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AR - Amido Resistente

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974 Walter et al.
Ciência Rural, v.35, n.4, jul-ago, 2005.
Ciência Rural, Santa Maria, v.35, n.4, p.974-980, jul-ago, 2005
ISSN 0103-8478
Amido resistente: características físico-químicas, propriedades fisiológicas
e metodologias de quantificação
Melissa Walter1 Leila Picolli da Silva2 Tatiana Emanuelli3
Resistant starch: physico-chemical characteristics, physiological properties
and quantification methodologies
1Programa de Pós-graduação em Ciência e Tecnologia dos Alimentos, Núcleo Integrado de Desenvolvimento de Análises Laboratoriais
(NIDAL), Departamento de Tecnologia e Ciência dos Alimentos (DTCA), Centro de Ciências Rurais (CCR), Universidade Federal
de Santa Maria (UFSM), Camobi, 97105-900, Santa Maria, RS, Brasil. E-mail: melmelissaw@hotmail.com. Autor para corres-
pondência.
2Bolsista recém doutor (ProDoc), Beneficiária de auxílio financeiro da Fundação Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de
Nível Superior (CAPES), NIDAL, DCTA, CCR, UFSM, Santa Maria, RS, Brasil.
3Professor Adjunto do DTCA, CCR, UFSM, Santa Maria, RS, Brasil.
- REVISÃO BIBLIOGRÁFICA -
RESUMO
Encontrado em diversos alimentos, o amido é a
mais importante fonte de carboidratos da dieta.
Potencialmente digerível pelas enzimas no trato gastrintestinal,
é absorvido na forma de glicose no intestino delgado. Apesar
disso, quantidade significativa de amido pode escapar a esta
digestão, alcançando o cólon, onde é fermentado pela flora
bacteriana. Esta fração, conhecida como amido resistente,
tem sido intensamente estudada nos últimos anos devido aos
potenciais benefícios à saúde humana. Vários métodos são
utilizados para a determinação do amido resistente. Porém,
nenhum é de aceitação unânime, uma vez que apresentam
diferenças importantes nos protocolos e nos resultados obtidos.
Neste contexto, o presente trabalho visa fornecer subsídios
para um melhor entendimento sobre as características físico-
químicas, propriedades metabólicas e fisiológicas, bem como,
sobre as variações nas metodologias existentes para a
determinação do amido resistente.
Palavras-chave: carboidratos, amido, protocolos, alimentos
funcionais.
ABSTRACT
Found in different foods, starch is the most
important source of carbohydrates in the diet. Potentially
digested by enzymes in the gastrointestinal tract, it is absorbed
as glucose in the small intestine. Despite this fact, significant
amount of starch may escape digestion, reaching the colon,
where it is fermented by intestinal flora. This fraction, known
as resistant starch, has been extensively studied for some years
because of its potential beneficial effects on human health.
Many methods are used to determine resistant starch.
Nevertheless, none has received unanimous approval, since
the existing ones have important differences in protocols and
in obtained results. In this context, the present work aimed at
providing subsidies to better understand the physico-chemical
characteristics, metabolic and physiological properties as well
as variations in the existing methodologies for resistant starch
determination.
Key words: carbohydrates, starch, protocols, functional foods.
INTRODUÇÃO
O amido apresenta grande importância
nutricional e industrial. Encontra-se amplamente
distribuído em diversas espécies vegetais, como
carboidrato de reserva, sendo abundante em grãos de
cereais, raízes e tubérculos. É a fonte mais importante
Recebido para publicação 14.09.04 Aprovado em 26.01.05
975Amido resistente: características físico-químicas, propriedades fisiológicas e metodologias de quantificação.
Ciência Rural, v.35, n.4, jul-ago, 2005.
de carboidratos na alimentação humana, representando
80-90% de todos os polissacarídeos da dieta, e o
principal responsável pelas propriedades tecnológicas
que caracterizam grande parte dos produtos
processados.
