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Autoras: Profa. Mônica Cintrão Franca Ribeiro Profa. Reginandréa Gomes Vicente Profa. Eliane Silva Gabas Colaboradores: Profa. Silmara Maria Machado Prof. Nonato Assis de Miranda Psicologia do Desenvolvimento: Ciclo Vital Professoras conteudistas: Mônica Cintrão Franca Ribeiro / Reginandréa Gomes Vicente / Eliane Silva Gabas Mônica Cintrão França Ribeiro Graduada em psicologia pela Universidade Paulista (UNIP, 1984). Pós-graduada em psicopedagogia (1992) pela mesma universidade. Doutora e mestra em psicologia pelo Programa de Psicologia Escolar e do Desenvolvimento Humano do Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo (IPUSP), 1997 e 2003 (com bolsa Capes). Docente dos cursos de pós-graduação em Psicopedagogia, Alfabetização e Letramento (UNIP, INPG, Unifai). Professora titular e líder de disciplinas nos cursos de Psicologia e Pedagogia para o ensino presencial e ensino a distância (EaD) na UNIP. Supervisora de estágio no curso de psicologia na disciplina Estratégias de Intervenção Psicológica na UNIP, universidade na qual também desenvolve projetos de pesquisa docente e orienta pesquisas discentes. Líder do grupo de pesquisa Psicologia e Saúde (UNIP/CNPq). Possui experiência na área de psicologia, com ênfase em psicologia escolar e saúde, atuando principalmente nos seguintes temas: psicologia escolar, desenvolvimento humano, formação de professores, grafismo infantil e construtivismo. Reginandréa Gomes Vicente Psicóloga e mestra em psicologia clínica pela PUC-SP. Professora adjunta da Universidade Paulista (UNIP), líder da disciplina Psicologia do Desenvolvimento: Ciclo Vital (2003 a 2009), supervisora no Centro de Psicologia Aplicada (CPA-UNIP); especialista em mediação familiar e em situações de violência com formação pelo Instituto Diálogos-Bilden-Entidad/Argentina. Mediadora e supervisora do Projeto Íntegra – Gênero e Família. Membro do grupo de pesquisa Relacionamentos Interpessoais e Familiares na Contemporaneidade (UNIP), do grupo IPE (Intervenções Psicológicas em Emergência) e do RIMI (Rede Internacional de Mediação Interdisciplinar), como associada e docente. Em 2006/2007, consultora do PNUD – Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento. Psicóloga clínica. Eliane Silva Gabas Graduada em psicologia, especialista em psicopedagogia e em administração de recursos humanos. Mestra em educação pela Unesp Marília e doutoranda em comunicação pela Unesp Bauru. Atualmente é professora adjunta na Universidade Paulista (UNIP) e na Instituição de Ensino Superior de Bauru (IESB). Possui experiência na área de psicologia e educação, com ênfase em desenvolvimento social e da personalidade, atuando principalmente nos seguintes temas: desenvolvimento humano, psicologia escolar, educação, saúde pública. Com experiência também na área de psicologia organizacional com ênfase em gestão de pessoas. © Todos os direitos reservados. Nenhuma parte desta obra pode ser reproduzida ou transmitida por qualquer forma e/ou quaisquer meios (eletrônico, incluindo fotocópia e gravação) ou arquivada em qualquer sistema ou banco de dados sem permissão escrita da Universidade Paulista. Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) R484 Ribeiro, Mônica Cintrão França Psicologia do desenvolvimento: ciclo vital. / Mônica Cintrão França Ribeiro, Reginandréa Gomes Vicente, Eliane Silva Gabas. - São Paulo: Editora Sol. 152 p., il. Notas: este volume está publicado nos Cadernos de Estudos e Pesquisas da UNIP, Série Didática, ano XVII, n. 2-048/11, ISSN 1517-9230 1.Psicologia 2. Desenvolvimento 3. Formação I.Título CDU 159.9 Prof. Dr. João Carlos Di Genio Reitor Prof. Fábio Romeu de Carvalho Vice-Reitor de Planejamento, Administração e Finanças Profa. Melânia Dalla Torre Vice-Reitora de Unidades Universitárias Prof. Dr. Yugo Okida Vice-Reitor de Pós-Graduação e Pesquisa Profa. Dra. Marília Ancona-Lopez Vice-Reitora de Graduação Unip Interativa – EaD Profa. Elisabete Brihy Prof. Marcelo Souza Prof. Dr. Luiz Felipe Scabar Prof. Ivan Daliberto Frugoli Material Didático – EaD Comissão editorial: Dra. Angélica L. Carlini (UNIP) Dr. Cid Santos Gesteira (UFBA) Dra. Divane Alves da Silva (UNIP) Dr. Ivan Dias da Motta (CESUMAR) Dra. Kátia Mosorov Alonso (UFMT) Dra. Valéria de Carvalho (UNIP) Apoio: Profa. Cláudia Regina Baptista – EaD Profa. Betisa Malaman – Comissão de Qualificação e Avaliação de Cursos Projeto gráfico: Prof. Alexandre Ponzetto Revisão: Leandro Freitas Tatiane Souza Sumário Psicologia do Desenvolvimento: Ciclo Vital APRESENTAçãO ......................................................................................................................................................7 INTRODUçãO ...........................................................................................................................................................8 Unidade I 1 INFLUÊNCIAS DO PERÍODO PRÉ E PERINATAL NO DESENVOLVIMENTO ....................................11 1.1 Estágios do desenvolvimento pré-natal ......................................................................................11 1.2 Influência materna no desenvolvimento pré-natal ............................................................... 13 1.3 Influência paterna no desenvolvimento pré-natal ................................................................ 19 1.4 Aspectos psicológicos do período pré-natal ............................................................................. 19 1.5 Nascimento e desenvolvimento do recém-nascido ............................................................... 21 2 A CRIANçA DE 0 A 2 ANOS ......................................................................................................................... 28 2.1 Desenvolvimento físico-motor da criança de 0 a 2 anos .................................................... 28 2.2 Desenvolvimento cognitivo da criança de 0 a 2 anos .......................................................... 37 2.3 Desenvolvimento perceptivo da criança de 0 a 2 anos ........................................................ 42 2.4 Desenvolvimento da linguagem da criança de 0 a 2 anos ................................................. 42 2.5 Desenvolvimento psicossocial da criança de 0 a 2 anos ..................................................... 43 3 A CRIANçA DE 2 A 6 ANOS ......................................................................................................................... 49 3.1 Desenvolvimento físico-motor da criança de 2 a 6 anos .................................................... 49 3.2 Desenvolvimento cognitivo da criança de 2 a 6 anos .......................................................... 53 3.3 Desenvolvimento da linguagem da criança de 2 a 6 anos ................................................. 57 3.4 Desenvolvimento psicossocial da criança de 2 a 6 anos ..................................................... 57 4 A CRIANçA DE 7 A 11 ANOS ....................................................................................................................... 65 4.1 Desenvolvimento físico-motor da criança de 7 a 11 anos .................................................. 65 4.2 Desenvolvimento cognitivo da criança de 7 a 11 anos ........................................................ 68 4.3 Desenvolvimento psicossocial da criança de 7 a 11 anos ................................................... 70 Unidade II 5 O DESENVOLVIMENTO NA ADOLESCÊNCIA .......................................................................................... 80 5.1 Desenvolvimento físico do adolescente de 12 a 18 anos .................................................... 80 5.2 Desenvolvimento cognitivo do adolescente de 12 a 18 anos ........................................... 83 5.3 Desenvolvimento psicossocial do adolescentede 12 a 18 anos ....................................... 85 6 O DESENVOLVIMENTO DO ADULTO JOVEM (DE 20 A 40 ANOS) .................................................. 91 6.1 Desenvolvimento físico do adulto jovem ................................................................................... 91 6.2 Desenvolvimento cognitivo do adulto jovem ........................................................................... 93 6.3 Desenvolvimento psicossocial do adulto jovem ...................................................................... 94 Unidade III 7 O DESENVOLVIMENTO NA MEIA IDADE ............................................................................................... 107 7.1 Desenvolvimento físico na meia-idade (de 40 a 65 anos) ................................................107 7.2 Desenvolvimento cognitivo na meia-idade (de 40 a 65 anos) ........................................ 110 7.3 Desenvolvimento psicossocial na meia-idade (de 40 a 65 anos) ....................................111 7.4 A sexualidade na fase adulto-intermediária ........................................................................... 113 8 ENVELHECIMENTO E MORTE ..................................................................................................................... 115 8.1 Desenvolvimento na velhice .......................................................................................................... 115 8.2 Desenvolvimento físico na velhice .............................................................................................. 117 8.3 Desenvolvimento cognitivo na velhice ..................................................................................... 119 8.4 Desenvolvimento psicossocial na velhice .................................................................................120 8.5 Morte e desenvolvimento humano ............................................................................................123 8.6 O processo do luto .............................................................................................................................125 8.7 O luto infantil ......................................................................................................................................128 8.8 A morte na concepção dos adultos ............................................................................................129 8.9 A morte em vida ................................................................................................................................130 7 APRESEntAção Caros alunos, Antes de iniciarmos nossos estudos, vamos apresentar algumas orientações gerais sobre o caminho que iremos percorrer juntos. Apresentaremos a disciplina Psicologia do Desenvolvimento: Ciclo Vital e, em seguida, o material que elaboramos para auxiliá-lo em seus estudos. A psicologia do desenvolvimento é um ramo da psicologia que se preocupa em responder como e por que as capacidades dos indivíduos vão se diferenciando ao longo da vida. Busca um entendimento sistemático da sequência de mudanças biológicas, cognitivas, psicossociais e seus desdobramentos ao longo do ciclo vital. Assim, a psicologia do desenvolvimento é subjacente a qualquer prática que busca subsídios psicológicos para a compreensão do ser humano. Além disso, do ponto de vista pragmático, esta matéria é recorrentemente alvo de arguição em concursos e processos seletivos. Da mesma forma, é importante ressaltar que o estudo sistemático desta disciplina pode ser útil para compreensão de outras áreas que, como a psicologia do desenvolvimento, descrevam fenômenos aos quais todos os seres humanos estão submetidos. Nesse sentido, ao estudar o desenvolvimento humano, o aluno se depara com explicações para fatos vivenciados em sua própria história, dificultando o distanciamento necessário para a compreensão da teoria. Dessa impossibilidade de distanciamento e “familiaridade” com os fatos, muitas vezes, pode decorrer uma compreensão equivocada. Portanto, para este estudo é importante manter uma postura investigativa, atenta e dialógica. Dessa forma, esta disciplina tem por objetivo estudar os principais processos de desenvolvimento humano do período pré-natal até a morte, ou seja, possibilitar ao futuro profissional a compreensão dos fenômenos e processos psicológicos básicos envolvidos no desenvolvimento humano, enfatizando sua continuidade durante o ciclo evolutivo e os inter-relacionamentos nas esferas física, cognitiva e psicossocial. Esperamos que você, ao final do curso, seja capaz de identificar e explicar os processos de mudanças sociais, cognitivas, emocionais, físicas, perceptuais, de linguagem e moral ocorridos na infância, adolescência, vida adulta e velhice, bem como de reconhecer as possibilidades de aplicação de todo esse conhecimento em sua prática profissional. Convidamos você a partilhar desse desafio: pensar, ao longo do curso, de que maneira a disciplina Psicologia do Desenvolvimento: Ciclo Vital poderá contribuir para a construção de estratégias que possibilitem intervenções que beneficiem o desenvolvimento dos sujeitos que serão atendidos por você. Sendo assim, coube a nós o desafio de pensar em como desenvolver de forma interessante e instigante esta disciplina para alunos em formação que irão passar por experiências profissionais, nas quais seguramente se depararão, direta ou indiretamente, com as questões do desenvolvimento humano. Por isso, para auxiliá-lo nesse processo de construção de conhecimento, elaboramos este material com textos distribuídos em três unidades, sendo que em cada uma delas há tópicos organizados de 8 forma a favorecer o desenvolvimento do conteúdo e a ajudá-lo a se localizar nas aulas e nas leituras que realizará. Ao longo dos textos, você encontrará alguns destaques como: Saiba mais, Lembrete, Observação, com dicas e informações que complementarão seus estudos. Você encontrará também algumas situações-problema para reflexão; há ainda, ao final de cada unidade, um resumo dos