria consiste em violência ou vias de fato, que, por sua natureza ou pelo meio empregado, se considerem aviltantes: Pena - detenção, de três meses a um ano, e multa, além da pena correspondente à violência. § 3o Se a injúria consiste na utilização de elementos referentes a raça, cor, etnia, religião, origem ou a condição de pessoa idosa ou 11 portadora de deficiência:(Redação dada pela Lei nº 10.741, de 2003) Pena - reclusão de um a três anos e multa. (Incluído pela Lei nº 9.459, de 1997) Objeto jurídico: Tutela-se a honra subjetiva. Objeto material: É a pessoa cuja honra subjetiva é atacada pela conduta criminosa. Núcleo do tipo: Injuriar equivale a ofender, insultar ou falar mal, de modo a abalar o conceito que a vítima tem de si própria. Consumação: No momento em que a ofensa à dignidade ou ao decoro chega ao conhecimento da vítima. Tentativa: É possível quando a injúria for praticada por escrito (crime plurissubsistente). Exceção da verdade: Não se admite. O crime de injúria é incompatível com a exceção da verdade, pois é irrelevante a natureza falsa ou verdadeira da ofensa. Perdão judicial (art. 140, § 1º, I e II): Trata-se de causa de extinção da punibilidade (CP, art. 107, inc. IX), cabível quando o ofendido, de forma, reprovável, provocou diretamente a injúria ou no caso de retorsão imediata. Também se admite o perdão judicial no tocante à injúria praticada por escrito. Injúria real (art. 140, § 2º): Quando a injúria consiste em violência ou vias de fato que, por sua natureza ou pelo meio empregado, se considerem aviltantes. A contravenção penal de vias de fato é absorvida pela injúria real, pois o Código Penal prevê autonomia (soma de penas) exclusivamente para as lesões corporais (além da pena correspondente à violência). Injúria qualificada (art. 140, § 3º): Ocorre quando para a pratica do crime de injúria se utiliza de elementos referentes à raça, cor, etnia, religião, origem, ou a condição de pessoa idosa ou portadora de deficiência. Estatuto do Idoso (lei 10.741/2003): caracteriza o crime tipificado pelo seu art. 96, § 1º, a conduta de desdenhar, humilhar, menosprezar ou discriminar pessoa idosa, por qualquer motivo. Injúria contra funcionário público e desacato – distinção: Se a ofensa é realizada na presença do funcionário público, no exercício da função ou em razão dela, não se trata de simples agressão à sua honra, mas de desacato, arrolado pelo legislador entre os crimes contra a Administração Pública (CP, art. 331, detenção de 6 meses a 2 anos ou multa). 12 Injúria cometida pela internet e competência: Os crimes de injúria cometidos pela internet são de competência da Justiça Estadual, mesmo se forem utilizadas redes sociais sediadas no exterior. Lei 9.099/1995: Em face da pena máxima cominada aos delitos do caput e do § 1º, são infrações penais de menor potencial ofensivo, incidindo as disposições da Lei 9.099/1995 (composição, transação e sursis processual), salvo injúria qualificada por discriminação prevista no § 3º do art. 140, que apenas comporta a suspensão do processo nos termos do art. 89, da L. 9099/95. Disposições comuns Art. 141 - As penas cominadas neste Capítulo aumentam-se de um terço, se qualquer dos crimes é cometido: I - contra o Presidente da República, ou contra chefe de governo estrangeiro; II - contra funcionário público, em razão de suas funções; III - na presença de várias pessoas, ou por meio que facilite a divulgação da calúnia, da difamação ou da injúria. IV – contra pessoa maior de 60 (sessenta) anos ou portadora de deficiência, exceto no caso de injúria. (Incluído pela Lei nº 10.741, de 2003) Parágrafo único - Se o crime é cometido mediante paga ou promessa de recompensa, aplica- Natureza jurídica: São causas especiais de aumento da pena aplicáveis a todos os crimes contra a honra, aferidas na terceira fase da dosimetria da pena. Exclusão do crime Art. 142 - Não constituem injúria ou difamação punível: I - a ofensa irrogada em juízo, na discussão da causa, pela parte ou por seu procurador; II - a opinião desfavorável da crítica literária, artística ou científica, salvo quando inequívoca a intenção de injuriar ou difamar; III - o conceito desfavorável emitido por funcionário público, em apreciação ou informação que preste no cumprimento de dever do ofício. Parágrafo único - Nos casos dos ns. I e III, responde pela injúria ou pela difamação quem lhe dá publicidade. 