Estruturalmente, o amido é um
homopolissacarídeo composto por cadeias de amilose
e amilopectina. A amilose é formada por unidades de
glicose unidas por ligações glicosídicas α(1→4),
originando uma cadeia linear. Já a amilopectina é
formada por unidades de glicose unidas em α(1→4) e
α(1→6), formando uma estrutura ramificada. Embora a
amilose seja definida como linear, atualmente se admite
que algumas de suas moléculas possuem ramificações,
semelhantes à amilopectina. Além disso, a presença
de estruturas intermediárias entre amilose e
amilopectina foi proposta para alguns amidos, como o
de aveia (WANG & WHITE, 1994; ELIASSON, 1996).
As proporções em que estas estruturas aparecem
diferem entre as diversas fontes, entre variedades de
uma mesma espécie e ainda, numa mesma variedade,
de acordo com o grau de maturação da planta
(ELIASSON, 1996). Estas variações podem resultar em
grânulos de amido com propriedades físico-químicas
e funcionais diferenciadas, o que pode afetar sua
utilização em alimentos ou aplicações industriais
(WANG & WHITE, 1994).
Apresentando somente ligações α-
glicosídicas, o amido é potencialmente digerível pelas
enzimas amilolíticas secretadas no trato digestivo
humano (ENGLYST & HUDSON, 1996). Até
recentemente, devido à alta produção da α-amilase
pancreática, se considerava que o amido era
completamente hidrolisado por essa enzima, sendo
absorvido no intestino delgado na forma de glicose.
Entretanto, certos fatores, tais como relação
amilose:amilopectina, forma física do alimento e
inibidores enzimáticos, entre outros, podem influenciar
a taxa na qual o amido é hidrolisado e absorvido.
Assim, quantidade significativa de amido pode escapar
à digestão no intestino delgado e alcançar o cólon,
onde é fermentado (WOLF et al., 1999).
Para propósitos nutricionais, o amido pode
ser classificado como glicêmico ou resistente. O amido
glicêmico é degradado a glicose por enzimas no trato
digestivo, podendo ser classificado como amido
rapidamente (ARD) ou amido lentamente digerível
(ALD) no intestino delgado. Em testes in vitro, o ARD
é hidrolisado em glicose dentro de 20 minutos,
enquanto o ALD é convertido em glicose entre 20 e
110 minutos (ENGLYST et al., 1992; YUE & WARING,
1998). Já o amido resistente é aquele que resiste à
digestão no intestino delgado, mas é fermentado no
intestino grosso pela microflora bacteriana (YUE &
WARING, 1998).
Amido resistente
O termo amido resistente foi sugerido
inicialmente por ENGLYST et al. (1982). Estes
pesquisadores constataram que muitos alimentos
processados continham maior teor aparente de
polissacarídeos não amiláceos do que os produtos
crus correspondentes. Análises detalhadas revelaram
que este aumento era devido a um composto formado
por n-glicoses, que podia ser disperso em hidróxido
de potássio. Assim, estes pesquisadores definiram
amido resistente como sendo aquele que resiste à
dispersão em água fervente e hidrólise pela ação da
amilase pancreática e da pululanase. Esta fração era
constituída principalmente de amilose retrogradada,
que também parecia ser altamente resistente à digestão
(CHAMP & FAISANT, 1996). A partir de 1992, a
definição para amido resistente assumiu um caráter
mais relacionado aos seus efeitos biológicos,
representando “a soma do amido e produtos de sua
degradação que não são absorvidos no intestino
delgado de indivíduos saudáveis” (FAISANT et al.,
1993; CHAMP & FAISANT, 1996; GOÑI et al., 1996).
Pode-se dizer, então, que o amido resistente é a fração
que não fornecerá glicose ao organismo, mas que será
fermentada no intestino grosso para produzir gases e
ácidos graxos de cadeia curta, principalmente. Devido
a esta característica, considera-se que os efeitos do
amido resistente sejam, em alguns casos, comparáveis
aos da fibra alimentar e, por este motivo, normalmente
é considerado como um componente desta (CHAMP
& FAISANT, 1996).
