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Qual o alcance - e quais os limites - da incorporate da linguagem, seu papel, sens fimdamentos teoricos, suas dimensoes epistemologicas, metodologicas e politicas nas Ciencias Socials? Se. por um lado, e notorio o interesse despertado pela linguagem e suas implicacoes nas ciencias, por outro lado. falta estabelecer um consenso sobre essas questoes. A abordagem des descortina ao lei tor as perspectivas do debate e a crfticas que import a fazer a Analise do Discurso. somente conhecer os procedimenlos basicos desse t de analise, mas tamhem evitar os jargoes, as imposi ou os dogmatismos, respeitando a pluralidade de de vista, de modo que a significalivo no processo de constioigao da realidad* www.vozes.com.br EDITORA VOZES Uma vlda pelo bom livro vendas@vozes.cotn.br ISBN 85.326.3004-9 9 l | 7 8 8 5 3 2 l ' 6 3 0 0 4 9 - Lupi DlSCURS IENCIA SOCIAIS •EDITORA VOZES Este livro tern a intensao de oferecer aos leitores e leitoras que se queiram familiarizar com o debate sobre o papel da linguagem nas ciencias sociais uma introdugao a Analise do Discurso como perspectiva teorico-metodologica e como ferramenta de investigacao. E interessante apontar sumanamente o contexto historico e disciplinar no qual este livro foi escrito: a interface (ou lugar de encontro) da filosofia, da psicologia social, da ciencia social critica, dos estudos do discurso e da lingiiistica, da etnologia e da analise da conversasao. Com tal enfoque, este manual representa uma relevante contribuicao para uma visao critica e discursiva da psicologia social e para uma analise aprofundada da sociedade com seus problemas fundamentals sociais, politicos e economicos, permeados, muitas vezes, pela reconstrugao ideologica da realidade cotidiana com consequentes praticas de domina9ao e exclusao. MANUAL DE ANALISE DO DISCURSO EM CIENCIAS SOCIAIS A800MM BBAMDW DE DfrESGS *B*OOUfKOI Dados Internacionais de Catalogacao na Publicacao (CIP) (Camara Brasileira do Livro, SP, Brasil) Manual de analise do discurso em ciencias sociais / Lupicinio Iniguez (coordenador); tradu^ao de Vera Lucia Joscelyne. - Petropolis, RJ : Vozes, 2004. ISBN 85.326.3004-9 Varios autores. Titulo original: Analises del discurso : manual para las ciencias sociales 1. Analise do discurso 2. Ciencias sociais - linguagem I. Iniguez, Lupicinio. 04-1631 CDD-401.41 indices para catalogo sistematico: 1. Analise do discurso : Linguagem e comunicacao : Linguistica 401.41 ' Lupicinio Iniguez (coord.) MANUAL DE ANALISE DO DISCURSO EM CIENCIAS SOCIAIS Tradu^ao de Vera Lucia Joscelyne 2a Edicao EDITORA VOZES Petropolis 2005 © 2004, Editora Vozes Ltda. Rtia Frei Luis, 100 25689-900 Petropolis, RJ Internet: http://www.vozes.com.br Brasil Todos os direitos reservados. Nenhuma parte desta obra podera ser reproduzida ou transrmtida por qualquer forma e/ou quaisquer meios (eletronico ou mecanico, incluindo fotocopia e gravacao) ou arquivada em qualquer sistema ou banco de dados sem permissao escrita da Editora. Editoragao e org. literdria: Fernando Sergio Olivetti da Rocha ISBN 85.326.3004-9 Este livro foi composto e impresso pela Editora Vozes Ltda. Rua Frei Luis, 100 - Petropolis, RJ - Brasil - CEP 25689-900 Caixa Postal 90023 - Tel.: (24) 2233-9000 Fax: (24) 2231-4676 er Pi In 1. 2. col 3. tra 4. so 5. 6. ex; II Sumario Prefdcio - O giro discursive (Teun A.^van Dijk) 7 Introducdo 15 1. O "giro linguistico" (Tomas Ibanez Gracia) 19 2. A linguagem nas ciencias sociais: fundamentos, conceitos e modelos (Lupicinio Iniguez) 50 3. A analise do discurso nas ciencias sociais: variedades, tradi9oes e praticas (Lupicinio Iniguez) 105 4. A analise da conversa9ao e o estudo da interapao social (Charles Antaki e Felix Diaz) 161 5. Psicologia discursiva: unindo teoria e metodo com um exemplo (Derek Edwards) 181 6. A fronteira interior — analise critica do discurso: um exemplo sobre "racismo" (Luiza Martin Rojo) 206 7. Praticas discursivas como estrategias de governamentalidade: a linguagem dos riscos em documentos de dominio publico (Mary Jane P. Spink e Vera Mincoff Menegon) 258 Glossdrio geral 304 Prefacio 0 giro discursive Teun A. van Dijk* 1d ci v! rr y n t< c dj P. P ' e Neste livro, apresentado por importantes psicologos so-ciais da Universidade Autonoma de Barcelona, ofere- ce-se aos estudantes uma excelente introducao ao estudo do discurso. Em muitos aspectos, o "giro linguistico", ini- ciado na filosofia e nas ciencias socials ha varias deca- das, poderia, hoje em dia, ser chamado de "giro discursi- vo" dado o atual^e crescente interesse no estudo das forr mas do uso da linguagem e de conversagoes e textos, que vem substituindo o estudo do sistema abstrato ou da gra- matica de um idioma. Enquanto o estudo da gramatica independente do texto que, em um determinado momento, era proeminen- te, passou a se restringir quase que totalmente a uma pe- quena area da linguistica, vemos que nao so as demais areas dessa disciplina como tambem a maioria das outras disci7 plinas nas humanidades e nas ciencias socials se voltaram para os problemas fascinantes do texto e da conversacao em interagao, cognigao, contexto social ou cultura. As contribuigoes para este livro apresentam um retrato tanto historico quanto sistematico desse desenvolvimen- i... * Universidade Pompeu Fabra. Barcelona, Espanha. 1 Teun A. van Dijk Prefacio to tao estimulante que comegou mais ou menos na mes- ma epoca, e muitas vezes de forma independente, entre 1964 e 1974, na antropologia, na sociologia, na psicologia e na linguistica. Assim, para a linguistica, o giro foi de es- truturas sintaticas abstratas de frases isoladas para o uso da linguagem, texto; conversagao, atos discursivos, intera- goes e cognigao. Para a filosofia e muitas das ciencias so- ciais, como tambem e mostrado neste livro, o giro foi ain- da mais radical, ou seja, na diregao da linguagem em geral. Na decada de 1960 isso significou, primordialmente, que os cientistas sociais precisaram aprender o basico das gra- maticas formais, que eram entao a unica linguistica dispo- nivel. No entanto, vemos que essas travessias de fronteiras disciplinares em varias diregoes levaram logo a um inte- resse generalizado na linguagem em uso, ou seja, na lin- guagem usada pelos seus verdadeiros usuarios em situa- goes sociais reais e em formas reais de interagao, em um dis- curso que "ocorria naturalmente". E esse esforgo geral e trans- f ~disciplinar que e agora chamado de "analise do discurso" - embora o termo mais geral "estudos do discurso" talvez seja . mais apropriado, ja que ele inclui nao somente a "analise" , propriamente dita, mas tambem "teorias", aplicagoes, criti- cas e outras dimensoes da investigagao academica. Desde o inicio, a psicologia foi uma das disciplinas- mae dos estudos do discurso. Ja no comego do seculo XX, o famoso F.C. Bartlett buscava descobrir como e que as pessoas decoram historias e, no livro que escreveu pouco mais tarde, Remembering (1932), explicou que as pessoas leem, compreendem e decoram historias em tennos da nar- rativa e de outros esquemas de conhecimento de sua propria cultura. Muitos anos mais tarde, e apos a derrota do beha- viorismo por uma critica devastadora de Chomsky sobre a visao behaviorista da linguagem e do aprendizado da lin- guagem segundo Skinner, foi essa ideia basica de Bartlett Pajin- enfua- fefes- a4ns- po?9a o«?e" liintl- s^i|as-$S0| iP as so^ t4oasdir- dofriajeha- rea ..lin- cplil lett que viria a ser uma das pedras fundamentals da revolu- gao cognitiva. Assim, a partir da metade da decada de 1970, um campo muito vasto e bem-sucedido do estudo cogniti- vo-psicologico dos processes da produgao e compreensao de textosfoi desenvolvido como uma das areas do estudo transdisciplinar do discurso. Um dos muitos topicos abordados nesse tipo de estu- dos de processamento do discurso foi o papel fundamental do conhecimento: hoje sabemos que e impossivel produzif^ ou ler um texto, ou participar de uma conversa, sem uma grande quantidade de conhecimento sobre a linguagem, sobre o discurso, sobre a comunicagao, sobre o contextQ atual e, de um modo geral, ate sobre o "mundo". Grande parte desse conhecimento e compartiihado socialmente entre comunidades sociais, profissionais ou culturais di- ferentes para as quais ele e denominador comum para a agao, a interagao, o discurso e as praticas sociais. \ Vemos tambem, da mesma maneira, que as frases nao podem ser isoladas de seus textos e contextos, e que tambem o processamento do discurso nas mentes dos usuarios da linguagem nao pode ser isolado nem do verdadeiro uso da lin- guagem em contextos sociais por usuarios da linguagem em suas comunidades sociais e culturais. A linguagem, o discur- so e o conhecimento sao essencialmente sociais. E esse insight fundamental que deu origem nao so a sociolinguistica, a pragmatica e a etnografia da fala, mas tambem a psicologia social do discurso, que forma o pano de fundo da apresentagao das varias perspectivas nos estu- dos sobre discurso oferecidas neste livro. Existem, no entanto, muitos tipos de psicologia social e, infelizmente, a maior parte deles tern dernonstrado pou- co interesse explicito no estudo do discurso. Assim, a psi- cologia social experimental nos Estados Unidos concen- Teun A. van Dijk trou-se, inicialmente, em atitudes, preconceitos e gerenci- amento da impressao, entre muitos outros topicos, em vez de estudar as maneiras pelas quais elas sao adquiridas dis- cursivamente, expressas, usadas e reproduzidas na socie- dade. Acoinpanhando a revolugao cognitiva na psicolo- gia "individual", essa psicologia "social" tambem tern mui- to pouco que ver com a maneira como a mente, ou os indi- viduos, estao relacionados com a sociedade. Na Europa, varias tradigoes de psicologia