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Os biomarcadores ácido úrico, ácido siálico e leucócitos como preditores da síndrome metabólica 197 Rev Bras Nutr Clin 2011; 26 (3): 197-201 Os biomarcadores ácido úrico, ácido siálico e leucócitos como preditores da síndrome metabólica The biomarkers uric acid, sialic acid and leukocytes as predictors of the metabolic syndrome Unitermos: Síndrome X Metabólica. Inflamação. Resistência à insu- lina. Ácido úrico. Ácido N-acetilneuramínico. Leucócitos. Key words: Metabolic syndrome X. Inflammation. Insulin resistance. Uric acid. N-acetylneuraminic acid. Leukocytes. Endereço para correspondência Ana Carolina Pinheiro Volp Morro do Cruzeiro, Campus Universitário, s/no. Departamento de Nutrição Clínica e Social, Escola de Nutrição, Universidade Federal de Ouro Preto (UFOP). Ouro Preto, MG, Brasil – CEP 35400-000. E-mail anavolp@gmail.com Submissão 15 de junho de 2011 Aceito para publicação 6 de setembro de 2011 RESUMO O processo inflamatório é o elo entre a síndrome metabólica e as doenças crônicas, como o diabetes do tipo 2 e as doenças cardiovasculares. Para medir o grau da inflamação subclínica, vários biomarcadores inflamatórios têm sido propostos. Este trabalho revisa as associações entre os biomarcadores de inflamação sistêmica e a síndrome metabólica, bem como a capacidade dos mesmos em predizer a síndrome metabólica. Estes biomarcadores incluem o ácido úrico, ácido siálico e os leucócitos. Com esta revisão pode-se integrar o novo conhecimento referente às interações possíveis de mediadores inflamatórios com a síndrome metabólica, visto que estes biomarcadores desempenham vários papéis e seguem diversos caminhos metabólicos. ABSTRACT The inflammatory process is the link between metabolic syndrome and chronic diseases, like type 2 diabetes and cardiovascular diseases. To measure the degree of subclinical inflammation some inflammatory biomarkers have been considered. This work reviews the associations between systemic inflammation biomarkers and the metabolic syndrome, as well as the capacity to predicting the metabolic syndrome. These biomarkers include uric acid, sialic acid and leukocytes. This review integrates the new knowledge of inflammatory mediators interactions with metabolic syndrome, since these biomarkers play different roles and follow diverse metabolic pathways. 1. Professora Adjunta - Departamento de Nutrição Clínica e Social - Universidade Federal de Ouro Preto (UFOP). 2. Professora Associada - Departamento de Nutrição e Saúde - Universidade Federal de Viçosa (UFV). Ana Carolina Pinheiro Volp1 Josefina Bressan2 AArtigo de Revisão Volp ACP & Bressan J 198 Rev Bras Nutr Clin 2011; 26 (3): 197-201 Introdução Nos últimos tempos, muitas mudanças têm acontecido em nosso entendimento dos riscos e da patogênese de várias doenças crônicas com inflamação subclínica, entre elas a obesidade, o diabetes do tipo 2 e as doenças cardiovascu- lares aterotrombóticas. A semelhança dos fatores de risco para estas doenças estimulou pesquisas que esclarecessem uma patofisiologia comum para tais condições. Estudos epidemiológicos prospectivos têm feito associações entre marcadores indiretos do estado inflamatórios e eventos cardíacos, os quais têm repetidamente demonstrado o poder de tais biomarcadores em predizer o futuro de tais eventos1. Desta forma, pesquisas vêm sendo realizadas com o obje- tivo de compreender o conjunto dos fatores de risco em indivíduos, com o propósito de estabelecer alvos potenciais de terapia na prevenção ou tratamento destas doenças e de suas complicações1,2. Um estudo conduzido por Schmidt et al. 3 mostrou que 5 anor- malidades metabólicas (hipertensão, diabetes, hipertrigliceridemia, HDL-colesterol baixo e ácido úrico) foram associadas com impor- tantes fatores de risco: obesidade (avaliada pelo IMC), obesidade visceral (avaliada pela relação cintura-quadril) e resistência à insu- lina (avaliada por determinações sanguíneas de glicose e insulina em jejum). Aqueles valores encontrados no quintil mais elevado de cada uma destas 3 medidas (fatores de risco) apresentavam maiores valores da odds ratio para a síndrome metabólica (SM) quando apresentavam um agrupamento de 2, 3 e especialmente 4 ou mais destas anormalidades metabólicas3. A SM está comumente associada a um conjunto de doenças metabólicas, como hipertensão, aterosclerose, dislipidemias