assuntos tratados. Além disso, procuramos ilustrar com imagens, pois acreditamos que auxiliam na aprendizagem e compreensão dos conteúdos estudados. Por fim, para realizar o estudo proposto, você deve organizar o seu tempo para ler atentamente os textos, resolver as situações-problema que são propostas e buscar informações complementares. Parabéns por toda trajetória já alcançada até aqui e bom estudo! IntRoDução Exemplo de aplicação Antes de iniciar o estudo, sugerimos que selecione uma foto de quando você tinha aproximadamente dez anos de idade e uma recente. Observe-as e tente fazer uma reflexão listando no que você mudou e o que foi mantido. Como você entende essas mudanças e continuidades? Pense agora em suas experiências pessoais e profissionais. Você consegue identificar as mudanças ao longo do desenvolvimento dos indivíduos com os quais se relacionou? Como as entende? Suzana é solteira, tem 33 anos e já está formada em sociologia. Sua idade é um detalhe cronológico que pode levar algumas pessoas a pensarem se ela vai se casar e se estabelecer. Mas, para a psicologia do desenvolvimento, é mais interessante compreender seu passado do que pensar em seu futuro. Como a maioria das pessoas, Suzana tem uma família que cuida dela desde que nasceu, passou por escolas e professores, teve uma vida social em sua comunidade. Enfim, é relevante conhecer e compreender seus primeiros anos de vida, sua infância, a adolescência e seu ingresso na fase adulta. Com isso estamos em busca de respostas para as seguintes questões: • Quais foram os padrões de desenvolvimento que nortearam o ciclo vital de Suzana? • Quais os principais fatores que influenciaram o seu desenvolvimento? O que é psicologia do desenvolvimento? A psicologia do desenvolvimento é um ramo da psicologia que se preocupa em responder como epor que as capacidades dos indivíduos vão se diferenciando ao longo da vida. Focaliza seus estudos nas mudanças e nas consistências (continuidades), na universalidade e na individualidade. Busca um entendimento sistemático da sequência de mudanças físicas, cognitivas, psicossociais e seus desdobramentos ao longo do ciclo vital. 9 Partindo do exposto, podemos afirmar de forma sucinta que o estudo científico do desenvolvimento humano “é a área de conhecimento da psicologia que busca compreender como e por que as pessoas se modificam, e como e por que elas permanecem as mesmas nos vários momentos de sua vida, à medida que envelhecem” (BERGER, 2001, p. 3). O que é ciclo vital? Estudar o ciclo vital significa admitir que o desenvolvimento humano ocorre durante a vida inteira e cada período é influenciado pelo que aconteceu antes e irá afetar o que virá depois. Sugere também que cada fase tem sua importância, características e valores especiais. Nesta disciplina, o desenvolvimento humano está dividido em fases, as quais se encontram especificadas ao longo deste material. Cabe destacar que tais fases são recorrentes nas bibliografias dessa área do conhecimento e entende-se que cada um dos períodos tem acontecimentos e tarefas desenvolvimentais características, embora seja importante lembrar que se trata de uma divisão didática e que, por vezes, a análise do desenvolvimento de um determinado indivíduo não corresponde exatamente à descrição do período. Além dessa organização pela cronologia, serão destacados em cada unidade de estudo, os vários aspectos do desenvolvimento, a saber, físico-motor, cognitivo e psicossocial. No entanto, é importante que fique claro que o desenvolvimento de cada um desses aspectos afeta os demais, ou seja, estão imbricados. Cabe ressaltar também que, embora o desenvolvimento seja inerente à própria condição humana, a delimitação dessa área para estudo é inter-relacionada com fatores sociais e históricos. Até o século XVII, as crianças não eram vistas como qualitativamente diferentes dos adultos, eram consideradas “adultos em miniaturas”, menores, mais fracas e menos inteligentes (ARIÈS, 1978); a adolescência não era compreendida até o início do século XX como um estágio do desenvolvimento com características próprias, diferentes dos outros períodos. A figura a seguir apresenta um quadro com a pintura de crianças e adolescentes com vestimentas de adultos, confirmando a ausência da noção de desenvolvimento mencionada. Figura 1 – The Bavia Children 10 Unidade I Re vi sã o: L ea nd ro /T at ia ne - D ia gr am aç ão : F ab io - 2 2/ 09 /1 1 - 2ª R ev isã o: T at ia ne - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 2 9/ 09 /1 1 Portanto, uma série de fatores sociais, econômicos, culturais possibilita a construção de uma determinada forma de se descrever e compreender a realidade. Assim, deve-se sempre lembrar que uma ciência não é um dogma, por isso precisa ser lida criticamente. A psicologia de um modo geral e, aqui no caso, a psicologia do desenvolvimento congregam uma série de teorias e diferentes compreensões sobre os fenômenos desenvolvimentais, muitas vezes, contraditórios entre si e sem um consenso, isso ocorre porque a psicologia está em desenvolvimento. A proposta da disciplina não é discutir ou explanar as diferentes teorias em suas complexidades, mas sim caracterizar as principais fases do desenvolvimento ao longo do ciclo vital, articulando-as com o contexto sócio-histórico e cultural em que se inserem. Muitas teorias serão apresentadas com brevidade, outras serão privilegiadas em detrimento das demais. Cumpre destacar que esse recorte tem a finalidade de viabilizar o estudo inicial da disciplina, mas não esgota o assunto, tampouco representa a única versão possível. Por fim, Psicologia do Desenvolvimento: Ciclo Vital é uma disciplina que frequentemente suscita nos alunos duas reações contraditórias: encantamento ou desencantamento. A primeira justifica-se na medida em que se apresenta o estudo dos processos pelos quais os seres humanos se desenvolvem ao longo do tempo, ou seja, descreve fenômenos desenvolvimentais que são muito familiares e pelos quais em algum momento o leitor se sentirá representado: expõe uma compreensão científica da vida cotidiana. Por exemplo, no período da adolescência, quem não se fez a seguinte pergunta: Quem sou eu? Ou, ainda, nessa mesma fase, quem não apresentou um comportamento de “confrontação ou questionamento” em relação aos pais ou a uma figura de autoridade? A psicologia do desenvolvimento busca compreender qual é a origem desse padrão de desenvolvimento, o porquê dessas questões aparecerem nesse período da vida. A aplicabilidade da teoria incide sobre seres reais, como você, seus colegas, familiares e outros, e exatamente daí decorre a segunda reação. O desencantamento associa-se à dificuldade em estabelecer a diferença entre o pensamento e o conhecimento, que é fruto do senso comum e o conhecimento científico. Por ser uma disciplina que se aproxima muito das vivências pessoais, muitas vezes, tem-se a impressão de que é muito fácil, não é preciso estudar, basta partir do que já se sabe etc. Essas ideias são completamente equivocadas, muitos alunos ficam muito frustrados quando percebem que achavam que sabiam muito e constatam que seu conhecimento não tem uma fundamentação teórica e, portanto, é insuficiente para quem se propõe a estudar psicologia do desenvolvimento. É preciso se familiarizar com a linguagem científica e com a terminologia técnica, as dúvidas relativas a significados precisam ser sanadas com a consulta a dicionários ou vocabulários específicos, do contrário a leitura torna-se inviável. Outra dificuldade reside em compreender a múltipla influência e interdependência do processo desenvolvimental em seu contexto. Assim, a reflexão e a dúvida investigativa devem permear o seu estudo. 11 Psicologia do desenvolvimento: ciclo vital Re vi sã o: L ea nd ro /T at ia ne - D ia gr am aç ão : F ab io - 2 2/ 09 /1 1 - 2ª R ev isã o: T at ia ne - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 2 9/ 09 /1 1 Unidade I Nesta primeira Unidade, vamos estudar o início do ciclo vital, desde a concepção, gestação e o momento do nascimento com o parto até o desenvolvimento vital da criança nos dois primeiros anos de vida. Estudaremos também a segunda e a terceira infância, ou seja, as características de desenvolvimento vital da criança de 2 a 11 anos, período que marca a passagem da infância para a adolescência. 1 InFLuÊnCIAS Do PERÍoDo PRÉ E PERInAtAL no DESEnVoLVIMEnto A fecundação ocorre no momento em que um espermatozoide de um homem penetra em um óvulo de uma mulher para formar um único ovo ou zigoto e, então, inicia-se o processo de reprodução celular. As mudanças que ocorrem da fertilização ao nascimento constituem o desenvolvimento pré-natal. O desenvolvimento pré-natal leva em média 38 semanas e é dividido em três estágios: o período germinativo ou zigótico, período embrionário e período fetal. 1.1 Estágios do desenvolvimento pré-natal Quadro 1 Períodos do desenvolvimento pré-natal Período germinativo ou zigótico Concepção até a segunda semana Período embrionário Terceira à oitava semana Período fetal Oitava semana até o nascimento O estágio ou período germinativo ou zigótico Ocorre da fecundação até aproximadamente a segunda semana. A fertilização ocorre nas trompas uterinas. Figura 2 – Fecundação 12 Unidade I Re vi sã o: L ea nd ro /T at ia ne - D ia gr am aç ão : F ab io - 2 2/ 09 /1 1 - 2ª Rev isã o: T at ia ne - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 2 9/ 09 /1 1 Após a fecundação, o zigoto cresce rapidamente por meio da divisão celular. O zigoto divide-se em duas células, em seguida estas se convertem em quatro, depois em oito e assim sucessivamente. Às vezes o zigoto se separa em dois blocos, que originam dois gêmeos idênticos. Os gêmeos fraternos são criados quando dois óvulos são liberados e cada um é fertilizado por um espermatozoide diferente. Ao mesmo tempo em que se divide e cresce, o zigoto desce pela trompa rumo ao útero. Antes de completar uma semana, o zigoto chega ao útero. Ele penetra na parede uterina e estabelece conexões com os vasos sanguíneos da mãe, esse processo é chamado de implantação. Como resultado da reprodução celular, forma-se uma esfera oca (blastocisto), cujas células internas logo darão origem ao embrião, enquanto as externas formarão as estruturas que sustentam, nutrem e protegem o bebê. Lembrete Você seria capaz de explicar por que é o espermatozoide que determina o sexo de um bebê? O estágio ou período embrionário Ocorre da terceira à oitava semana aproximadamente. Esse estágio começa quando a implantação está completa; nesse momento, o zigoto passa a ser chamado de embrião. No estágio embrionário, as várias estruturas de sustentação são formadas e todos os principais sistemas de órgãos são definidos pelo menos de forma rudimentar. A capa externa do blastocisto transforma-se em uma membrana protetora que, com os tecidos uterinos, formará a placenta, cuja função é permitir a passagem de substâncias nutritivas, agir como órgão de excreção, produzir a oxigenação fetal e, além disso, agir como uma glândula de secreção interna produtora de hormônios. O cordão umbilical, que se forma nesse período, faz a comunicação entre o embrião e a placenta. Forma-se também o saco amniótico, que envolve e protege o embrião (GRIFFA; MORENO, 2001). O crescimento do embrião segue dois princípios que persistem ao longo do desenvolvimento físico após o nascimento: vai da cabeça para baixo, que se denomina céfalo-caudal, e do tronco para as extremidades, próximo-distal. Nesse período, desenvolvem-se órgãos e os principais sistemas corporais: respiratório, alimentar, nervoso. Esse é considerado um período crítico, quer dizer, é um período de alta vulnerabilidade às influências do ambiente pré-natal. Quase todos os defeitos congênitos de desenvolvimento ocorrem durante o primeiro trimestre de gravidez. Segundo Papalia, Olds e Feldman (2006), três em cada quatro abortos espontâneos ocorrem no primeiro trimestre. Período crítico é um período de tempo durante o desenvolvimento em que o organismo é especialmente responsivo a um evento específico. A mesma estimulação em outros momentos do desenvolvimento tem pouco ou nenhum efeito. 