social tinham mais interesse na dimensao social da vida cotidiana propriamente dita, em temas tais como a identidade social de grupos e as rela- goes grupais, por um lado, e representacoes sociais de co~ f^munidades, por outro. No entanto, embora a identidade so- cial, as relacoes sociais e as representacoes sociais sejam em grande parte administradas pelo discurso, a maioria •dessas abordagens da psicologia social quase nao esta en- volvida na analise sistematica do discursp, nem teorica- tente, nem na pratica, nem metodologicamente. Isso signi- fica que Ihes era impossivel oferecer qualquer insight sobre as maneiras como essas identidades, relacionamentos e re~ presentapoes grupais sao realmente adquiridas, utilizadas e reproduzidas na socieda'derUmalriterface vasta e complexa - a do discurso - era excluida dessas abordagens. A partir da metade da decada de 1980, a ESJ£olQgi;a so- cial desenvolvida na Universidade estudiosos eminentes como Michael BilligfJonathan Pot- ter, Margaret Wetherell e Derek Edwards a quem se junta- ram depois Charles Antaki e outros, ofereceram uma alter- nativa radical quando explicitamente se concentraram no texto e especialmente na "conversagao". Ao levar o discur- so a serio, eles reagiram, assim, tanto contra os psicologos ^sociais norte-americanos como contra outros europeus. Contra o experimentalismo limitado no laboratorio, eles propuseram o estudo da linguagem real usada em situ- .10 Prefacio apoes sociais, isto Q, o discurso ou conversagao natural, que, a seu ver, seriam dados muito mais confiaveis para estudar a sociedade e seus membros. Contra o mentalismo da psicologia cognitiva, propuseram o estudo do uso ver- dadeiro de termos psicologicos nas conversas cotidianas. E contra o empirismo e o realismo da maior parte de outras tradicoes da psicologia e das ciencias sociais, ofereceram uma alternativa construtivista mais ou menos radical, ins- irada, por exemplo, em Rom Harre: a . - - - , textoe da conyersacao. £ comc^riao temos acesso direto a "suits menfesTmas somente a seus discursos, e melhor que nos concentremos nesses discursos. E nao apenas como meras "expressoes" de suas mentes, mas sim por si mes- mos, isto e, como formas de interacao social, com suas proprias variaveis, objetivos, interesses, problemas e es- trategias para fazer sentidcx Corno tambem vemos neste livro, e por essa razao que grande parte da psicologia discursJYaJnspiraTse no^estudo .da conversac^ao na emometodologia, ouseja, no estudo dos "metodps"lmpficitos, partilhados sociahnente, que as pes- soas usam na interagao, e dai tambem na conversacao, para entender, conduzir e fazer sentido de suas vidas cotidianas. De uma maneira que nos recorda a forma como esses etnometodologistas ou microssociologos rejeitaram as es- trururas abstratas e preestabelecidas da sociologia parso- niana, e se concentraram nos detalhes da acao e da conver- sagao, os psicologos discursivos tambem rejeitaram mui- tas das nogoes preestabelecidas da psicologia cognitiva e social tradicional e tambem se concentraram nos detalhes do discurso. Os tipos diferentes da^giigolggia discursiva e retori- ca desenvolvidos err|^61igEborou^IrtfT^ wr™*™™™ nmJogo encontraram um Teun A. van Dijk eco em outras universidades e em outros paises, especial- mente nos departamentos de psicologia social. Na Espa- nha, isso ocorreu principalmente entre os psicologos so- ciais da Universidade Autonoma de Barcelona, tendo a frente Tomas Ibanez e Lupicinio Iniguez, que tomaram a iniciativa para produzir este livro convidando, para unir- se a eles, Charles Antaki e Derek Edwards, de Loughbo- rough; Felix Diaz e Luisa Martin Rojo, de Madri, e Mary Jane Spink e Vera Mincoff Menegon, de Sao Paulo, produ- zindo.assim^mamisrurainteressantissimadeabordagens. ~ No entanto, esses estudiosos nao se limitam unica- mente a uma etnometodologia ou analise de conversa9ao isolada sociopoliticamente; eles se denominam explicita- mente psicologos socials e linguistas "criticos". Com isso, se colocam em uma tradicao de pesquisa critica ampla, es7 pecialmente europeia, que remonta a Escola de Frankfurt, e que tern como seu representante contemporaneo mais ilustre Habermas. Essa tradigao aparece tambem no traba- Iho de pensadbres tap diferentes quanta Foucault e Bour- dieu na Franga e muitos outros estudiosos em outras paries, rdo mundo., Da^p^cy^eresse comum no.discursaa psico- logia social critica tambemestl reiacionlu3al:om a Analise Critica do Discurso, na forma em que essa surgiu nos estu- dos de linguistica e de discurso no flm dos anos 1970, com o famoso livro Language and Control, de Fowler, Kress, Hodge e Trew, seguido mais tarde p'ela obra de Norman Fairclough no Reino Unido, Ruth Wodak em Viena e Lui- Martin Rojo em Madri, que, portanto, tambem esta repre- ^sentada neste volume. Esses g s t u s criticos .de discurso es- lapjnteressado^essencialmente na malieira cornpoDoder. f t » i f f H S i T i ^ ' ^ ^ ^ = ' ? r B i T S i I ' " I'lli*111" — r 1 ' ' L" " nj-'~~''"''~'' j M C f e ^ - " E interessante esbogar sumariamente esses contextos historicps e disciplinares a fim de entender o contexto no ,12 Prefacio qual este livro foi escrito: a interface (ou lugar de encon- tro) da fllosofla, da psicologia social, da ciencia social cri- tica, dos esrudos de discurso e da linguistica, da etnometo- dologia e da analise da conversacao. Com seu interess nos giros lingiiistico e discursive, e suas contribuicoes para uma analise detalhada do discurso, os autores neste volu- me foram capazes de contribuir de maneira significativa para a renovacao da psicologia social na Espanha e para uma cooperagao (mais) intensa com os analistas do discur- so em outras disciplinas. Como muitos dos estudantes de doutorado do progra-ma em Barcelona (assim como em outros lugares da Espa- nha) sao da America Latina, e de se esperar que essa visao critica e discursiva da psicologia social venha fortalecer ainda mais essa orienta^ao tambem na America Latina. Dados os problemas fundamentals sociais, politicos e eco- nomicos naquela regiao, uma psicologia, seja ela ou nao discursiva, que nao fosse capaz de contribuir para uma analise critica da sociedade seria no minimo irrelevant^. E, e claro, o mesmo se aplica ao resto do mundo. Isso nao sigmfica que a abordagem "discursiva" e uma ; seja na psicologia ou em qualquer outra disciplir na das humanidades ou das cie~ncias sociais. Embora mui- tos aspectos e problemas da sociedade sejam discursivos, ou possam ser estudados por varias formas de analise do discurso, isso nao quer dizer que a sociedade e apenas dis- cursiva, como demonstram a pobreza, a fome, as doen- , a violencia contra mulheres, o racismo e muitos ou- tros problemas sociais cruciais. No entanto, nosso pensa- mento, nossa interpreta?ao e nossa comunicacao sobre es- ses problemas sao, na maiorparte das vezes, expresses ou reproduzidos atraves do texto ou da fala e muitas vezes constituidos discursivamente. O que a maioria de nos sa- bemos sobre esses problemas sociais fundamentals e o que 13 Teun A, van Dijk r lemos sobre eles no jornal ou em livros ou o que veinos na televisao, e com isso esse conhecimento e muitos de seus formates sao construidos discursivamente desde o come- co; e o mesrno ocorre com muitas das maneiras que usa- mos para falar sobre eles e agir a seu favor ou contra eles. A psicologia social critica e sua perspectiva discursiva estao em uma situa$ao ideal para contribuir para nosso en- tendimento desses e de muitos outros problemas sociais. Essas contribuigoes sao eficientes e significativas so quan- do contribuem com aiguma coisa que outras pessoas em outras disciplinas nao podem oferecer, ou seja, com uma analise muito detalhada de textos e falas, e sua relagao, por urn lado, com a situapao social e com a sociedade em geral e, por outro, com as muitas dimensoes psicologicas de (gru- pos de) pessoas; dimensoes tais como a maneira como elas veem, definem e vivem sua realidade cotidiana, a maneira como elas lutam com suas identidades sociais, os proble- mas da intera?ao e dos conflitos cotidianos emuma socie- dade multicultural, as maneiras como as pessoas se envol- vem na reproducao do machismo ou do racismo e uma quantidade de outros aspectos que exigem a intervengao especializada de psicologos sociais. Tanto para estudantes como para academicos de outras areas de pesquisa, as contribui96es neste livro mostram em detalhe o historico, as perspectives, os metodos e os objetivos desse tipo de psicologia social discursiva, da analise critica do discurso e dos estudos sociais criticos em geral. Barcelona, setembro de 2003 14 Intro dugao Este livro tern como objetivo familiarizar seus leitores eleitoras com o debate sobre o papel da linguagem nas ciencias sociais e com os fundamentos teoricos que justifi- cam esse papel. Mais especificamente, tem tambem a in- tenpao de oferecer-lhes uma introdugao a Analise do Dis- curso como perspectiva teorico-metodologica e como fer-, ramenta de investigagao. E cada vez maior o interesse que a linguagem desperta nas ciencias sociais, um interesse que se manifesta tanto em suas dimensoes epistemologicas quanto nas metodolo- gicas e politicas. Esse e, portanto, o motivo principal para este manual, e espera-se que ele contribua para um maior conhecimento dos antecedentes e da evolufao desse inte- resse pela linguagem. Nao existe, porem, nenhum consenso - nem sequer majoritario - sobre o alcance e limites da incorpora9ao da linguagem as ciencias sociais. Portanto, esperamos que nossos leitores e leitoras consigam, gra?as a leitura des- te manual, formar uma opiniao bem fundamentada sobre a questao. Tentaremos fazer com que isso seja possivel, identificando as principais perspectivas que fundamentam a inclusao da