O amido resistente pode ser classificado
em amido fisicamente inacessível (AR1), grânulosde
amido resistente (AR2) e amido retrogradado (AR3),
considerando sua resistência à digestão.
Amido resistente tipo 1 - A forma física do
alimento pode impedir o acesso da amilase pancreática
e diminuir a digestão do amido, fato que o caracteriza
como resistente tipo AR1 (fisicamente inacessível). Isto
pode ocorrer se o amido estiver contido em uma
estrutura inteira ou parcialmente rompida da planta,
como nos grãos; se as paredes celulares rígidas
inibirem o seu intumescimento e dispersão, como nos
legumes; ou por sua estrutura densamente
empacotada, como no macarrão tipo espaguete
(ENGLYST et al., 1992; MUIR & O’DEA, 1992; GOÑI
et al., 1996).
Amido resistente tipo 2 - Na planta, o amido
é armazenado como corpos intracelulares parcialmente
cristalinos denominados grânulos. Por meio de difração
976 Walter et al.
Ciência Rural, v.35, n.4, jul-ago, 2005.
de raios-x, podem-se distinguir três tipos de grânulos
que, dependendo de sua forma e estrutura cristalina,
denominam-se A, B e C. As cadeias externas
relativamente curtas das moléculas de amilopectina
de cereais (menos de 20 unidades de glicose) favorecem
a formação de polimorfos cristalinos tipo A. Já as
cadeias externas maiores das moléculas de
amilopectina de tubérculos (mais de 22 unidades de
glicose) favorecem a formação de polimorfos tipo B,
encontrados também na banana, em amidos
retrogradados e em amidos ricos em amilose. Embora
com estrutura helicoidal essencialmente idêntica, o
polimorfo tipo A apresenta empacotamento mais
compacto do que o tipo B, o qual apresenta estrutura
mais aberta e centro hidratado. Por sua vez, o polimorfo
tipo C é considerado um intermediário entre os tipos A
e B, sendo característico de amido de legumes e
sementes (THARANATHAN, 2002; TESTER et al.,
2004). A forma do grânulo influencia sua digestão,
caracterizando o amido resistente tipo AR2. Embora o
grau de resistência dependa da fonte, geralmente
grânulos dos tipos B e C tendem a ser mais resistentes
à digestão enzimática (ENGLYST et al., 1992; MUIR &
O’DEA, 1992).
Amido resistente tipo 3 - A maioria do amido
ingerido pelo homem é submetido a tratamentos com
calor e umidade, resultando no rompimento e
gelatinização da estrutura do grânulo nativo, o que o
torna digerível (BOTHAM et al., 1995). Quando o gel
esfria e envelhece, o amido gelatinizado forma
novamente uma estrutura parcialmente cristalina,
insolúvel e resistente à digestão enzimática, porém
diferente da conformação inicial (ENGLYST et al., 1992;
MUIR & O’DEA, 1992). Este processo é conhecido
como retrogradação, caracterizando o amido resistente
tipo AR3. A retrogradação da amilose, à temperatura
ambiente, é um processo rápido (poucas horas),
originando uma forma de amido altamente resistente à
redispersão em água fervente e à hidrólise pela amilase
pancreática (MUIR & O’DEA, 1992; BOTHAM et al.,
1995). Já a retrogradação da amilopectina é um
processo mais lento (dias a semanas) e dependente da
concentração da amostra, sendo que, em excesso de
água, ela pode ser revertida por aquecimento a 70ºC
(BOTHAM et al., 1995). Vários estudos têm
demonstrado relação direta entre o conteúdo de
amilose e a formação de amido resistente, o que não
ocorre com a amilopectina (BERRY, 1986; EGGUM et
al., 1993; SAMBUCETTI & ZULETA, 1996).