13 Psicologia do desenvolvimento: ciclo vital Re vi sã o: L ea nd ro /T at ia ne - D ia gr am aç ão : F ab io - 2 2/ 09 /1 1 - 2ª R ev isã o: T at ia ne - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 2 9/ 09 /1 1 Período sensível é semelhante ao período crítico, só que mais amplo. É um período ideal para que ocorram alguns desenvolvimentos, porque os eventos ambientais são mais eficazes para estimular seu desenvolvimento naquele período. O estágio ou período fetal Ocorre por volta da oitava semana da gestação até o nascimento. Os órgãos formados no período anterior agora se diferenciam e se desenvolvem em termos anatômicos e funcionais, pode-se dizer que nessa fase há “os toques de acabamento”, ou seja, é um momento de crescimento e refinamento de todos os sistemas. Há o aparecimento das primeiras células ósseas e um crescimento muito rápido, de tal forma que se torna possível perceber os movimentos fetais. De acordo com a descrição anterior, pode-se perceber que o desenvolvimento pré-natal apresenta certa regularidade e previsibilidade, uma vez que as mudanças aparentemente seguem uma ordem fixa com intervalos fixos de tempo. No entanto, cumpre ressaltar que essa sequência não é imune às modificações ou influências externas. Fatores gerais de risco podem ter efeitos sobre o desenvolvimento pré-natal, tais como: a nutrição, a idade, o estresse e a atividade física da mãe. 1.2 Influência materna no desenvolvimento pré-natal Vejamos esses fatores gerais de risco que podem ter efeitos sobre o desenvolvimento pré-natal: A nutrição da mãe A mãe é a única fonte de nutrição da criança em desenvolvimento, por isso uma dieta balanceada é fundamental. Quando uma mulher grávida não tem uma nutrição adequada, é provável que o bebê nasça prematuramente e abaixo do peso. A nutrição inadequada durante os últimos meses gestacionais pode afetar, sobretudo, o sistema nervoso, porque esse é um momento de crescimento muito rápido do cérebro. Figura 3 – Mulher grávida com alimentação saudável 14 Unidade I Re vi sã o: L ea nd ro /T at ia ne - D ia gr am aç ão : F ab io - 2 2/ 09 /1 1 - 2ª R ev isã o: T at ia ne - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 2 9/ 09 /1 1 A idade da mãe Tradicionalmente, a maternidade tardia (mães mais velhas, acima de 35 anos) ou muito cedo (mães adolescentes) tem sido apontada pela literatura (BEE, 1996; PAPALIA; OLDS; FELDMAN, 2006; KAIL, 2004) como um fator de risco para o desenvolvimento pré-natal. Entretanto, já é consenso que os riscos são grandemente reduzidos se a mãe goza de boa saúde e recebe cuidado pré-natal adequado. Os riscos associados às mães mais velhas incluem a possibilidade de apresentar pressão arterial alta, sangramentos, maior probabilidade de aborto, parto prematuro, crescimento fetal retardado, natimortos e anomalias cromossômicas como a síndrome de Down. Em relação aos últimos riscos mencionados, há comprovadamente uma maior prevalência (BEE, 1996; PAPALIA; OLDS; FELDMAN, 2006; KAIL, 2004). Já as mães adolescentes associavam-se ao risco de terem bebês prematuros e/ou com baixo peso ao nascimento; entretanto, há controvérsias nas pesquisas (BEE, 1996; KAIL, 2004). Estresse psicológico da mãe Embora as evidências ainda sejam insuficientes (por questões éticas, só há estudos correlacionais – seria antiético submeter uma mulher grávida às condições de extremo estresse para a realização de um estudo), vários estudos têm encontrado uma associação entre estresse psicológico – prolongado e extremo – e complicações da gravidez. Os achados mais frequentes revelam que o estresse durante a gravidez está associado a parto prematuro e a baixo peso ao nascer (HEDEGAARD; HENRIKSEN; SABROES apud COLE; COLE 2003; COOPER et al. apud KAIL, 2004; PAARLBERG et al. apud KAIL, 2004). Figura 4 – Saúde na gravidez 15 Psicologia do desenvolvimento: ciclo vital Re vi sã o: L ea nd ro /T at ia ne - D ia gr am aç ão : F ab io - 2 2/ 09 /1 1 - 2ª R ev isã o: T at ia ne - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 2 9/ 09 /1 1 Atividade física A atividade física é recomendada para a grávida desde que os exercícios sejam moderados e regulares. Evidentemente, devem-se considerar a condição física da mulher e também o condicionamento físico anterior à gestação. O trabalho, desde que dentro das condições de salubridade, não representa um risco especial no período gestacional (BEE, 1996; PAPALIA; OLDS; FELDMAN, 2006). Fatores teratogênicos: doenças, drogas e riscos ambientais. Fatores teratogênicos são agentes ambientais que podem causar desvios no desenvolvimento e que podem conduzir a anormalidades, defeitos congênitos ou morte.Os efeitos dos fatores teratogênicos, sob o desenvolvimento pré-natal, dependem do período crítico, da intensidade da exposição, da interação com outros fatores, hereditariedade e vulnerabilidade. O período de maior risco para os fatores teratogênicos são as doze primeiras semanas gestacionais, porque nessa fase a maioria dos sistemas orgânicos se desenvolve rapidamente; assim, a ação de um fator teratogênico provavelmente produz uma deformidade estrutural maior naquela parte específica do corpo. Os fatores teratogênicos dividem-se em três categorias: doenças, drogas e riscos ambientais. Doenças Algumas doenças contraídas pela mãe, em um determinado momento gestacional, podem afetar o desenvolvimento pré-natal principalmente por meio de três mecanismos: algumas doenças, principalmente os vírus, podem atacar a placenta; outras têm moléculas suficientemente pequenas que atravessam os filtros placentários; e, ainda, há outras em que a ação sobre o bebê ocorre durante o nascimento, na passagem pelo canal vaginal. Entre as doenças de maior risco para o desenvolvimento pré-natal podem-se destacar: a rubéola, a AIDS (Síndrome da Imunodeficiência Adquirida), o CMV (citomegalovírus), o herpes genital e a sífilis. Dependendo do timing da interferência, a doença poderá ou não trazer consequências para o desenvolvimento do embrião ou feto. Por exemplo, se uma mãe contrair rubéola no primeiro trimestre gestacional, provavelmente (50% de probabilidade) a criança apresentará retardo mental, danos nos olhos, ouvidos ou coração. O mesmo, provavelmente (8% de probabilidade), não acontecerá se ela estiver no terceiro trimestre, uma vez que essas estruturas já estão formadas (GERRIG; ZIMBARDO, 2005). A AIDS e as doenças associadas ao vírus HIV têm como consequência potencial: infecções frequentes, problemas neurológicos e morte. O citomegalovírus tem como consequências surdez, cegueira, cabeça anormalmente pequena e retardo mental. O herpes genital pode ocasionar encefalite, baço dilatado, coagulação inadequada do sangue. E a sífilis pode causar danos ao sistema nervoso central, nos dentes e ossos (BEE, 1996; PAPALIA; OLDS; FELDMAN, 2006; KAIL, 2004; GERRIG; ZIMBARDO, 2005). 16 Unidade I Re vi sã o: L ea nd ro /T at ia ne - D ia gr am aç ão : F ab io - 2 2/ 09 /1 1 - 2ª R ev isã o: T at ia ne - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 2 9/ 09 /1 1 Lembrete Durante a gestação pode ocorrer aborto espontâneo, que consiste na expulsão natural do embrião ou feto, que não consegue sobreviver fora do útero. Isso acontece, por volta do primeiro trimestre, em função de uma gestação anormal por defeitos graves nos embriões. Drogas O uso por parte da gestante de drogas lícitas e/ou ilícitas podem trazer prejuízos para o desenvolvimento pré-natal. Entre as lícitas, destaca-se o uso de medicamentos, álcool, nicotina, cafeína. Como já foi dito, os riscos estarão associados ao período crítico ou sensível, à quantidade e à frequência do uso da substância e da interação com outros fatores. Nenhuma medicação deve ser prescrita para a mulher gestante, a menos que seja essencial e orientada pelo médico. Os efeitos do uso desse tipo de droga, muitas vezes, são sutis e visíveis apenas muitos anos após o nascimento na forma de dificuldade de aprendizagem ou problemas de comportamento (PAPALIA; OLDS; FELDMAN, 2006). observação A ingestão de álcool deve ser evitada durante o período gestacional, o uso abusivo pode desencadear no bebê a Síndrome Fetal Alcoólica (SFA), cujas características são: deficiências cognitivas, danos no coração, crescimento retardado, rostos deformados. As consequências do uso de nicotina são um crescimento retardado, possíveis danos cognitivos, baixo peso ao nascimento (inferior a dois quilos e meio), baixo rendimento escolar e baixo nível de atenção, hiperatividade. Segundo Papalia, Olds e Feldman (2006), existe a correlação entre a exposição pré-natal à nicotina e a síndrome da morte súbita na infância. O uso de cafeína está associado à quase o dobro do risco de aborto, de acordo com Papalia, Olds e Feldman (2006). Entre as drogas ilícitas, podem-se citar: a maconha, a cocaína e a heroína. Quanto ao uso da maconha, não foi definitivamente comprovado que o uso durante a gravidez cause deficiências neonatais, mas está associado a baixo peso ao nascimento (LEE; WOODS, 1998 apud COLE; COLE, 2003). De acordo com a literatura (BEE, 1996; PAPALIA; OLDS; FELDMAN, 2006; COLE; COLE, 2003; KAIL, 2004; GERRIG; ZIMBARDO, 2005), a cocaína e a heroína podem causar danos em praticamente qualquer momento durante a gravidez. Em relação à primeira, há um maior risco de aborto, 17 Psicologia do desenvolvimento: ciclo vital Re vi sã o: L ea nd ro /T at ia ne - D ia gr am aç ão : F ab io - 2 2/ 09 /1 1 - 2ª R ev isã o: T at ia ne - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 2 9/ 09 /1 1 prematuridade, baixo peso ao nascimento, problemas neurológicos, crescimento retardado, irritabilidade nos recém-nascidos, ser menos responsivos a alertas emocional e cognitivamente. Já com relação ao uso da segunda, os bebês nascem dependentes da droga e podem manifestar síndrome de abstinência. Esse bebê tem maior probabilidade de óbito após o nascimento ou de nascer prematuro, com baixo peso, vulnerável a doenças respiratórias, apresentar problemas de ajustamento social e aprendizado. Evidentemente, é importante lembrar que os fatores teratogênicos não agem isoladamente, mas sim em um contexto, que pode contar com outros tantos fatores de risco interagindo. Por exemplo, a gestante que é usuária de cocaína, também pode ser alcoolista, tabagista, estar em uma situação de estresse etc. Riscos ambientais Os riscos ambientais estão associados à exposição a substâncias tóxicas, como chumbo, mercúrio, radiação e poluição de um modo geral. Esses agentes podem ser danosos ao desenvolvimento pré- natal trazendo como consequências, por exemplo, mutações genéticas. Na década de 1970, a cidade de Cubatão (polo industrial), identificada como a cidade mais poluída do mundo, tinha um índice altíssimo de crianças nascidas com defeitos congênitos, inclusive acefalia, devido aos agentes poluentes (HISTÓRIAS E LENDAS DE CUBATãO..., 2011). Figura 5 – Mulher grávida De acordo com o que foi discutido até aqui sobre os efeitos dos fatores teratogênicos, pode-se afirmar: a suscetibilidade do organismo depende do momento de desenvolvimento (período crítico ou sensível); cada agente teratogênico atua de maneira específica e, por isso, causa um padrão particular 18 Unidade I Re vi sã o: L ea nd ro /T at ia ne - D ia gr am aç ão : F ab io - 2 2/ 09 /1 1 - 2ª R ev isã o: T at ia ne - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 2 9/ 09 /1 1 de desenvolvimento anormal (por exemplo, os compostos de mercúrio causam paralisia cerebral e não outro tipo de anormalidade); os organismos individuais variam na sua suscetibilidade aos teratogênicos (vulnerabilidade genética); a suscetibilidade aos agentes depende da interação com outros fatores (a idade da mãe, nutrição, condição uterina entre outros afetam a ação dos teratogênicos sobre o embrião ou feto); quanto maior a concentração de um agente teratogênico, maior o risco (o uso de álcool é um exemplo); os teratogênicos que afetam adversamente o organismo em desenvolvimento podem afetar pouco ou nada a mãe (a rubéola, por exemplo, têm efeitos temporários na mãe e pode trazer sequelas graves para o bebê). Exemplo de aplicação Propomos agora para vocêo seguinte caso para que faça uma análise: Em 2008 o jornal A Folha de São Paulo publicou a seguinte reportagem: A exposição ao laquê durante a gravidez pode aumentar o risco de má- formação no sistema genital-urinário dos bebês, afirma estudo do Imperial College, de Londres, publicado pela revista Environmental Health Perspectives. Os autores do estudo afirmam que as mulheres que são expostas aos compostos químicos presentes no laquê correm maior risco de ter filhos com hipospádia, uma anomalia congênita que evita que o pênis se desenvolva corretamente. As crianças que sofrem desta má-formação costumam apresentar o meato urinário (orifício da uretra) em algum lugar da parte inferior da glande, no tronco ou na área de união entre o escroto e o pênis. Os pesquisadores esclarecem que o perigo não está no uso doméstico do laquê, mas no caso das mulheres grávidas que estão expostas a maiores doses por razões de trabalho, como no caso das cabeleireiras e funcionárias de centros de beleza. O estudo examinou o caso de 471 mulheres que tinham tido filhos com hipospádia e de um número similar de mulheres com bebês sem má-formação e chegou à conclusão de que a exposição ao produto nas mulheres do primeiro grupo tinha dobrado os casos em relação ao do segundo (FSP, 2008). Fabrício tem hipospádia, uma anomalia congênita que evita que o pênis se desenvolva corretamente. Sua mãe está muitíssimo preocupada, principalmente porque é cabeleireira há quinze anos e ouviu falar que a exposição ao laquê pode contribuir muito para esse tipo de anomalia. Como você analisa essa situação? A influência de um fator teratogênico na gestação produziu uma alteração na morfologia ou fisiologia normal do feto. No entanto, embora seja uma situação profissional específica em que as pessoas estão mais diretamente expostas a agentes químicos, é prematuro explicá-la por meio de uma única circunstância. 19 Psicologia do desenvolvimento: ciclo vital Re vi sã o: L ea nd ro /T at ia ne - D ia gr am aç ão : F ab io - 2 2/ 09 /1 1 - 2ª R ev isã o: T at ia ne - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 2 9/ 09 /1 1 1.3 Influência paterna no desenvolvimento pré-natal Segundo Papalia, Olds e Feldman (2006), diferentemente do que se acreditava até então, o pai pode transmitir defeitos ambientalmente produzidos. O homem exposto ao chumbo, maconha, fumaça de cigarro, grandes quantidades de álcool, radiação, hormônio sintético dietilestilbestrol e certos pesticidas pode produzir espermatozoides anormais; assim como os pais que possuem uma dieta pobre em vitamina C têm uma maior probabilidade de terem filhos com defeitos congênitos e vulneráveis a desenvolver certos tipos de câncer. Filhos de pais fumantes podem apresentar baixo peso ao nascimento e têm duas vezes mais chances de contrair câncer quando adultos. O uso de cocaína pode predispor a defeitos congênitos. Além de haver correlação entre a idade avançada do pai (acima de 40 anos) e a manifestação de doenças raras como a síndrome de Marfan (deformidade da cabeça e dos membros), nanismo e malformação óssea, entende-se que tais anomalias ocorrem porque as células masculinas, mais do que as femininas, sofrem mutações, e estas aumentam com a idade paterna avançada. Exemplo de aplicação Selma casou-se com Germano, e há quinze anos esperam pela vinda de um filho. Após inúmeras tentativas de engravidar, Selma finalmente conseguiu, e, após sete meses de gestação, ela concebeu um menino que, além de nascer pré-termo, apresenta a síndrome de Marfim. Considerando o caso de Germano e Selma apresentados anteriormente, faça uma ampla pesquisa nos meios eletrônicos, livros e revistas especializadas sobre os fatores de influência paterna, ou seja, o pai transmitindo defeitos ambientalmente produzidos. 