linguagem nas ciencias sociais; mostrando a trajetoria que pennitiu que essa inclusao abrisse o cami- nho para novas perspectivas teoricas e metodologicas; des- crevendo algumas das principais tendencias e modalida- 15 Lupfdnio Iniguez des da Analise do Discurso, seu alcance e seus limites; e, finalmente, introduzindo alguns procedimentos basicos desse tipo de analise. Esperamos estar oferecendo uma quantidade de recur- sos suficientes para uma apropriagao, avaliagao e critica dessas perspectivas e, por sua vez, para a propria aplicacao da Analise do Discurso. Atraves de uma exposi9ao orde- nada de conteudos, de um esforgo para evitar umjargao de- masiado especifico, e da apresentac. ao de inumeros exem- plos, tentamos fazer com que seja possivel integrar essas propostas teorica e metodologicamente. Tentamos tambem evitar qualquer tipo de dogmatis- mo. Nesse sentido, a assertividade com que as varias posi- foes sao apresentadas nao significa que damos menos im- portancia a manuten9ao de uma atitude critica nas praticas da produgao do conhecimento e da investigacao nas ciencias sociais, respeitando a pluralidade de perspectivas e de pon- tos de vista, afastando-nos das pretensoes de impor umas perspectivas sobre outras, dando elementos para que o al- cance e os limites das propostas sejam continuamente ava- liados e mantendo viva a reflexao sobre o papel das ciencias sociais na permanencia e na mudan?a da ordem social. O livro, portanto, foi organizado em sete capitulos: o primeiro, dedicado ao "giro lingiiistico"; o segundo, ao pa- pel da linguagem nas ciencias sociais; o terceiro, as varie- dades, tradi9oes e praticas da analise do discurso nas ciencias sociais; o quarto, a Analise da Conversa9ao; o quinto, a Psi- cologia Discursiva; o sexto, a Analise critica do discurso; e o setimo, a Analise da Interanima9ao Dialogica. O primeiro capitulo tern a fun9ao de emoldurar, teori- ca e epistemologicamente, o papel da linguagem nas cien- cias sociais. Examina a maneira como a reflexao sobre a linguagem foi adquirindo importancia a partir dos anos 1960 e o impacto que essas reilexoes tiveram na nossa 16 Intro dugao concep9ao do conhecimento, em nossos conceitos da rea- lidade - tanto fisica quanto social - e nas estrategias meto- dologicas para sua analise. 0 segundo capitulo apresenta os fundamentos princi- pals que sustentam e legitimam o papel da linguagem nas ciencias sociais. Seu argumento principal e que, embora no inicio a presen9a da linguagem nas disciplinas sociais tenha sido introduzida a partir da metodologia, mais tarde, no entanto, ela se converteu em um conjunto de novas perspectivas nas que a "linguisticidade" e o "linguistico" sao centrais. O capitulo examina o giro linguistico, a "Teo- ria dos atos da fala", a Pragmatica, a Etnometodologia e alguns aspectos da obra de Michel Foucault. O terceiro capitulo foi dedicado a Analise do Discurso como metodo e como perspectiva nas ciencias sociais. Apesar da arnpla lista de perspectivas e praticas na Analise do Discurso, aqui serao apresentadas apenas algumas de- las: a sociolingiiistica interacional, a etnografia da comu- nica9ao, a analise conversacional, a analise critica do dis- curso e a psicologia discursiva. A parte final oferecera uma das modalidades da Analise do Discurso que podem ser se- guidas para o esuido de processes sociais. Pondo em pratica a AD, poderemos ver o alcance e os limites que ela tem na compreensao dos processes sociais e da estrutura social. Com efeito, os cinco ultimos capitulos apresentam exemplos da Analise do Discurso na pratica. Assim, o ca- pitulo quarto tem como moldura a tradi9ao da Analise da Conversa9ao e permite ver como se constroi a delicade- za nas redoes sociais e a importancia e consequencias que isso pode ter na vida cotidiana. Por sua vez, o capitulo quinto seenquadra em uina linha critica das ciencias so- ciais que se identifica com o titulo de "Psicologia Discur- siva", perspectiva que mostrou a revolu9ao que e possivel fazer na conceitualiza9ao teorica de determinados proces- 17 Lupicinio Iniguez sos psicologicos quando esses sao abordados de um pon- to de vista discursivo. O sexto capitulo, enquadrado no mar- co da Analise Critica do Discurso, mostra como o discur- so funciona como pratica de domina9ao e de exclusao. Finalmente, o setimo capitulo, no marco da Interanima- 9ao Dialogica, amplia a reflexao sobre dominacao, abor- dando a linguagem dos riscos como estrategia de gover- namentalidade. 18 O ff* -•£•— _. * m • - H ,».rsiS5»4ssS37 _ itgiroisUnqmslrcol iro liriguistico" e uma expressao que esteve em mo- da nos anos 1970 e 1980 para designar uma certa mudanca que ocorreu na fllosofia e em varias ciencias hu- manas e socials, e que as estimulou a dar uma atencao major ao papel desempenhado pela linguagem, tanto nos proprios projetos dessas disciplinas quanto na formagao dos fenomenos que elas costumam estudar. Normalmente, nao se da a essa expressao nenhum ou- tro significado alem desse que acabamos de mencionar. Um dos primeiros objetivos que podemos atribuir ao pre- sente capitulo e precisamente o de contribuir para que se ad- quira uma consciencia clara do aumento progressivo da aten- cao que foi dada a linguagem no decorrer do seculo XX. No entanto, o "giro linguistico" teve efeitos e implica- coes que vao bem mais alem do simples aumento da enfa- se dada a importancia da linguagem. Ele contribuiu parg que fossem esbogados novos conceitos sobre a natureza do conhecimento, seja ele o do sentido,comum ou o cienti- fico, para permitir que surgissem novos significados para * Universidade Aberta da Catalunha. 19 Tomds Ibdnez Gratia aquilo que se costuma entender pelo termo "realidade" - tanto "social" ou "cultural" quanto "natural" ou "fisica" - e a desenhar novas modalidades de investigate) propor- cionando outro contexto teorico e outros enfoques meto dologicos.jPorem, mais que tudo, o "giro linguistico" mo- dificou a propria concepcao da natureza da linguagem. Um segundo objetivo deste capirulo, portanto, seria ensi- nar a discernir quais sao as concepgoes da linguagem que sustentam as varias formulagoes oferecidas pelas ciencias humanas e socials. For outro lado, o presente capitulo pretende analisar em profundidade a natureza e as hnplicagoes do "giro lin- guistico", dando uma atencao especial a sua genealogia, ou seja, a dimensao historica de sua constituigao progres- siva, as rupturas teoricas que tiveram que ocorrerpara que o giro linguistico pudesse construir e desenvolver seus projetos, e ao carater plural e as vezes contraditorio de que se revestiram as suas varias formulagoes. Se o "giro linguistico" realmente constitui, como indi- camos neste capitulo, uma mudanga profunda das concep- goes do mundo, e das concepgoes sobre como interpretar as ciencias humanas e sociais, inclusive a propria filoso- fia, e importante que o leitor e a leitora entendam nao so- mente o alcance e a orientacao dessas mudangas mas tam- bem as razoes que o fizeram surgir. Podemos entao consi- derar que um terceiro objetivo que nos propomos a alcangar neste capitulo seria o de discernir e avaliar essas razoes. Para esse fim, no entanto, nao e suflciente apenas en- tender e armazenar a informagao proporcionada pelo texto que foi elaborado para este capitulo. Alem disso, e preciso por em pratica um esforgo extraordinario de reflexao pes- soal que permita qualificar a natureza e a forga das suposi- goes a que o "giro linguistico" teve que se sobrepor para conseguir se desenvolver. Nesse sentido, seria util refletir 20 1. 0"giio linguistico" sobre nossa propria concepgao da linguagem comparan- do-a com as concepgoes que sao inferidas pelo "giro lin- guistico". Um ultimo objetivo, portanto, consiste em per- rnitir e facilitar essa reflexao. 1. A Linguistica e a filosofia como pontos de parti da Uma das marcas distintivas do seculo passado foi, sem duvida alguma, a enorme importancia que tanto a filosofia quanto as ciencias humanas e sociais em seu conjunto de- ram ao fenomeno da linguagem. A atengao crescente que se da ao estudo da linguagem durante todo o seculo XX teve seu estimulo inicial no cer- ne de uma dupla ruptura ocorrida no despertar do seculo. De um lado, a ruptura com a antiga tradigao centrada na comparagao das linguas e no estudo de sua evolugao historica. E, por outro, a ruptura com a total he- gemoma que a filosofia da consciencia exerceu durante mais de dois seculos. — A primeira dessas rupturas, liderada por Ferdinand de Saussure (1857-1913), instituiu, na verdade, a linguistica moderna, dotando-a de um programa de alguns conceitos e de uma metodologia que viabilizavam o estudo rigoroso da lingua considerada "por si mesma e em si mesma". A segunda ruptura, iniciada por Gottlob Frege (1849- 1925) e por Bertrand Russell (1872-1970), fez com que o olhar da filosofia, ate entao voltado para o mundo interior e privado das entidades mentals, se voltasse para o mundo passivel de ser objetivado e publico das produgSes dis- cursivas. Assentavam-se, assim, as bases para uma nova forma de entender e de praticar a filosofia que, sob a deno- minagao de "filosofia analitica", dominaria o cenario da filosofia anglo-saxa durante mais de meio seculo. J Os sucessos alcangados pela linguistica moderna, tan- to no marco da orientagao estruturalista iniciada com as 21 Tomds Ibdnez Gratia contribui?oes de Ferdinand de Saussure, quanto no marco da orientacao generativa elaborada fundamentalmente por Noam Chomsky (1928-) no final dos anos 1950, tiveram amplarepercussao em vastos setores das ciencias socials e humanas que viram na linguistica um modelo exemplar ao que podiam recorrer diretamente quando abordavam os objetos de suas proprias disciplinas. No entanto, mais alem de esse efeito mimetico extra- ordihario, e a filosofia analitica, em suas varias orienta- 9oes e devido tanto a seus fracassos como a seus exitos, que devemos atribuir a expansao do interesse pela lingua- gem nas varias ciencias socials e humanas. Dificilmente poderemos compreender a aten9ao dada a linguagem pelo pensamento contemporaneo se nao ana- lisarmos o "giro linguistico" empreendido pelo pensa- mento posterior ao seculo XIX, observando tanto sua ges- tacao como a historia de seu desenvolvimento. Mas antes de abordar essa questao no proximo capitu- lo, talvez seja util recordar que ja no medievo encontra- mos alguns ingredieBles^ue_teriam podido propiciar um "giro linguistico^/favanr/a/eSre>Trata-se da famosa dis- puta entre os escolasticos a respeito dos "universais". Co- mo bem se sabe, os "nominalistas" sustentam a tese da ine- xistencia fatica dos universais, argumentando que tudo aquilo que existe o faz de uma forma peculiar e que de nada adianta buscar referencias existenciais por tras de ca- tegorias gerais. Nao existe nem "o" campones, nem "a" ar- vore, nem "a" mulher, mas sim e apenas, camponeses, ar- vores e mulheres particulares. Um universal nada mais e do que uma abstragao cuja existencia so se materializa no amago de nossa linguagem e cuja realidade e resultado exclusivamente dos usos que fazemos da linguagem. A partir de considera9oes desse tipo, os nominalistas esbo9avam uma linha de pensamento que 22 —«* 1. 