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Manual de Analise do Discurso em Ciencias Sociais Lupicinio Iniguez coordenador

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Qual o alcance - e quais os limites - da incorporate da
linguagem, seu papel, sens fimdamentos teoricos, suas
dimensoes epistemologicas, metodologicas e politicas
nas Ciencias Socials? Se. por um lado, e notorio o
interesse despertado pela linguagem e suas implicacoes
nas ciencias, por outro lado. falta estabelecer um
consenso sobre essas questoes. A abordagem des
descortina ao lei tor as perspectivas do debate e a
crfticas que import a fazer a Analise do Discurso.
somente conhecer os procedimenlos basicos desse t
de analise, mas tamhem evitar os jargoes, as imposi
ou os dogmatismos, respeitando a pluralidade de
de vista, de modo que a
significalivo no processo de constioigao da realidad*
www.vozes.com.br
EDITORA
VOZES
Uma vlda pelo bom livro
vendas@vozes.cotn.br
ISBN 85.326.3004-9
9 l | 7 8 8 5 3 2 l ' 6 3 0 0 4 9
-
Lupi
DlSCURS
IENCIA
SOCIAIS
•EDITORA
VOZES
Este livro tern a intensao de
oferecer aos leitores e leitoras
que se queiram familiarizar
com o debate sobre o papel da
linguagem nas ciencias sociais
uma introdugao a Analise do
Discurso como perspectiva
teorico-metodologica e como
ferramenta de investigacao.
E interessante apontar
sumanamente o contexto
historico e disciplinar no qual
este livro foi escrito: a
interface (ou lugar de
encontro) da filosofia, da
psicologia social, da ciencia
social critica, dos estudos do
discurso e da lingiiistica, da
etnologia e da analise da
conversasao. Com tal
enfoque, este manual
representa uma relevante
contribuicao para uma visao
critica e discursiva da
psicologia social e para uma
analise aprofundada da
sociedade com seus problemas
fundamentals sociais, politicos
e economicos, permeados,
muitas vezes, pela
reconstrugao ideologica da
realidade cotidiana com
consequentes praticas de
domina9ao e exclusao.
MANUAL DE ANALISE
DO DISCURSO
EM CIENCIAS SOCIAIS
A800MM BBAMDW DE DfrESGS *B*OOUfKOI
Dados Internacionais de Catalogacao na Publicacao (CIP)
(Camara Brasileira do Livro, SP, Brasil)
Manual de analise do discurso em ciencias sociais /
Lupicinio Iniguez (coordenador);
tradu^ao de Vera Lucia Joscelyne. - Petropolis, RJ :
Vozes, 2004.
ISBN 85.326.3004-9
Varios autores.
Titulo original: Analises del discurso : manual
para las ciencias sociales
1. Analise do discurso 2. Ciencias sociais -
linguagem I. Iniguez, Lupicinio.
04-1631 CDD-401.41
indices para catalogo sistematico:
1. Analise do discurso : Linguagem e comunicacao :
Linguistica 401.41
'
Lupicinio Iniguez
(coord.)
MANUAL DE ANALISE
DO DISCURSO
EM CIENCIAS SOCIAIS
Tradu^ao de Vera Lucia Joscelyne
2a Edicao
EDITORA
VOZES
Petropolis
2005
© 2004, Editora Vozes Ltda.
Rtia Frei Luis, 100
25689-900 Petropolis, RJ
Internet: http://www.vozes.com.br
Brasil
Todos os direitos reservados. Nenhuma parte desta obra podera ser
reproduzida ou transrmtida por qualquer forma e/ou quaisquer
meios (eletronico ou mecanico, incluindo fotocopia e gravacao)
ou arquivada em qualquer sistema ou banco de dados
sem permissao escrita da Editora.
Editoragao e org. literdria: Fernando Sergio Olivetti da Rocha
ISBN 85.326.3004-9
Este livro foi composto e impresso pela Editora Vozes Ltda.
Rua Frei Luis, 100 - Petropolis, RJ - Brasil - CEP 25689-900
Caixa Postal 90023 - Tel.: (24) 2233-9000
Fax: (24) 2231-4676
er
Pi
In
1.
2.
col
3.
tra
4.
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5.
6.
ex;
II
Sumario
Prefdcio - O giro discursive (Teun A.^van Dijk) 7
Introducdo 15
1. O "giro linguistico" (Tomas Ibanez Gracia) 19
2. A linguagem nas ciencias sociais: fundamentos,
conceitos e modelos (Lupicinio Iniguez) 50
3. A analise do discurso nas ciencias sociais: variedades,
tradi9oes e praticas (Lupicinio Iniguez) 105
4. A analise da conversa9ao e o estudo da interapao
social (Charles Antaki e Felix Diaz) 161
5. Psicologia discursiva: unindo teoria e metodo com um
exemplo (Derek Edwards) 181
6. A fronteira interior — analise critica do discurso: um
exemplo sobre "racismo" (Luiza Martin Rojo) 206
7. Praticas discursivas como estrategias de
governamentalidade: a linguagem dos riscos em
documentos de dominio publico (Mary Jane P. Spink e
Vera Mincoff Menegon) 258
Glossdrio geral 304
Prefacio
0 giro discursive
Teun A. van Dijk*
1d
ci
v!
rr
y
n
t<
c
dj
P.
P
' e
Neste livro, apresentado por importantes psicologos so-ciais da Universidade Autonoma de Barcelona, ofere-
ce-se aos estudantes uma excelente introducao ao estudo
do discurso. Em muitos aspectos, o "giro linguistico", ini-
ciado na filosofia e nas ciencias socials ha varias deca-
das, poderia, hoje em dia, ser chamado de "giro discursi-
vo" dado o atual^e crescente interesse no estudo das forr
mas do uso da linguagem e de conversagoes e textos, que
vem substituindo o estudo do sistema abstrato ou da gra-
matica de um idioma.
Enquanto o estudo da gramatica independente do
texto que, em um determinado momento, era proeminen-
te, passou a se restringir quase que totalmente a uma pe-
quena area da linguistica, vemos que nao so as demais areas
dessa disciplina como tambem a maioria das outras disci7
plinas nas humanidades e nas ciencias socials se voltaram
para os problemas fascinantes do texto e da conversacao
em interagao, cognigao, contexto social ou cultura.
As contribuigoes para este livro apresentam um retrato
tanto historico quanto sistematico desse desenvolvimen-
i...
* Universidade Pompeu Fabra. Barcelona, Espanha.
1
Teun A. van Dijk Prefacio
to tao estimulante que comegou mais ou menos na mes-
ma epoca, e muitas vezes de forma independente, entre
1964 e 1974, na antropologia, na sociologia, na psicologia
e na linguistica. Assim, para a linguistica, o giro foi de es-
truturas sintaticas abstratas de frases isoladas para o uso da
linguagem, texto; conversagao, atos discursivos, intera-
goes e cognigao. Para a filosofia e muitas das ciencias so-
ciais, como tambem e mostrado neste livro, o giro foi ain-
da mais radical, ou seja, na diregao da linguagem em geral.
Na decada de 1960 isso significou, primordialmente, que
os cientistas sociais precisaram aprender o basico das gra-
maticas formais, que eram entao a unica linguistica dispo-
nivel. No entanto, vemos que essas travessias de fronteiras
disciplinares em varias diregoes levaram logo a um inte-
resse generalizado na linguagem em uso, ou seja, na lin-
guagem usada pelos seus verdadeiros usuarios em situa-
goes sociais reais e em formas reais de interagao, em um dis-
curso que "ocorria naturalmente". E esse esforgo geral e trans-
f ~disciplinar que e agora chamado de "analise do discurso" -
embora o termo mais geral "estudos do discurso" talvez seja
. mais apropriado, ja que ele inclui nao somente a "analise"
, propriamente dita, mas tambem "teorias", aplicagoes, criti-
cas e outras dimensoes da investigagao academica.
Desde o inicio, a psicologia foi uma das disciplinas-
mae dos estudos do discurso. Ja no comego do seculo XX,
o famoso F.C. Bartlett buscava descobrir como e que as
pessoas decoram historias e, no livro que escreveu pouco
mais tarde, Remembering (1932), explicou que as pessoas
leem, compreendem e decoram historias em tennos da nar-
rativa e de outros esquemas de conhecimento de sua propria
cultura. Muitos anos mais tarde, e apos a derrota do beha-
viorismo por uma critica devastadora de Chomsky sobre a
visao behaviorista da linguagem e do aprendizado da lin-
guagem segundo Skinner, foi essa ideia basica de Bartlett
Pajin-
enfua-
fefes-
a4ns-
po?9a
o«?e"
liintl-
s^i|as-$S0|
iP as
so^
t4oasdir-
dofriajeha-
rea
..lin-
cplil lett
que viria a ser uma das pedras fundamentals da revolu-
gao cognitiva. Assim, a partir da metade da decada de 1970,
um campo muito vasto e bem-sucedido do estudo cogniti-
vo-psicologico dos processes da produgao e compreensao
de textosfoi desenvolvido como uma das areas do estudo
transdisciplinar do discurso.
Um dos muitos topicos abordados nesse tipo de estu-
dos de processamento do discurso foi o papel fundamental
do conhecimento: hoje sabemos que e impossivel produzif^
ou ler um texto, ou participar de uma conversa, sem uma
grande quantidade de conhecimento sobre a linguagem,
sobre o discurso, sobre a comunicagao, sobre o contextQ
atual e, de um modo geral, ate sobre o "mundo". Grande
parte desse conhecimento e compartiihado socialmente
entre comunidades sociais, profissionais ou culturais di-
ferentes para as quais ele e denominador comum para a
agao, a interagao, o discurso e as praticas sociais. \
Vemos tambem, da mesma maneira, que as frases nao
podem ser isoladas de seus textos e contextos, e que tambem
o processamento do discurso nas mentes dos usuarios da
linguagem nao pode ser isolado nem do verdadeiro uso da lin-
guagem em contextos sociais por usuarios da linguagem em
suas comunidades sociais e culturais. A linguagem, o discur-
so e o conhecimento sao essencialmente sociais.
E esse insight fundamental que deu origem nao so a
sociolinguistica, a pragmatica e a etnografia da fala, mas
tambem a psicologia social do discurso, que forma o pano
de fundo da apresentagao das varias perspectivas nos estu-
dos sobre discurso oferecidas neste livro.