1.4 Aspectos psicológicos do período pré-natal Resiliência é um conceito originário da física que significa a propriedade pela qual a energia armazenada em um corpo deformado é devolvida quando cessa a tensão causadora de uma formação elástica, é a resistência ao choque (é o fenômeno que garante que as pontes não se quebrem com o uso, por exemplo). Na psicologia, define-se resiliência como a capacidade de pessoas, grupos ou comunidades minimizarem ou superarem os efeitos nocivos das situações difíceis e das adversidades. No decorrer do ciclo vital, da concepção à morte, torna-se claro que as pessoas sempre podem se recuperar de situações adversas. Um ambiente favorável pode ajudar uma criança a superar efeitos de privações ou traumas precoces. Algumas ocorrências no desenvolvimento pré-natal podem produzir incapacidades ou deformidades permanentes, mas muitos transtornos associados a problemas pré-natais podem ser superados se a criança é criada em um ambiente apoiador e estimulador; assim como boa parte dos riscos pré-natais pode ser minorada com cuidados pré-natais adequados. 20 Unidade I Re vi sã o: L ea nd ro /T at ia ne - D ia gr am aç ão : F ab io - 2 2/ 09 /1 1 - 2ª R ev isã o: T at ia ne - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 2 9/ 09 /1 1 observação Agora que você já leu um pouco sobre o conceito de resiliência, como percebe a sua capacidade de resiliência? Pense em suas experiências com outras pessoas. Você percebe a resiliência dos indivíduos com os quais trabalha? O período gestacional é um período de transformações biopsicossociais; o corpo se transforma rapidamente, há uma mudança na identidade, nos papéis e no status social. Assim, é um período de intensos sentimentos e emoções, muitas vezes contraditórios e geradores de ansiedade. Mesmo em uma gravidez desejada e esperada, a mãe frequentemente tem sentimentos ambivalentes de aceitação e rejeição da criança, expressos em preocupações com a saúde do bebê (fantasias de anomalias no bebê), no medo do desenvolvimento dessa nova situação e também do parto, além de ansiedade pela responsabilidade de cuidar do bebê. Nessa fase, são comuns o retraimento emocional ou a regressão a um papel de maior dependência na família. Há a revivência da relação com a própria mãe e o desejo de ser a mãe perfeita, reparando o histórico relacional. É necessário um ajuste na relação com o cônjuge (quando a gestação ocorre dentro de um casamento ou relação estável), pois será preciso incluir mais um na relação e desenvolver o papel parental sem prejuízo do conjugal. Muitos conflitos conjugais decorrem dessa dificuldade. Aliás, os índices de episódios de violência conjugal envolvendo mulheres grávidas são alarmantes. Ajustes também são necessários na família extensa para aceitar o novo membro, há o realinhamento na estrutura familiar e a negociações frente às novas funções, como a de tios, avós etc. À medida que a gravidez avança, a presença corporal e psicológica do bebê se faz cada vez mais presente, “os primeiros movimentos fetais são um marco” que denotam inclusive a existência de um ser separado, “a barriga torna-se autônoma, mexe independentemente da vontade da mãe”. Inclusive, as pessoas começam a se relacionar com a barriga; exemplo disso, são cenas nas quais as pessoas que não são íntimas da mãe, sem nenhum constrangimento, acariciam a sua barriga. Segundo Brazelton e Cramer (1992) é o período do apego primordial no qual a mãe identifica-se com o feto. No terceiro trimestre gestacional, o ser está cada vez mais separado e real. A mãe e a família, de um modo geral, vão rotulando o bebê, personificando-o e tornando-o familiar. Por outro lado, o pai também passa por um processo semelhante ao da mãe, só que com a desvantagem de ter menos espaço para a expressão de seus sentimentos. A mãe grávida, no geral,tem toda a atenção e todos os privilégios, e o pai normalmente se depara com cobranças relativas a uma expectativa social e não pode falar de seus temores e ambivalências. Ao contrário, é esperado que ele dê todo apoio e suporte à grávida. Frente a essa torrente de emoções, alguns homens desenvolvem a síndrome de Couvade, manifestando sintomas da gravidez e do parto, como desejos, mal-estares gastrointestinais, ganho de peso (e barriga), entre outros. 21 Psicologia do desenvolvimento: ciclo vital Re vi sã o: L ea nd ro /T at ia ne - D ia gr am aç ão : F ab io - 2 2/ 09 /1 1 - 2ª R ev isã o: T at ia ne - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 2 9/ 09 /1 1 Assim como a mãe, o pai revive as experiências da infância e o desejo de ser o pai perfeito; depara-se com a sensação de ser completo e onipotente dirimindo quaisquer dúvidas em relação à sua potência/ fertilidade. Aparece a ideia de continuidade da linhagem familiar. No entanto, também são comuns sentimentos de exclusão, no qual o bebê é visto como um rival e, nesse caso, algumas relações conjugais são abaladas, podem surgir relações extraconjugais, o uso abusivo de álcool ou mesmo a diminuição da libido ou a impotência sexual. 1.5 nascimento e desenvolvimento do recém-nascido Finalmente, o nascimento ocorre no momento em que o feto é expulso ou extraído do útero. O nascimento é marcado pelo momento em que o feto é retirado do útero materno, tornando-se um bebê. Esse momento de expulsão denomina-se parto, que pode ocorrer de várias formas: parto normal, fórceps, induzido, cesariana, cócoras etc. observação A China vive um problema sério: meninos demais! Se você só pudesse ter um filho, iria preferir um menino ou uma menina? E se todos pensassem da mesma maneira, quais poderiam ser as consequências? O processo do parto pode ser facilitado ou dificultado por fatores anatômicos, fisiológicos e psicológicos. A forma de realização do parto influencia a saúde física e mental do neonato. A possibilidade de complicações no parto ou lesões no bebê pode aumentar dependendo de diversas circunstâncias, como anoxia perinatal (falta temporária de oxigênio), assepsia inadequada do local do parto, assistência médica inadequada. As drogas dadas à mãe para reduzir a dor podem ter efeitos negativos sobre o bebê, tais como: afetar a responsividade e os padrões alimentares do mesmo. Lembrete Um parto pré-termo ou nascimento prematuro ocorre quando o recém-nascido nasce com menos de 37 semanas de idade gestacional. A possibilidade de sobrevivência dos prematuros é 25% mais alta no caso de meninas. Como problemas e complicações no parto, cabem destacar a prematuridade (bebês nascidos antes da 37ª semana), o baixo peso ao nascer (bebês que pesam abaixo de 2500 gramas) e a anoxia (falta de oxigênio). Todos esses problemas podem trazer sequelas desenvolvimentais, no entanto, não se pode ignorar a capacidade de resiliência dos indivíduos, como já discutido. 22 Unidade I Re vi sã o: L ea nd ro /T at ia ne - D ia gr am aç ão : F ab io - 2 2/ 09 /1 1 - 2ª R ev isã o: T at ia ne - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 2 9/ 09 /1 1 Figura 6 – Momento do nascimento ou parto O nascimento representa uma grande revolução psicológica para os pais. É preciso criar um novo vínculo com o bebê e adquirir a capacidade de colocar-se no lugar dele a fim de conseguir interpretar as suas necessidades. Os pais precisam reorganizar-se internamente, rever sua autoimagem, sua posição e ligações familiares. O Teste do Pezinho (ou Teste de Guthrie) é um diagnóstico precoce realizado nos primeiros dias de vida do bebê com o objetivo de diagnosticar doenças congênitas relacionadas a infecções e distúrbios metabólicos, entre eles, oligofrenia difenilpiruvínica, hipotireoidismo e fenilcetonúria. O exame consiste em colher por meio de uma picada na sola do pé do recém-nascido, em um filtro de papel, amostras de sangue, que são enviadas para exames laboratoriais. Exemplo de aplicação A seguir propomos uma situação-problema para que você possa refletir sobre os assuntos tratados até aqui. Leia atentamente: A gravidez de Sofia, 43 anos, foi péssima: “Sentia dor em tudo quanto era canto, desânimo, depressão, ansiedade”. Quando soube que estava grávida, Sofia chorou. Depois resolveu fazer um aborto. Leo, 40 anos, o pai da criança, induziu-a a desistir por razões religiosas. Sofia relata que 23 Psicologia do desenvolvimento: ciclo vital Re vi sã o: L ea nd ro /T at ia ne - D ia gr am aç ão : F ab io - 2 2/ 09 /1 1 - 2ª R ev isã o: T at ia ne - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 2 9/ 09 /1 1 enjoou os nove meses e teve outros sintomas, como palpitações, maior sensibilidade a tudo e “fazia muito xixi”. Mas afirma que o pior foi a série de sustos que levou: o primeiro foi quando soube que poderia ter “incompatibilidade de Rh”, o segundo, quando contraiu rubéola, no sexto mês de gestação. Ela afirma ainda que durante a gravidez “ fumava e parei... ginástica não consegui continuar, sentia desânimo. Engordei trinta quilos, mas no começo, apesar do enjoo, não deixei de comer nada, comia mais doces e chocolates... continuei a beber e fumar maconha, eventualmente nos finais de semana” (excerto de entrevista fictício, elaborado com fins pedagógicos). A partir dessa situação-problema, responda as seguintes questões: • Em sua opinião, o filho de Sofia manifestará anemia falciforme, uma doença sanguínea, às vezes fatal, gerada por fatores teratogênicos? • O ganho de peso de Sofia foi o adequado? Quais são os riscos de uma gravidez aos 43 anos? Justifique sua resposta, fundamentando o seu ponto de vista com argumentos. É claro que você respondeu que o filho de Sofia não manifestará a anemia falciforme, uma vez que essa é uma doença por defeito congênito (portanto não é teratogênico), que tem como característica eritrócitos deformados e frágeis, que podem obstruir os vasos sanguíneos, privando o organismo de oxigênio. Os sintomas incluem dor intensa, paralisação do crescimento, infecções frequentes, ulcerações nas pernas, cálculos biliares, suscetibilidade a pneumonia e a derrame cerebral. O filho de Sofia não manifestará anemia falciforme, pois se trata de uma doença sanguínea às vezes fatal, gerada por fatores congênitos. Na situação anteriormente citada, há o relato de fatores teratogênicos que não são as causas da anemia falciforme. Sofia engordou acima do peso esperado na gestação, e isso pode ser problema tanto para ela como para o bebê. O esperado seria um ganho de peso entre 11 e 15 quilos, engordando menos no início da gravidez e mais no final. É importante que a gestante coma alimentos que supram as necessidades nutricionais, sendo esta uma das influências perinatais mais importantes. Nessa faixa etária, há um maior risco de aborto, hipertensão arterial, sangramento, morte durante a gravidez ou durante o parto; há maior probabilidade de anomalias cromossômicas e maior índice de mortalidade infantil. No entanto, hoje a gravidez nessa faixa etária é cada vez mais comum e é importante o acompanhamento médico no pré-natal. Muito bem! Você acertou ambas as questões. Com relação ao desenvolvimento do recém-nascido, apesar de entre os mamíferos o bebê humano ser o mais imaturo e incapaz de sobreviver sem os cuidados do adulto, ainda assim, é possível afirmar que é um bebê competente quanto à sua capacidade de perceber o mundo, de imitação e de comunicação. Eles são pré-programados para a sobrevivência, bem-preparados para responderaos adultos e influenciar seus ambientes sociais. 24 Unidade I Re vi sã o: L ea nd ro /T at ia ne - D ia gr am aç ão : F ab io - 2 2/ 09 /1 1 - 2ª R ev isã o: T at ia ne - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 2 9/ 09 /1 1 Lembrete O médico pediatra que cuida do recém-nascido é o neonatologista, esse cuidado se dá até o bebê completar 28 dias, porque depois disso o recém- nascido passa a ser denominado lactente. O recém-nascido possui uma série de habilidades, a saber: • reflexos; • habilidades sensoriais; • desenvolvimento físico-motor; • desenvolvimento cognitivo; • habilidades sociais. Os reflexos Os bebês nascem com uma série de reflexos, que podem ser definidos como respostas físicas automáticas desencadeadas involuntariamente por um estímulo específico. Destacam-se os reflexos adaptativos – reflexo de sugar e engolir, retraimento diante de um estímulo doloroso, abertura e fechamento da pupila do olho com as variações de luz, entre outros – e os reflexos primitivos, controlados pelas partes mais primitivas do cérebro, a medula e o mesencéfalo, dos quais se podem citar: • o reflexo de moro ou do susto (quando há um barulho alto ou o bebê é assustado, por exemplo, por meio da simulação de deixá-lo cair, ele estica os braços e arqueia as costas e depois junta os braços com se estivesse agarrando algo); • o reflexo de Babinski (quando a planta do pé do bebê é tocada, os dedos dos pés se abrem e depois se curvam); • o reflexo de agarrar (quando um dedo ou algum outro objeto é pressionado contra a palma da mão do bebê, seus dedos se fecham em torno dele); • o reflexo do passo (quando o bebê é segurado em posição ereta, realiza movimentos rítmicos com as pernas); • entre outros. Outros reflexos humanos iniciais são: • reflexo tônico-cervical (deita-se o bebê de costas, e ele vira a cabeça, o braço e a perna para o mesmo lado e flexiona os membros opostos); 25 Psicologia do desenvolvimento: ciclo vital Re vi sã o: L ea nd ro /T at ia ne - D ia gr am aç ão : F ab io - 2 2/ 09 /1 1 - 2ª R ev isã o: T at ia ne - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 2 9/ 09 /1 1 • reflexo de Babkin (acariciando as duas palmas das mãos do bebê ao mesmo tempo, ele abre a boca, fecha os olhos e