0 "giro linguistico" outorgava a linguagem um papel especial na elabora9ao de nossa visao do mundo, mas ainda seria necessario espe- rar varios seculos para que essas intui9oes dessem lugar a um auteiitico "giro linguistico". 2. Das ideias as palavras ou do "animal pensante" ao "animal falante" Q ser humano e um "animal racional". Essa foi uma das formulas mais antigas utilizadas para expressar a dis- tinguibilidade de nossa especie.No entanto, embora a ca- pacidade que o ser humano tem para exercitar o pensa- mento, o raciocinio, a elaboracao e o manejo de ideias te- nha fascinado os filosofos desde os tempos da Grecia Clas- sica, foi, sem duvida, Rene Descartes (1596-1650) que con- tribuiu com maior sucesso para que o olhar filosofico fo- calizasse o interior de nosso mundo mental (a famosaffS exortando-nos a esquadrinhar nossas ideias pa- ra ficarmos unicamente com aquelas que fossem "cla- ras e distintas". Dessaperspectiva, a linguagem e ceitamen--3 te importante, mas constitui apenas um instrumento para manifestar nossas ideias, uma simples roupagem com a qual essas se apresentam ao exterior e se tornam visiveis para os demais. Quando nosso discurso parece ser confuso e porque nossas ideias nao sao suficientemente claras e, in- clusive, algumas vezes acontece de a linguagem dificul- tar a exterioriza9ao de nossas ideias em vez de ajudar-nos a comunica-las aos demais. A partir de Descartes e durante dois seculos e meio, a filosofia europeia seria uma "filosofia da consciencia" centrada no estudo da interioridade do sujeito e convenci- da de que, para conhecer o mundo exterior, e preciso ins- pecionar minuciosamente as ideias que habitam os espa- 905 interiores da subjetividade. No entanto, a partir do mor mento em que se aceita a dicotomia entre res cogitans e 23 Tomds Ibdnez Gracia res extensa, e precisamente porque foi tracada essa linha divisoria, surge imediatamente a pergunta de como se re- lacionam entre si o "interior" e o "exterior" e p misterio da adequagao entre nossas ideias e a realidade. Durante dois seculos e meio as grandes divergencias filosoficas vao se articular ao redor dessas questoes. i Serios antagonismos se desenvolvem entre aqueles que consideram que nossas ideias se formam com base em nos- sas experiencias sensoriais (nada esta em nossa mente que nao tenha anteriormente passado por nossos sentidos, di- <( riam, por exemplo, os empiristas) e aqueles que creem que as ideias se constituem com base nas propriedades inatas da res cogitans, ou ainda aqueles que consideram, com Emma- nuel Kant (1724-1808), que as "categorias apriori de nosso entendimento" estabelecem o marco nao empirico a partir ^do qual a experiencia empirica conforma nossas ideias. Curiosamente, essas profundas divergencias filosofi- cas nascem precisamente porque existe um consenso pre- vio a respeito do carater privilegiado do mundo das ideias e porque se tenta explicar a consciencia a partir da inques- tionavel dicotomia entre a mente e o mundo. Se questio- narmos a dicotomia "interior/exterior", o dificil problema da relac.ao entre ambos se dilui imediatamente, deixando em evidencia a vacuidade das grandes divergencias filoso- ficas originadas por esse problema. No entanto, nao e nada facil deixar de lado dois secu- los e meio de consenso filosofico. O fato de que ja trans- correu quase um seculo desde aquele momenta em que co- mefaram a questionar a primazia da "filosofia da cons- ciencia" e que, ainda hoje, temos serias dificuldades para livrar-nos de suas influencias, indica, sem duvida algu- ma, a magnitude da inovacao que o "giro lingiiistico" su- 24 1. 0 "giro lingiiistico' pos e a originalidade de que seus promotores tiveram que se vangloriar. 3. Os comedos do "giro Linguistico" A propria expressao "giro linguistico" sugere a ima- gem de um momento precisamente delimitado no qual se produziu uma mudanca brusca de algo que nao e linguisti- co para o espa90 propriamente linguistico. Pode ate ser que alguns dos comentarios feitos acima tenham contribui- do para fomentar essa imagem. Mas a coisa nao foi bem as- sim. O giro linguistico nao e um fato precise e sim um feno- meno que vai se formando progressivamente e que adota varias modalidades ao longo de seu desenvolvimento. Em seu comego, o giro linguistico surge de uma preo- cupagao em superar a antiga logica silogistica herdada de Aristoteles (385 a.C.-322 a.C) e em inventar umanova lo- gica formal, capaz de dar vida a essa linguagem "ideal" e "perfeita" com que sonhava Leibnitz (1646-1716). Foi Gottlob Frege (1848-1925) que empreendeu essa tarefa ao inventar "a teoria da quantifica9ao" (base da lo- gica moderna) e ao substiruir as velhas nogoes de "sujeito" ejle "predicado" pelas no9oes de "argumento" e de "fun- cao". A nota^ao canonica proposta por Frege permitia trans- formar os enunciados linguisticos em "proposigoes" cujo valor de verdade (proposi^ao verdadeira ou falsa) podia ser estabelecido de uma maneira rigorosamente formal. Da Universidade de Cambridge, Bertrand Russell (1872- 1970) colaborou intensamente com Frege para o desen- volvimento da nova logica, dando um impulso decisive ao giro linguistico na filosofia anglo-saxa. Para o proposito desta disciplina, o que importa nao e, certamente, a compreensao e o conhecimento detalhado do novo instrumento logico criado por Frege e Russell, e 25 Tomds Ibdnez Gratia sim compreender, por urn lado, quais eram as premissas que orientavam as investigasoes "logicistas" da dupla Fre- ge/Russell e, por outro, captar as repercussoes que esse novo instrumento logico teve para o desenvolvimento da filosofia da linguagem. Essas premissas podem ser formuladas da seguinte ma- neira: a) Muitos dos problemas com que se deparam tanto a filosofia, quanto a comunicacao humana em geral, ocor- rem porque a linguagem cotidiana tem como base uma 16- gica imperfeita, ambigua e imprecisa. b) As frases construidas nas linguas naturals se apoiam, claramente, em uma estrutura logica, mas essa estrutura logica nao aparece com claridade se nos limitarmos a con- templar exclusivamente a estrutura gramatical das frases ou se as analisarmos com a ajuda da logica aristotelica. c) A nova logica, baseada em quantiflcadores, permite que se exiba a autentica estrutura logica dos enunciados linguisticos, convertendo-os em proposi?6es dotadas de um valor de verdade. d) Se conseguirmos estabelecer a estrutura logica dos enunciados poderemos exibir a estrutura do pensamento expressado por esses enunciados e, desta maneira, aumen- tar o conhecimento dos processes inferenciais. e) Se a linguagem e um instrumento para representar a realidade, entao sua analise pode nos informar sobre a na- tureza dessa mesma realidade. Este conjunto de premissas nos indica varias coisas im- portantes: Em prirneiro lugar, vemos como se produz um deslo- camento do estudo das "ideias", realizado por meio de um discurso mental de carater privado (introspeccao), para o 26 1. 0 "giro linguistico" estudo dos enunciados linguisticos, publicos e objetiya- dos, a fim de evidenciar sua estrutura logica. Nao e dentro de nossa mente que temos que "olhar" para saber como pensamos, e sim devemos "olhar" para nossos discursos; nao devemos esquadrinhar nosso "in- terior" e, sim, devemos permanecer no "exterior" visivel a todos. As ideias foram, em uma epoca, os objetos de todo filo- sofar e constituiram o vinculo entre o ego cartesiano e o mundo externo a ele [...]. Nas discussoes atuais, o dis- curso publico substituiu o discurso mental. Um ingredi- ente nao questionado do discurso publico e o enunciado [...]. Quine disse que "a tradi9ao de nossos pais e uma fa- brica de enunciados". Os enunciados sao um artefato cognoscitivo nessa fabrica do discurso publico. Talvez, como sugerirei a seguir, sao eles que constituem esse "sujeito cognoscitivo". De qualquer forma, eles sao os responsaveis pela representa9ao da realidade no corpo do conhecimento. Dessa maneira, parece que os enunci- ados substituiram as ideias [...]. A verdadeira natureza do conhecimento mudou. Nossa situa9ao atual na filoso- fia e uma conseqiiencia daquilo que o conhecimento chegou a ser [...]