Existem, no entanto, muitos tipos de psicologia social
e, infelizmente, a maior parte deles tern dernonstrado pou-
co interesse explicito no estudo do discurso. Assim, a psi-
cologia social experimental nos Estados Unidos concen-
Teun A. van Dijk
trou-se, inicialmente, em atitudes, preconceitos e gerenci-
amento da impressao, entre muitos outros topicos, em vez
de estudar as maneiras pelas quais elas sao adquiridas dis-
cursivamente, expressas, usadas e reproduzidas na socie-
dade. Acoinpanhando a revolugao cognitiva na psicolo-
gia "individual", essa psicologia "social" tambem tern mui-
to pouco que ver com a maneira como a mente, ou os indi-
viduos, estao relacionados com a sociedade. Na Europa,
varias tradigoes de psicologia social tinham mais interesse
na dimensao social da vida cotidiana propriamente dita,
em temas tais como a identidade social de grupos e as rela-
goes grupais, por um lado, e representacoes sociais de co~
f^munidades, por outro. No entanto, embora a identidade so-
cial, as relacoes sociais e as representacoes sociais sejam
em grande parte administradas pelo discurso, a maioria
•dessas abordagens da psicologia social quase nao esta en-
volvida na analise sistematica do discursp, nem teorica-
tente, nem na pratica, nem metodologicamente. Isso signi-
fica que Ihes era impossivel oferecer qualquer insight sobre
as maneiras como essas identidades, relacionamentos e re~
presentapoes grupais sao realmente adquiridas, utilizadas e
reproduzidas na socieda'derUmalriterface vasta e complexa
- a do discurso - era excluida dessas abordagens.
A partir da metade da decada de 1980, a ESJ£olQgi;a so-
cial desenvolvida na Universidade
estudiosos eminentes como Michael BilligfJonathan Pot-
ter, Margaret Wetherell e Derek Edwards a quem se junta-
ram depois Charles Antaki e outros, ofereceram uma alter-
nativa radical quando explicitamente se concentraram no
texto e especialmente na "conversagao". Ao levar o discur-
so a serio, eles reagiram, assim, tanto contra os psicologos
^sociais norte-americanos como contra outros europeus.
Contra o experimentalismo limitado no laboratorio,
eles propuseram o estudo da linguagem real usada em situ-
.10
Prefacio
apoes sociais, isto Q, o discurso ou conversagao natural,
que, a seu ver, seriam dados muito mais confiaveis para
estudar a sociedade e seus membros. Contra o mentalismo
da psicologia cognitiva, propuseram o estudo do uso ver-
dadeiro de termos psicologicos nas conversas cotidianas.
E contra o empirismo e o realismo da maior parte de outras
tradicoes da psicologia e das ciencias sociais, ofereceram
uma alternativa construtivista mais ou menos radical, ins-
irada, por exemplo, em Rom Harre: a
. - - - ,
textoe da conyersacao. £ comc^riao temos acesso direto a
"suits menfesTmas somente a seus discursos, e melhor que
nos concentremos nesses discursos. E nao apenas como
meras "expressoes" de suas mentes, mas sim por si mes-
mos, isto e, como formas de interacao social, com suas
proprias variaveis, objetivos, interesses, problemas e es-
trategias para fazer sentidcx
Corno tambem vemos neste livro, e por essa razao que
grande parte da psicologia discursJYaJnspiraTse no^estudo
.da conversac^ao na emometodologia, ouseja, no estudo dos
"metodps"lmpficitos, partilhados sociahnente, que as pes-
soas usam na interagao, e dai tambem na conversacao, para
entender, conduzir e fazer sentido de suas vidas cotidianas.
De uma maneira que nos recorda a forma como esses
etnometodologistas ou microssociologos rejeitaram as es-
trururas abstratas e preestabelecidas da sociologia parso-
niana, e se concentraram nos detalhes da acao e da conver-
sagao, os psicologos discursivos tambem rejeitaram mui-
tas das nogoes preestabelecidas da psicologia cognitiva e
social tradicional e tambem se concentraram nos detalhes
do discurso.
Os tipos diferentes da^giigolggia discursiva e retori-
ca desenvolvidos err|^61igEborou^IrtfT^ wr™*™™™ nmJogo encontraram um
Teun A. van Dijk
eco em outras universidades e em outros paises, especial-
mente nos departamentos de psicologia social. Na Espa-
nha, isso ocorreu principalmente entre os psicologos so-
ciais da Universidade Autonoma de Barcelona, tendo a
frente Tomas Ibanez e Lupicinio Iniguez, que tomaram a
iniciativa para produzir este livro convidando, para unir-
se a eles, Charles Antaki e Derek Edwards, de Loughbo-
rough; Felix Diaz e Luisa Martin Rojo, de Madri, e Mary
Jane Spink e Vera Mincoff Menegon, de Sao Paulo, produ-
zindo.assim^mamisrurainteressantissimadeabordagens.
~ No entanto, esses estudiosos nao se limitam unica-
mente a uma etnometodologia ou analise de conversa9ao
isolada sociopoliticamente; eles se denominam explicita-
mente psicologos socials e linguistas "criticos". Com isso,
se colocam em uma tradicao de pesquisa critica ampla, es7
pecialmente europeia, que remonta a Escola de Frankfurt,
e que tern como seu representante contemporaneo mais
ilustre Habermas. Essa tradigao aparece tambem no traba-
Iho de pensadbres tap diferentes quanta Foucault e Bour-
dieu na Franga e muitos outros estudiosos em outras paries,
rdo mundo., Da^p^cy^eresse comum no.discursaa psico-
logia social critica tambemestl reiacionlu3al:om a Analise
Critica do Discurso, na forma em que essa surgiu nos estu-
dos de linguistica e de discurso no flm dos anos 1970, com
o famoso livro Language and Control, de Fowler, Kress,
Hodge e Trew, seguido mais tarde p'ela obra de Norman
Fairclough no Reino Unido, Ruth Wodak em Viena e Lui-
Martin Rojo em Madri, que, portanto, tambem esta repre-
^sentada neste volume. Esses g s t u s criticos .de discurso es-
lapjnteressado^essencialmente na malieira cornpoDoder.
f t » i f f H S i T i ^ ' ^ ^ ^ = ' ? r B i T S i I ' " I'lli*111" — r 1 ' ' L" " nj-'~~''"''~'' j M C f e ^ - "
E interessante esbogar sumariamente esses contextos
historicps e disciplinares a fim de entender o contexto no
,12
Prefacio
qual este livro foi escrito: a interface (ou lugar de encon-
tro) da fllosofla, da psicologia social, da ciencia social cri-
tica, dos esrudos de discurso e da linguistica, da etnometo-
dologia e da analise da conversacao. Com seu interess
nos giros lingiiistico e discursive, e suas contribuicoes para
uma analise detalhada do discurso, os autores neste volu-
me foram capazes de contribuir de maneira significativa
para a renovacao da psicologia social na Espanha e para
uma cooperagao (mais) intensa com os analistas do discur-
so em outras disciplinas.
Como muitos dos estudantes de doutorado do progra-ma em Barcelona (assim como em outros lugares da Espa-
nha) sao da America Latina, e de se esperar que essa visao
critica e discursiva da psicologia social venha fortalecer
ainda mais essa orienta^ao tambem na America Latina.
Dados os problemas fundamentals sociais, politicos e eco-
nomicos naquela regiao, uma psicologia, seja ela ou nao
discursiva, que nao fosse capaz de contribuir para uma
analise critica da sociedade seria no minimo irrelevant^.
E, e claro, o mesmo se aplica ao resto do mundo.
Isso nao sigmfica que a abordagem "discursiva" e uma
; seja na psicologia ou em qualquer outra disciplir
na das humanidades ou das cie~ncias sociais. Embora mui-
tos aspectos e problemas da sociedade sejam discursivos,
ou possam ser estudados por varias formas de analise do
discurso, isso nao quer dizer que a sociedade e apenas dis-
cursiva, como demonstram a pobreza, a fome, as doen-
, a violencia contra mulheres, o racismo e muitos ou-
tros problemas sociais cruciais. No entanto, nosso pensa-
mento, nossa interpreta?ao e nossa comunicacao sobre es-
ses problemas sao, na maiorparte das vezes, expresses ou
reproduzidos atraves do texto ou da fala e muitas vezes
constituidos discursivamente. O que a maioria de nos sa-
bemos sobre esses problemas sociais fundamentals e o que
13
Teun A, van Dijk r
lemos sobre eles no jornal ou em livros ou o que veinos na
televisao, e com isso esse conhecimento e muitos de seus
formates sao construidos discursivamente desde o come-
co; e o mesrno ocorre com muitas das maneiras que usa-
mos para falar sobre eles e agir a seu favor ou contra eles.
A psicologia social critica e sua perspectiva discursiva
estao em uma situa$ao ideal para contribuir para nosso en-
tendimento desses e de muitos outros problemas sociais.
Essas contribuigoes sao eficientes e significativas so quan-
do contribuem com aiguma coisa que outras pessoas em
outras disciplinas nao podem oferecer, ou seja, com uma
analise muito detalhada de textos e falas, e sua relagao, por
urn lado, com a situapao social e com a sociedade em geral
e, por outro, com as muitas dimensoes psicologicas de (gru-
pos de) pessoas; dimensoes tais como a maneira como elas
veem, definem e vivem sua realidade cotidiana, a maneira
como elas lutam com suas identidades sociais, os proble-
mas da intera?ao e dos conflitos cotidianos emuma socie-
dade multicultural, as maneiras como as pessoas se envol-
vem na reproducao do machismo ou do racismo e uma
quantidade de outros aspectos que exigem a intervengao
especializada de psicologos sociais.
Tanto para estudantes como para academicos de outras
areas de pesquisa, as contribui96es neste livro mostram
em detalhe o historico, as perspectives, os metodos e os
objetivos desse tipo de psicologia social discursiva, da
analise critica do discurso e dos estudos sociais criticos
em geral.
Barcelona, setembro de 2003
14
Intro dugao
Este livro tern como objetivo familiarizar seus leitores eleitoras com o debate sobre o papel da linguagem nas
ciencias sociais e com os fundamentos teoricos que justifi-
cam esse papel. Mais especificamente, tem tambem a in-
tenpao de oferecer-lhes uma introdugao a Analise do Dis-
curso como perspectiva teorico-metodologica e como fer-,
ramenta de investigagao.
E cada vez maior o interesse que a linguagem desperta
nas ciencias sociais, um interesse que se manifesta tanto
em suas dimensoes epistemologicas quanto nas metodolo-
gicas e politicas. Esse e, portanto, o motivo principal para
este manual, e espera-se que ele contribua para um maior
conhecimento dos antecedentes e da evolufao desse inte-
resse pela linguagem.