A digestibilidade do amido também pode
ser afetada por fatores intrínsecos, como a presença
de complexos amido-lipídio e amido-proteína, de
inibidores da α-amilase e de polissacarídeos não
amiláceos (GOÑI et al. 1996; THARANATHAN, 2002);
bem como por fatores extrínsecos, como tempo de
mastigação (determina a acessibilidade física do amido
contido em estruturas rígidas), tempo de trânsito do
alimento da boca até o íleo terminal, concentração de
amilase no intestino, quantidade de amido presente
no alimento e a presença de outros componentes que
podem retardar a hidrólise enzimática (ENGLYST et al.,
1992; THARANATHAN, 2002).
Neste contexto, é possível constatar que
alimentos crus e processados contêm apreciáveis
quantidades de amido resistente, dependendo da fonte
botânica e do tipo de processamento, como moagem,
cozimento e resfriamento (MUIR & O’DEA, 1993; GOÑI
et al., 1996). Embora os três tipos ocorram naturalmente
na dieta humana (MUIR & O’DEA, 1992), podendo
coexistir em um mesmo alimento (CHAMP & FAISANT,
1996), o AR3 é o mais comum e, do ponto de vista
tecnológico, o mais importante, já que sua formação é
resultante do processamento do alimento (GARCÍA-
ALONSO et al., 1998). O conteúdo de amilose, a
temperatura, a forma física, o grau de gelatinização, o
resfriamento e a armazenagem, afetam o conteúdo de
AR3 (BERRY, 1986; EGGUM et al., 1993; GOÑI et al.
1996). Estes indicativos servem como base para
explicar porque, ao contrário da fibra alimentar, as
quantidades de amido resistente nos alimentos podem
ser manipuladas de forma relativamente simples pelas
técnicas de processamento (MUIR & O’DEA, 1992),
influenciando a taxa e extensão esperada da digestão
do amido no intestino delgado humano. Esta forma de
manipulação poderia ser utilizada de forma benéfica
tanto para o consumidor, na manutenção da boa saúde,
como para a indústria alimentícia, que teria uma fonte
de “fibra” que não causaria alterações organolépticas
tão pronunciadas quanto as fontes tradicionalmente
usadas nos produtos, como os farelos (ENGLYST &
HUDSON, 1996; YUE & WARING, 1998).
Efeitos do amido resistente na saúde
O principal interesse em relação ao amido
resistente é o seu papel fisiológico. Por não ser digerido
no intestino delgado, este tipo de amido se torna
disponível como substrato para fermentação pelas
bactérias anaeróbicas do cólon (JENKINS et al., 1998).
Dessa forma, essa fração compartilha muitas das
características e benefícios atribuídos à fibra alimentar
no trato gastrintestinal (BERRY, 1986; MUIR & O’DEA,
1992). Por exemplo, em indivíduos diabéticos, o
consumo de carboidratos digestíveis não pode
exacerbar a hiperglicemia pós-prandial e deve prevenir
eventos hipoglicêmicos. No entanto, as diferenças nas
respostas glicêmica e insulinêmica ao amido da dieta
977Amido resistente: características físico-químicas, propriedades fisiológicas e metodologias de quantificação.
Ciência Rural, v.35, n.4, jul-ago, 2005.
estão diretamente relacionadas à taxa de digestão do
amido (O’DEA et al., 1981). Dessa forma, alimentos
lentamente digeridos ou com baixo índice glicêmico
têm sido associados ao melhor controle do diabetes e,
a longo prazo, podem até mesmo diminuir o risco de
desenvolver a doença (JENKINS et al., 1998). Em
estudo realizado por KABIR et al. (1998), com ratos
normais e diabéticos, a substituição do amido com
alto índice glicêmico por amido com baixo índice
glicêmico numa dieta mista aumentou a oxidação da
glicose, estimulada pela insulina, e diminuiu a
incorporação da glicose nos lipídios totais.