13 Natureza jurídica: São causas especiais de exclusão de ilicitude. Alcance: Aplicam-se à injúria e à difamação, por expressa previsão legal. Retratação Art. 143 - O querelado que, antes da sentença, se retrata cabalmente da calúnia ou da difamação, fica isento de pena. Parágrafo único. Nos casos em que o querelado tenha praticado a calúnia ou a difamação utilizando-se de meios de comunicação, a retratação dar-se-á, se assim desejar o ofendido, pelos mesmos meios em que se praticou a ofensa. (Incluído pela Lei nº 13.188, de 2015) Conceito: Retratar-se significa retirar o que foi dito, desdizer- se, assumir que errou. Natureza jurídica: Trata-se de causa de extinção da punibilidade conforme se extrai do art. 107, inciso VI, do Código Penal. Tem natureza subjetiva: não se comunica aos demais querelados que não se retrataram. Alcance: É cabível unicamente na calúnia e na difamação. Na injúria, por sua vez, a retratação do agente não leva à extinção da punibilidade, pois a lei não admite e também porque não há imputação de fato, mas atribuição de qualidade negativa e atentatória à honra subjetiva da vítima. Ação penal privada: A retratação somente é possível nos crimes de calúnia e de difamação de ação penal privada. Forma: A retratação deve ser total e incondicional, cabal, em decorrência de funcionar como condição restritiva da pena. Precisa abranger tudo o que foi dito pelo criminoso. É ato unilateral, razão pela qual prescinde de aceitação do ofendido. Momento: A retratação há de ser anterior à sentença de primeira instância na ação penal (“antes da sentença”). Ainda que tal sentença não tenha transitado em julgado, a retratação posterior é ineficaz. Nos crimes de competência originária dos Tribunais, a retratação deve preceder o acórdão. Art. 144 - Se, de referências, alusões ou frases, se infere calúnia, difamação ou injúria, quem se julga ofendido pode pedir explicações em juízo. Aquele que se recusa a dá-las ou, a critério do juiz, não as dá satisfatórias, responde pela ofensa. 14 Finalidade do pedido de explicações: afastar a dúvida sobre eventual ofensa, a lei permite àquele que se sentir prejudicado pedir explicações em juízo, previamente ao oferecimento da ação penal. É medida facultativa, pois a pessoa ofendida não precisa dele se valer para o oferecimento da ação penal. Momento: O pedido de explicações somente pode ser utilizado antes do ajuizamento da ação penal. Procedimento: Não há procedimento específico para o pedido de explicações. Obedece, portanto, ao rito das notificações avulsas. No entanto, o requerido não pode ser compelido a prestar as informações solicitadas, razão pela qual à sua omissão veda-se a imposição de qualquer espécie de sanção. O magistrado não julga o pedido de explicações. Prescrição e decadência: O pedido de explicações não interrompe nem suspende a prescrição nem a decadência. Contudo, torna prevento o juízo para futura ação penal. Art. 145 - Nos crimes previstos neste Capítulo somente se procede mediante queixa, salvo quando, no caso do art. 140, § 2º, da violência resulta lesão corporal. Parágrafo único. Procede-se mediante requisição do Ministro da Justiça, no caso do inciso I do caput do art. 141 deste Código, e mediante representação do ofendido, no caso do inciso II do mesmo artigo, bem como no caso do § 3o do art. 140 deste Código. (Redação dada pela Lei nº 12.033. de 2009) Ação penal privada: É a regra geral nos crimes contra a honra, pois “somente se procede mediante queixa”. Contudo, há exceções. Ação penal pública incondicionada: será públicaincondicionad a injúria real, se da violência resulta lesão corporal (art. 145, caput, parte final). A injúria real praticada com emprego de vias de fato é crime de ação penal privada. Ação pública condicionada à requisição do Ministro da Justiça: Nos crimes contra a honra do Presidente da República ou de chefe de governo estrangeiro (CP, art. 145, p. único, 1.ª parte). Ação penal pública condicionada à representação do ofendido: Nos crimes contra a honra, praticados contra funcionário público, em razão de suas funções (CP, art. 145, p. único, 2.ª figura); de injúria qualificada pela utilização de 15 elementos referentes à raça, cor, etnia, religião, origem ou condição de pessoa idosa ou portadora de deficiência, na forma do art. 140, § 3º, do Código Penal (CP, art. 145, p. único, in fine, com redação dada pela Lei 12.033/2009). No tocante ao crime contra a honra de funcionário público, em razão de suas funções, se não há relação entre o delito contra a honra e o exercício das funções públicas, a ação penal é privada. Também é privada a ação penal quando a ofensa se dirige a pessoa que já deixou a função pública. E, nos termos da Súmula 714 do STF: “É concorrente a legitimidade do ofendido, mediante queixa, e do Ministério Público, condicionada à representação do ofendido, para a ação penal por crime contra a honra de servidor público em razão do exercício de suas funções. ” 1. BIBLIOGRAFIA BÁSICA BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de Direito Penal, vol. 2, parte especial, 14ª ed., 2014, Saraiva. NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de Direito Penal, 10ª ed., 2014, Forense. PRADO, Luiz Regis Prado. Curso de Direito Penal, vol. único, 13ª ed., 2014, RT. 2. BLIBIOGRAFIA COMPLEMENTAR CAPEZ, Fernando. Curso de Direito Penal- vol.2, parte especial, 13ª Ed, 2013, São Paulo: Saraiva. DELMANTO, Roberto. Código Penal Comentado, 5. ed., atual. e ampl. Rio de Janeiro: Renovar, 2000. JESUS, Damásio de. Direito Penal, vol. 2, parte especial, 33ª Ed., 2012, Saraiva GRECO, Rogério. Curso de Direito Penal, parte especial, vol. 2, 10 ed., rev., ampl. e atual. Niterói: Impetus, 2013. MIRABETE, Julio Fabbrini. Manual de Direito Penal, vol. II, 25. ed., rev. e atual. São Paulo: Atlas, 2007
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