Nao existe, porem, nenhum consenso - nem sequer
majoritario - sobre o alcance e limites da incorpora9ao da
linguagem as ciencias sociais. Portanto, esperamos que
nossos leitores e leitoras consigam, gra?as a leitura des-
te manual, formar uma opiniao bem fundamentada sobre
a questao. Tentaremos fazer com que isso seja possivel,
identificando as principais perspectivas que fundamentam
a inclusao da linguagem nas ciencias sociais; mostrando a
trajetoria que pennitiu que essa inclusao abrisse o cami-
nho para novas perspectivas teoricas e metodologicas; des-
crevendo algumas das principais tendencias e modalida-
15
Lupfdnio Iniguez
des da Analise do Discurso, seu alcance e seus limites;
e, finalmente, introduzindo alguns procedimentos basicos
desse tipo de analise.
Esperamos estar oferecendo uma quantidade de recur-
sos suficientes para uma apropriagao, avaliagao e critica
dessas perspectivas e, por sua vez, para a propria aplicacao
da Analise do Discurso. Atraves de uma exposi9ao orde-
nada de conteudos, de um esforgo para evitar umjargao de-
masiado especifico, e da apresentac. ao de inumeros exem-
plos, tentamos fazer com que seja possivel integrar essas
propostas teorica e metodologicamente.
Tentamos tambem evitar qualquer tipo de dogmatis-
mo. Nesse sentido, a assertividade com que as varias posi-
foes sao apresentadas nao significa que damos menos im-
portancia a manuten9ao de uma atitude critica nas praticas
da produgao do conhecimento e da investigacao nas ciencias
sociais, respeitando a pluralidade de perspectivas e de pon-
tos de vista, afastando-nos das pretensoes de impor umas
perspectivas sobre outras, dando elementos para que o al-
cance e os limites das propostas sejam continuamente ava-
liados e mantendo viva a reflexao sobre o papel das ciencias
sociais na permanencia e na mudan?a da ordem social.
O livro, portanto, foi organizado em sete capitulos: o
primeiro, dedicado ao "giro lingiiistico"; o segundo, ao pa-
pel da linguagem nas ciencias sociais; o terceiro, as varie-
dades, tradi9oes e praticas da analise do discurso nas ciencias
sociais; o quarto, a Analise da Conversa9ao; o quinto, a Psi-
cologia Discursiva; o sexto, a Analise critica do discurso;
e o setimo, a Analise da Interanima9ao Dialogica.
O primeiro capitulo tern a fun9ao de emoldurar, teori-
ca e epistemologicamente, o papel da linguagem nas cien-
cias sociais. Examina a maneira como a reflexao sobre a
linguagem foi adquirindo importancia a partir dos anos
1960 e o impacto que essas reilexoes tiveram na nossa
16
Intro dugao
concep9ao do conhecimento, em nossos conceitos da rea-
lidade - tanto fisica quanto social - e nas estrategias meto-
dologicas para sua analise.
0 segundo capitulo apresenta os fundamentos princi-
pals que sustentam e legitimam o papel da linguagem nas
ciencias sociais. Seu argumento principal e que, embora
no inicio a presen9a da linguagem nas disciplinas sociais
tenha sido introduzida a partir da metodologia, mais tarde,
no entanto, ela se converteu em um conjunto de novas
perspectivas nas que a "linguisticidade" e o "linguistico"
sao centrais. O capitulo examina o giro linguistico, a "Teo-
ria dos atos da fala", a Pragmatica, a Etnometodologia e
alguns aspectos da obra de Michel Foucault.
O terceiro capitulo foi dedicado a Analise do Discurso
como metodo e como perspectiva nas ciencias sociais.
Apesar da arnpla lista de perspectivas e praticas na Analise
do Discurso, aqui serao apresentadas apenas algumas de-
las: a sociolingiiistica interacional, a etnografia da comu-
nica9ao, a analise conversacional, a analise critica do dis-
curso e a psicologia discursiva. A parte final oferecera uma
das modalidades da Analise do Discurso que podem ser se-
guidas para o esuido de processes sociais. Pondo em pratica
a AD, poderemos ver o alcance e os limites que ela tem na
compreensao dos processes sociais e da estrutura social.
Com efeito, os cinco ultimos capitulos apresentam
exemplos da Analise do Discurso na pratica. Assim, o ca-
pitulo quarto tem como moldura a tradi9ao da Analise da
Conversa9ao e permite ver como se constroi a delicade-
za nas redoes sociais e a importancia e consequencias
que isso pode ter na vida cotidiana. Por sua vez, o capitulo
quinto seenquadra em uina linha critica das ciencias so-
ciais que se identifica com o titulo de "Psicologia Discur-
siva", perspectiva que mostrou a revolu9ao que e possivel
fazer na conceitualiza9ao teorica de determinados proces-
17
Lupicinio Iniguez
sos psicologicos quando esses sao abordados de um pon-
to de vista discursivo. O sexto capitulo, enquadrado no mar-
co da Analise Critica do Discurso, mostra como o discur-
so funciona como pratica de domina9ao e de exclusao.
Finalmente, o setimo capitulo, no marco da Interanima-
9ao Dialogica, amplia a reflexao sobre dominacao, abor-
dando a linguagem dos riscos como estrategia de gover-
namentalidade.
18
O ff* -•£•— _. * m • - H ,».rsiS5»4ssS37
_ itgiroisUnqmslrcol
iro liriguistico" e uma expressao que esteve em mo-
da nos anos 1970 e 1980 para designar uma certa
mudanca que ocorreu na fllosofia e em varias ciencias hu-
manas e socials, e que as estimulou a dar uma atencao
major ao papel desempenhado pela linguagem, tanto nos
proprios projetos dessas disciplinas quanto na formagao
dos fenomenos que elas costumam estudar.
Normalmente, nao se da a essa expressao nenhum ou-
tro significado alem desse que acabamos de mencionar.
Um dos primeiros objetivos que podemos atribuir ao pre-
sente capitulo e precisamente o de contribuir para que se ad-
quira uma consciencia clara do aumento progressivo da aten-
cao que foi dada a linguagem no decorrer do seculo XX.
No entanto, o "giro linguistico" teve efeitos e implica-
coes que vao bem mais alem do simples aumento da enfa-
se dada a importancia da linguagem. Ele contribuiu parg
que fossem esbogados novos conceitos sobre a natureza
do conhecimento, seja ele o do sentido,comum ou o cienti-
fico, para permitir que surgissem novos significados para
* Universidade Aberta da Catalunha.
19
Tomds Ibdnez Gratia
aquilo que se costuma entender pelo termo "realidade" -
tanto "social" ou "cultural" quanto "natural" ou "fisica" -
e a desenhar novas modalidades de investigate) propor-
cionando outro contexto teorico e outros enfoques meto
dologicos.jPorem, mais que tudo, o "giro linguistico" mo-
dificou a propria concepcao da natureza da linguagem.
Um segundo objetivo deste capirulo, portanto, seria ensi-
nar a discernir quais sao as concepgoes da linguagem que
sustentam as varias formulagoes oferecidas pelas ciencias
humanas e socials.
For outro lado, o presente capitulo pretende analisar
em profundidade a natureza e as hnplicagoes do "giro lin-
guistico", dando uma atencao especial a sua genealogia,
ou seja, a dimensao historica de sua constituigao progres-
siva, as rupturas teoricas que tiveram que ocorrerpara que
o giro linguistico pudesse construir e desenvolver seus
projetos, e ao carater plural e as vezes contraditorio de que
se revestiram as suas varias formulagoes.
Se o "giro linguistico" realmente constitui, como indi-
camos neste capitulo, uma mudanga profunda das concep-
goes do mundo, e das concepgoes sobre como interpretar
as ciencias humanas e sociais, inclusive a propria filoso-
fia, e importante que o leitor e a leitora entendam nao so-
mente o alcance e a orientacao dessas mudangas mas tam-
bem as razoes que o fizeram surgir. Podemos entao consi-
derar que um terceiro objetivo que nos propomos a alcangar
neste capitulo seria o de discernir e avaliar essas razoes.
Para esse fim, no entanto, nao e suflciente apenas en-
tender e armazenar a informagao proporcionada pelo texto
que foi elaborado para este capitulo. Alem disso, e preciso
por em pratica um esforgo extraordinario de reflexao pes-
soal que permita qualificar a natureza e a forga das suposi-
goes a que o "giro linguistico" teve que se sobrepor para
conseguir se desenvolver. Nesse sentido, seria util refletir
20
1. 0"giio linguistico"
sobre nossa propria concepgao da linguagem comparan-
do-a com as concepgoes que sao inferidas pelo "giro lin-
guistico". Um ultimo objetivo, portanto, consiste em per-
rnitir e facilitar essa reflexao.
1. A Linguistica e a filosofia como pontos de parti da
Uma das marcas distintivas do seculo passado foi, sem
duvida alguma, a enorme importancia que tanto a filosofia
quanto as ciencias humanas e sociais em seu conjunto de-
ram ao fenomeno da linguagem.
A atengao crescente que se da ao estudo da linguagem
durante todo o seculo XX teve seu estimulo inicial no cer-
ne de uma dupla ruptura ocorrida no despertar do seculo.
De um lado, a ruptura com a antiga tradigao
centrada na comparagao das linguas e no estudo de sua
evolugao historica. E, por outro, a ruptura com a total he-
gemoma que a filosofia da consciencia exerceu durante
mais de dois seculos. —
A primeira dessas rupturas, liderada por Ferdinand de
Saussure (1857-1913), instituiu, na verdade, a linguistica
moderna, dotando-a de um programa de alguns conceitos
e de uma metodologia que viabilizavam o estudo rigoroso
da lingua considerada "por si mesma e em si mesma".
A segunda ruptura, iniciada por Gottlob Frege (1849-
1925) e por Bertrand Russell (1872-1970), fez com que o
olhar da filosofia, ate entao voltado para o mundo interior
e privado das entidades mentals, se voltasse para o mundo
passivel de ser objetivado e publico das produgSes dis-
cursivas. Assentavam-se, assim, as bases para uma nova
forma de entender e de praticar a filosofia que, sob a deno-
minagao de "filosofia analitica", dominaria o cenario da
filosofia anglo-saxa durante mais de meio seculo. J
Os sucessos alcangados pela linguistica moderna, tan-
to no marco da orientagao estruturalista iniciada com as
21
Tomds Ibdnez Gratia
contribui?oes de Ferdinand de Saussure, quanto no marco
da orientacao generativa elaborada fundamentalmente por
Noam Chomsky (1928-) no final dos anos 1950, tiveram
amplarepercussao em vastos setores das ciencias socials e
humanas que viram na linguistica um modelo exemplar ao
que podiam recorrer diretamente quando abordavam os
objetos de suas proprias disciplinas.