O amido resistente também tem sido
associado a reduções nos níveis de colesterol LDL
(lipoproteína de baixa densidade) e de triglicerídios na
hiperlipidemia (JENKINS et al., 1988). SACQUET et al.
(1983) e MORAND et al. (1992) observaram que a
inclusão de amido resistente a dietas de ratos reduziu
os níveis de colesterol e triglicerídios plasmáticos.
Não sendo digerido no intestino delgado,
o amido resistente também pode servir de substrato
para o crescimento de microrganismos probióticos,
atuando como potencial agente prebiótico
(HARALAMPU, 2000). A metabolização desse tipo de
carboidrato pelos microrganismos, via fermentação,
resulta na produção de ácidos graxos de cadeia curta,
como acetato, propionato e butirato; gases carbônico
e hidrogênio e, em alguns indivíduos, metano; e
diminuição do pH do cólon (ENGLYST et al., 1987;
CHAMP & FAISANT, 1996; YUE & WARING, 1998).
A maioria destes compostos age na prevenção de
doenças inflamatórias do intestino,além de auxiliar na
manutenção da integridade do epitélio intestinal.
Adicionalmente, o amido resistente contribui para o
aumento do volume fecal, modificação da microflora
do cólon, aumento da excreção fecal de nitrogênio e,
possivelmente, redução do risco de câncer de cólon
(JENKINS et al., 1998; YUE & WARING, 1998).
Em estudos utilizando populações mistas
de bactérias obtidas de fezes humanas, ENGLYST et
al. (1987) observaram que 59% do amido fermentado
foi recuperado como ácidos graxos de cadeia curta, na
proporção molar de 50:22:29 para acetato, propionato
e butirato, respectivamente. O decréscimo do pH
resultante dessa fermentação pode, em parte, ser
responsável pela pequena taxa de transformação de
ácidos biliares primários em metabólitos secundários
mutagênicos e pela redução de outras
biotransformações bacterianas específicas no intestino
grosso (CHAMP & FAISANT, 1996). Dados obtidos
por JENKINS et al. (1998), em estudos com humanos,
mostraram que a suplementação de amido resistente
nas dietas resultou em maior concentração de butirato,
em comparação ao tratamento controle, constituído
de baixo teor de fibra. Considerando que o butirato é
importante fonte de energia para as células epiteliais
do cólon, sua maior produção pode prevenir doenças
colônicas, incluindo colite ulcerativa, as quais são
provocadas por deficiência de energia. Em adição, é
atribuído ao butirato a supressão do desenvolvimento
de células cancerígenas e o aumento na proliferação
de células da mucosa intestinal, o que pode diminuir o
risco de câncer de cólon, visto que pacientes com este
tipo de doença apresentaram taxas reduzidas de
butirato durante a investigação inicial (ENGLYST et
al., 1987; ASP, 1996; JENKINS et al., 1998; YUE &
WARING, 1998). Quanto ao propionato e acetato,
podem influenciar a gliconeogênese e a lipogênese
hepáticas, respectivamente (ENGLYST et al., 1987;
ASP, 1996).
Além desses benefícios, o aumento do
volume fecal provocado pelo amido resistente pode
ser importante na prevenção da constipação,
diverticulose e hemorróidas, além de diluir compostos
tóxicos, potenciais formadores de células cancerosas
(YUE & WARING, 1998).