. Um Descartes jamais teria pensado que uma teoria e um sistema de enunciados, assim como Quine jamais teriareconhecido que uma teoria e um es- quema de ideias do seculo XVII (I. Hacking, 191'5. Does Language matter to philosophy? Nova lorque: Cambrid- ge University Press, p. 159-169 [Tradu9ao em espanhol: Buenos Aires, Sulamericana, 1979]). Em segundo lugar, podemos observar como, em um determinado momento, deixa-se de considerar que sao as nossas "ideias" que se relacionam com o mundo, e pas- sa-se a afirmar que sao nossas palavras que se correspon- dem com os objetos do mundo. Ja veremos como essa tese, que podemos qualificar de "realista", sera superada nos desenvolvimentos posteriores do giro linguistico, em- 27 Tomds Ibdnez Gratia r bora tenha, sem duvida, o grande merito de substituir a re- lacao "ideias/mundo" pela relacao "linguagem/mundo", trocando o privado pelo publico e o nao observavel pelo manifesto. Quanto as repercussoes que o instrumento logico cons- truido por Frege/Russel viria a ter para a filosofia da lin- guagem, basta assinalar aqui que, durante varias decadas, a filosofia analitica adotou a forma tecnica de uma rigo- rosa analise logica das proposicoes filosoficas, recorren- do a teoria da quantificacao. . 4. 0 estimulo neopositivista ao giro lingiilstico Seguindo os conselhos de Frege, o jovem Ludwig Wittgenstein (1889-1951) decidiu ir estudar com Russell em 1911 e, poucos anos mais tarde, publicou um livro, o Tratado logico-filosofico (1921), que imediatamente exer- cera uma influencia profunda sobre um grupo de filosofos e cientistas austriacos e alemaes preocupados em dar uma ori- entapao cienn'fica ao pensamento filosofico e em acabar de- finitivamente com as especulacoes meramente metafisicas. Esses pensadores formam um colegio filosofico - o "Circulo de Viena" - e lancam, em 1929, um manifesto programatico fortemente inspirado pela tese de Wittgens- tein. Eles estao convencidos de que a linguagem comum e um pessimo instrumento para expor e discutir assuntos fi- losoficos, e tambem para construir uma visao cientifica da realidade. A seu ver, muitos dos falsos problemas em que se envolvem os filosofos tern origem em um uso pouco ri- goroso da linguagem; grande parte das formulacoes fi- losoficas nao tem sentido devido ao uso de uma lingua- gem insuficientemente formalizada; e ate mesmo os enun- ciados cientificos - inadvertidamente, mas com dema- siada frequencia - caem nas inumeras armadilhas da.lin- guagem cotidiana. .28 1. 0 "giro linguistico" Portanto, o problema que seria conveniente solucionar para que pudessemos avangar na direcao de uma explica- cao cientifica do mundo e para acabar com a vacuidade da filosofia herdada e, definitivamente, um probiema de lin- . Para ter garantias de cientiilcidade e preciso re- formar a linguagem usando todos os recursos tecnicos da nova logica e submetendo os enunciados a um exame rigo- roso para avaliar sua consistencia logica, transformando-, os em 'fooposigoes". , Como bem se sabe, os positivistas logicos do Circulo de Viena postulam que so existem dois tipos de enuncia- dos validos. — v De um lado, teriamos os enunciados logico-matema- ticos (enunciados "analiticos"), que sao absolutamente cor- retos quando bem formulados mas que nao nos dizem nada sobre a reaiidade empirica. De outro, estariam os enuncia- dos empiricos (enunciados "sinteticos")., que versam so- bre a realidade mas que so podem ser aceitos como enun- ciados validos se foram veriflcados, escrupulosamente, por experiencias baseadas no "metodo cientiflco". Todos os outros enunciados, que nao sejam estritamente analiti- , cos ou sinteticos, nao tem sentido. J Em suma, os positivistas logicos acham que e preciso dizer as coisas "bem" (sem ambiguidades nem omissoes logicas) e que e preciso tambem dizer coisas que estejam "bem" (ou seja, de acordo com a realidade empirica sobre a qual estamos falando). Apos o estimulo que Ihe foi dado por Frege, Russell, Wittgenstein e os neopositivistas, a importancia da lingua- gem nao parou de crescer do inicio do seculo XX ate a ves- pera da Segunda Guerra Mundial, ocupando o lugar da fi- losofia neo-hegeliana que dominava a Inglaterra e compe- 2 9 RAL DE VIQCS Oentral fomds Ibdnez Gratia tindo seriamente com o neokantismo e a fenomenologia enraizadds nos paises de lingua germanica. Depois da Segunda Guerra Mundial, o giro linguistico se acentuara ainda mais, diversificando suas expressoes, adotando novas modalidades e ampliando sua area de in- fluencia ate atingir os Estados Unidos, onde viria a alcan- 9ar um dominio hegemonico no ambito iilosofico. 5. A expansao da filosofia analitica e o auge da centralidade da Linguagem A trajetoria propriamente europeia do Circulo de Vie- na durou poucos anos. Muitos dos pensadores que se ti- nham agrupado ao redor de Moritz Schlick (1882-1936) eram judeus e como sua situagao ficou insustentavel dian- te do avanco da barbaric nazista quase todos decidiram emigrar, a maioria para os Estados Unidos. Naquele pais, Rudolf Carnap (1891-1970), Carl Hem- pel (1905-1997), Hans Reichenbach (1891-1953), Kurt Goedel (1906-1978) e outros continuaram suas atividades em varias universidades, fazendo com que a semente neo- positivista desse frutos em solo americano. Sua influencia foi tanta, que nos anos 1950 a parte essencial da obra filo- sofica nos Estados Unidos consistia na realizacao de exer- cicios logico-lingiiisticos rigorosos e minuciosos, pondo a margem toda e qualquer referenda a poderosa orienta?ao "pragmatica" que tinha dominado o cenario durante as pri- meiras decadas do seculo gracas as contribuifoes de Char- les Pierce (1839-1914), de William James (1842-1910) e de John Dewey (1859-1952). Nao ha duvida de que, nesse periodo, a inclinagao da filosofia para a analise logico-lingxiistica alcancou dimen- soes impressionantes. E preciso nao esquecer que, na In- glaterra, a partir de Cambridge, Bertrand Russell continua- 30 1. 0 "giro linguistico" va a animar um nucleo poderoso de filosofia analitica e que alguns daqueles que viriam a estar entre os filosofos nor- te-americanos de maior prestigio, como Willard Quine (1908), Nelson Goodman (1906), Hilari Putnam (1926) ou Wilfrid Sellars (1912-1989), estavam se formando a luz da analise logica linguistica diretamente sob o magisterio dos fundadores do Circulo de Viena. No entanto, as dificuldades tecnicas e conceiruais com que se depararam os promotores do empirismo logico, ali- adas as criticas de Karl Popper (1902-1992), bem assim como aquelas que seus proprios discipulos, especialmen- te Quine, dirigiam contra os "dogmas do empirismo", ou a dura autocritica de Wittgenstein, logo fariam com que as premissas epistemologicas do Circulo de Viena fossem abandonadas. Com efeito, foi flcando claro que a distincao "analitico/sintetica" era muito mais fragil do que se supu- nha, que os enunciados empiricos nao eram propriamente "resultados de observagoes", que a superagao da metafisi- ca nao podia ser obtida com base na doutrina do Circulo de Viena e que o grande sonho de uma linguagem "ideal", va- lida para todas as ciencias, era inviavel. Finalmente, as premissas epistemologicas do empiris- mo logico desmoronaram e a unica coisa que ficou, dessa grande aventura intelectual, foi o estimulo dado a enfase; sobre a importancia da linguagem. 6. A preocupa^ao com a linguagem cotidiana Vimos que Wittgenstein, com seu Tratado logico-filo- sofico, acalentou o sonho de falar uma linguagem ideal que permitisse evitar as falacias a que nos leva a lingua- gem cotidiana. Com isso, ele estimulou o desenvolvimen- to de um importante ramo da filosofia analitica que conti- nua extraordinariamente ativa nos dias atuais, embora ja nao comparta os postulados iniciais do Circulo de Viena. 31 Tomas Ibdnez G-racia O proprio Wittgenstein se desinteressou muito rapi- damente da possibilidade de construir uma linguagem ideal e orientousua reflexao para a linguagem comum, tentando compreender as regras a que ela obedece e aos usos a que satisfaz. O livfo que reune suas reflexoes, publicado em 1952 sob o tittilo'Investigacdesfilosoficas, estimulou o esforco realizado por um grupo importante de filosofos, ligados, muitos deles, a Universidade de Oxford, para conseguir elucidar as caracteristicas da linguagem em seus usos cotidi- anos, Dessa maneira, Wittgenstein contribuiu tambem para o desenvolvimento de um segundo ramo da filosofia anali- tica que se expandiu na Inglaterra durante os anos 1950, aju- dando a acentuar a importancia que envolve tanto a lingua- gem quanto seu estudo no conjunto das ciencias sociais. Os "fllosofos de Oxford", entre os quais se destacam, por exemplo, Gilbert Ryle (1900-1976), John Austin (1911- 1960), Peter Strawson (1919) ouPaul Grice (1913-1988), concordavamplenamente com Bertrand Russell e com seus colegas logicistas em Cambridge com rela?ao a um repu- dio total a tradi9ao cartesiana, e tambem a necessidade de passar de uma "filosofia da consciencia" para uma "filo- sofia da linguagem". Mas os pontos de coincidencia nao iam muito mais alem desse aspecto e eram intensas suas divergencias sobre quase todo o resto. Os filosofos de Oxford, por exemplo, opunham-se ri- gorosamente nao s6 ao positivismo e ao cientificismo que impregnavam a corrente logicista, como tambem a preten- sao do logicismo de construir uma linguagem formalmente inatacavel. Queriam estudar a linguagem nao para demons- trar suas imperfeicoes logicas e corrigi-las e sim, simples- mente, para entender seus mecanismos. Mas opunham-se, sobretudo, a pretensao de reduzir a linguagem a uma mera funcao de descricao e de representacap do mundo. , 32 1. 