No entanto, mais alem de esse efeito mimetico extra-
ordihario, e a filosofia analitica, em suas varias orienta-
9oes e devido tanto a seus fracassos como a seus exitos,
que devemos atribuir a expansao do interesse pela lingua-
gem nas varias ciencias socials e humanas.
Dificilmente poderemos compreender a aten9ao dada
a linguagem pelo pensamento contemporaneo se nao ana-
lisarmos o "giro linguistico" empreendido pelo pensa-
mento posterior ao seculo XIX, observando tanto sua ges-
tacao como a historia de seu desenvolvimento.
Mas antes de abordar essa questao no proximo capitu-
lo, talvez seja util recordar que ja no medievo encontra-
mos alguns ingredieBles^ue_teriam podido propiciar um
"giro linguistico^/favanr/a/eSre>Trata-se da famosa dis-
puta entre os escolasticos a respeito dos "universais". Co-
mo bem se sabe, os "nominalistas" sustentam a tese da ine-
xistencia fatica dos universais, argumentando que tudo
aquilo que existe o faz de uma forma peculiar e que de
nada adianta buscar referencias existenciais por tras de ca-
tegorias gerais. Nao existe nem "o" campones, nem "a" ar-
vore, nem "a" mulher, mas sim e apenas, camponeses, ar-
vores e mulheres particulares.
Um universal nada mais e do que uma abstragao cuja
existencia so se materializa no amago de nossa linguagem
e cuja realidade e resultado exclusivamente dos usos que
fazemos da linguagem. A partir de considera9oes desse tipo,
os nominalistas esbo9avam uma linha de pensamento que
22
—«*
1. 0 "giro linguistico"
outorgava a linguagem um papel especial na elabora9ao
de nossa visao do mundo, mas ainda seria necessario espe-
rar varios seculos para que essas intui9oes dessem lugar a
um auteiitico "giro linguistico".
2. Das ideias as palavras ou do "animal pensante"
ao "animal falante"
Q ser humano e um "animal racional". Essa foi uma
das formulas mais antigas utilizadas para expressar a dis-
tinguibilidade de nossa especie.No entanto, embora a ca-
pacidade que o ser humano tem para exercitar o pensa-
mento, o raciocinio, a elaboracao e o manejo de ideias te-
nha fascinado os filosofos desde os tempos da Grecia Clas-
sica, foi, sem duvida, Rene Descartes (1596-1650) que con-
tribuiu com maior sucesso para que o olhar filosofico fo-
calizasse o interior de nosso mundo mental (a famosaffS
exortando-nos a esquadrinhar nossas ideias pa-
ra ficarmos unicamente com aquelas que fossem "cla-
ras e distintas". Dessaperspectiva, a linguagem e ceitamen--3
te importante, mas constitui apenas um instrumento para
manifestar nossas ideias, uma simples roupagem com a qual
essas se apresentam ao exterior e se tornam visiveis para
os demais. Quando nosso discurso parece ser confuso e
porque nossas ideias nao sao suficientemente claras e, in-
clusive, algumas vezes acontece de a linguagem dificul-
tar a exterioriza9ao de nossas ideias em vez de ajudar-nos
a comunica-las aos demais.
A partir de Descartes e durante dois seculos e meio, a
filosofia europeia seria uma "filosofia da consciencia"
centrada no estudo da interioridade do sujeito e convenci-
da de que, para conhecer o mundo exterior, e preciso ins-
pecionar minuciosamente as ideias que habitam os espa-
905 interiores da subjetividade. No entanto, a partir do mor
mento em que se aceita a dicotomia entre res cogitans e
23
Tomds Ibdnez Gracia
res extensa, e precisamente porque foi tracada essa linha
divisoria, surge imediatamente a pergunta de como se re-
lacionam entre si o "interior" e o "exterior" e p misterio da
adequagao entre nossas ideias e a realidade.
Durante dois seculos e meio as grandes divergencias
filosoficas vao se articular ao redor dessas questoes.
i Serios antagonismos se desenvolvem entre aqueles que
consideram que nossas ideias se formam com base em nos-
sas experiencias sensoriais (nada esta em nossa mente que
nao tenha anteriormente passado por nossos sentidos, di-
<( riam, por exemplo, os empiristas) e aqueles que creem que as
ideias se constituem com base nas propriedades inatas da
res cogitans, ou ainda aqueles que consideram, com Emma-
nuel Kant (1724-1808), que as "categorias apriori de nosso
entendimento" estabelecem o marco nao empirico a partir
^do qual a experiencia empirica conforma nossas ideias.
Curiosamente, essas profundas divergencias filosofi-
cas nascem precisamente porque existe um consenso pre-
vio a respeito do carater privilegiado do mundo das ideias
e porque se tenta explicar a consciencia a partir da inques-
tionavel dicotomia entre a mente e o mundo. Se questio-
narmos a dicotomia "interior/exterior", o dificil problema
da relac.ao entre ambos se dilui imediatamente, deixando
em evidencia a vacuidade das grandes divergencias filoso-
ficas originadas por esse problema.
No entanto, nao e nada facil deixar de lado dois secu-
los e meio de consenso filosofico. O fato de que ja trans-
correu quase um seculo desde aquele momenta em que co-
mefaram a questionar a primazia da "filosofia da cons-
ciencia" e que, ainda hoje, temos serias dificuldades para
livrar-nos de suas influencias, indica, sem duvida algu-
ma, a magnitude da inovacao que o "giro lingiiistico" su-
24
1. 0 "giro lingiiistico'
pos e a originalidade de que seus promotores tiveram que
se vangloriar.
3. Os comedos do "giro Linguistico"
A propria expressao "giro linguistico" sugere a ima-
gem de um momento precisamente delimitado no qual se
produziu uma mudanca brusca de algo que nao e linguisti-
co para o espa90 propriamente linguistico. Pode ate ser
que alguns dos comentarios feitos acima tenham contribui-
do para fomentar essa imagem. Mas a coisa nao foi bem as-
sim. O giro linguistico nao e um fato precise e sim um feno-
meno que vai se formando progressivamente e que adota
varias modalidades ao longo de seu desenvolvimento.
Em seu comego, o giro linguistico surge de uma preo-
cupagao em superar a antiga logica silogistica herdada de
Aristoteles (385 a.C.-322 a.C) e em inventar umanova lo-
gica formal, capaz de dar vida a essa linguagem "ideal" e
"perfeita" com que sonhava Leibnitz (1646-1716).
Foi Gottlob Frege (1848-1925) que empreendeu essa
tarefa ao inventar "a teoria da quantifica9ao" (base da lo-
gica moderna) e ao substiruir as velhas nogoes de "sujeito"
ejle "predicado" pelas no9oes de "argumento" e de "fun-
cao". A nota^ao canonica proposta por Frege permitia trans-
formar os enunciados linguisticos em "proposigoes" cujo
valor de verdade (proposi^ao verdadeira ou falsa) podia ser
estabelecido de uma maneira rigorosamente formal.
Da Universidade de Cambridge, Bertrand Russell (1872-
1970) colaborou intensamente com Frege para o desen-
volvimento da nova logica, dando um impulso decisive ao
giro linguistico na filosofia anglo-saxa.
Para o proposito desta disciplina, o que importa nao e,
certamente, a compreensao e o conhecimento detalhado
do novo instrumento logico criado por Frege e Russell, e
25
Tomds Ibdnez Gratia
sim compreender, por urn lado, quais eram as premissas
que orientavam as investigasoes "logicistas" da dupla Fre-
ge/Russell e, por outro, captar as repercussoes que esse
novo instrumento logico teve para o desenvolvimento da
filosofia da linguagem.
Essas premissas podem ser formuladas da seguinte ma-
neira:
a) Muitos dos problemas com que se deparam tanto a
filosofia, quanto a comunicacao humana em geral, ocor-
rem porque a linguagem cotidiana tem como base uma 16-
gica imperfeita, ambigua e imprecisa.
b) As frases construidas nas linguas naturals se apoiam,
claramente, em uma estrutura logica, mas essa estrutura
logica nao aparece com claridade se nos limitarmos a con-
templar exclusivamente a estrutura gramatical das frases
ou se as analisarmos com a ajuda da logica aristotelica.
c) A nova logica, baseada em quantiflcadores, permite
que se exiba a autentica estrutura logica dos enunciados
linguisticos, convertendo-os em proposi?6es dotadas de
um valor de verdade.
d) Se conseguirmos estabelecer a estrutura logica dos
enunciados poderemos exibir a estrutura do pensamento
expressado por esses enunciados e, desta maneira, aumen-
tar o conhecimento dos processes inferenciais.
e) Se a linguagem e um instrumento para representar a
realidade, entao sua analise pode nos informar sobre a na-
tureza dessa mesma realidade.
Este conjunto de premissas nos indica varias coisas im-
portantes:
Em prirneiro lugar, vemos como se produz um deslo-
camento do estudo das "ideias", realizado por meio de um
discurso mental de carater privado (introspeccao), para o
26
1. 0 "giro linguistico"
estudo dos enunciados linguisticos, publicos e objetiya-
dos, a fim de evidenciar sua estrutura logica.
Nao e dentro de nossa mente que temos que "olhar"
para saber como pensamos, e sim devemos "olhar" para
nossos discursos; nao devemos esquadrinhar nosso "in-
terior" e, sim, devemos permanecer no "exterior" visivel a
todos.
As ideias foram, em uma epoca, os objetos de todo filo-
sofar e constituiram o vinculo entre o ego cartesiano e o
mundo externo a ele [...]. Nas discussoes atuais, o dis-
curso publico substituiu o discurso mental. Um ingredi-
ente nao questionado do discurso publico e o enunciado
[...]. Quine disse que "a tradi9ao de nossos pais e uma fa-
brica de enunciados". Os enunciados sao um artefato
cognoscitivo nessa fabrica do discurso publico. Talvez,
como sugerirei a seguir, sao eles que constituem esse
"sujeito cognoscitivo". De qualquer forma, eles sao os
responsaveis pela representa9ao da realidade no corpo
do conhecimento. Dessa maneira, parece que os enunci-
ados substituiram as ideias [...]. A verdadeira natureza
do conhecimento mudou. Nossa situa9ao atual na filoso-
fia e uma conseqiiencia daquilo que o conhecimento
chegou a ser [...]. Um Descartes jamais teria pensado
que uma teoria e um sistema de enunciados, assim como
Quine jamais teriareconhecido que uma teoria e um es-
quema de ideias do seculo XVII (I. Hacking, 191'5. Does
Language matter to philosophy? Nova lorque: Cambrid-
ge University Press, p. 159-169 [Tradu9ao em espanhol:
Buenos Aires, Sulamericana, 1979]).