Quantificação do amido resistente
Normalmente, o amido dos alimentos é
quantificado pelo teor de glicose liberada após sua
completa hidrólise enzimática, pelo uso combinado de
enzimas amilolíticas (ASP, 1996). A α-amilase promove
a fragmentação da molécula de amido por hidrólise
das ligações glicosídicas α(1→4), produzindo
açúcares redutores de baixo peso molecular (maltose,
maltotriose e maltotetrose). Todavia, esta enzima não
hidrolisa as ligações glicosídicas α(1→6) presentes
na amilopectina e, por isso, deve-se utilizar a
amiloglicosidase, para completa hidrólise do amido em
glicose. No entanto, técnicas baseadas neste princípio
não são eficientes para a determinação do amido
resistente. Diante deste problema, a partir da década
de 80, os esforços se concentraram no
desenvolvimento de técnicas que contemplassem a
determinação, conjunta ou separadamente, destas
duas frações. Entretanto, a quantificação do amido
resistente é problemática, uma vez que este não possui
uma estrutura química diferenciada, sendo composto
por um conjunto de estados físicos que alteram a taxa
de digestão do amido convencional (HARALAMPU,
2000).
A determinação do amido resistente pode
ser realizada por métodos in vivo ou in vitro. Nos
métodos in vivo, são realizadas coletas de amostra
diretamente do íleo ou estimativa da quantidade de
amido fermentado no cólon (CHAMP & FAISANT,
978 Walter et al.
Ciência Rural, v.35, n.4, jul-ago, 2005.
1996). Porém, estas técnicas são onerosas e
inconvenientes, tanto em estudos com humanos como
com animais. Por este motivo, foram desenvolvidos
métodos in vitro, os quais podem ser diretos ou
indiretos. Nos diretos, o amido resistente é
quantificado após remoção da fração digerível por
tratamento enzimático, simulando a hidrólise que ocorre
na parte superior do trato digestivo (boca, estômago e
intestino delgado) (BERRY, 1986; CHAMP &
FAISANT, 1996). Após esta etapa, o amido
remanescente é solubilizado com hidróxido de potássio
ou dimetilsulfóxido, e novamente hidrolisado por
enzimas amilolíticas. Os métodos indiretos são
baseados na determinação do amido total e do amido
disponível, de onde se obtém, por diferença, a
quantidade de amido resistente (CHAMP & FAISANT,
1996). Entretanto, estes métodos acumulam erros de
duas determinações experimentais (GOÑI et al., 1996).
Os métodos in vitro variam em relação ao modo como
a amostra é preparada, tipos e quantidades de enzimas,
condições de tempo e de temperatura de incubação e
substâncias utilizadas para a solubilização da fração
resistente. Estas variações dificultam a comparação
dos resultados de amido resistente obtidos pelas
distintas técnicas propostas.
Alguns destes métodos propõem que a
preparação da amostra para análise in vitro seja
realizada a partir do processo de mastigação, já que
para medir a taxa e extensão da digestão do amido é
necessário que a amostra seja analisada como ela é
ingerida, sem moagem excessiva ou qualquer
tratamento preparativo (ENGLYST et al., 1992; MUIR
& O’DEA, 1992). No entanto, a mastigação é um
método altamente individual e variável, sendo que a
técnica escolhida deve ser reprodutível e refletir a
divisão média do alimento alcançada pela mastigação.
Desta forma, o mais indicado é que as amostras sejam
trituradas por moagem, a qual, alterando a forma física
do alimento, aumenta o acesso das enzimas amilolíticas
(MUIR & O’DEA, 1992).
Apesar dos métodos existentes utilizarem
enzimas amilolíticas na determinação do amido
resistente, somente alguns recorrem à protease. O uso
desta enzima é recomendado para melhor simulação
das condições fisiológicas (enzimas digestivas
proteolíticas, pH ácido). Além disso, a remoção de
proteínas aumenta a acessibilidade da amilase,
evitando associações amido-proteína e a encapsulação
do amido por matriz protéica, a qual pode formar uma
estrutura rígida e impedir a gelatinização e hidrólise
do grânulo de amido (GOÑI et al, 1996; ESCARPA et
al., 1997). Estudos com farinha crua e cozida mostraram
que grande parte do amido está encapsulada por uma
matriz protéica, o que restringe a atividade da α-amilase
(CHAMP, 1992). Várias pesquisas observaram
decréscimo nos níveis de amido resistente em farinhas
de legumes após incubação com proteases, antes ou
após o cozimento, o que pode ser atribuído a alterações
da parede celular e/ou à liberação das associações
proteína-amido (EERLINGEN & DELCOUR, 1995)
Na quantificação do amido resistente,
também são utilizadas diferentes combinações de
temperatura, de acordo com a metodologia proposta.