inclina a cabeça para frente); • reflexo da sucção (toca-se a bochecha ou o lábio superior do bebê, ele vira a cabeça, abre a boca e inicia movimentos de sucção); • reflexo da marcha (se segura o bebê por baixo dos braços com pés nus tocando a superfície plana, e ele faz movimentos semelhantes aos do caminhar); • reflexo da natação (o bebê é colocado na água com o rosto voltado para baixo, e ele faz movimentos de natação coordenados). Os reflexos primitivos desaparecem no curso desenvolvimental à medida que são substituídos pelas funções cerebrais mais complexas. A presença dos reflexos no nascimento e o posterior desaparecimento são sinais básicos de desenvolvimento neurológico normal. Habilidades sensoriais No que diz respeito às habilidades sensoriais, o recém-nascido dispõe de todas as capacidades sensoriais básicas no nascimento, embora haja diferença nos níveis de desenvolvimento entre cada uma das habilidades (audição, visão, paladar, olfato e tato). Quadro 1 Capacidades sensoriais básicas do recém-nascido no nascimento Audição Visão Paladar Olfato Tato Audição Os bebês são capazes de ouvir mesmo antes do nascimento. Os recém-nascidos preferem ouvir a voz de sua mãe às de outras mulheres (DE CASPER; FIFER, 1980 apud COLE; COLE, 2003). Os bebês conseguem distinguir o som da voz humana de outros tipos de sons e parecem preferi- lo (WERKER; TEE, 1999 apud COLE; COLE, 2003). Desde o nascimento, os bebês reagem aos sons e podem localizar pelo menos a sua direção aproximada, mas a sua acuidade auditiva melhorará até a adolescência (WERNER; BOSS, 1993 apud COLE; COLE, 2003). Visão Os elementos anatômicos básicos do sistema visual estão presentes no nascimento, mas não ainda plenamente desenvolvidos. As lentes do olho e as células da retina apresentam-se imaturas e 26 Unidade I Re vi sã o: L ea nd ro /T at ia ne - D ia gr am aç ão : F ab io - 2 2/ 09 /1 1 - 2ª R ev isã o: T at ia ne - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 2 9/ 09 /1 1 os movimentos dos olhos são descoordenados; assim, a visão do bebê é indistinta, costuma-se dizer que ele é míope (MARTIN, 1998 apud COLE; COLE, 2003). Apesar de sua acuidade visual não ser boa, os bebês enxergam e discriminam várias cores (BEE, 1996). É interessante notar que os bebês podem focar muito bem a uma distância entre 20 e 25 centímetros (MARTIN, 1998 apud COLE; COLE, 2003), aproximadamente a distância entre os olhos deste e o rosto de quem o amamenta. Figura 7 – Mãe e bebê Paladar Os recém-nascidos têm o sentido do paladar bem desenvolvido ao nascimento. Respondem diferentemente aos quatro sabores básicos: doce, azedo, amargo e salgado; eles preferem os gostos doces (CROOK, 1987 in COLE; COLE, 2003). Olfato Os neonatos têm também o sentido do olfato bem desenvolvido. Segundo pesquisas (CERNOCH; PORTER, 1985 apud BEE, 1996), os bebês de uma semana de idade podem perceber a diferença entre o cheiro da mãe e de outras mulheres, embora esse dado seja confirmado apenas entre os bebês amamentados no seio da mãe. Tato Os recém-nascidos mostram que sentem toques e são sensíveis às mudanças na temperatura movimentando-se, como, por exemplo, afastando a parte tocada ou tornando-se mais ativo se há repentina queda na temperatura (FIELD, 1990 apud COLE; COLE, 2003). 27 Psicologia do desenvolvimento: ciclo vital Re vi sã o: L ea nd ro /T at ia ne - D ia gr am aç ão : F ab io - 2 2/ 09 /1 1 - 2ª R ev isã o: T at ia ne - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 2 9/ 09 /1 1 O desenvolvimento físico-motor do recém-nascido Quanto ao desenvolvimento físico-motor do recém-nascido, é importante salientar que recém- nascido não dispõe de muitas habilidades motoras, seu desenvolvimento atenderá ao princípio céfalo- caudal e próximo-distal. Sendo assim, quando nasce, ele não consegue segurar a cabeça ou coordenar o olhar. Um bebê a termo pesa cerca de 3000/3500 gramas e tem cerca de cinquenta centímetros. O corpo é desproporcional, pois a cabeça representa um quarto da altura total. O desenvolvimento motor diz respeito ao desenvolvimento do movimento, descreve as mudanças na capacidade do indivíduo de realizar atividades físicas, como sentar, andar, correr, saltar etc. Essas habilidades surgirão muito gradualmente ao longo do desenvolvimento. Figura 8 – Bebê recém-nascido O desenvolvimento cognitivo do recém-nascido O desenvolvimento cognitivo diz respeito à forma como os indivíduos conhecem, como adquirem conhecimento. A capacidade dos bebês de aprenderem a partir da experiência está presente desde os primeiros dias de vida. Basta se observar as primeiras mamadas em relação às subsequentes, em poucos dias os reflexos de sucção e deglutição – que a princípio são descoordenados e, no geral, tornam a situação de amamentação caótica – transformam-se em comportamentos qualitativamente diferentes, que se desenvolvem por meio da reorganização dos vários reflexos e, assim, o bebê ajusta-se à mãe. Algumas evidências indicam que os bebês pequenos podem exibir alguns tipos de imitação, tais como a protrusão da língua, a extensão do lábioe a abertura da boca (MOURA, 2004), mas parece improvável que a imitação seja um importante mecanismo da aprendizagem nos primeiros meses de vida. 28 Unidade I Re vi sã o: L ea nd ro /T at ia ne - D ia gr am aç ão : F ab io - 2 2/ 09 /1 1 - 2ª R ev isã o: T at ia ne - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 2 9/ 09 /1 1 Será discutido a seguir, no subtítulo, o desenvolvimento cognitivo da criança de 0 a 2 anos, a maneira pela qual os fatores biológicos e ambientais contribuem para a mudança desenvolvimental inicial. Habilidades sociais Os bebês recém-nascidos são extremamente hábeis em atrair e manter a atenção dos adultos. Eles nascem com capacidades que os predispõem à troca com seus cuidadores. Essas capacidades fazem parte de programas abertos, geneticamente determinados, mas sensíveis ao ambiente, que o preparam para adquirir informações por intermédio de trocas sociais precoces (MOURA, 2004). A capacidade de atrair a atenção dos adultos é ligada inclusive à sua própria aparência atraente e agradável, que desencadeiam respostas de cuidado parental. O choro também é altamente eficiente. Quem é imune a um rostinho de bebê ou ao seu choro? Saiba mais Leia o texto Evidências sobre características de bebês recém-nascidos: um convite a reflexões teóricas e analise a perspectiva do desenvolvimento humano na atualidade (MOURA; RIBAS apud MOURA, 2004). 2 A CRIAnçA DE 0 A 2 AnoS Algumas particularidades dos recém-nascidos foram discutidas no capítulo anterior, agora serão abordadas as características básicas do desenvolvimento da criança de zero a dois anos, destacando-se os processos centrais dessa fase do ciclo vital. 2.1 Desenvolvimento físico-motor da criança de 0 a 2 anos Geralmente, mais do que os homens, as mulheres costumam mudar os cabelos, o modo de se vestir, ganham ou perdem peso. No entanto, apesar de tais mudanças, é possível reconhecê-las após um período sem vê-las. Entretanto, se cuidássemos 24 horas por dia de um bebê durante o primeiro mês e só voltássemos a reencontrá-lo um ano depois, provavelmente não o reconheceríamos. Isso porque as mudanças que ocorrem nos primeiros anos são drásticas, ou seja, as forças do crescimento e do desenvolvimento, nesse período, são muito poderosas. O desenvolvimento é composto de uma série de fatores inter-relacionados com os demais aspectos desenvolvimentais: físicos, cognitivos e psicossociais. Considerando as habilidades de percepção, pode- se afirmar que se desenvolvem rapidamente nos primeiros dois anos de vida, permitindo à criança aprender e explorar o ambiente. 29 Psicologia do desenvolvimento: ciclo vital Re vi sã o: L ea nd ro /T at ia ne - D ia gr am aç ão : F ab io - 2 2/ 09 /1 1 - 2ª R ev isã o: T at ia ne - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 2 9/ 09 /1 1 Os bebês diferem na velocidade ou eficiência dos processos perceptivos, como, por exemplo, na habituação a estímulos repetidos. Essas variações estão correlacionadas a medidas posteriores de inteligência e da linguagem. Quanto às habilidades motoras, pode-se afirmar que são desenvolvidas em uma sequência, geralmente consideradas como geneticamente programada, evoluindo das simples para as complexas, de acordo com o princípio céfalo-caudal e próximo-distal. No entanto, pesquisas recentes indicam que se trata de um processo contínuo, dinâmico e multifatorial de interação entre o bebê e o ambiente. Resumidamente, o desenvolvimento motor ocorre da seguinte forma: • de reflexos simples para os mais deliberados (complexos); • da cabeça para os artelhos e do interior para o exterior; • contínua, dinâmica e multifatorial (interação bebê e o meio). O marco inicial do desenvolvimento motor é: 1º erguer a cabeça (por volta dos 4 meses); 2º engatinhar pelo chão (9/10 meses); 3º caminhar (12 meses). Ainda no que diz respeito às novas habilidades motoras, percebe-se que elas interferem, ou seja, acabam por determinar a forma pela qual a criança conhece e se relaciona com o mundo. Uma criança que engatinha ou anda, explora ativamente o seu ambiente, tentando conhecê-lo em detalhes, tenta pegar tudo o que está em seu campo visual, as tomadas são um alvo, os objetos sob uma mesa de centro de sala também, inclusive aqueles que são relíquias de família, tudo isso trará implicações, provocando alterações no relacionamento dos cuidadores com as crianças, como, por exemplo, as crianças passam a ouvir uma série de “nãos”. Esse exemplo cotidiano nos ajuda a dimensionar como os diferentes aspectos desenvolvimentais são inter-relacionados de forma imbricada. Nos primeiros 24 meses de vida, os avanços físico-motores são impressionantes. Imagine um bebê recém-nascido que não consegue nem mesmo suportar a própria cabeça e a criança de dois anos que é capaz de correr. Pense em quantas habilidades intermediárias são necessárias para esse salto desenvolvimental. O desenvolvimento físico é marcado por um processo maturacional que vai gradativamente fazendo com que a criança adquira novas possibilidades. Quando o sistema nervoso central, os músculos e os ossos estão suficientemente maduros e o ambiente oferece oportunidades adequadas, os bebês não param de surpreender os adultos com as novas habilidades. As habilidades motoras são desenvolvidas em uma sequência, a qual geralmente é considerada como geneticamente programada. As habilidades evoluem das simples para as complexas e de acordo com 30 Unidade I Re vi sã o: L ea nd ro /T at ia ne - D ia gr am aç ão : F ab io - 2 2/ 09 /1 1 - 2ª R ev isã o: T at ia ne - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 2 9/ 09 /1 1 o princípio céfalo-caudal e próximo-distal, como já mencionado anteriormente. No entanto, pesquisas recentes (THELEN, 1995 apud PAPALIA; OLDS; FELDMAN, 2006) indicam que se trata de um processo contínuo, dinâmico e multifatorial de interação entre o bebê e o ambiente. “A maturação sozinha não pode explicar adequadamente tais observações [...], o bebê e ambiente formam um sistema interligado, e o desenvolvimento tem causas interativas” (THELEN, 1995 apud PAPALIA; OLDS; FELDMAN, 2006, p. 117). Nas situações cotidianas, a interação ambiental pode ser facilmente evidenciada por meio de um “bate-papo” com mulheres, hoje, na faixa dos 60-70 anos. Elas certamente vão relatar que os bebês de hoje são muito mais espertos do que os de seu tempo e contarão que antes os bebês nasciam e ficavam na penumbra por pelo menos sete dias, demoravam a abrir os olhos; havia o costume de enfaixar todo o corpo dos bebês e, assim, eles demoravam mais para desenvolver os movimentos etc. Assim, pode-se afirmar que fatores ambientais, inclusive padrões culturais, podem afetar o ritmo de desenvolvimento motor. O desenvolvimento pode ser visto “enquanto uma série de adaptações imediatas às condições presentes, bem como enquanto um processo cumulativo no qual estágios sucessivos estão calcados sobre estágios anteriores” (KAPLAN; DOVE, 1987 in PAPALIA; OLDS, FELDMAN 2006). A seguir, serão descritas as principais conquistas motoras (GESELL, 2000) ao longo dos dois primeiros anos de vida: Figura 9 – Bebê em posição prona, deitado de bruços 31 Psicologia do desenvolvimento: ciclo vital Re vi sã o: L ea nd ro /T at ia ne - D ia gr am aç ão : F ab io - 2 2/ 09 /1 1 - 2ª R ev isã o: T at ia ne - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 2 9/ 09 /1 1 1 mês • Se removido o suporteda cabeça, esta penderá para um dos lados (ao sentar o bebê, a cabeça cairá para trás). • Quando em posição supina – deitado de costas –, o bebê dobrará os braços sobre o tórax. • Quando em posição prona – deitado de bruços –, ele elevará o tronco e virará a cabeça para “libertar” o nariz. • Quando em posição supina – deitado de costas –, se mostramos um objeto atraente, ele o seguirá até a linha média. • Quando a palma da mão for tocada, o bebê a fechará e segurará o objeto. 2 meses • Quando seguro verticalmente, o bebê sustentará a cabeça momentaneamente. • Quando em posição prona, o bebê levantará a cabeça de uma superfície plana e a sustentará por segundos (quando é puxado para a posição sentada, a cabeça pende bastante, mas não completamente). • Os olhos seguirão um objeto que se move horizontalmente, pelo menos até a linha média, com o foco melhorado. • Olha fixamente rostos próximos a ele. • Segura momentaneamente um chocalho, quando este for colocado em sua mão. • Presença da ação reflexa quando o agarra. 3 meses • Em posição sentada, o bebê ficará com a cabeça ereta, sem oscilar, por cinco segundos suas costas permanecem uniformemente arredondadas. • Em posição prona, aparece um movimento de alternação de pernas e braços, bastante elementar, quando é puxado para a posição sentada, a cabeça pende um pouco. • Em posição prona, levanta o tórax 5 cm da superfície. • Os olhos seguem continuamente uma argola pendurada em um barbante, à medida que esta se movimenta em círculos (180 graus de deslocamento). • Quando se coloca um objeto na mão do bebê, ele o segurará à frente dos olhos, tentará mordê-lo ou baterá nele, normalmente utilizando ambas as mãos. 4 meses • A cabeça se mantém firme quando a criança é segura na posição ereta. 