Em segundo lugar, podemos observar como, em um
determinado momento, deixa-se de considerar que sao as
nossas "ideias" que se relacionam com o mundo, e pas-
sa-se a afirmar que sao nossas palavras que se correspon-
dem com os objetos do mundo. Ja veremos como essa
tese, que podemos qualificar de "realista", sera superada
nos desenvolvimentos posteriores do giro linguistico, em-
27
Tomds Ibdnez Gratia
r
bora tenha, sem duvida, o grande merito de substituir a re-
lacao "ideias/mundo" pela relacao "linguagem/mundo",
trocando o privado pelo publico e o nao observavel pelo
manifesto.
Quanto as repercussoes que o instrumento logico cons-
truido por Frege/Russel viria a ter para a filosofia da lin-
guagem, basta assinalar aqui que, durante varias decadas,
a filosofia analitica adotou a forma tecnica de uma rigo-
rosa analise logica das proposicoes filosoficas, recorren-
do a teoria da quantificacao.
.
4. 0 estimulo neopositivista ao giro lingiilstico
Seguindo os conselhos de Frege, o jovem Ludwig
Wittgenstein (1889-1951) decidiu ir estudar com Russell
em 1911 e, poucos anos mais tarde, publicou um livro, o
Tratado logico-filosofico (1921), que imediatamente exer-
cera uma influencia profunda sobre um grupo de filosofos e
cientistas austriacos e alemaes preocupados em dar uma ori-
entapao cienn'fica ao pensamento filosofico e em acabar de-
finitivamente com as especulacoes meramente metafisicas.
Esses pensadores formam um colegio filosofico - o
"Circulo de Viena" - e lancam, em 1929, um manifesto
programatico fortemente inspirado pela tese de Wittgens-
tein. Eles estao convencidos de que a linguagem comum e
um pessimo instrumento para expor e discutir assuntos fi-
losoficos, e tambem para construir uma visao cientifica da
realidade. A seu ver, muitos dos falsos problemas em que
se envolvem os filosofos tern origem em um uso pouco ri-
goroso da linguagem; grande parte das formulacoes fi-
losoficas nao tem sentido devido ao uso de uma lingua-
gem insuficientemente formalizada; e ate mesmo os enun-
ciados cientificos - inadvertidamente, mas com dema-
siada frequencia - caem nas inumeras armadilhas da.lin-
guagem cotidiana.
.28
1. 0 "giro linguistico"
Portanto, o problema que seria conveniente solucionar
para que pudessemos avangar na direcao de uma explica-
cao cientifica do mundo e para acabar com a vacuidade da
filosofia herdada e, definitivamente, um probiema de lin-
. Para ter garantias de cientiilcidade e preciso re-
formar a linguagem usando todos os recursos tecnicos da
nova logica e submetendo os enunciados a um exame rigo-
roso para avaliar sua consistencia logica, transformando-,
os em 'fooposigoes". ,
Como bem se sabe, os positivistas logicos do Circulo
de Viena postulam que so existem dois tipos de enuncia-
dos validos.
— v
De um lado, teriamos os enunciados logico-matema-
ticos (enunciados "analiticos"), que sao absolutamente cor-
retos quando bem formulados mas que nao nos dizem nada
sobre a reaiidade empirica. De outro, estariam os enuncia-
dos empiricos (enunciados "sinteticos")., que versam so-
bre a realidade mas que so podem ser aceitos como enun-
ciados validos se foram veriflcados, escrupulosamente,
por experiencias baseadas no "metodo cientiflco". Todos
os outros enunciados, que nao sejam estritamente analiti- ,
cos ou sinteticos, nao tem sentido. J
Em suma, os positivistas logicos acham que e preciso
dizer as coisas "bem" (sem ambiguidades nem omissoes
logicas) e que e preciso tambem dizer coisas que estejam
"bem" (ou seja, de acordo com a realidade empirica sobre
a qual estamos falando).
Apos o estimulo que Ihe foi dado por Frege, Russell,
Wittgenstein e os neopositivistas, a importancia da lingua-
gem nao parou de crescer do inicio do seculo XX ate a ves-
pera da Segunda Guerra Mundial, ocupando o lugar da fi-
losofia neo-hegeliana que dominava a Inglaterra e compe-
2 9
RAL DE VIQCS
Oentral
fomds Ibdnez Gratia
tindo seriamente com o neokantismo e a fenomenologia
enraizadds nos paises de lingua germanica.
Depois da Segunda Guerra Mundial, o giro linguistico
se acentuara ainda mais, diversificando suas expressoes,
adotando novas modalidades e ampliando sua area de in-
fluencia ate atingir os Estados Unidos, onde viria a alcan-
9ar um dominio hegemonico no ambito iilosofico.
5. A expansao da filosofia analitica e o auge da
centralidade da Linguagem
A trajetoria propriamente europeia do Circulo de Vie-
na durou poucos anos. Muitos dos pensadores que se ti-
nham agrupado ao redor de Moritz Schlick (1882-1936)
eram judeus e como sua situagao ficou insustentavel dian-
te do avanco da barbaric nazista quase todos decidiram
emigrar, a maioria para os Estados Unidos.
Naquele pais, Rudolf Carnap (1891-1970), Carl Hem-
pel (1905-1997), Hans Reichenbach (1891-1953), Kurt
Goedel (1906-1978) e outros continuaram suas atividades
em varias universidades, fazendo com que a semente neo-
positivista desse frutos em solo americano. Sua influencia
foi tanta, que nos anos 1950 a parte essencial da obra filo-
sofica nos Estados Unidos consistia na realizacao de exer-
cicios logico-lingiiisticos rigorosos e minuciosos, pondo a
margem toda e qualquer referenda a poderosa orienta?ao
"pragmatica" que tinha dominado o cenario durante as pri-
meiras decadas do seculo gracas as contribuifoes de Char-
les Pierce (1839-1914), de William James (1842-1910) e
de John Dewey (1859-1952).
Nao ha duvida de que, nesse periodo, a inclinagao da
filosofia para a analise logico-lingxiistica alcancou dimen-
soes impressionantes. E preciso nao esquecer que, na In-
glaterra, a partir de Cambridge, Bertrand Russell continua-
30
1. 0 "giro linguistico"
va a animar um nucleo poderoso de filosofia analitica e que
alguns daqueles que viriam a estar entre os filosofos nor-
te-americanos de maior prestigio, como Willard Quine
(1908), Nelson Goodman (1906), Hilari Putnam (1926) ou
Wilfrid Sellars (1912-1989), estavam se formando a luz da
analise logica linguistica diretamente sob o magisterio dos
fundadores do Circulo de Viena.
No entanto, as dificuldades tecnicas e conceiruais com
que se depararam os promotores do empirismo logico, ali-
adas as criticas de Karl Popper (1902-1992), bem assim
como aquelas que seus proprios discipulos, especialmen-
te Quine, dirigiam contra os "dogmas do empirismo", ou a
dura autocritica de Wittgenstein, logo fariam com que as
premissas epistemologicas do Circulo de Viena fossem
abandonadas. Com efeito, foi flcando claro que a distincao
"analitico/sintetica" era muito mais fragil do que se supu-
nha, que os enunciados empiricos nao eram propriamente
"resultados de observagoes", que a superagao da metafisi-
ca nao podia ser obtida com base na doutrina do Circulo de
Viena e que o grande sonho de uma linguagem "ideal", va-
lida para todas as ciencias, era inviavel.
Finalmente, as premissas epistemologicas do empiris-
mo logico desmoronaram e a unica coisa que ficou, dessa
grande aventura intelectual, foi o estimulo dado a enfase;
sobre a importancia da linguagem.
6. A preocupa^ao com a linguagem cotidiana
Vimos que Wittgenstein, com seu Tratado logico-filo-
sofico, acalentou o sonho de falar uma linguagem ideal
que permitisse evitar as falacias a que nos leva a lingua-
gem cotidiana. Com isso, ele estimulou o desenvolvimen-
to de um importante ramo da filosofia analitica que conti-
nua extraordinariamente ativa nos dias atuais, embora ja
nao comparta os postulados iniciais do Circulo de Viena.
31
Tomas Ibdnez G-racia
O proprio Wittgenstein se desinteressou muito rapi-
damente da possibilidade de construir uma linguagem
ideal e orientousua reflexao para a linguagem comum,
tentando compreender as regras a que ela obedece e aos
usos a que satisfaz.
O livfo que reune suas reflexoes, publicado em 1952
sob o tittilo'Investigacdesfilosoficas, estimulou o esforco
realizado por um grupo importante de filosofos, ligados,
muitos deles, a Universidade de Oxford, para conseguir
elucidar as caracteristicas da linguagem em seus usos cotidi-
anos, Dessa maneira, Wittgenstein contribuiu tambem para
o desenvolvimento de um segundo ramo da filosofia anali-
tica que se expandiu na Inglaterra durante os anos 1950, aju-
dando a acentuar a importancia que envolve tanto a lingua-
gem quanto seu estudo no conjunto das ciencias sociais.
Os "fllosofos de Oxford", entre os quais se destacam,
por exemplo, Gilbert Ryle (1900-1976), John Austin (1911-
1960), Peter Strawson (1919) ouPaul Grice (1913-1988),
concordavamplenamente com Bertrand Russell e com seus
colegas logicistas em Cambridge com rela?ao a um repu-
dio total a tradi9ao cartesiana, e tambem a necessidade de
passar de uma "filosofia da consciencia" para uma "filo-
sofia da linguagem". Mas os pontos de coincidencia nao
iam muito mais alem desse aspecto e eram intensas suas
divergencias sobre quase todo o resto.
Os filosofos de Oxford, por exemplo, opunham-se ri-
gorosamente nao s6 ao positivismo e ao cientificismo que
impregnavam a corrente logicista, como tambem a preten-
sao do logicismo de construir uma linguagem formalmente
inatacavel. Queriam estudar a linguagem nao para demons-
trar suas imperfeicoes logicas e corrigi-las e sim, simples-
mente, para entender seus mecanismos. Mas opunham-se,
sobretudo, a pretensao de reduzir a linguagem a uma mera
funcao de descricao e de representacap do mundo.