Por exemplo, o método 996.11 da AOAC (1998) utiliza
temperaturas mais altas (50 e 100ºC), enquanto outros
métodos indicam temperaturas mais baixas, próximas
à fisiológica. A importância deste fator está relacionada
à gelatinização do amido, ou seja, quando se aplica
α-amilase termorresistente a 100ºC, o amido gelatiniza,
não sendo possível a quantificação da fração
resistente, presente nos alimentos crus. Ainda, a
amilopectina retrogradada é facilmente hidrolisada,
uma vez que exibe temperatura de fusão entre 55-70ºC.
Assim, em alguns casos, o uso de altas temperaturas
pode subestimar o conteúdo de frações de amido
resistente (AR1 e AR2), além de afetar o tempo de
incubação.
A solubilização do amido resistente para
posterior determinação só é possível com o uso de
hidróxido de potássio ou dimetilsulfóxido. A
dispersão do amido resistente nestes reagentes
permite sua digestão pelas enzimas amilolíticas e
posterior determinação. Embora as diferentes
técnicas optem pelo uso de um ou outro destes
reagentes, não são encontrados dados na literatura
explicando o porquê desta escolha. BERRY(1986)
apenas comenta que, por ser o dimetilsulfóxido um
poderoso solvente para muitos materiais insolúveis
em água, incluindo amidos nativos, há poucas
dúvidas de que o amido resistente represente um
componente que resiste à amilólise por razões físicas,
mais do que razões químicas.
A fração de amido resistente, embora com
características químicas, organolépticas e efeitos
fisiológicos distintos, muitas vezes é quantificada
junto com a fibra alimentar. Isto se deve ao fato de
que os métodos util izados não realizam a
solubilização com hidróxido de potássio ou
dimetilsulfóxido e, conseqüentemente, incluem o
amido resistente no resultado final (JENKINS et al.,
1998; YUE & WARING, 1998). Entretanto, deve-se
observar que somente o amido resistente tipo AR3
(retrogradado) é incluído nesta fração, uma vez que
os passos de moagem e gelatinização solubilizam
AR1 e AR2, respectivamente (ASP, 1996; WOLF et
al., 1999).
979Amido resistente: características físico-químicas, propriedades fisiológicas e metodologias de quantificação.
Ciência Rural, v.35, n.4, jul-ago, 2005.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O conhecimento das propriedades
fisiológicas do amido resistente permite sua melhor
utilização na alimentação, inclusive em dietas
diferenciadas, podendo complementar e/ou substituir
a fração fibra de determinados alimentos, sem alteração
significativa das características organolépticas destes.
Desta forma, são necessárias técnicas adequadas para
a quantificação do amido resistente nos alimentos,
cujos resultados correlacionem com a resposta
biológica, permitindo melhor avaliação de seus efeitos
fisiológicos. Neste contexto, várias metodologias
enzimáticas vêm sendo estudadas, mostrando-se
promissoras as que tentam mimetizar os eventos
enzímico-digestivos do trato gastrintestinal, as quais
utilizam protease. Embora evidentes, os avanços nas
técnicas atuais para a análise de amido resistente ainda
não permitiram obter correlações seguras entre os
valores determinados in vitro com aqueles observados
in vivo, o que indica a necessidade de continuar as
pesquisas sobre este assunto.
REFERÊNCIAS
AOAC – Association of Official Analytical Chemists. Official
Methods of Analysis. 16.ed. Washington, 1998. 1018p.
ASP, N.G. Dietary carbohydrates: classification by chemistry
and physiology. Food Chem, v.57, n.1, p.9-14, 1996.
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