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O QUE É SER PROFESSOR?1 TÓPICO Alessandra Bizerra Suzana Ursi Licenciatura em ciências · USP/ Univesp 1.1 Introdução 1.2 O professor é um profissional da Educação? 1.3 O professor é um profissional da aprendizagem? 1.4 O que é ser professor? 3 O QUE É SER PROFESSOR? 1 Apresentação do Tópico Neste primeiro tópico da disciplina “Introdução aos Estudos da Educação I”, faremos uma reflexão inicial sobre a profissão Professor (será que podemos chamar de profissão?). Esse é um tema importante de ser abordado no início de nossa jornada, nesta que é a primeira disciplina com caráter predominantemente pedagógico do curso que você esco- lheu (e cujo diploma o habilita à pratica docente em Ciências). Discutiremos as concepções de professor que as pesquisas na área de Educação levantam e seguiremos nos indagando: o que é ser um bom professor? Assim, usaremos a lógica de que, para pensarmos sobre o que torna um “professor” um “bom profes- sor”, devemos antes construir nossa ideia do que é ser professor, quais suas habilidades, seus valores, enfim, sua identidade. Várias pesquisas na área têm se dedicado a investigar como se dá a constituição da identi- dade do professor e o que pode explicá-la. Entender esse processo é importante para pensar- mos nas práticas de formação docente: como elas são pensadas? Quais significados carregam? Para nos aproximarmos dessa discussão, é importante também refletirmos sobre os elementos da cultura escolar, composta por símbolos, rituais e códigos específicos de uma determinada sociedade, que possuem sua própria lógica de funcionamento. Vale a pena ainda nos questionarmos: como esse processo interfere no trabalho do professor? Como a escola articula a força desses elementos da cultura à ação do educador? Entender o papel e a inserção social deste profissional, sua formação inicial e continuada e os desafios que enfrenta não é uma tarefa fácil. Convidamos você a adentrar nesse univer- so de ideias e a iniciar suas reflexões sobre o que é se tornar um professor! Será muito gratificante iniciar esse processo com vocês. Bem vindos! Fonte: Thinkstock Licenciatura em Ciências · USP/Univesp 4 VIDA E MEIO AMBIENTE Introdução aos Estudos da Educação I Licenciatura em Ciências · USP/Univesp 1.1 Introdução Ensinar é uma prática social. Como nos mostra Paulo Freire (Figura 1.1), é uma ação cultural que se concretiza na interação entre educadores e aprendizes e reflete o contexto social desta relação. Entretanto, no senso comum, quando pensamos no ato de ensinar, logo o associamos ao professor e seus alunos em uma situação restrita à sala de aula. Quando pensamos assim, atribuímos ao professor a responsabilidade total pelo ato educativo. Um de nossos objetivos nessa disciplina é ponderar essa visão e ressaltar que a prática educativa extrapola a sala e a escola, que ela faz parte de uma cultura e segue suas regras e valores. Por vezes, essa cultura será ainda mais importante para a construção da iden- tidade do professor do que sua própria formação técnica, pois cada um é um indivíduo diferente, com uma história de vida distinta, proveniente de um determinado espaço social e com demandas e expectativas próprias. Dependendo de seu repertório cultural, sua ação educativa terá objetivos e experiências próprios que prova- velmente serão diferentes dos apresentados por um outro professor que teve uma formação técnica semelhante à sua. Precisamos nos lembrar, ainda, que o professor faz parte de um sistema educativo, historicamente construído, com diretrizes políticas definidas e com autonomia relativa. Essa visão geralmente não aparece em filmes e novelas, nos quais as figuras estereotipadas do professor romântico, do professor amigo, do professor engraçado reforçam a ideia de um profissional separado de seu contexto social, possuidor de um dom inato para a docência e que desenvolve sua prática baseado somente naquilo em que acredita. Assim, neste tópico, abordaremos a ideia de que ser professor não é somente dominar as técnicas de ensino ou os conteúdos específicos da disciplina na qual atua, mas significa também entender seu papel social, em seu tempo e em seu espaço, e sua cons- tituição enquanto profissional. Como nos diz José Figura 1.1: Paulo Freire (1921 - 1997), um dos maiores pedagogos brasileiros, formulou a Pedagogia da Libertação. / Fonte: Cepa Fonte: Thinkstock 5 O QUE É SER PROFESSOR? 