, 32
1. 0 "giro lingiiistico"
Para eles, a riqueza da linguagem cotidiana ultrapassa-
va, em muito, a fungao descritiva, e se diversificava em
uma enorme variedade de usos e de funcoes tao importan-
tes quanto a propria funcao descritivo-representacional.
Nao se tern acesso, portanto, ao funcionamento jd.o pensa-
mento humano, analisando tao-somente a estrutura logica
sobre a qual se apoiam as linguas naturals e sim e necessa-
rio contemplar todos os usos da linguagem se queremos en-
tender tanto nossa forma de pensar quanto nossa forma de
agir e a maneira como nos relacionamos com as pessoas.
Frege, Russell, o Wittgenstein do Tratado..., Carnap e
os filosofos analiticos norte-americanos romperam com a,
tradicao cartesiana, fazendo-nos perceber que a lingua-
gem nao e um simples veiculo para expressar nossas ideias,
nem uma simples roupagem para vestir nosso pensamento
quando o manifestamos publicamente. Ela e a propria conr
digao de nosso pensamento e, para entender esse ultimo,
temos que nos concentrar nas caracteristicas da linguagem
em vez de contemplar o suposto mundo interior de nos-
sas ideias. Nosso conhecimento do mundo nao se radicaj
nas ideias que dele fazemos; ele se abriga, sim, nos enun-
ciados que a linguagem nos permite construir para repre-
sentar o mundo.
Os fllosofos de Oxford acentuaram ainda mais o afas-
tamento da tradisao cartesiana, ensinando-nos que a lin-
guagem faz muito mais do que representar o mundo por-
que e basicamente um instrumento para "fazer coisas!'. A
linguagem nao so "faz pensamento" como tambem "faz
realidades".
Assim, por exemplo, John Austin mostraria que a lin-
guagem tambem tern propriedades "performativas". Com
efeito, certos enunciados constituem literalmente "atos de
linguagem" a medida que sua enunciagao e inseparavel da
modificacao ou da cria9ao de um estado de coisas que nao
33
Tomds Ibdnez Gratia
poderia surgir independentemente dessa enuncia9ao. For
exemplo, o "sim, quero" pronunciado no ato nupcial pro-
prio de certos ritos e um elemento necessario para que o
Ia9o matrimonial seja instituido.
Dessa maneira Austin abriu caminho para o desenvol-
vimento da "pragmatica", contribuindo para que o conjun-
to das ciencias sociais e humanas se conscientizasse de
que a linguagem e urn instrumento ativo na produpao de
muitos dos fenomenos que essas ciencias pretendem ex-
plorar e que, portanto, seria impossivel deixar de leva-la
em considera9ao.
7. 0 impacto do giro Lingulstico nas ciencias
humanas e sociais
Assim como o giro lingiiistico nao teve uma origem
defmida, mas foi-se articulando progressivamente, e as-
sim tambem como nao se revestiu de uma unica modalida-
de, mas foi adotando varias configura?6es, seu impacto
tampouco ocorreu simultaneamente nas varias ciencias so-
ciais e humanas nem as afetou com a mesma intensidade
e nem adotou uma expressao uniforme.
Distinguiremos, aqui, tres linfias principals de influen-
cia: a) O impacto da linguisticYesuritural; b) O impacto da
corrente analitico-logicista; c) O impacto da corrente ana-
litica centrada na linguagem cotidiana.
a) O impacto da linguistica estrutural - O sucesso ob-
tido pelo estudo estruturalista da lingua nao demorou a
atrair as demais ciencias humanas e sociais. Em poucos
anos a linguistica moderna tinha conseguido se constituir
em uma disciplina totalmente autonoma, com um objeto
de estudo proprio, claramente delimitado, dotada de al-
guns conceitos claros e rigorosos, e equipada com uma
metodologia eflcaz, baseada em alguns procedimentos for-
mais que asseguravam altos niveis de objetividade.
,34
1. 0 "giro lingiiistico"
Em suma, a linguistica de inspira?ao saussuriana apre-
sentava essa imagem de cientificidade com que tanto so-
nhavam as demais ciencias sociais e humanas. Foi assim^
que, gradualmente, foi tomando corpo a convicgao de que
a linguistica moderna era o modelo que todas as outras
ciencias sociais e humanas deveriam tentar copiar, fos-
se atraves do estabelecimento de analogias entre seus
proprios objetos de estudo e as estruturas lingiiisticas,
fosse aplicando os metodos da linguistica para investigar
esses objetos.
Talvez a antropologia tenha sido a ciencia em que esse
efeito mimetico se manifestou com maior nitidez. Com efei-
to, a preocupacao com o fenomeno da linguagem nao era
nenhuma novidade em uma antropologia em que os traba-
Ihos de Edward Sapir (1884-1939) ou de Benjamin Whorf
(1897-1941) ja tinham chamado atenfao sobre o papel que
a lingua desempenha na constitui9ao de nossa visao do
mundo. Mas foram os trabalhos de Claude Levi-StraussTi
nascido em 1908, especialmente aqueles sobre a estrurura
dos mitos, que estimularam uma grande parte da antropolo7
gia a buscar diretamente sua inspira^ao nos conceitos e nos
metodos da propria linguistica estrutural"
O prestigio alcangado pelas obras de Levi-Strauss ser-
viu como um ampliflcador para a influencia exercida pela
linguistica moderna, contribuindo para o desenvolvimen-
to de uma corrente de pensamento rigorosa que, sob a de-
nominacao de "estruturalismo", durante mais de uma de-
cada (de meados dos anos 1950 ate finais dos anos 1960)J
percorreria as diversas ciencias sociais e humanas, com]
incidencia especial no mundo de lingua francesaT
A poderosa critica antiesrruturalista desenvolvida por
Noam Chomsky e sua reformula9ao do programa da lin-
guistica em termos de "linguistica generativa", longe de
atenuar a fascina9ao que a linguistica exercia sobre as cien-
35
Tomds Ibdnez Gratia
cias socials e humanas, a fortaleceu ainda mais, proporcio-
nando novas metaforas e novas analogias que alcan9ariam
especial relevancia em disciplinas como a psicolinguisti-
ca, ou em orientacoes como a psicologia cognitiva.
Paralelamente ao efeito mimetico produzido pelas lin-
giiisticas estruturais e generativas, a importancia concedi-
da a linguagem se alimentaria tambem de alguns dos de-
senvolvimentos da fenomenologia, especialmente da fe-
nomenologia heideggeriana. Segundo Martin Heidegger,
(1889-1976) somos vitimas de uma traicoeira ilusao ego-
centrica quando acreditamos ser donos de nossos discur-
sos e quando consideramosa linguagem como simples ins-
trumento que se encontra a nossa disposipao para ser mani-
pulado a nossa vontade. Na verdade, e a propria linguagem
que manda em nos, causando, modelando, constrangendo e
provocahdo nosso discurso, a tal ponto que bem se poderia
dizer que e a linguagem que fala atraves de nos.
r Considera9oes desse tipo, somadas a influencia do
pensamento estruturalista e a decadencia da filosofia da
consciencia, levariam parte dos pensadores da segunda
metade do seculo XX a decretar "a mortedo suieito". re-
duzindo-o a um simples "efeito"da linguagem". Assim,
por exemplo, Michel Foucault (1926-1984), em seu famo-
sissimo texto sobre "A ordem do discurso", apontaria para
as conseqiiencias do poder que emana da linguagem e que
\captura seus usuarios em suas redes.
b) O impacto da corrente analitico-logicista — Res-
ponsavel pelo inicio do "giro linguistico" na filosofia, essa
corrente tem o merito fundamental de ter contribuido para
orientar o pensamento contemporaneo na direfao da pro-
blematica da linguagem. Porem, curiosamente, e possivel
tambem atribuir-lhe outro merito, que e resultado de seus
proprios fracassos mais do que das vitorias que obteve. Na
verdade, a malograda inten9ao de demonstrar a validade
36
1. 0 "giro linguistico"
dos postulados neopositivistas teve como importante con-
sequencia a de permitir certa "liberaliza^ao" das ciencias
humanas e sociais. E facil entender o motive para isso: en-
quanto perdurava a crenca na unicidade e na validade ab-
soluta do "metodo cientifico" teorizado pelas varias vari-
antes do positivismo, seria facil deslegitimar qualquer ten-
tativa de realizar investigates nas ciencias humanas e so-
ciais que nao se ativessem escrupulosamente as regras
estabelecidas pelo credo positivista. A demonstrada inde-
fensabilidade desse credo abriu a porta para um pluralis-
mo metodologico e teorico que permitiu um enriquecimen-
to extraordinario das ciencias sociais e humanas como um
todo, atenuando a pressao exercida pelos fundamentalis-
mos cientiilcos.
c) O impacto da corrente analitica centrada na lin-
guagem cotidiana — Os fllosofos de Oxford nao so contri-
buiram para que se desse mais enfase a aten9ao que se
deve dar ao fenomeno linguistico para que seja possivel
compreender o ser humano e suas produces, como tam-
bem provocaram uma reviravolta radical no proprio con-
ceito da linguagem, proporcionando um novo status as pro-
du9oes linguisticas. Essa reformula9ao conceitual da natu-
reza e das fun9oes da linguagem produziu efeitos impor-
tantes e duradouros no campo das varias ciencias sociais e
humanas, estimulando-as para que modificassem drastica-
mente muitos de seus projetos e de sua maneira de abordar
os varies objetos de seus estudos.
Citarernos aqui quatro grandes linhas de influencia:
Emprimeiro lugar, a profunda critica que os fllosofos
de Oxford flzeram a concep9ao puramente "representa-
cional" e "designativa" da linguagem deu lugar a uma re-
considera9ao radical da propria natureza do conhecimen-
to, tanto cientifico como ordinario, e tambem a uma refor-
37
Tomds Ibdnez Gratia
mulacao darelagao entre conhecimento e realidade, finali-
zando por redefinir o proprio conceito de realidade.
" O conjunto dessas reformulagoes contribuiupara o de-
senvolvimento de uma importante corrente de pensamen-
to que questionou muitas das certezas consideradas indis-
cutiveis desde a epoca de Descartes e muito especialmente
a certeza de que existiam bases solidas e firmes, e uma
fundamentagao ultima, sobre as quais se assentaria o co-
nhecimento valido. A erosao dessa certeza deixou claro a
fragilidade dos esforgos para encontrar uma fundamenta-
<^| gao indubitavel, realizados durante seculos, e redirecio-
pou o trabalho filosofico para outros assuntos.