e diabetes, sendo que os componentes desta síndrome são caracterizados pela hiperinsulinemia e por dife- rentes intensidades de resistência à insulina (RI)4,5. Defeitos da ação da insulina nos tecidos-alvos (músculo, fígado e tecido adiposo) levam ao aumento do processo inflamatório crônico de baixa intensidade. Em outras palavras, diminuição da sensibilidade à insulina (aumento da RI) é acompanhada de aumento da liberação dos hormônios contra-regulatórios da insulina (a exemplo: glucagon, adrenalina e cortisol), alterando o metabolismo lipídico e glicídico por meio do aumento da gliconeogênese, glicogenólise e lipólise, favo- recendo o estado pró-inflamatório6. Independentemente do agente iniciante, a relação entre RI e processo inflamatório é bidirecional, ou seja, qualquer processo inflamatório crônico induz RI, e a mesma, por sua vez, acentua o processo infla- matório7. Os resultados de vários estudos têm confirmado que as doenças crônicas são acompanhadas pelos processos inflamatórios e que a presença de inflamação pode preceder o futuro desenvolvimento destas doenças7-13. A SM é estabelecida quando o indivíduo apresentar 3 ou mais dos seguintes componentes: (1) intolerância à glicose com glicemia de jejum maior ou igual a 110 mg/dL (88-110 mg/dL), (2) obesidade abdominal ou maior quantidade de gordura visceral com circunferência da cintura maior que 102 cm para homens e maior que 88 cm para mulheres, (3) triacilglicerol maior ou igual a 150 mg/dL, (4) HDL- colesterol menor que 40 mg/dL para homens e menor que 50 mg/dL para mulheres e (5) terapia anti-hipertensiva vigente ou pressão arterial maior ou igual a 130/85 mmHg14,15. Já a International Diabetes Federation16 recomenda que o critério fixo seja obesidade abdominal ou maior quantidade de gordura visceral com circunferência da cintura maior que 94 cm para homens e maior que 80 cm para mulheres e mais 2 critérios anteriormente citados, considerando intolerância à glicose valores de glicemia de jejum maior ou igual a 100 mg/dL (80-100 mg/dL)16. Dada a importância desta síndrome e a demonstração das associações entre os marcadores e os elementos inflamatórios que a constituem, o objetivo desta revisão é integrar o novo conhecimento referente às interações possíveis de biomarca- dores inflamatórios sistêmicos com a SM. MArCAdorES ASSoCIAdoS À InFLAMAção A reação de inflamação induzida pelos fatores de risco e a resposta imunológica associada são os principais eventos que conduzem ao processo de aterogênese conjuntamente com a SM 17,18. Os mecanismos pelos quais a obesidade, em particular a obesidade central (visceral) e a síndrome metabólica, está asso- ciada com a morbimortalidade incluem aumento de proteínas de fase aguda, aumento da atividade da cascata de coagulação (hipercoagulabilidade) e decréscimo da atividade da cascata fibrinolítica (processo pró-trombótico), aumento do processo inflamatório, aumento do estresse oxidativo e disfunção endo- telial, e distúrbio do metabolismo da glicose e lipídios (RI)6,13. Existem vários marcadores associados com a inflamação. Estes podem ser divididos em categorias, tais como: citocinas pró-inflamatórias, citocinas anti-inflamatórias, adipocinas, quimocinas, marcadores de inflamação derivados de hepató- citos, marcadores de consequência da inflamação, enzimas e marcadores de inflamação sistêmica19. Dentre os marcadores de inflamaçãosistêmica encontram-se o ácido úrico (AU), ácido siálico (AS) e leucócitos. Ácido Úrico O ácido úrico é produto final principal do metabolismo das purinas, o qual na sua maioria é derivado da dieta, biossíntese de novo e quebra de ácidos nucléicos. O ácido úrico tem sido considerado um marcador de risco cardiovascular, pois vem sendo associado com várias medidas de risco cardiovascular, Figura 1 – Visão esquemática da relação entre os componentes da SM e doenças crônicas, como o diabetes do tipo 2 e DCV. Indivíduos com SM podem desenvol- ver ou agravar as mesmas, por meio da elevação dos níveis dos biomarcadores inflamatórios sistêmicos. AU: ácido úrico; AS: ácido siálico. Síndrome Metabólica Hiperglicemia Obesidade visceral Hipertensão Dislipidemias AU Leucócitos AS Infarto Acidentes isquêmicos Doença vascular periférica Diabetes do tipo 2 Os biomarcadores ácido úrico, ácido siálico e leucócitos como preditores da síndrome metabólica 199 Rev Bras Nutr Clin 2011; 26 (3): 197-201 