0 "giro lingiiistico" Para eles, a riqueza da linguagem cotidiana ultrapassa- va, em muito, a fungao descritiva, e se diversificava em uma enorme variedade de usos e de funcoes tao importan- tes quanto a propria funcao descritivo-representacional. Nao se tern acesso, portanto, ao funcionamento jd.o pensa- mento humano, analisando tao-somente a estrutura logica sobre a qual se apoiam as linguas naturals e sim e necessa- rio contemplar todos os usos da linguagem se queremos en- tender tanto nossa forma de pensar quanto nossa forma de agir e a maneira como nos relacionamos com as pessoas. Frege, Russell, o Wittgenstein do Tratado..., Carnap e os filosofos analiticos norte-americanos romperam com a, tradicao cartesiana, fazendo-nos perceber que a lingua- gem nao e um simples veiculo para expressar nossas ideias, nem uma simples roupagem para vestir nosso pensamento quando o manifestamos publicamente. Ela e a propria conr digao de nosso pensamento e, para entender esse ultimo, temos que nos concentrar nas caracteristicas da linguagem em vez de contemplar o suposto mundo interior de nos- sas ideias. Nosso conhecimento do mundo nao se radicaj nas ideias que dele fazemos; ele se abriga, sim, nos enun- ciados que a linguagem nos permite construir para repre- sentar o mundo. Os fllosofos de Oxford acentuaram ainda mais o afas- tamento da tradisao cartesiana, ensinando-nos que a lin- guagem faz muito mais do que representar o mundo por- que e basicamente um instrumento para "fazer coisas!'. A linguagem nao so "faz pensamento" como tambem "faz realidades". Assim, por exemplo, John Austin mostraria que a lin- guagem tambem tern propriedades "performativas". Com efeito, certos enunciados constituem literalmente "atos de linguagem" a medida que sua enunciagao e inseparavel da modificacao ou da cria9ao de um estado de coisas que nao 33 Tomds Ibdnez Gratia poderia surgir independentemente dessa enuncia9ao. For exemplo, o "sim, quero" pronunciado no ato nupcial pro- prio de certos ritos e um elemento necessario para que o Ia9o matrimonial seja instituido. Dessa maneira Austin abriu caminho para o desenvol- vimento da "pragmatica", contribuindo para que o conjun- to das ciencias sociais e humanas se conscientizasse de que a linguagem e urn instrumento ativo na produpao de muitos dos fenomenos que essas ciencias pretendem ex- plorar e que, portanto, seria impossivel deixar de leva-la em considera9ao. 7. 0 impacto do giro Lingulstico nas ciencias humanas e sociais Assim como o giro lingiiistico nao teve uma origem defmida, mas foi-se articulando progressivamente, e as- sim tambem como nao se revestiu de uma unica modalida- de, mas foi adotando varias configura?6es, seu impacto tampouco ocorreu simultaneamente nas varias ciencias so- ciais e humanas nem as afetou com a mesma intensidade e nem adotou uma expressao uniforme. Distinguiremos, aqui, tres linfias principals de influen- cia: a) O impacto da linguisticYesuritural; b) O impacto da corrente analitico-logicista; c) O impacto da corrente ana- litica centrada na linguagem cotidiana. a) O impacto da linguistica estrutural - O sucesso ob- tido pelo estudo estruturalista da lingua nao demorou a atrair as demais ciencias humanas e sociais. Em poucos anos a linguistica moderna tinha conseguido se constituir em uma disciplina totalmente autonoma, com um objeto de estudo proprio, claramente delimitado, dotada de al- guns conceitos claros e rigorosos, e equipada com uma metodologia eflcaz, baseada em alguns procedimentos for- mais que asseguravam altos niveis de objetividade. ,34 1. 0 "giro lingiiistico" Em suma, a linguistica de inspira?ao saussuriana apre- sentava essa imagem de cientificidade com que tanto so- nhavam as demais ciencias sociais e humanas. Foi assim^ que, gradualmente, foi tomando corpo a convicgao de que a linguistica moderna era o modelo que todas as outras ciencias sociais e humanas deveriam tentar copiar, fos- se atraves do estabelecimento de analogias entre seus proprios objetos de estudo e as estruturas lingiiisticas, fosse aplicando os metodos da linguistica para investigar esses objetos. Talvez a antropologia tenha sido a ciencia em que esse efeito mimetico se manifestou com maior nitidez. Com efei- to, a preocupacao com o fenomeno da linguagem nao era nenhuma novidade em uma antropologia em que os traba- Ihos de Edward Sapir (1884-1939) ou de Benjamin Whorf (1897-1941) ja tinham chamado atenfao sobre o papel que a lingua desempenha na constitui9ao de nossa visao do mundo. Mas foram os trabalhos de Claude Levi-StraussTi nascido em 1908, especialmente aqueles sobre a estrurura dos mitos, que estimularam uma grande parte da antropolo7 gia a buscar diretamente sua inspira^ao nos conceitos e nos metodos da propria linguistica estrutural" O prestigio alcangado pelas obras de Levi-Strauss ser- viu como um ampliflcador para a influencia exercida pela linguistica moderna, contribuindo para o desenvolvimen- to de uma corrente de pensamento rigorosa que, sob a de- nominacao de "estruturalismo", durante mais de uma de- cada (de meados dos anos 1950 ate finais dos anos 1960)J percorreria as diversas ciencias sociais e humanas, com] incidencia especial no mundo de lingua francesaT A poderosa critica antiesrruturalista desenvolvida por Noam Chomsky e sua reformula9ao do programa da lin- guistica em termos de "linguistica generativa", longe de atenuar a fascina9ao que a linguistica exercia sobre as cien- 35 Tomds Ibdnez Gratia cias socials e humanas, a fortaleceu ainda mais, proporcio- nando novas metaforas e novas analogias que alcan9ariam especial relevancia em disciplinas como a psicolinguisti- ca, ou em orientacoes como a psicologia cognitiva. Paralelamente ao efeito mimetico produzido pelas lin- giiisticas estruturais e generativas, a importancia concedi- da a linguagem se alimentaria tambem de alguns dos de- senvolvimentos da fenomenologia, especialmente da fe- nomenologia heideggeriana. Segundo Martin Heidegger, (1889-1976) somos vitimas de uma traicoeira ilusao ego- centrica quando acreditamos ser donos de nossos discur- sos e quando consideramosa linguagem como simples ins- trumento que se encontra a nossa disposipao para ser mani- pulado a nossa vontade. Na verdade, e a propria linguagem que manda em nos, causando, modelando, constrangendo e provocahdo nosso discurso, a tal ponto que bem se poderia dizer que e a linguagem que fala atraves de nos. r Considera9oes desse tipo, somadas a influencia do pensamento estruturalista e a decadencia da filosofia da consciencia, levariam parte dos pensadores da segunda metade do seculo XX a decretar "a mortedo suieito". re- duzindo-o a um simples "efeito"da linguagem". Assim, por exemplo, Michel Foucault (1926-1984), em seu famo- sissimo texto sobre "A ordem do discurso", apontaria para as conseqiiencias do poder que emana da linguagem e que \captura seus usuarios em suas redes. b) O impacto da corrente analitico-logicista — Res- ponsavel pelo inicio do "giro linguistico" na filosofia, essa corrente tem o merito fundamental de ter contribuido para orientar o pensamento contemporaneo na direfao da pro- blematica da linguagem. Porem, curiosamente, e possivel tambem atribuir-lhe outro merito, que e resultado de seus proprios fracassos mais do que das vitorias que obteve. Na verdade, a malograda inten9ao de demonstrar a validade 36 1. 0 "giro linguistico" dos postulados neopositivistas teve como importante con- sequencia a de permitir certa "liberaliza^ao" das ciencias humanas e sociais. E facil entender o motive para isso: en- quanto perdurava a crenca na unicidade e na validade ab- soluta do "metodo cientifico" teorizado pelas varias vari- antes do positivismo, seria facil deslegitimar qualquer ten- tativa de realizar investigates nas ciencias humanas e so- ciais que nao se ativessem escrupulosamente as regras estabelecidas pelo credo positivista. A demonstrada inde- fensabilidade desse credo abriu a porta para um pluralis- mo metodologico e teorico que permitiu um enriquecimen- to extraordinario das ciencias sociais e humanas como um todo, atenuando a pressao exercida pelos fundamentalis- mos cientiilcos. c) O impacto da corrente analitica centrada na lin- guagem cotidiana — Os fllosofos de Oxford nao so contri- buiram para que se desse mais enfase a aten9ao que se deve dar ao fenomeno linguistico para que seja possivel compreender o ser humano e suas produces, como tam- bem provocaram uma reviravolta radical no proprio con- ceito da linguagem, proporcionando um novo status as pro- du9oes linguisticas. Essa reformula9ao conceitual da natu- reza e das fun9oes da linguagem produziu efeitos impor- tantes e duradouros no campo das varias ciencias sociais e humanas, estimulando-as para que modificassem drastica- mente muitos de seus projetos e de sua maneira de abordar os varies objetos de seus estudos. Citarernos aqui quatro grandes linhas de influencia: Emprimeiro lugar, a profunda critica que os fllosofos de Oxford flzeram a concep9ao puramente "representa- cional" e "designativa" da linguagem deu lugar a uma re- considera9ao radical da propria natureza do conhecimen- to, tanto cientifico como ordinario, e tambem a uma refor- 37 Tomds Ibdnez Gratia mulacao darelagao entre conhecimento e realidade, finali- zando por redefinir o proprio conceito de realidade. " O conjunto dessas reformulagoes contribuiupara o de- senvolvimento de uma importante corrente de pensamen- to que questionou muitas das certezas consideradas indis- cutiveis desde a epoca de Descartes e muito especialmente a certeza de que existiam bases solidas e firmes, e uma fundamentagao ultima, sobre as quais se assentaria o co- nhecimento valido. A erosao dessa certeza deixou claro a fragilidade dos esforgos para encontrar uma fundamenta- <^| gao indubitavel, realizados durante seculos, e redirecio- pou o trabalho filosofico para outros assuntos. De certa forma, seria possivel dizer que a critica oxfor- diana a concepgao "representacionalista" da linguagem se estendeu, atraves da relagao estabelecida entre conheci- mento e linguagem, as concepgoes representacionalistas do proprio conhecimento e aos criterios de "a verdade" que as acompanhavam, permitindo a revitalizagao do le- gado pragmatista e o auge de uma filosofia neopragrnatis- ta, estimulada, entre outros, por filosofos da categoria de Richard Rorty (1931-). Como as ciencias sociais e humanas nao sao imper- meaveis as contribuigoes feitas dentro da filosofia e muito especialmente dentro da filosofia do conhecimento e da epistemologia, e facilmente compreensivel que em todas essas ciencias tenham desaparecido algumas correntes que tentavam desenvolver suas investigacoes e seus projetos em consonancia com as formulagoes nao representacio- nalistas do conhecimento cientifico. Em segundo lugar, e paralelamente a critica ao repre- sentacionalismo, a insistencia da escola de Oxford em considerar a linguagem em termos de "atividade" (a lin- guagem faz coisas em vez de apenas "representa-las") sem 38 1. 