32 Unidade I Re vi sã o: L ea nd ro /T at ia ne - D ia gr am aç ão : F ab io - 2 2/ 09 /1 1 - 2ª R ev isã o: T at ia ne - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 2 9/ 09 /1 1 • Quando na posição supina, virará para o lado. Os braços fazem movimentos de natação. • A posição sentada é a preferida (com apoio). A curvatura das costas limita-se à região lombar. • A criança começa a alcançar os objetos que vê (coordenação ocular-motora) e a levá-los à boca. • Olha e brinca com os dedos, uma mão segura a outra. 5 meses • Quando seguro em pé, consegue erguer momentaneamente um dos pés. • Apoiando-se nos dedos de alguém, quando deitado, é capaz de se puxar para a posição sentada, já não pende. • Quando em posição prona, ao levantar a cabeça, o maior peso está nos antebraços. • Quando balançamos um objeto à sua frente, ele o puxa em sua direção. • Consegue segurar um cubo, precariamente. 6 meses • Quando em posição prona, toda a parte superior do abdômen fica acima superfície (o bebê apoia- se nas mãos com os braços estendidos). • Ele tem controle da cabeça em todas as posições, deitando de costas, levanta a cabeça espontaneamente. • Quando em pé, seu peso maior repousa nos pés. • Quando em posição prona, empurra-se mais com as mãos do que com os pés, movimentando-se para trás. • Mantém a mão estendida em direção a um objeto, durante diversos segundos, tentando agarrá-lo e, se está ao seu alcance, agarra-o com facilidade. • É capaz de agarrar um cordão, com pressão palmar, passa objetos de uma mão para a outra. • Senta-se no chão com as mãos para frente para se apoiar. • Vira-se da posição de bruços para a de costas. 7 meses • Quando em posição prona, consegue levantar o tórax usando somente uma das mãos. • Quando seguro de pé, pula com prazer. • É capaz de ficar sentado no chão por alguns momentos sem se apoiar. • Balança-se sobre as mãos e os joelhos (engatinhar 1). 33 Psicologia do desenvolvimento: ciclo vital Re vi sã o: L ea nd ro /T at ia ne - D ia gr am aç ão : F ab io - 2 2/ 09 /1 1 - 2ª R ev isã o: T at ia ne - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 2 9/ 09 /1 1 • É capaz de tirar um objeto de dentro do outro (um cubo de dentro de uma caneca, por exemplo). • O bebê pega objetos com o polegar e os dedos em completa posição, sem o uso da palma das mãos. • Come bolacha sozinho. 8 meses • Movimenta-se para frente e para trás, sobre as mãos e os joelhos, os quais trabalham juntos (engatinhar 2). • É capaz de sentar-se sozinho, sem apoio. • Ele é capaz de segurar uma bolinha com os dedos permanecendo apoiado na mesa. • Se um objeto é colocado sobre a mesa, ela o pega e bate-o. Figura 10 – Bebê sentado 9 meses • Levanta-se da posição prona para a sentada e vice-versa. • Na posição sentada, desliza pelo chão. • Quando sentado, o bebê se inclina para frente, consegue recuperar o equilíbrio. • As mãos e os joelhos estabelecem movimentos alternativos (engatinhar 3). • A criança é capaz de tocar um sino, imitando alguém. • Apoiado na grade, sustenta todo seu peso. 34 Unidade I Re vi sã o: L ea nd ro /T at ia ne - D ia gr am aç ão : F ab io - 2 2/ 09 /1 1 - 2ª R ev isã o: T at ia ne - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 2 9/ 09 /1 1 Figura 11 – Bebê engatinhando 10 meses • Puxa-se para ficar em pé e mover-se nessa posição, segurando na mobília ou na mão de alguém. • Fica em pé sem apoio, vários segundos. • Engatinha bem e consegue passar sobre obstáculos baixos. • Rola uma bola, quando sentado. • Soltará os objetos bruscamente, os dedos abrem-se para soltar. • Quando um cubo é dado para o bebê e depois outro, ele normalmente bate um contra o outro, quando um terceiro é colocado à sua frente, ele tenta pagá-lo. • Quando uma bolinha é oferecida ao bebê, ele aproxima o indicador do objeto fazendo oposição polegar-indicador em uma preensão em pinça. 11 meses • Quando de pé, com apoio, consegue levantar um dos pés. • Eleva-se à posição de pé (com apoio). • Consegue colocar um objeto pequeno dentro de um maior (primeira evidência de que já pode soltar). 35 Psicologia do desenvolvimento: ciclo vital Re vi sã o: L ea nd ro /T at ia ne - D ia gr am aç ão : F ab io - 2 2/ 09 /1 1 - 2ª R ev isã o: T at ia ne - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 2 9/ 09 /1 1 • Pula agarrado a grades. • Permanece de pé, sem apoio. • Engatinha (plantígrado) com apenas pés e mãos no chão (urso). 12 meses • Quando sentado, é capaz de se virar. • Anda segurando por uma das mãos. • Tenta fazer construções colocando os cubos um sobre o outro. • Em seguida a uma demonstração, consegue fazer algum tipo de marca de lápis sobre um papel. • Pinça fina. 14 meses • É capaz de andar sozinho três metros de forma normal, com alteração equidistante dos pés. • Quando anda, é capaz de parar, recuperar o equilíbrio e começar a andar novamente. • A única forma que a criança consegue para sair da posição de pé para a sentada é deixando-se “cair”. • É capaz de segurar, tirar e recolocar encaixes simples no tabuleiro (dando-se o tabuleiro com as formas dentro). 16 meses • Anda bem, com alteração equidistante dos pés, cai raramente. • É capaz de subir escadas, de gatinhas. • Abaixa-se e volta à posição em pé depois de curvar-se. • Depois de um exemplo, é capaz de colocar um cubo sobre outro (torre 2). • Depois de uma demonstração, o bebê rabiscará um papel com um lápis com a mão fechada. • Pode alimentar-se sozinho, beber em um copo. 18 meses • É capaz de arremessar um objeto independentementedo estilo e da direção. • O andar é harmônico, embora parar quando corre ainda seja difícil. • Corre desajeitadamente (parece incapaz de dobrar os joelhos). • Puxa brinquedos de rodas. 36 Unidade I Re vi sã o: L ea nd ro /T at ia ne - D ia gr am aç ão : F ab io - 2 2/ 09 /1 1 - 2ª R ev isã o: T at ia ne - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 2 9/ 09 /1 1 • Não é capaz de chutar uma bola, dá um passo em direção a ela, entretanto, na hora de chutar, erra o alvo. • Faz torre de três cubos. • Rabisca espontaneamente (garatujas), os rabiscos tendem a ser circulares. • Vira páginas de um livro, diversas páginas de cada vez. • Imita traços. • Controla a colher. 21 meses • Chuta uma bola (sem direção). • É capaz de descer deliberadamente de uma cadeira. • Destampa uma caixa em forma de paralelepípedo. • Desembrulha uma bala ou tira a casca de uma banana. • Faz torre de 5-6 cubos. Figura 12 – Criança andando sozinha 24 meses • Atira um objeto por cima do outro (lançamento). • Recolhe objetos do chão sem cair (agachado). • Corre mais do que anda. • Anda para trás. 37 Psicologia do desenvolvimento: ciclo vital Re vi sã o: L ea nd ro /T at ia ne - D ia gr am aç ão : F ab io - 2 2/ 09 /1 1 - 2ª R ev isã o: T at ia ne - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 2 9/ 09 /1 1 • Sobe e desce escada sozinho, colocando os dois pés em cada degrau. • Faz torre de 6-7 cubos. • Vira uma página de livro de cada vez. • É capaz de fazer dobras identificáveis, seguindo um modelo adulto. • Desembrulha embalagens. 2.2 Desenvolvimento cognitivo da criança de 0 a 2 anos Laura tem três meses. Ao seu redor, imagens, sons, cheiros e sensações físicas novas e em constante mudança como que rodopiam à sua volta. Ela precisa entender tudo isso, interligando cheiros com imagens visuais, sabores com sensações, percepções de objetos, pessoas e até mesmo as partes de seu próprio corpo, percebendo quais delas permanecem as mesmas e quais se modificam, em qual sequência e outras coisas mais. Para discutir a questão do desenvolvimento cognitivo, parece interessante iniciar falando um pouco sobre o que é cognição. A cognição é o pensamento em sentido mais amplo. Envolve inteligência e aprendizagem, memória e linguagem, fatos e conceitos, percepção e pressupostos. Bebês nascem com a capacidade de aprender a partir de suas experiências sensoriais, ou seja, daquilo que eles podem ver, ouvir, cheirar, degustar ou tocar, além de terem certa capacidade de lembrar o que aprenderam. Sendo assim, eles podem aprender por condicionamento, habituação ou imitação, coordenando as informações sensoriais. O bebê costuma ficar mais atento aos estímulos novos do que aos familiares; também repetem comportamentos que lhes são agradáveis; tendem a repetir uma ação aprendida anteriormente quando se lembram do seu conteúdo. O bebê nasce com ferramentas básicas para a construção do conhecimento, sendo um ser ativo no seu desenvolvimento, naturalmente curioso, engajado na exploração do meio, buscando o entendimento, o conhecimento do mundo e buscando adaptar-se a ele. Na psicologia há diferentes abordagens que estudam o desenvolvimento humano. No aspecto cognitivo podem-se destacar quatro principais abordagens, a saber, da aprendizagem, psicométrica, de processamento de informações e a piagetiana. As teorias da aprendizagem estudam a mecânica básica da aprendizagem. Preocupam-se em como o comportamento muda em resposta à experiência. Os bebês nascem com muitos mecanismos que lhes permitem aprender a partir das experiências ambientais. Essa aprendizagem pode assumir várias formas, tais como a habituação, o condicionamento clássico, o condicionamento operante e a imitação. Resumidamente, será definido cada um desses conceitos sem, no entanto, serem explorados na sua complexidade, já que a proposta é apenas ressaltar as diferentes compreensões sobre o desenvolvimento humano. 38 Unidade I Re vi sã o: L ea nd ro /T at ia ne - D ia gr am aç ão : F ab io - 2 2/ 09 /1 1 - 2ª R ev isã o: T at ia ne - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 2 9/ 09 /1 1 A habituação é a diminuição de resposta a um estímulo que se torna familiar. Quando um indivíduo é exposto a um estímulo forte ou desconhecido, ele apresenta reações como sobressalto, fixar os olhos no estímulo, alteração na taxa de batimentos cardíacos etc.; quando ocorre a habituação, o indivíduo deixa de reagir dessa forma. Por exemplo, se um bebê é colocado em um local onde tem um relógio que soa a cada hora, ele poderá se sobressaltar; entretanto, se ele for continuamente exposto a essa situação, ocorrerá à habituação. No condicionamento clássico, um estímulo neutro provoca uma resposta originalmente produzida por outro estímulo. Por exemplo, os bebês sugam, por reflexo, água com açúcar quando é colocada em sua boca com um conta-gotas; se um som, repetidas vezes preceder a gota de água com açúcar, os bebês irão sugar quando ouvirem o som (LIPSITT, 1990 apud KAIL, 2004); e assim ocorre com inúmeras situações cotidianas do bebê, em que um estímulo neutro, como uma música, um som, um jeito específico de chamar o bebê, eliciam a mesma reação que um estímulo específico, como a amamentação ou a hora do banho, ou ainda, a hora de passear ao sol. Nesse caso, diz-se que o bebê foi condicionado ao estímulo. O condicionamento operante se refere à relação entre as consequências do comportamento e a probabilidade de que este ocorra novamente. Skinner (1904-1990) adotou o termo reforço para designar qualquer evento que aumente a frequência de um comportamento. Uma resposta deve ser dada para que depois surja o reforço, que, por sua vez, torna mais provável nova ocorrência do comportamento. A resposta foi instrumental para que o reforço surgisse. Assim, por exemplo, se um bebê sorri e em resposta os adultos sorriem e abraçam-no etc., essa consequência agradável torna mais provável que o bebê sorria mais vezes. Por outro lado, se o bebê se aproxima da escada e todos gritam e ficam zangados, essa consequência desagradável tornará menos provável que esse comportamento persista. A aprendizagem também ocorre via imitação, ou seja, o bebê aprende observando o comportamento das pessoas que o rodeiam. Como já discutido, há pesquisas que indicam que os recém-nascidos apresentam capacidade de imitação de alguns comportamentos e, ao longo do primeiro ano de vida, os bebês são capazes de imitar uma série crescente de comportamentos. A abordagem psicométrica tem como propósito medir as diferenças individuais em termos de quantidade de inteligência. Quanto mais alto o escore de uma pessoa em um teste de inteligência (QI = quociente de inteligência), mais inteligente presume-se que ela seja. Os testes psicométricos aplicados em bebês enfatizam as habilidades motoras e sensoriais. Geralmente são fracos na previsão de inteligência posterior na infância e na idade adulta. Existe uma correlação entre o desempenho cognitivo de uma criança e as interações ambientais; se a criança está inserida em um ambiente responsivo, favorecedor, ela tende a ter bons resultados nos testes de inteligência; por outro lado, se a criança está em um ambiente pouco responsivo, desfavorável ao desenvolvimento a chance de bons resultados nos testes diminui (PAPALIA; OLDS; FELDMAN, 2006; KAIL, 2004). A abordagem do processamento de informações estuda os processos envolvidos na percepção e no processamento da informação, centra-se nas diferenças individuais quantoao modo como os 39 Psicologia do desenvolvimento: ciclo vital Re vi sã o: L ea nd ro /T at ia ne - D ia gr am aç ão : F ab io - 2 2/ 09 /1 1 - 2ª R ev isã o: T at ia ne - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 2 9/ 09 /1 1 indivíduos usam sua inteligência, como manipulam símbolos e o que fazem com as informações que percebem. A teoria do processamento de informação surgiu na década de 1960 e agora é uma das principais abordagens do desenvolvimento cognitivo (KAIL; BISANZ, 1992 apud KAIL, 2004). A meta é descobrir o que os bebês, as crianças e os adultos fazem com a informação