incluindo a probabilidade estimada de risco cardiovascular em 10 anos (Framingham Risk Score), SM e marcadores de inflamação sistêmica20. Em um estudo foi verificado que níveis elevados de coles- terol total, níveis reduzidos de HDL-colesterol, IMC elevado e valores elevados de proteína C reativa (PCR) foram preditores independentes para níveis elevados de ácido úrico. O ácido úrico foi correlacionado significantemente com risco cardio- vascular (Framingham Risk Score), número de componentes da SM e marcadores de inflamação (PCR e fibrinogênio), antes e depois de ajustar para idade e sexo. Valores médios de ácido úrico aumentavam significantemente, ao mesmo tempo em que aumentava o risco cardiovascular (Framingham Risk Score) e número de componentes da SM. Desta forma, níveis de ácido úrico eram mais elevados nas pessoas com SM, quando comparado com as pessoas sem SM20. Um possível mecanismo para estes maiores níveis seria o estado hiperinsulinêmico, em que a presença aumentada de insulina estimula a reabsorção de sódio e urato no túbulo proximal renal21,22. Os valores de ácido úrico foram significantemente corre- lacionados com a PCR, marcador inflamatório utilizado em um estudo conduzido por Coutinho et al.20. Estudos demons- tram que o ácido úrico exerce atividade pró-inflamatória, estimulando a produção de fatores inflamatórios como a interleucina-6 (IL-6), interleucina-1β (IL-1β) e o fator de necrose tumoral-alfa (TNF-α) por células mononucleares humanas e PCR por células vasculares humanas23. Por outro lado, Coutinho et al.20 sugerem que esta associação pôde ser decorrente das propriedades antioxidantes do radical livre do urato sérico e, desta forma, uma elevação dos níveis de ácido úrico ocorre em resposta à inflamação sistêmica. Ácido Siálico O ácido siálico ou ácido N-acetilneuramínico é compo- nente da parte terminal de algumas proteínas de fase aguda, como a α1-antiquimotripsina, α1-antitripsina, haptoglobulina e orosomucoide, e estas glicoproteínas juntas explicam 70% da concentração plasmática do ácido siálico24. Desta forma, por ser considerado um marcador dos níveis séricos de várias proteínas de fase aguda, pode ser considerado um marcador inflamatório por predizer doenças cardiovasculares. Um estudo conduzido por Lindberg et al.24 demonstrou que homens e mulheres com níveis de ácido siálico no maior quartil apresentavam risco relativo para mortalidade cardiovascular de 2,4 (2,0 a 2,8) e de 2,6 (1,9 a 3,6), respectivamente e, desta forma, pôde ser consi- derado um marcador por predizer doenças cardiovasculares. O ácido siálico possui menos variabilidade intra-individual em pessoas com peso estável que outros marcadores de infla- mação (principalmente a PCR), o qual pode fornecer uma medida mais robusta do estado inflamatório habitual, e pode ser considerado um indicador mais útil para a resposta global de fase aguda25. Tendo isto em vista, tem sido mostrado que o ácido siálico está associado em predizer risco para doenças cardiovas- culares e diabetes do tipo 2, como demonstrado no ARIC Study. Neste estudo, indivíduos com concentração de ácido siálico e orosomucoide no terceiro e quarto quartil apresentavam odds ratio de 3,7 (1,4 a 9,8) e 7,9 (2,6 a 23,7), respectivamente, para desenvolver diabetes do tipo 2 em 7 anos, quando comparados àqueles com concentrações abaixo da média. Quando ajustado para IMC, estes valores permaneceram significantes26. Em relação à SM, um estudo demonstrou que o ácido siálico correlacionou-se com todos seus componentes: glicemia, circun- ferência da cintura, triacilglicerol, HDL-colesterol, pressão arte- rial sistólica e pressão arterial diastólica, além de correlacionar com IMC, insulina, HOMA-IR (homeostasis model assessment: modelo de avaliação da homeostase de sensibilidade à insulina), colesterol total e LDL-colesterol. Neste mesmo estudo, quando mais componentes da SM, maiores eram os valores de ácido siálico. Para cada 0.34 mmol/L de aumento nas concentrações da Ácido Siálico, a odds ratio para SM era de 2,5 (1,8 a 3,4), e persistiu significante após ajuste para IMC, com odds ratio de 1,9 (1,3 a 2,6). Os autores concluíram que o ácido siálico prediz SM, independente do IMC. Desta forma, o ácido siálico pode identi- ficar subgrupos de pessoas com fenótipo inflamatório (inflamação subclínica), que estão em grande risco de desenvolver SM27. Leucócitos Um estudo