De certa forma, seria possivel dizer que a critica oxfor-
diana a concepgao "representacionalista" da linguagem se
estendeu, atraves da relagao estabelecida entre conheci-
mento e linguagem, as concepgoes representacionalistas
do proprio conhecimento e aos criterios de "a verdade"
que as acompanhavam, permitindo a revitalizagao do le-
gado pragmatista e o auge de uma filosofia neopragrnatis-
ta, estimulada, entre outros, por filosofos da categoria de
Richard Rorty (1931-).
Como as ciencias sociais e humanas nao sao imper-
meaveis as contribuigoes feitas dentro da filosofia e muito
especialmente dentro da filosofia do conhecimento e da
epistemologia, e facilmente compreensivel que em todas
essas ciencias tenham desaparecido algumas correntes que
tentavam desenvolver suas investigacoes e seus projetos
em consonancia com as formulagoes nao representacio-
nalistas do conhecimento cientifico.
Em segundo lugar, e paralelamente a critica ao repre-
sentacionalismo, a insistencia da escola de Oxford em
considerar a linguagem em termos de "atividade" (a lin-
guagem faz coisas em vez de apenas "representa-las") sem
38
1. 0 "giro linguistico"
duvida contribuiu para o desenvolvimento das correntes
"construcionistas" que surgiram e se consolidaram em va-
rias ciencias sociais e humanas.
De certa maneira, e possivel dizer que as contribuigoes
de John Austin com relagao ao carater "performativo" de
determinadas produgoes lingiiisticas se estenderam, neste
caso tambem, ao conjunto da linguagem, plasmando-se na
formula pela qual "dizer e, tambem e sempre, fazer". A
linguagem se instiruia assim como "constirutiva" das coi-
sas, mais do que meramente "descritiva" delas, deixando
de ser palavra acerca do mundo para passar a ser acao so-
bre o mundo, A linguagem nao so nos diz como e o mun-
do, ela tambem o institui; e nao se limita a refletir as coi-
sas do mundo, tambem atua sobre elas, participando de
sua constituicao.
O auge da concepgao "ativa" da linguagem teve reper-
cussoes importantes em disciplinas como, por exemplo, a
psicologia social, onde investigadores como Kennet Ger-
gen ou John Shotter estao, arualmente, estimulando uma
poderosa corrente socioconstrucionista. ou onde Michael
Billig, Ian Parker ou Johnathan Potter, entre outros, estao
desenvolvendo o prolifico campo da "analise do discur-
so". A psicologia evolutiva ou a psicologia clinica nao fi-
caram alheias a esse movimento construcionista e discur-
sivo, e o mesmo ocorreu no caso da antropologia, da histo-
ria ou da sociologia para citar apenas algumas das discipli-
nas que fazem parte das ciencias sociais e humanas.
Poderiamos apresentar uma infinidade de exemplos
para ilustrar o impacto que essa nova concepcao da lingua-
gem teve nas formulagoes mais atuais das varias ciencias
sociais e humanas, mas nos limitaremos a assinalar a pro-
funda renovagao por que passou, por exemplo, o estudo da
identidade ou do "self, pela mao de autores como Charles
Taylor (1931-), entre outros.
39
Tomds Ibdnez Gratia
Para Taylor, nossa identidade esta fundamentalmen-
te determinada pela linguagem que utilizamos para refe-
rir-nos a nos mesmos e para forjar nosso "autoconceito".
Nao existe uma realidade subjacente, um "eu" profundo e
pessoal, suscetivel de ser descrito de varias maneiras, recor-
rendo a vocabularies distintos e a distintas expressoes lin-
guisticas: o que sim existe e o proprio vocabulario que utili-
20 para me descrever a mim mesmo e as expressoes linguis-
ticas as quais recorro para faze-lo sao constituintes e consti-
tutivas de minha forma de ser; elas nao explicitam ou expli-
cam minha maneira de ser, pelo contrario, a conformam.
Em outras palavras, o meu "eu" nao e independente de
como o vivencio quando o interpreto linguisticamente; ao
contrario, ele e resultado dessa interpretasao. Outra forma
de "me dizer" a mim mesmo implica uma outra concepsao
de mim mesmo, e isso e importante porque ocorre que mi-
nha conceppao de mim mesmo e constitutiva daquilo que
sou. Isso tern repercussoes importantes, tanto para a con-
ducao de investigacoessobre a identidade, como para de-
finir essa realidade substantiva que e a identidade.
Em terceiro lugar, cabe ressaltar que, tanto quanto
"acao sobre o mundo", a linguagem e tambem, e conse-
quentemente, "a?ao sobre os demais", chegando, inclusi-
ve, a constituir um dos principals instrumentos ao que re-
corremos para incidir, com maior ou menor exito segun-
do as circunstEincias, sobre nossos semelhantes. Levar em
consideracao essa propriedade da linguagem contribuiu
para renovar o interesse que Aristoteles ja tinha demons-
trado pela retorica, bem assim como para avivar a sensibi-
lidade com relagao aos efeitos sociopoliticos e psicolo-
gicos que emanam das varias praticas discursivas, dando
uma atengao especial, por exemplo, as constni9oes lin-
giiisticas "sexistas", "racistas" ou que estigmatizem de um
modo geral.
40
1. 0 "giro Uriguistico"
O renovado interesse pela analise daqueles procedi-
mentos retoricos em que se apoiain as diversas producoes
discursivas, inclusive o discurso cientifico, permitiu de-
monstrar, nao so as estrategias argumentativas proprias
dos varios tipos de discurso e os efeitos poderosos que se
ocultam na estrutura discursiva, como tambem os artiflcios
retoricos que sao usados para criar realidades diversas.
A sociologia do conhecimento cientifico, por exem-
plo, renovou os estudos da ciencia, recorrendo, com Bru-
no Latour entre outros, a analises desse tipp,'para expli-
car o papel, nada desdenhavel, que desempefiham os pro-
cedimentos retoricos na constitm^ao dos proprios "fa-
tos" cientificos.
Finalmente, em quarto lugar, ocorre que, se a lingua-
gem e constitutiva de realidades e e um instrumento para
atuarmos sobre o mundo, inclusive sobre nossos semelhan-
tes, devemos esperar que ela incida tambem sobre a confor-
ma^ao e o desenvolvimento das rela?6es sociais e das prati-
cas sociais. Correntes amplas e interessantes da sociologia
foram particularmente sensiveis a esse fato, desde a etno-
metodologia, com suas analises minuciosas das conversas
cotidianas, ate as sociologias qualitativa e interpretativa.
Em suma, no final do seculo XX e comego do seculo
XXI, a diversidade e a riqueza das perspectivas nascidas
tanto do enfoque sobre a linguagem quanto, e sobretudo,
da nova compreensao que temos dela, sao, no minimo, im-
pressionantes: narratividade, dialogismo, hermeneutica, cons-
tru^ao, analise conversacional, analise do discurso, anali-
se retorica, etc.
Pouco a pouco, a linguagem foi se tornando um feno-
meno que nenhuma das ciencias sociais e humanas pode
evitar quando empreende o tratamento de seus objetos es-
pecificos. Mas, alem disso, a linguagem aparece tambem
41
Tomds Ibdnez Gratia
como um elemento que todas as ciencias humanas e sociais
tern que interrogar para estabelecer seu proprio status epis-
temologico e para forjar urn entendimento de si mesmas.
8. Perspectives para o amanha
Ja iniciado o seculo XXI, devemos nos perguntar se o
"giro linguistico" com o qual teve come90 o seculo passa-
do nos reservara alguma surpresa e se as primeiras deca-
das do novo seculo acentuarao ainda mais a centralida-
de da linguagem ou se, ao contrario, o "giro linguistico"
conhecera um periodo de refluxo, sendo substituido pela
emergencia de algum giro novo.
Como nao dispomos, obviamente, de nenhuma bola de
cristal ilusoria, as reflexoes a seguir devem ser considera-
das apenas como conjecturas, timidas e inseguras, que po-
derao ser desmentidas pouco tempo depois de terem sido
enunciadas. Mas, enfim, hoje sabemos que nada e seguro
nem definitive. Nem mesmo o passado esta escrito para
sempre, porque, como muito bem observou Dante, para es-
creve-lo com seguran9a tambem teriamos que conhecer
todo o future. Portanto, podemos apenas arriscar-nos a
manifestar algumas consideracoes, que por simples pru-
dencia, reduziremos a duas e que indicam a possibilidade
de um giro "pos-linguistico".
Em primeiro lugar, os desenvolvimentos extraordina-
rios daquilo que alguns chamam de "a nova fisica" mos-
tram que nossa linguagem e um instrumento muito gros-
seiro para abarcar toda a realidade que somos capazes de
construir. Com efeito, nos, os seres humanos, formamos
nossos idiomas com base em uma determinada "relacao
com o mundo". Essa "relacao com o mundo" estabelece
um espa9o tridimensional habitado por uma variedade de
"objetos" cujas propriedades se defmem com base em nos-
sos mecanismos sensoriais e perceptivos ampliados por
42
1. 0 "giro linguistico"
nossas capacidades de analise, abstra9ao e generaliza9ao.
Nesse mundo, o tempo e o espaco constituem realidades
divididas que correm por leitos separados. Nossos movif*
mentos, gestos e agoes sobre essa realidade, que e como e
porque nos somos como somos, foi forjando nossos con-
ceitos e a estrutura logico-linguistica que os constitui. De-
finitivamente, nossa linguagem nasce de uma relacao com
o mundo feita a medida de nosso corpo e de suas caracte,-
risticas e a ela retoma. Por isso temos a ilusao de que ela.
descreve o mundo "tal como e"?
Mas as atividades intelectivas do ser hurnano nao se
conformaram em explorar o mundo estabelecido apenas
atraves de seus mecanismos sensoriais/perceptivos e de
suas arua9oes praticas, e se estenderam para fora do mun-
do e alem da "escala humana" ate o macrocosmo e ate o
microcosmo. Ambitos esses onde a realidade ja nao pode
ser construida com base em uma linguagem "natural" sur-
gida de coordenadas mesocosmicas, ou seja, a escala do
corpo humano.
O resultado disso e que certas constni9oes intelectivas,
tais como, por exemplo, a mecanica quantica e, mais pre-
cisamente, "a teoria dos campos quanticos" desenham um
mundo totahnente obscuro para nossa linguagem e, por-
tanto, para nossa arquitetura conceitual.