0 "giro linguistico" duvida contribuiu para o desenvolvimento das correntes "construcionistas" que surgiram e se consolidaram em va- rias ciencias sociais e humanas. De certa maneira, e possivel dizer que as contribuigoes de John Austin com relagao ao carater "performativo" de determinadas produgoes lingiiisticas se estenderam, neste caso tambem, ao conjunto da linguagem, plasmando-se na formula pela qual "dizer e, tambem e sempre, fazer". A linguagem se instiruia assim como "constirutiva" das coi- sas, mais do que meramente "descritiva" delas, deixando de ser palavra acerca do mundo para passar a ser acao so- bre o mundo, A linguagem nao so nos diz como e o mun- do, ela tambem o institui; e nao se limita a refletir as coi- sas do mundo, tambem atua sobre elas, participando de sua constituicao. O auge da concepgao "ativa" da linguagem teve reper- cussoes importantes em disciplinas como, por exemplo, a psicologia social, onde investigadores como Kennet Ger- gen ou John Shotter estao, arualmente, estimulando uma poderosa corrente socioconstrucionista. ou onde Michael Billig, Ian Parker ou Johnathan Potter, entre outros, estao desenvolvendo o prolifico campo da "analise do discur- so". A psicologia evolutiva ou a psicologia clinica nao fi- caram alheias a esse movimento construcionista e discur- sivo, e o mesmo ocorreu no caso da antropologia, da histo- ria ou da sociologia para citar apenas algumas das discipli- nas que fazem parte das ciencias sociais e humanas. Poderiamos apresentar uma infinidade de exemplos para ilustrar o impacto que essa nova concepcao da lingua- gem teve nas formulagoes mais atuais das varias ciencias sociais e humanas, mas nos limitaremos a assinalar a pro- funda renovagao por que passou, por exemplo, o estudo da identidade ou do "self, pela mao de autores como Charles Taylor (1931-), entre outros. 39 Tomds Ibdnez Gratia Para Taylor, nossa identidade esta fundamentalmen- te determinada pela linguagem que utilizamos para refe- rir-nos a nos mesmos e para forjar nosso "autoconceito". Nao existe uma realidade subjacente, um "eu" profundo e pessoal, suscetivel de ser descrito de varias maneiras, recor- rendo a vocabularies distintos e a distintas expressoes lin- guisticas: o que sim existe e o proprio vocabulario que utili- 20 para me descrever a mim mesmo e as expressoes linguis- ticas as quais recorro para faze-lo sao constituintes e consti- tutivas de minha forma de ser; elas nao explicitam ou expli- cam minha maneira de ser, pelo contrario, a conformam. Em outras palavras, o meu "eu" nao e independente de como o vivencio quando o interpreto linguisticamente; ao contrario, ele e resultado dessa interpretasao. Outra forma de "me dizer" a mim mesmo implica uma outra concepsao de mim mesmo, e isso e importante porque ocorre que mi- nha conceppao de mim mesmo e constitutiva daquilo que sou. Isso tern repercussoes importantes, tanto para a con- ducao de investigacoessobre a identidade, como para de- finir essa realidade substantiva que e a identidade. Em terceiro lugar, cabe ressaltar que, tanto quanto "acao sobre o mundo", a linguagem e tambem, e conse- quentemente, "a?ao sobre os demais", chegando, inclusi- ve, a constituir um dos principals instrumentos ao que re- corremos para incidir, com maior ou menor exito segun- do as circunstEincias, sobre nossos semelhantes. Levar em consideracao essa propriedade da linguagem contribuiu para renovar o interesse que Aristoteles ja tinha demons- trado pela retorica, bem assim como para avivar a sensibi- lidade com relagao aos efeitos sociopoliticos e psicolo- gicos que emanam das varias praticas discursivas, dando uma atengao especial, por exemplo, as constni9oes lin- giiisticas "sexistas", "racistas" ou que estigmatizem de um modo geral. 40 1. 0 "giro Uriguistico" O renovado interesse pela analise daqueles procedi- mentos retoricos em que se apoiain as diversas producoes discursivas, inclusive o discurso cientifico, permitiu de- monstrar, nao so as estrategias argumentativas proprias dos varios tipos de discurso e os efeitos poderosos que se ocultam na estrutura discursiva, como tambem os artiflcios retoricos que sao usados para criar realidades diversas. A sociologia do conhecimento cientifico, por exem- plo, renovou os estudos da ciencia, recorrendo, com Bru- no Latour entre outros, a analises desse tipp,'para expli- car o papel, nada desdenhavel, que desempefiham os pro- cedimentos retoricos na constitm^ao dos proprios "fa- tos" cientificos. Finalmente, em quarto lugar, ocorre que, se a lingua- gem e constitutiva de realidades e e um instrumento para atuarmos sobre o mundo, inclusive sobre nossos semelhan- tes, devemos esperar que ela incida tambem sobre a confor- ma^ao e o desenvolvimento das rela?6es sociais e das prati- cas sociais. Correntes amplas e interessantes da sociologia foram particularmente sensiveis a esse fato, desde a etno- metodologia, com suas analises minuciosas das conversas cotidianas, ate as sociologias qualitativa e interpretativa. Em suma, no final do seculo XX e comego do seculo XXI, a diversidade e a riqueza das perspectivas nascidas tanto do enfoque sobre a linguagem quanto, e sobretudo, da nova compreensao que temos dela, sao, no minimo, im- pressionantes: narratividade, dialogismo, hermeneutica, cons- tru^ao, analise conversacional, analise do discurso, anali- se retorica, etc. Pouco a pouco, a linguagem foi se tornando um feno- meno que nenhuma das ciencias sociais e humanas pode evitar quando empreende o tratamento de seus objetos es- pecificos. Mas, alem disso, a linguagem aparece tambem 41 Tomds Ibdnez Gratia como um elemento que todas as ciencias humanas e sociais tern que interrogar para estabelecer seu proprio status epis- temologico e para forjar urn entendimento de si mesmas. 8. Perspectives para o amanha Ja iniciado o seculo XXI, devemos nos perguntar se o "giro linguistico" com o qual teve come90 o seculo passa- do nos reservara alguma surpresa e se as primeiras deca- das do novo seculo acentuarao ainda mais a centralida- de da linguagem ou se, ao contrario, o "giro linguistico" conhecera um periodo de refluxo, sendo substituido pela emergencia de algum giro novo. Como nao dispomos, obviamente, de nenhuma bola de cristal ilusoria, as reflexoes a seguir devem ser considera- das apenas como conjecturas, timidas e inseguras, que po- derao ser desmentidas pouco tempo depois de terem sido enunciadas. Mas, enfim, hoje sabemos que nada e seguro nem definitive. Nem mesmo o passado esta escrito para sempre, porque, como muito bem observou Dante, para es- creve-lo com seguran9a tambem teriamos que conhecer todo o future. Portanto, podemos apenas arriscar-nos a manifestar algumas consideracoes, que por simples pru- dencia, reduziremos a duas e que indicam a possibilidade de um giro "pos-linguistico". Em primeiro lugar, os desenvolvimentos extraordina- rios daquilo que alguns chamam de "a nova fisica" mos- tram que nossa linguagem e um instrumento muito gros- seiro para abarcar toda a realidade que somos capazes de construir. Com efeito, nos, os seres humanos, formamos nossos idiomas com base em uma determinada "relacao com o mundo". Essa "relacao com o mundo" estabelece um espa9o tridimensional habitado por uma variedade de "objetos" cujas propriedades se defmem com base em nos- sos mecanismos sensoriais e perceptivos ampliados por 42 1. 0 "giro linguistico" nossas capacidades de analise, abstra9ao e generaliza9ao. Nesse mundo, o tempo e o espaco constituem realidades divididas que correm por leitos separados. Nossos movif* mentos, gestos e agoes sobre essa realidade, que e como e porque nos somos como somos, foi forjando nossos con- ceitos e a estrutura logico-linguistica que os constitui. De- finitivamente, nossa linguagem nasce de uma relacao com o mundo feita a medida de nosso corpo e de suas caracte,- risticas e a ela retoma. Por isso temos a ilusao de que ela. descreve o mundo "tal como e"? Mas as atividades intelectivas do ser hurnano nao se conformaram em explorar o mundo estabelecido apenas atraves de seus mecanismos sensoriais/perceptivos e de suas arua9oes praticas, e se estenderam para fora do mun- do e alem da "escala humana" ate o macrocosmo e ate o microcosmo. Ambitos esses onde a realidade ja nao pode ser construida com base em uma linguagem "natural" sur- gida de coordenadas mesocosmicas, ou seja, a escala do corpo humano. O resultado disso e que certas constni9oes intelectivas, tais como, por exemplo, a mecanica quantica e, mais pre- cisamente, "a teoria dos campos quanticos" desenham um mundo totahnente obscuro para nossa linguagem e, por- tanto, para nossa arquitetura conceitual. Trata-se de um mundo onde, por exemplo, "os obje- tos" se convertem em "propriedades dos objetos" (um cor- pusculo pode se transforrnar em puro movimento) e onde as propriedades dos objetos podem se transforrnar em outros objetos (a energia pode se converter em um corpusculo). No mundo quantico encontratnos objetos que nao es- tao localizados com precisao em nenhum segmento espa- 9O-temporal definido, mas que tampouco podem ser con- ceirualizados como ondas porque nao ha nenhum meio em que se propaguem. Isso significa que e nosso proprio con- 43 Tomds Ibdnez Gratia 1. 