1 Licenciatura em Ciências · USP/Univesp Gimeno Sacristán, um pesquisador espanhol sobre Didática e Organização Escolar, “a prática docente é realizada por um grupo definido, cujas características são condições para a expressão prática da atividade profissional” (GIMENO SACRISTÁN, 1995, p. 66). 1.2 O professor é um profissional da Educação? As concepções de educação que temos hoje, como veremos na próxima semana, é fruto de uma série de tensões e conflitos históricos e já foi representada por diferentes perspectivas. Em todo esse processo, o papel do professor assumiu diferentes matizes, mas, como afirma Sônia Castellar, pesquisadora brasileira em Educação e Didática da Geografia, uma tendência pode ser observada: “o pensar pedagógico amplia-se rumo à integração do processo ensino/aprendizagem”, priorizando as abordagens que enfatizam o papel do professor como o mediador que ajudará o aluno a construir sua própria relação com o conhecimento (CASTELLAR, 1998, p. 51). Assim, o professor transmissor de informação perdeu seu espaço para o professor mediador. Com essas transformações no nosso entendimento do processo de ensino/aprendizagem, tornou-se fundamental que os professores tomassem consciência de sua ação e que passassem a buscar sua emancipação e seu desenvolvimento profissional. Saber selecionar e organizar conte- údos, desenvolver estratégias didáticas, implementar mecanismos de avaliação coerentes, buscan- do garantir um processo de aprendizagem significativo, tornaram-se algumas das principais “tarefas” do professor (discutiremos estes assuntos ainda nesta disciplina). Porém, a ação do professor não se encerra na sala de aula; sua atuação vai além dela, seja direta ou indiretamente. Afinal, qual a atuação do professor? Esta é uma profissão? Antes de prosseguir, reflita um pouco sobre esses questionamentos. O que você pensa sobre isso? Na última década do século passado, acirrou-se uma discussão sobre a consideração ou não da docência como profissão. Alguns au- tores defendiam que a docência era uma semiprofissão, pois muitos professores encaravam a ação educativa como um “bico”, estavam na profissão por falta de opção (não desejavam ser professores) e não tinham autonomia na gestão de suas ações. Outros defendiam a ideia de que a docência deveria ser considerada uma profissão, pois haveria um conhecimento Fonte: Thinkstock 6 VIDA E MEIO AMBIENTE Introdução aos Estudos da Educação I Licenciatura em Ciências · USP/Univesp docente de base (com técnicas, teorias e valores envolvidos), um controle de qualidade (com instrumentos avaliativos) e condições de prática específicas. Percebe-se que considerar ou não a docência como profissão depende dos atributos levados em conta e do conceito de “profissão” utilizado. Sabemos que a própria ideia de profissão altera -se historicamente e contextualmente. Mas, então, para que haver essa discussão? Levantamos essa discussão para ressaltar um determinado ponto: quando nos referimos à ativi- dade especializada de professor, estamos considerando que há uma “profissionalidade”, ou seja, um atributo que envolve um corpo de saberes específicos, que é regido por um sistema normativo e étic, além de possuir reconhecimento social. O professor,nessa visão, torna-se um profissional responsável por colocar em andamento o processo educativo. Envolve-se, portanto, naquilo que outro pesquisador da área, José Carlos Libâneo chamou de “acontecer educativo”, o processo contínuo de “formação dos su- jeitos ao longo das idades para se tornarem adultos, pelo que adquirem capacidades e qualidades humanas para o enfrentamento de exigências postas por determinado contexto social” (LIBÂNEO, 1998, p. 65). Mas como deveria ser a formação do professor para assumir esse complexo papel social? Essa é uma discussão fundamental. Para contextualizar nosso problema, devemos nos lembrar que vivemos em um período no qual a lógica do mercado predomina na elaboração das polí- ticas públicas brasileiras. Na área de educação, tais diretrizes privi- legiam a formação