desde o momento em que a recebem até sua utilização. Os indicadores da eficiência do processamento de informação em bebês incluem a rapidez de habituação e desabituação, preferência visual pelo novo e transferência intermodal. Tais avaliações tendem a prever a inteligência posterior. A capacidade de processar informações é influenciada pela responsividade de adultos significativos para a criança. E, por último, será apresentada a abordagem piagetiana. Jean Piaget (1896-1980), epistemólogo suíço, produziu uma das mais importantes teorias sobre o desenvolvimento cognitivo, um trabalho pioneiro que modelou o pensamento de várias gerações de psicólogos desenvolvimentais. Tamanha importância justifica o estudo da teoria piagetiana em destaque uma disciplina específica, psicologia construtivista; aqui, entretanto, o estudo estará restrito à formação da inteligência no marco da atividade sensório-motora de resposta ao mundo (0 a 2 anos). Jean Piaget (1967) considerava que o bebê nasce com ferramentas básicas para a construção do conhecimento, os invariantes funcionais – adaptação e organização. Admitia uma organização biológica inicial, que inclui um conjunto de reflexos que se transformará pela interação do bebê no mundo. Piaget considerava a criança como um ser ativo no seu desenvolvimento, um “pequeno cientista”, naturalmente curioso, engajado na exploração do meio, buscando o conhecimento do mundo e adaptar-se a ele. De acordo com Piaget (1967), o desenvolvimento cognitivo é marcado por estádios, cada um desses é caracterizado por uma forma distinta de pensar a respeito do mundo e de compreendê-lo. As idades indicadas são sempre aproximadas, há variações individuais de acordo com habilidades e experiência. A criança de zero a dois anos está no estádio sensório-motor, a criança representa o mundo pelas ações e baseia seus julgamentos nas sensações e percepções. Piaget divide esse período em seis subestádios, cujas principais características estão resumidas a seguir: Sensório-motor – seis subestádios (Piaget) 1º subestádio (exercício dos reflexos – 0 a 1 mês). 2º subestádio (primeiros hábitos adquiridos ou reações circulares primárias – 1 a 4 meses). 3º subestádio (intencionalidade divisão meio-fim – 4 a 8 meses). 4º subestádio (hierarquia de esquemas secundários – 8 a 12 meses). 5º subestádio (exploração ativa – 12 a 18 meses). 6º subestádio (aparecimento da imagem mental/invenção – 18 a 24 meses). 40 Unidade I Re vi sã o: L ea nd ro /T at ia ne - D ia gr am aç ão : F ab io - 2 2/ 09 /1 1 - 2ª R ev isã o: T at ia ne - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 2 9/ 09 /1 1 1º subestádio (exercício dos reflexos – 0 a 1 mês) Os comportamentos globais da criança estão determinados hereditariamente e apresentam-se sob a forma de esquemas reflexos. 2º subestádio (primeiros hábitos adquiridos ou reações circulares primárias – 1 a 4 meses) Começam a aparecer as primeiras adaptações adquiridas. A aquisição de habilidades depende da repetição de ações prazerosas provocadas de forma casual. As organizações primárias (reações circulares primárias) dizem respeito ao segmento do próprio corpo. Por exemplo, o bebê chora, agita os braços/ mãos; esbarra a mão na boca e começa a chupar o dedo; o dedo sai da boca e o bebê recomeça tentando reproduzir a ação; o bebê começa a produzir um ajuste, mas ainda não diferencia meios de fins. Lembrete Reações circulares, na terminologia piagetiana, significam processos pelos quais o bebê repete ações a partir da experiência com eventos interessantes descobertos ao acaso. A repetição faz com que o sujeito construa esquemas sensório-motores. 3º subestádio (intencionalidade; divisão meio-fim – 4 a 8 meses) Aparecem as repetições de gestos que casualmente chegaram a produzir uma ação interessante sobre as coisas, isto é, reações circulares secundárias; o movimento é meio para outro ser fim, por exemplo, apertar um bichinho (de borracha com apito) é meio, e o barulho (do apito) é o fim. 4º subestádio (hierarquia de esquemas secundários – 8 a 12 meses) Há a aplicação de meios já conhecidos para resolver situações novas. A criança domina realmente a intencionalidade para resolver cada situação, como puxar, afastar, apertar, bater etc. 5º subestádio (exploração ativa – 12 a 18 meses) A criança faz experiências com os objetos do meio externo e descobre novos meios para resolver certas situações. Ela começa a conhecer o objeto por ele mesmo: o que o objeto faz. Vai ativamente ver o que acontece com as “coisas”. Por exemplo, depois de tanto jogar os objetos no chão, percebe que todos caem, rolam, ou seja, a criança generaliza. 6º subestádio (aparecimento da imagem mental/invenção – 18 a 24 meses) Aparece a possibilidade da invenção de novos meios por combinação mental ou por combinação de ações. Esse estágio já prevê uma mudança qualitativa na organização da inteligência, que passa de sensória e motora à mental, isto é, representativa e interiorizada. A criança começa a visualizar a 41 Psicologia do desenvolvimento: ciclo vital Re vi sã o: L ea nd ro /T at ia ne - D ia gr am aç ão : F ab io - 2 2/ 09 /1 1 - 2ª R ev isã o: T at ia ne - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 2 9/ 09 /1 1 situação, o pensamento é altamente visual e difícil, a criança percebe que você não vê a mesma coisa que ela. As investigações de Piaget (1967) mostram que a criança não percebe o universo em seu redor como se fosse construído por objetos substanciais, permanentes e de dimensões constantes; pelo contrário, ela se comporta como se estivesse frente a um mundo sem objetos no qual o próprio espaço constituísse um meio sólido. Trata-se de um mundo de quadros perceptivos, cuja única realidade é a própria criança e suas ações. Partindo da não distinção entre ela mesma e os objetos, a criança passa a distinguir progressivamente os objetos que estão em sua presença e, depois, começa a relacionar entre si os vários objetos que aparecem em espaços já diferenciados, ora presentes, ora ausentes. Os bebês gostam de brincar de esconde-esconde, geralmente com uma fralda que colocam sobre o próprio rosto ou no rosto do adulto com quem estão se entretendo. Por volta dos dez meses de vida, com variações de acordo com a cultura e as possibilidades de interação dos bebês, a estrutura do objeto permanente está próxima de ser construída, e os comportamentos começam a mudar. Por exemplo, a criança sabe que, quando a mãe sai do quarto, ela não deixa de existir ou que o brinquedo que escorrega para trás de um sofá continua ali; a isso Piaget chamou de noção de permanência do objeto. Por volta do oitavo mês, a criança começa a procurar os objetos quando eles saem de seu campo visual. Ela se diverte com as brincadeiras de esconder e mostrar o rosto sob um lençol, por exemplo. No entanto, se as manobras de ocultação não forem acompanhadas pela criança, ela não procurará oobjeto. Isso indica a gradativa consolidação da noção de objeto permanente. No final do estádio sensório-motor, pela separação entre ação e percepção, a criança torna- se capaz da noção de objeto permanente e idêntico a si mesmo, ainda que ele não esteja mais presente e sendo manipulado por ela. Por exemplo, por volta dos dezoito meses, a criança demonstra ressentimento quando lhe é tomada alguma coisa que ela deseja. O ressentimento indica que a criança possui a consciência de sua habilidade de controlar o que acontece e que os objetos se tornaram permanentes, ou seja, continuam a existir e podem ser recuperados mesmo quando saem de seu campo visual. No estádio sensório-motor, a construção do universo pelo pensamento da criança desenvolve-se da passagem de um estado em que as coisas giram em torno de um eu, sem, contudo, situar-se como um elemento do universo, para um estado em que o eu se torna um elemento de um mundo estável e independente de sua própria atividade. Resumindo, podemos dizer que para Piaget a criança no período de zero a dois anos encontra- se no estádio sensório-motor, representa o mundo pelas ações, baseando seus julgamentos nas sensações e percepções. A partir dos 12 meses, entende relações causais (causa-efeito), envolve- se em jogos construtivos e procura objetos onde os viu pela última vez, o que representa, para Piaget, a construção do objeto permanente. Por volta dos 2 anos, já lança mão de representações mentais e símbolos. 42 Unidade I Re vi sã o: L ea nd ro /T at ia ne - D ia gr am aç ão : F ab io - 2 2/ 09 /1 1 - 2ª R ev isã o: T at ia ne - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 2 9/ 09 /1 1 A aquisição da linguagem é um aspecto importante para o desenvolvimento cognitivo. Após a fase pré-linguística (choro, arrulho, balbucio e imitação) e a aprendizagem dos sons básicos da língua, pode- se afirmar que a palavra costuma surgir por volta dos 10 aos 14 meses. Cabe destacar, que antes de pronunciar sua primeira palavra, o bebê utiliza os gestos. Entre os 16 e 24 meses ocorre uma explosão de nomes, e, geralmente por volta dos 18 aos 24 meses, surgem as sentenças breves. A fala inicial é caracterizada pela simplificação, restrição e supergeneralização dos significados das palavras e universalização das regras. A capacidade para aprender a linguagem, segundo os teóricos atuais, é inata, podendo ser ativada ou não pelo meio. 2.3 Desenvolvimento perceptivo da criança de 0 a 2 anos Como já discutido anteriormente, há muitas habilidades de percepção presentes no nascimento. As capacidades sensoriais desenvolvem-se rapidamente nos primeiros dois anos de vida. Antes dos dois meses, a criança já é capaz de diferenciar visualmente a mãe de um estranho e de esquadrinhar visualmente o ambiente para identificar os objetos (MOURA, 2004). Embora alguns estudos atuais (ibidem) evidenciem que a transferência modal está presente em bebês recém-nascidos, a integração e a transferência intersensórias são encontradas mais consistentemente no quarto mês, como demonstrou Elizabeth Spelke (1979 apud BEE, 1996). A pesquisadora mostrou a bebês de quatro meses dois filmes simultaneamente, um deles apresentando um canguru de brinquedo pulando para cima e para baixo e o outro, um burrinho também pulando para cima e para baixo, com um dos animais pulando em um ritmo mais lento. De um autofalante localizado entre os dois filmes, o bebê ouvia a gravação de um som rítmico de pulos, que combinava com um dos dois ritmos. Nessa situação, os bebês passavam mais tempo observando o filme com o ritmo que se ajustava ao som que estava ouvindo. Nesse período, a criança é capaz também de distinguir padrões de som e visão. Aos seis meses, o bebê distingue expressões faciais, consegue perceber as diferenças entre várias expressões, como rostos felizes, surpresos e assustados (NELSON, 1987 apud BEE, 1996). Os bebês diferem na velocidade ou eficiência dos processos perceptuais, como a habituação a estímulos repetidos. Essas variações estão correlacionadas a medidas posteriores de inteligência e à linguagem (ROSE et. al. apud PAPALIA; OLDS; FELDMAN, 2006). A percepção permite à criança aprender e explorar o ambiente. 2.4 Desenvolvimento da linguagem da criança de 0 a 2 anos A princípio o choro é o único modo de comunicação dos bebês. De acordo com a literatura (CHOMSKY, 1980; BATES, BRETHERTON; SNYDERS, 1988 apud PAPALIA; OLDS; FELDMAN, 2006; O’CONNEL; SHORE, 1987 apud PAPALIA; OLDS; FELDMAN, 2006) e a observação de bebês, é possível identificar a gradual e regular consolidação das habilidades linguísticas, como segue: 43 Psicologia do desenvolvimento: ciclo vital Re vi sã o: L ea nd ro /T at ia ne - D ia gr am aç ão : F ab io - 2 2/ 09 /1 1 - 2ª R ev isã o: T at ia ne - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 2 9/ 09 /1 1 Em torno do segundo mês, aparecem os arrulhos vogais, ou seja, há a emissão de gritinhos e sons de vogais como “ahhh...”. O balbucio, quer dizer, a repetição de consoantes com vogais, tal como, “dadada... ou bababa” aparece em torno do sexto mês. Em torno do oitavo mês, aparecem os gestos significativos, como, por exemplo, apontar em direção a algo que queira, dar tchau, mandar beijo, entre outros; e também, nesse momento, o bebê começa a compreender algumas palavras, como “não” e o seu próprio nome. A primeira palavra aparece aproximadamente entre o décimo e o décimo quarto mês. Nesse período a criança faz uso de uma mesma palavra para indicar várias coisas, mas essa expressão verbal comunica significados. Por exemplo, “mamá” pode significar mamãe ou que quer mamar ou comer ou ainda que quer colo etc. Gradativamente vai ampliando o seu vocabulário, e por volta dos dezoito meses fala cerca de cinquenta palavras. Nessa fase há o aparecimento das primeiras frases, que geralmente incluem dois substantivos ou um substantivo e um verbo, como, por exemplo, “bola nenê” ou “dá suco”. Aos vinte e quatro meses ocorre o fenômeno conhecido como a “explosão de nomes ou explosão da comunicação”, em que a criança amplia consideravelmente o seu vocabulário, de cinquenta palavras passa a falar em torno de quatrocentas. A aquisição da linguagem é explicada por diferentes vertentes teóricas, a teoria da aprendizagem enfatiza o papel do reforço e a imitação em seu desenvolvimento, já as teorias inatistas sustentam que as pessoas têm uma capacidade inata para adquirir a linguagem. Atualmente, a maioria dos psicólogos do desenvolvimento afirma que as crianças têm uma capacidade inata para aprender a linguagem e que ela é ativada e estimulada pela maturação, pelo desenvolvimento cognitivo e por certas experiências ambientais (PAPALIA; OLDS; FELDMAN, 2006). 