0 "giro lingiiistico" ceito de objeto que deixa de ter sentido para designar ou ^ pensar as entidades que projetamos no universo quantico. E, apesar disso, essas entidades existem efetivamente, na medida em que podemos operar com elas e sobre elas, e em que elas produzem efeitos praticos que nossas tecnolo- gias utilizam cada vez mais. Encontramo-nos, assim, diante de entidades que nao se deixam "dizer" atraves de nossa linguagem e quando as estudamos temos que transcender nossas categorias lin- giiisticas para poder produzir resultados cientificamente valiosos e com utilidade pratica. E mais, essas entidades se constroem como produto de expressoes matematicas complexas e sao, por assim dizer, a conclusao sobre a qual desemboca urn puro formalismo matematico. A realidade subatomica parece ser outra realidade que nossa linguagem nao e capaz de descrever ou de construir. O giro lingiiistico mostrou claramente o papel que a linguagem desempenha na formagao daquilo que chama- mos de "a realidade"; mas, se construimos certas realida- des (por exemplo, a realidade quantica) usando procedi- mentos que escapam do ambito que a linguagem e capaz de abranger, parece que deveriamos abandonar a famosa expressao de Wittgenstein segundo a qual "os limites da minha linguagem sao os limites de meu mundo". Esse fato pode possibilitar a emergencia de urn neopi- tagorismo (a crenga na realidade fatica dos numeros, das expressoes matematicas e na qual a realidade e, em ultima instancia, numerologica), permitindo um "giro platonico"que volte a situar o mundo das "ideias" em um lugar privi- legiado, arruinando o esforgo para acabar com esse privile- gio que o "giro linguistico" representou. Em segundo lugar, parece que a insistencia com a qual Schopenhauer (1788-1860) e, depois dele, Nietzsche (1844- 44 1900), deram enfase a importancia do corpo, de nosso cor- po, para o desenvolvimento de nosso pensamento, esta re- cuperando sua importancia. "Minnas ideias melhores", di- zia Nietzsche, "surgem quando caminho". O "giro linguis- tico" contribuiu para o sucesso da afirmagao segundo a qual nosso "ser no mundo" descansa sobre uma dimensao hermeneutica inevitavel. A interpretacao e formativa da7 quilo que somos e nao podemos chegar a ser independen- temente de nossa atividade interpretativa. Essa afirmagao. parece razoavel, mas o giro linguistico" privilegiou o pa- pel que a linguagem desempenha na dinamica da interpre- tacao, enfatizando a centralidade das praticas discursivas no processo hermeneutico. No entanto, tambem construimos um sentido^iefaveL, tambem nosso corpo opera como gerador de significados que nao se deixam prender no interior do codigo linguisti- co ou, no minimo, cabe considerar que o que nosso corpo vivencia orienta algumas de nossas interpretagoes. Nao so temos que expandir o campo da hermeneutica para o espa- 90 das praticas "nao discursivas" como tambem contem- plar a corporificacao das praticas discursivas. O redescobrimento da^qrporeidade pelo pensamento do fim do seculo pode contribuir para possibilitar um novo "naturalismo" que diminua a importancia que o seculo XX concedeu a linguagem.' - Essas consideracoes/sobre 'um possivel esgotamento do "giro hngiistico'^Sevem ser consideradas como uma simples(digressao)que, paradoxalmente, pretende ser iiel ao esfor?o que o "giro linguistico" acarretou. Aqueles que captaram um dos argumentos basicos dessa parte dar disciplina sabem que, para que o "giro linguistico" pu- desse surgir, foi necessario um enorme esforgo de ima- ginagao que rompesse com as evidencias herdadas e com, as amarras do pensamento dominante, Para criar o "giro 45 Tomds Ibdnez Gratia linguistico" foi precise pensar contra a corrente, e seus protagonistas tiveram que "esquecer" uma parte subs- tantial das ideias que tinham nutrido e configurado seu proprio pensamento. Ja que somos "filhos do seculo XX", temos que tentar pensar contra a corrente do giro linguistico que impregnou o pensamento de nosso seculo. Essa e a condicao para nao sermos identicos aqueles que defendiam com toda a naru- ralidade "o mundo das ideias" no mesmo momento em que se comegava a gerar esse "giro lingiiistico" que esgo- taria esse mesmo mundo das ideias. Sintese Este capitulo nos ensina como o "giro linguistico" rom- pe, em seus primordios, com uma tradigao secular centra- da no estudo do "mundo das ideias", mundo interior e pri- vado, e orienta a obra filosoficapara o estudo dos enuncia- dosjinguisticos. Isso significa uma profunda modificagao em nossa concepcao da linguagem, pois essa deixa de ser considerada como um simples meio para traduzir ou ex- pressar, de melhor ou pior forma, nossas ideias, para ser, considerada um instrumento para exercitar nosso pensa- mento e constituir nossas ideias. A linguagem e a propria condigao de nosso pensamen-, to, ao mesmo tempo em que e um meio para representar a realidade. O "giro linguistico", portanto, substitui are- lagao "ideias/mundo" pela relagao "linguagem/mundo" e. afirma que para entender tanto a estrutura de nosso pensa- mento quanto o conhecimento que temos do mundo e pre- ferivel olhar para a estrutura logica de nossos discursos em vez de esquadrinhar as interioridades de nossa mente. Mas este capitulo nos ensina tambem que o "giro lin- guistico" possibilitou, no transcurso de seu proprio"1 46 1. 0 "giro linguistico" volvimento, uma segunda modificagao de nossa concept gao da linguagem. Essa deixou de ser vista como um meio^ para representar a realidade e passou a ser considerada um instrumento "para fazer coisas". Junto com suas funcoes "descritivo/representacionais" a linguagem iria adquirir, portanto, um carater "produtivo" e se apresentava como, um elemento "formativo de realidades". O capitulo tenta ilustrar quais foram as varias influen- cias que essas novas concepgoes sobre a natureza da lin- guagem tiveram sobre as concepgoes do conhecimento e da realidade, como tambem, em um piano niais especifico, sobre as orientagoes e os objetos de estudo das varias cien- cias sociais e humanas. Glossario Atos de linguagem: expressao cunhada por J.L. Austin para se referir as expressoes linguisticas que devem ser enunciadas explicitamente para que uma realidade de- terminada possa se configurar. Por exemplo, a expres- sao "sim, quero" deve ser pronunciada em determina- dos rituais para que o matrimonio seja estabelecido. Performatividade: propriedade que determinados enuncia- dos lingiiisticos tern de afetar a construgao de realida- des. Em determinadas concepgoes da linguagem, essa propriedade, inicialmente limitada a um tipo de expres- soes linguisticas, passa a ser considerada generalizavel a linguagem como um ttJdo. Pragmatica: parte da linguistica que se dedica ao estudo dos usos da linguagem comum e leva em consideragao tanto os contextos como os efeitos, nao diretamente lin- giiisticos, que envolvem praticas discursivas concretas ou que delas resultem. 47 Tomds Ibanez Gratia 1. 0 "giro lingiiistico" Proposicdo: expressao lingiiistica convenientemente for- malizada de acordo com os procedimentos da logica moderaa para que se possa estabelecer seu "valor de verdade". Representacionismo: doutrina filosofica que postula uma relagao de correspondencia entre o conhecimento e a realidade que vai mais alem da simples utilidade pratica do conhecimento para operar sobre a realidade. Nessa doutrina, sup5e-se que o conhecimento valido represen- ta fielmente a realidade e que e possivel demonstrar a correspondencia entre conhecimento e realidade. Bibliografia AUSTIN, J.L. (1962). Como hacer cosas con palabras. Barcelona: Paidos, 1998. BRUNER, J. (1990). Actos designificado. Madri: Alianza [1991]. D'ESPAGNAT, B. (1981). En busca de lo real: la vision de unfisico. Madri: Alianza Universidad [1983]. DOMENECH, M. & TIRADO, FJ. (1998). Sociologia si- metrica—Ensayos sobre ciencia, tecnologia e sociedad. Barcelona: Gedisa. FOUCAULT, M. (1970). El orden del discurso. Barcelona: Tusquets [1973]. ORTOLIS, S. & PHARABAD, J.P. (1984). El cantico de la cudntica. Barcelona: Gedisa [1997]. RORTY, R. (1979). Lafilosofiay el espejo de la naturale- za. Madri: Catedra [1983]. RORTY, R. (1967). El giro lingiiistico. Barcelona: Pai- dos/ICEUAB[1990]. 48 Leituras complemeritares BRUNER, J. (1991). Actos designificado. Madri: Alianza. Escrito por um dos mais eminentes psicologos contempo- raneos, esse livro e uma esplendida ilustrasao do giro linguistico no ambito da psicologia. DOMENECH, M. & TIRADO, FJ. (1998). Sociologia si- metrica-Ensayos sobre ciencia, tecnologia y sociedad. Barcelona: Gedisa. Trata-se de uma recopilafao de textos germinais alem de seis desdobramentos da sociologia do conhecimento cien- tifico. FOUCAULT, M. (1970). El orden del discurso. Barcelo- na: Tusquets. Esse texto de Michel Foucault foi o discurso inaugural que fez quando foi nomeado professor no College de Fran- ce. Nele pode-se apreciar a importancia das relacoes de poder para a constru9ao de nossas praticas discursivas. ORTOLIS, S. & PHARABAD, J.P. (1997). El cantico de la cudntica. Barcelona: Gedisa. Uma obra de divulgapao, muito util para conhecer os de- senvolvimentos e implicacoes da fisica quantica. RORTY, R. (1983). Lafilosofiay el espejo de la naturale- za. Madri: Catedra. Esse livro, celebrado como um grande acontecimento no momento de sua publicacao,
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