técnica e abordam as práticas que demandam a reflexão, o planejamento e a pesquisa como obstáculos para a for- mação de um profissional que atenda às necessidades do mercado. Donald Schön (Figura 1.2), pesquisador estadunidense, teve uma importante contribuição para pensarmos sobre esse problema. Ele foi um grande crítico ao que chamou de modelo da racionali- dade técnica de formação profissional. Para esse pesquisador, grande parcela dos cursos de formação profissional parte da lógica de que o aluno (futuro profissional) deve solucionar problemas a partir de conhecimentos teóricos e técnicos vistos anteriormente. Cursos que seguem este modelo colocam, inicialmente, seu aluno em contato com as teorias das ciências básicas para, em seguida, os apresentarem Fonte: Thinkstock Figura 1.2: Donald Schön (1930 – 1997), idealizador da concepção de “Professor Prático-Reflexivo”. / Fonte: Cepa 7 O QUE É SER PROFESSOR? 1 Licenciatura em Ciências · USP/Univesp às teorias das ciências aplicadas. Por fim, oferecem um período voltado para a prática, no qual os alunos deverão entrar em contato com problemas cotidianos de sua profissão, utilizando-se dos conhecimentos adquiridos, até então, para solucioná-los. Em crítica a esse modelo, Schön (1987) desenvolve o conceito de profissional prático-reflexivo, sugerindo que, em várias profissões, a lógica da racionalidade técnica opõe-se a uma práxis reflexiva. Para ele, o conhecimento da técnica não garante o sucesso profissional, pois os pro- blemas que o profissional enfrentará serão únicos e sua solução dependerá de um conjunto de fatores que vai além dos conhecimentos técnicos. No caso da docência, como em outras profissões, há situações conflitantes e desafiantes, nas quais o professor terá que refletir sobre a situação para que possa resolvê-la. E essa análise depende de cada indivíduo, de sua história de vida, de suas expectativas, de seus valores, de suas perspectivas econômicas, sociais e políticas, além, claro, de seus conhecimentos técnicos. Em outras palavras, não há uma fórmula mágica para solucionar os problemas com os quais o profissional se depara a cada dia. Há, sim, o profissional que, segundo Schön, sabe refletir na ação e refletir sobre a ação. Como aponta outro pesquisador Ángel Pérez Goméz (1992, p. 106): Quando o professor reflete na e sobre a ação, converte-se num investigador na sala de aula: afastado da racionalidade instrumental, o professor não depende das técnicas, regras e receitas derivadas de uma teoria externa, nem das prescrições curriculares impostas pela administração ou pelo esquema preestabelecido no manual escolar. Ao conhecer a estrutura da disciplina em que trabalha e ao refletir sobre o ecossistema pe- culiar da sala de aula, o professor não se limita a deliberar sobre os meios, separando-os da definição do problema e das metas desejáveis, antes constrói uma teoria adequada à singular situação de seu cenário e elabora uma estratégia de ação adequada. É importante ressaltarmos, porém, que essa reflexão não deve ocorrer isoladamente, mas sim nos grupos em que os professores podem investigar coletivamente suas ações. É essa prática efetivamente social que permite ao professor reconhecer que suas ações são políticas e que visam objetivos democráticos emancipatórios. O filme “Entre os muros da escola” (direção de Laurent Cantet, França), vencedor do prêmio Palma de Ouro no Festival de Cannes de 2008, é um bom motivador para que sejam feitas reflexões sobre esses assuntos. O filme foi produzido em uma escola do subúrbio 8 VIDA E MEIO AMBIENTE Introdução aos Estudos da Educação I Licenciatura em Ciências · USP/Univesp parisiense, com professores e alunos “reais” e apresenta algumas tomadas de decisão que o professor assume em seu o cotidiano escolar. 