Trata-se de um mundo onde, por exemplo, "os obje-
tos" se convertem em "propriedades dos objetos" (um cor-
pusculo pode se transforrnar em puro movimento) e onde as
propriedades dos objetos podem se transforrnar em outros
objetos (a energia pode se converter em um corpusculo).
No mundo quantico encontratnos objetos que nao es-
tao localizados com precisao em nenhum segmento espa-
9O-temporal definido, mas que tampouco podem ser con-
ceirualizados como ondas porque nao ha nenhum meio em
que se propaguem. Isso significa que e nosso proprio con-
43
Tomds Ibdnez Gratia 1. 0 "giro lingiiistico"
ceito de objeto que deixa de ter sentido para designar ou
^ pensar as entidades que projetamos no universo quantico.
E, apesar disso, essas entidades existem efetivamente, na
medida em que podemos operar com elas e sobre elas, e
em que elas produzem efeitos praticos que nossas tecnolo-
gias utilizam cada vez mais.
Encontramo-nos, assim, diante de entidades que nao
se deixam "dizer" atraves de nossa linguagem e quando as
estudamos temos que transcender nossas categorias lin-
giiisticas para poder produzir resultados cientificamente
valiosos e com utilidade pratica. E mais, essas entidades
se constroem como produto de expressoes matematicas
complexas e sao, por assim dizer, a conclusao sobre a qual
desemboca urn puro formalismo matematico.
A realidade subatomica parece ser outra realidade que
nossa linguagem nao e capaz de descrever ou de construir.
O giro lingiiistico mostrou claramente o papel que a
linguagem desempenha na formagao daquilo que chama-
mos de "a realidade"; mas, se construimos certas realida-
des (por exemplo, a realidade quantica) usando procedi-
mentos que escapam do ambito que a linguagem e capaz
de abranger, parece que deveriamos abandonar a famosa
expressao de Wittgenstein segundo a qual "os limites da
minha linguagem sao os limites de meu mundo".
Esse fato pode possibilitar a emergencia de urn neopi-
tagorismo (a crenga na realidade fatica dos numeros, das
expressoes matematicas e na qual a realidade e, em ultima
instancia, numerologica), permitindo um "giro platonico"que volte a situar o mundo das "ideias" em um lugar privi-
legiado, arruinando o esforgo para acabar com esse privile-
gio que o "giro linguistico" representou.
Em segundo lugar, parece que a insistencia com a qual
Schopenhauer (1788-1860) e, depois dele, Nietzsche (1844-
44
1900), deram enfase a importancia do corpo, de nosso cor-
po, para o desenvolvimento de nosso pensamento, esta re-
cuperando sua importancia. "Minnas ideias melhores", di-
zia Nietzsche, "surgem quando caminho". O "giro linguis-
tico" contribuiu para o sucesso da afirmagao segundo a
qual nosso "ser no mundo" descansa sobre uma dimensao
hermeneutica inevitavel. A interpretacao e formativa da7
quilo que somos e nao podemos chegar a ser independen-
temente de nossa atividade interpretativa. Essa afirmagao.
parece razoavel, mas o giro linguistico" privilegiou o pa-
pel que a linguagem desempenha na dinamica da interpre-
tacao, enfatizando a centralidade das praticas discursivas
no processo hermeneutico.
No entanto, tambem construimos um sentido^iefaveL,
tambem nosso corpo opera como gerador de significados
que nao se deixam prender no interior do codigo linguisti-
co ou, no minimo, cabe considerar que o que nosso corpo
vivencia orienta algumas de nossas interpretagoes. Nao so
temos que expandir o campo da hermeneutica para o espa-
90 das praticas "nao discursivas" como tambem contem-
plar a corporificacao das praticas discursivas.
O redescobrimento da^qrporeidade pelo pensamento
do fim do seculo pode contribuir para possibilitar um novo
"naturalismo" que diminua a importancia que o seculo XX
concedeu a linguagem.'
-
Essas consideracoes/sobre 'um possivel esgotamento
do "giro hngiistico'^Sevem ser consideradas como uma
simples(digressao)que, paradoxalmente, pretende ser iiel
ao esfor?o que o "giro linguistico" acarretou. Aqueles
que captaram um dos argumentos basicos dessa parte dar
disciplina sabem que, para que o "giro linguistico" pu-
desse surgir, foi necessario um enorme esforgo de ima-
ginagao que rompesse com as evidencias herdadas e com,
as amarras do pensamento dominante, Para criar o "giro
45
Tomds Ibdnez Gratia
linguistico" foi precise pensar contra a corrente, e seus
protagonistas tiveram que "esquecer" uma parte subs-
tantial das ideias que tinham nutrido e configurado seu
proprio pensamento.
Ja que somos "filhos do seculo XX", temos que tentar
pensar contra a corrente do giro linguistico que impregnou
o pensamento de nosso seculo. Essa e a condicao para nao
sermos identicos aqueles que defendiam com toda a naru-
ralidade "o mundo das ideias" no mesmo momento em
que se comegava a gerar esse "giro lingiiistico" que esgo-
taria esse mesmo mundo das ideias.
Sintese
Este capitulo nos ensina como o "giro linguistico" rom-
pe, em seus primordios, com uma tradigao secular centra-
da no estudo do "mundo das ideias", mundo interior e pri-
vado, e orienta a obra filosoficapara o estudo dos enuncia-
dosjinguisticos. Isso significa uma profunda modificagao
em nossa concepcao da linguagem, pois essa deixa de ser
considerada como um simples meio para traduzir ou ex-
pressar, de melhor ou pior forma, nossas ideias, para ser,
considerada um instrumento para exercitar nosso pensa-
mento e constituir nossas ideias.
A linguagem e a propria condigao de nosso pensamen-,
to, ao mesmo tempo em que e um meio para representar a
realidade. O "giro linguistico", portanto, substitui are-
lagao "ideias/mundo" pela relagao "linguagem/mundo" e.
afirma que para entender tanto a estrutura de nosso pensa-
mento quanto o conhecimento que temos do mundo e pre-
ferivel olhar para a estrutura logica de nossos discursos em
vez de esquadrinhar as interioridades de nossa mente.
Mas este capitulo nos ensina tambem que o "giro lin-
guistico" possibilitou, no transcurso de seu proprio"1
46
1. 0 "giro linguistico"
volvimento, uma segunda modificagao de nossa concept
gao da linguagem. Essa deixou de ser vista como um meio^
para representar a realidade e passou a ser considerada um
instrumento "para fazer coisas". Junto com suas funcoes
"descritivo/representacionais" a linguagem iria adquirir,
portanto, um carater "produtivo" e se apresentava como,
um elemento "formativo de realidades".
O capitulo tenta ilustrar quais foram as varias influen-
cias que essas novas concepgoes sobre a natureza da lin-
guagem tiveram sobre as concepgoes do conhecimento e
da realidade, como tambem, em um piano niais especifico,
sobre as orientagoes e os objetos de estudo das varias cien-
cias sociais e humanas.
Glossario
Atos de linguagem: expressao cunhada por J.L. Austin
para se referir as expressoes linguisticas que devem ser
enunciadas explicitamente para que uma realidade de-
terminada possa se configurar. Por exemplo, a expres-
sao "sim, quero" deve ser pronunciada em determina-
dos rituais para que o matrimonio seja estabelecido.
Performatividade: propriedade que determinados enuncia-
dos lingiiisticos tern de afetar a construgao de realida-
des. Em determinadas concepgoes da linguagem, essa
propriedade, inicialmente limitada a um tipo de expres-
soes linguisticas, passa a ser considerada generalizavel
a linguagem como um ttJdo.
Pragmatica: parte da linguistica que se dedica ao estudo
dos usos da linguagem comum e leva em consideragao
tanto os contextos como os efeitos, nao diretamente lin-
giiisticos, que envolvem praticas discursivas concretas
ou que delas resultem.
47
Tomds Ibanez Gratia 1. 0 "giro lingiiistico"
Proposicdo: expressao lingiiistica convenientemente for-
malizada de acordo com os procedimentos da logica
moderaa para que se possa estabelecer seu "valor de
verdade".
Representacionismo: doutrina filosofica que postula uma
relagao de correspondencia entre o conhecimento e a
realidade que vai mais alem da simples utilidade pratica
do conhecimento para operar sobre a realidade. Nessa
doutrina, sup5e-se que o conhecimento valido represen-
ta fielmente a realidade e que e possivel demonstrar a
correspondencia entre conhecimento e realidade.
Bibliografia
AUSTIN, J.L. (1962). Como hacer cosas con palabras.
Barcelona: Paidos, 1998.
BRUNER, J. (1990). Actos designificado. Madri: Alianza
[1991].
D'ESPAGNAT, B. (1981). En busca de lo real: la vision
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DOMENECH, M. & TIRADO, FJ. (1998). Sociologia si-
metrica—Ensayos sobre ciencia, tecnologia e sociedad.
Barcelona: Gedisa.
FOUCAULT, M. (1970). El orden del discurso. Barcelona:
Tusquets [1973].
ORTOLIS, S. & PHARABAD, J.P. (1984). El cantico de
la cudntica. Barcelona: Gedisa [1997].
RORTY, R. (1979). Lafilosofiay el espejo de la naturale-
za. Madri: Catedra [1983].
RORTY, R. (1967). El giro lingiiistico. Barcelona: Pai-
dos/ICEUAB[1990].
48
Leituras complemeritares
BRUNER, J. (1991). Actos designificado. Madri: Alianza.
Escrito por um dos mais eminentes psicologos contempo-
raneos, esse livro e uma esplendida ilustrasao do giro
linguistico no ambito da psicologia.
DOMENECH, M. & TIRADO, FJ. (1998). Sociologia si-
metrica-Ensayos sobre ciencia, tecnologia y sociedad.
Barcelona: Gedisa.
Trata-se de uma recopilafao de textos germinais alem de
seis desdobramentos da sociologia do conhecimento cien-
tifico.
FOUCAULT, M. (1970). El orden del discurso. Barcelo-
na: Tusquets.
Esse texto de Michel Foucault foi o discurso inaugural que
fez quando foi nomeado professor no College de Fran-
ce. Nele pode-se apreciar a importancia das relacoes de
poder para a constru9ao de nossas praticas discursivas.
ORTOLIS, S. & PHARABAD, J.P. (1997). El cantico de
la cudntica. Barcelona: Gedisa.
Uma obra de divulgapao, muito util para conhecer os de-
senvolvimentos e implicacoes da fisica quantica.
RORTY, R. (1983). Lafilosofiay el espejo de la naturale-
za. Madri: Catedra.
Esse livro, celebrado como um grande acontecimento no
momento de sua publicacao,

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