realizado por Festa et al.8, com pessoas saudáveis não diabéticas (IRAS Study), demonstrou que a contagem leuco- citária teve correlação com os componentes da SM (glicemia de jejum, circunferência da cintura, triacilglicerol, HDL-colesterol e pressão arterial sistólica), e também com valores de IMC, insulina e índice de sensibilidade à insulina (S I ). A média da contagem leucocitária deste grupo foi de 5,81 ± 0,07 x 103/mm3 8. Um ponto fundamental que deve ser destacado é que valores como estes podem passar despercebidos para muitos profissionais da saúde. Apesar de estes valores estarem dentro dos níveis de normalidade (3,5 a 10 x 103/mm3), os mesmos já podem indicar presença de inflamação subclínica, e que a mesma deveria ser investigada. Estudos têm demonstrado que valores séricos de leucó- citos podem predizer também ganho de peso. Isto foi demons- trado por um estudo realizado por Duncan et al.28, onde pessoas que tinham níveis séricos de leucócitos no quartil mais elevado ganhavam um valor estimado de 0,23 kg/ano a mais, quando comparados àqueles no menor quartil. A odds ratio ajustada para o maior peso ganho (maior que o percentil 90) para aqueles no maior quartil dos valores de leucócitos foi de 1,38 (1,14 a 1,67) vezes quando comparados àqueles no menor quartil, para um período de 3 anos. Estes valores da odds ratio também foram diferentes para diferentes graus de obesidade. Indivíduos com IMC < 25, 25-30 e > 30 kg/ m2 tiveram suas odds ratio de 1,36, 1,38 e 1,4028. Apesar da lógica ligação entre leucócitos e inflamação, neste estudo o mais alto percentil (p95) para valores de leucócitos foi de 9.800 células/mm3, o qual é compatível com a escala normal de realidade. Mais uma vez, de qualquer forma, a inflamação subclínica está presente e deve ser investigada. Visto que a contagem leucocitária está correlacionada com todos os componentes da SM, a mesma pode predizer risco para diabetes e doenças cardiovasculares 26,29. Indivíduos com valores de leucócitos no maior quartil apresentavam odds ratio de 1,9 (1,6 a 2,3) para desenvolver diabetes do tipo 2, num período de Volp ACP & Bressan J 200 Rev Bras Nutr Clin 2011; 26 (3): 197-201 8. Festa A, D’Agostino R Jr, Howard G, Mykkänen L, Tracy RP, Haffner SM. Chronic subclinical inflammation as part of the insulin resistance syndrome:the Insulin Resistance Atherosclerosis Study (IRAS). 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Isto sugere que a contribuição da resistência insulínica no processo inflamatório não é somente um fenômeno restrito a pessoas com presença de doença ou com excesso de peso30. Todos os fatores que modulam estes biomarcadores devem ser mais explorados, embora ainda exista uma inabilidade em encontrar diferenças em seus níveis circulantes, tanto entre pessoas saudáveis quando em doentes, como entre indivíduos com peso normal e excesso de peso. Todo um contexto de hábitos de vida (padrões alimentares, atividade física, estresse, tabagismo) deve ser levado em consideração nos determinantes da SM e não somente valores bioquímicos, antropométricos e de composição corporal. Os resultados aqui apresentados são de importância clínica relevante. O tratamento dos diversos componentes da SM (adiposidade, hiperglicemia, dislipidemia, hipertensão) pode apresentar efeitos benéficos em termos da prevenção do diabetes do tipo 2 e doenças cardiovasculares atero- trombóticas. Por fim, a inflamação subclínica é de fato uma outra faceta da SM, e o tratamento anti-inflamatório, como a melhora na sensibilidade à insulina, pode ser necessário, incluindo redução de peso, atividade física e controle na alimentação. rEFErênCIAS 1. Duncan BB, Schmidt MI. Chronic activation of the innate immune system may underlie the metabolic syndrome. Sao Paulo Med J. 2001;119(3):122-7. 2. Klein J, Perwitz N, Kraus D, Fasshauer M. Adipose tissue as source and target for novel therapies. Trends Endocrinol Metab. 2006;17(1):26-32. 3. Schmidt MI, Duncan BB, Watson RL, Sharrett AR, Brancati FL, Heiss G. A metabolic syndrome in whites and African-Americans. The Atherosclerosis Risk in Communities baseline study. Diabetes Care. 1996;19(5):414-8. 4. Isomaa B. A major health hazard: the metabolic syndrome. Life Sci. 2003;73(19):2395-411. 5. Eckel RH, Grundy SM, Zimmet PZ. The metabolic syndrome. Lancet. 2005;365(9468):1415-28. 6. 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