1.3 O professor é um profissional da aprendizagem? Vimos que o professor é um profissional da Educação, mas podemos questionar: o diretor, o co- ordenador, o dirigente de ensino também não o são? Qual a especificidade da profissão “professor”? É possível enveredar por diferentes caminhos para pensar sobre essa questão. Priorizamos aqui, em um caráter introdutório, a ideia de que o principal elemento da profissão professor é o processo de ensino/aprendizagem. Trouxemos então a ideia de Lino de Macedo (Figura 1.3), psicólogo brasileiro, sobre o professor como um profissional da aprendizagem. Para Lino de Macedo (2008), o desafio para a ação docente pode ser resumido em três grandes paradoxos pedagógicos. Baseado nas ideias de Meirieu, afirma, primeiramente, ser necessário valorizar a relação entre educador e educando, com a condição de incluir o objeto a ser aprendido ou ensinado. Macedo diz também que é pre- ciso valorizar a relação entre educador e conteúdos a ensinar, com a condição de incluir o aluno nesse processo. E o terceiro paradoxo apontado pelo autor seria a importância de se valorizar a relação entre educando e conteúdos/procedimentos a aprender, com a condição de o professor não excluir a si mesmo desse processo. O professor é, então, um profissional competente para gerir e gerar aprendizagens, nele mesmo (em um contexto de formação) e em seus alunos (em um contexto de sala de aula, curricular ou extracurricular). Para que isso ocorra, na visão de Macedo, é necessário considerar continuamente o triângulo pedagógico: educador, educando, objeto a ser aprendido e a ser ensinado. Agora é a sua vez... Acesse o ambiente virtual e realize a atividade 1. Figura 1.3: Lino de Macedo, profes- sor e psicólogo. / Fonte: Cepa 9 O QUE É SER PROFESSOR? 1 Licenciatura em Ciências · USP/Univesp E ainda, segundo o autor, há diferentes formas de considerar essas relações. Alguns professores priorizam os conteúdos escolares, outros, as relações com seus alunos. Em suas andanças pelo Brasil, em que teve oportunidade de entrar em contato com diferentes professores, Lino de Macedo observou quatro perfis do que considerou como “um professor competente na escola atual”: Penso que eles podem ser pelo menos quatro. Os dois primeiros correspondem às antigas e eternas funções de um professor: a de educador ou mestre, que serve de referência, queira ou não, para seus alunos, bem como a de docente, aquele pro- fissional que se responsabiliza pela transmissão dos conteúdos disciplinares. Os dois perfis seguintes são novos, ao menos na expectativa que hoje temos dos professores: a de gestor de conflitos de interesses e a de orientador (MACEDO, 2008, p.17). Macedo tenta, assim, apontar para as diferentes concepções de professor, salientando suas principais características. A leitura do texto “Competências na Educação” é importante para aprofundarmos essa discussão. 1.4 O que é ser professor? Trouxemos aqui alguns pontos iniciais sobre o que é ser professor. Mas, sem dúvida, estamos longe de responder a esta questão, não so-mente por acreditarmos que não haja uma resposta única e certa, mas principalmente por defender que uma das atribuições do professor não é fornecer respostas, mas sim ajudar seus alunos a elaborar perguntas. Agora é a sua vez... Acesse o ambiente virtual e realize a atividade 2. Agora é a sua vez... Para finalizar essa aula, acesse o ambiente virtual e realize as atividades 3 e 4. Fonte: Cepa 10 VIDA E MEIO AMBIENTE Introdução aos Estudos da Educação I Licenciatura em Ciências · USP/Univesp Bibliografia Castellar, s. M., A formação de professores e o Ensino de Geografia. GiMeno saCristán, J. G. Consciência e ação sobre a prática como libertação profissional dos professores. In: NÓVOA, A (Org). Profissão professor. 2ª ed. Lisboa: Porto Editora, 1995. p. 64 – 91. GuiMarães, V. s. Formação de professores: saberes, identidade e profissão. Campinas, SP: Papirus, 2004, p. 25-60. MaCedo, L. Competências na educação. 2008. Disponível em http://www.rededosaber.sp.gov. br/contents/SIGS-CURSO/sigsc/upload/br/site_25/File/competencias_na_educacao.pdf. nóVoa, a. (Org.). (1991). Profissão Professor. Porto: Porto Editora. nóVoa, a. Formação de professores e profissão docente. In: ___________. Os professores e a sua formação. Lisboa: Porto Editora, 1995, p. 11-33. Pérez GóMez, a. P. O pensamento prático do professor: a formação do professor como profis- sional reflexivo. In: NÓVOA, A. (org.). Os professores e a sua formação. Lisboa: Dom Quixote, 1992. PiMenta, s. G. Saberes pedagógicos e atividade docente. São Paulo: Cortez, 2002. tardif, M. Saberes docentes e formação profissional. 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