2.5 Desenvolvimento psicossocial da criança de 0 a 2 anos Rafael (1 ano) não é propenso a sorrir nem a vocalizar. Selma (2 anos) parece estar sempre “na defensiva”, ora chora compulsivamente, ora se fecha completamente. Como explicar esses comportamentos? O desenvolvimento psicossocial é constituído pelo desenvolvimento da personalidade, isto é, o padrão singular e relativamente duradouro de uma pessoa sentir, reagir e se comportar, e pelo desenvolvimento social, que se refere às mudanças nos relacionamentos com os outros. Estudar o desenvolvimento psicossocial das crianças de 0 a 2 anos implica descrever os principais passos do desenvolvimento da noção do eu e, em paralelo, a formação de relacionamentos significativos e efetivos com outras pessoas. Observe a sequência em que aparece o autoconceito ou a emergência do senso de identidade na primeira infância (de bebê para criança): • Autorreconhecimento físico: começa porvolta dos 18 meses, quando a criança olha no espelho ou numa foto sua, podendo reconhecer-se. 44 Unidade I Re vi sã o: L ea nd ro /T at ia ne - D ia gr am aç ão : F ab io - 2 2/ 09 /1 1 - 2ª R ev isã o: T at ia ne - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 2 9/ 09 /1 1 • Autodescrição e autoavaliação: ocorre entre os 19 e 30 meses, a criança pode definir-se em termos descritivos, como, por exemplo: grande, pequeno, cabelo liso; ou em termos de avaliação: bom, bonito. • Resposta emocional à má ação: por volta dos 20 meses, as crianças costumam ficar aborrecidas pela desaprovação dos pais e por algo que foi desaprovado e visto como mal. Além desses eventos, percebe-se o crescimento das interações sociais, tanto em número quanto em complexidade, e as próprias brincadeiras aumentam. No que diz respeito ao contato com outras crianças, será que os irmãos influenciam uns aos outros? A resposta é sim. Os irmãos influenciam uns aos outros de maneira positiva e negativa. Por outro lado, é preciso destacar que as ações e atitudes dos pais afetam o relacionamento entre irmãos. Nessa idade, a criança se interessa por bebês? É importante que a criança tenha contato com outras crianças? Podemos observar que o interesse dos bebês por crianças vai aumentando na 1ª infância. O contato com outras crianças, principalmente após o 1º ano, afeta o desenvolvimento cognitivo e psicossocial. Outro aspecto a enfatizar diz respeito à assistência diurna e seu impacto sobre o desenvolvimento da criança. Os novos estudos indicam que a assistência diurna de boa qualidade parece ter impacto positivo sobre o desenvolvimento emocional, social e cognitivo; parecem indicar também que a assistência diurna não é prejudicial, a menos que seja de má qualidade, instável ou extensiva e esteja combinada com uma educação insensível por parte da mãe. Quando foi discutido o desenvolvimento das habilidades sociais dos recém-nascidos, foi descrita a capacidade de os bebês suscitarem nos adultos a predisposição ao cuidado, como se ambos entrassem em uma “dança” interacional e de apego. Segundo René Spitz (1887-1974), somente a relação recíproca entre o bebê e sua mãe (ou principal cuidador) pode fornecer o fator experiencial ao desenvolvimento do bebê. Figura 13 – Mãe e bebê em relação de apego 45 Psicologia do desenvolvimento: ciclo vital Re vi sã o: L ea nd ro /T at ia ne - D ia gr am aç ão : F ab io - 2 2/ 09 /1 1 - 2ª R ev isã o: T at ia ne - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 2 9/ 09 /1 1 Por meio da troca circular contínua de ação-reação-ação, o bebê torna-se capaz de transformar gradualmente os estímulos sem significado em signos significativos, ou seja, a criança torna-se capaz de construir a imagem coerente de seu mundo. Do hiato entre as ações do bebê e as reações do ambiente, vai surgindo a possibilidade da experiência de diferenciação entre o bebê e o outro, quer dizer, a criança vai percebendo que ela é separada dos outros. O atendimento que o adulto dá às necessidades do bebê é gradativamente percebido pela criança como algo que vem do mundo exterior. A consciência de si mesmo surge quando o bebê é capaz de separar as sensações interiores das respostas ambientais. A reação do sorriso social e espontâneo surge em torno do segundo/terceiro mês e, de acordo com Spitz (2004), é o indicador de uma comunicação consciente e recíproca; é o início das relações interpessoais e a evidente existência de um ego rudimentar. O desenvolvimento social e da personalidade é descrito por diferentes vertentes teóricas da psicologia; aqui esse aspecto desenvolvimental será caracterizado a partir das proposições de Erik Erikson (1902-1994). Sua teoria descreve as mudanças sistemáticas no senso de self do indivíduo, em suas necessidades e em seu relacionamento com os outros. Erik Erikson elaborou uma abordagem da personalidade, conceito que ampliou da obra de Freud. Ele reconheceu o impacto das forças culturais e históricas na personalidade. Para Erikson, o desenvolvimento da personalidade é afetado por fatores biológicos e sociais ou por variáveis pessoais e situacionais. A confiança é um acompanhamento natural para um forte relacionamento de apego com o pai ou a mãe que proporciona comida, calor e o conforto da proximidade física. Caso a confiança predomine, as crianças desenvolvem a “virtude da esperança”: a crença de que as suas necessidades serão atendidas quando forem manifestadas. Mas, se uma criança for negligenciada, ou seja, não tiver suas necessidades básicas atendidas, poderá desenvolver uma sensação de desconfiança, insegurança e ansiedade. As crianças verão o mundo como hostil e imprevisível e terão dificuldade para formar relacionamentos íntimos. Portanto, o desenvolvimento social tem início com o estabelecimento de um relacionamento emocional íntimo entre o bebê e seu principal cuidador. Esse relacionamento intenso e duradouro é chamado apego. Saiba mais Para aprofundamento desse assunto, leia Conhecimento sobre desenvolvimento infantil em mães primíparas de diferentes centros urbanos do Brasil, disponível em <http://www.scielo.br/pdf/epsic/v9n3/a04v09n3. pdf> (MOURA et al., 2011) e Relações afetivas entre mães e recém-nascidos a termo e pré-termo: variáveis sociais e perinatais, disponível em <http:// www.scielo.br/scielo.php?pid=S1413-294X2005000100016&script=sci _arttext> (THOMAZ et al., 2005). 46 Unidade I Re vi sã o: L ea nd ro /T at ia ne - D ia gr am aç ão : F ab io - 2 2/ 09 /1 1 - 2ª R ev isã o: T at ia ne - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 2 9/ 09 /1 1 Erikson dividiu o desenvolvimento da personalidade em oito estágios psicossociais durante todo o ciclo vital e, em cada um deles, identificou uma crise determinada. Cada fase de desenvolvimento tem a sua crise ou momento decisivo particular, que exige alguma mudança no comportamento ou na personalidade. Embora cada conflito nunca venha a desaparecer completamente, o indivíduo pode responder à crise de maneira negativa ou positiva; neste último caso, ele consegue enfrentar com sucesso os conflitos dos próximos estágios. O primeiro estágio desenvolvimental proposto pelo autor corresponde à criança de 0 a 18 meses aproximadamente, o qual denominou confiança versus desconfiança. A fase oral-sensorial do desenvolvimento psicossocial (é paralela à fase oral do desenvolvimento psicossexual descrita por Freud) ocorre durante o primeiro ano de vida, época de maior dependência da criança em relação aos seus cuidadores. Nessa etapa, a boca é de vital importância, a criança “vive por meio da boca e ama com ela” (ERIKSON, 1974, p. 57). Entretanto, o relacionamento entre a criança e o seu próprio mundo não é exclusivamente biológico, é social também. A interação do bebê com o seu principal cuidador determina se será incorporada à sua personalidade uma atitude de confiança ou desconfiança no relacionamento futuro com o ambiente. O desenvolvimento social tem início com o estabelecimento de um relacionamento emocional íntimo entre o bebê e seu principal cuidador. Esse relacionamento intenso e duradouro é chamado, como foi dito, em sentimento de apego. John Bowlby (1907-1990), um influente teórico do apego humano, partiu da teoria etológica e supôs que a raiz da personalidade humana está nos primeiros relacionamentos na infância. Para ele, a evolução humana resultou em padrões instintivos (como o adulto responder ao choro do bebê ou este ter um repertório de comportamentos que eliciam cuidados nos adultos) que aproximama mãe (ou principal cuidador) e o bebê em uma intrincada cadeia de estímulos e respostas, que levam a criança a estabelecer um apego específico àquele adulto. Apego pode ser definido como relacionamento emocional entre uma criança e aquele que cuida dela regularmente; pressupõe uma relação vertical na qual um representa a “base segura” para o outro poder “explorar o mundo”. Segundo Bowlby (1984), as crianças formarão vínculos com indivíduos que respondam de forma constante e adequada a seus sinais. Os comportamentos de apego, que incluem sorrir, fazer contato visual, chamar a outra pessoa, tocar, agarrar-se, chorar, entre outros, são eliciados quando o indivíduo precisa de cuidados, amparo ou conforto. 47 Psicologia do desenvolvimento: ciclo vital Re vi sã o: L ea nd ro /T at ia ne - D ia gr am aç ão : F ab io - 2 2/ 09 /1 1 - 2ª R ev isã o: T at ia ne - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 2 9/ 09 /1 1 Figura 14 – Vínculo de apego Os padrões de apego podem ter implicações de longo prazo sobre o desenvolvimento; por exemplo, as crianças seguramente apegadas parecem ser socialmente mais hábeis, curiosas e persistentes em novas tarefas. A partir das experiências iniciais, o indivíduo vai desenvolvendo modelos funcionais internos, ou seja, um modelo mental que as crianças usam para guiar suas interações sociais presentes e futuras. Os modelos da infância não são imutáveis, embora tendam a ser levados adiante, continuando a modelar e a definir as experiências quando adulto. Tal conceito também ajuda na compreensão dos motivos pelos quais a mesma experiência parece ter efeitos tão variados sobre diferentes adultos. Exemplo de aplicação Uma preocupação central hoje entre os pais é encontrar um meio de, mesmo a distância, criar um vínculo afetivo com seus filhos. Júlia esteve com seu filho no primeiro mês de vida, quando amamentou, mas logo em seguida precisou voltar ao trabalho, o que fez diminuir muito o contato entre mãe e filho. Seu filho ficou então sob os cuidados da avó paterna, com quem passava a maior parte do tempo. Agora, o filho de Júlia tem seis meses e ela quer saber com quem seu filho está mais apegado e por quê. Considerando a situação, de que maneira você responderia a dúvida de Júlia? Muito bem, é isso mesmo! Para se formar o apego necessitam-se mais do que as primeiras experiências do começo da vida, ele vai se firmando quando o bebê está próximo dos seis meses. Portanto, o bebê está mais apegado à avó paterna. 48 Unidade I Re vi sã o: L ea nd ro /T at ia ne - D ia gr am aç ão : F ab io - 2 2/ 09 /1 1 - 2ª R ev isã o: T at ia ne - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 2 9/ 09 /1 1 Bowlby (1969) descreveu três fases no desenvolvimento do apego. O autor partiu do pressuposto de que o bebê inicia a vida com uma série de padrões inatos de comportamento que o orientam em direção aos outros e sinalizam suas necessidades. Esses comportamentos de apego são emitidos sem ser dirigidos para uma pessoa específica. O autor denominou essa fase de orientação sem foco. Por volta dos três meses, o bebê começa a dirigir seus comportamentos de apego de forma mais limitada, por exemplo, ele sorri mais para as pessoas que cuidam dele regularmente; a essa fase, Bowlby chamou de foco em uma ou mais figuras. E a terceira fase trata-se do comportamento com base segura, na qual o bebê forma um apego genuíno quando tem por volta dos seis meses de idade. Nessa fase, a criança usa a “pessoa mais importante” como uma base segura a partir da qual explora o mundo que a cerca. Por exemplo, é comum a observação de bebês de 10 meses que checam a expressão dos pais antes de iniciarem um determinado comportamento, como, por exemplo, aproximar-se de uma escada. Mary Ainsworth (1978, 1993 apud KAIL, 2004) foi pioneira no estudo de vínculos e descreve quatro tipos principais de vinculação. Um deles é o vínculo seguro e três são vínculos inseguros do tipo: evitante, resistente e desorganizado. • Vínculo seguro: o bebê pode chorar ou não quando a mãe sai, mas, quando ela retorna, quer ficar com ela e, se estiver chorando, irá parar. • Vínculo evitante: o bebê não se perturba quando a mãe sai e, quando ela retorna, pode ignorá- la, olhando para ela ou desviando o olhar. • Vínculo resistente: o bebê fica aborrecido quando a mãe sai, continua aborrecido ou mesmo irritado quando ela volta, e é difícil confortá-lo. • Vínculo desorganizado: o bebê parece confuso quando a mãe sai e, quando ela retorna, parece não entender realmente o que está acontecendo. Quando o bebê tem entre 6 a 8 meses, é comum aparecer a ansiedade de separação ou a ansiedade diante de estranho, que pode estar relacionada com o temperamento e as circunstâncias de vida da criança, como, por exemplo, a reação do cuidador diante da aproximação de um estranho. No tocante ao relacionamento social das crianças dessa faixa etária com outras crianças, Howes, Unger e Seidner (1990 apud KAIL, 2004) evidenciam que o interesse por outra criança aumenta ao longo da primeira infância, especialmente após os doze meses. Nesse período, há o ato de brincar paralelo, quer dizer, as crianças brincam sozinhas, mas mantêm um profundo interesse no que as outras crianças estão fazendo. Na brincadeira social simples (15/18 meses), as crianças se envolvem em atividades similares, falam, sorriem ou trocam brinquedos entre si. Essas trocas interacionais horizontais favorecem o desenvolvimento cognitivo e psicossocial das crianças. 49 Psicologia do desenvolvimento: ciclo vital Re vi sã o: L ea nd ro /T at ia ne - D ia gr am aç ão : F ab io - 2 2/ 09 /1 1 - 2ª R ev isã o: T at ia ne - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 2 9/ 09 /1 1 Saiba mais Assista ao filme Olhe quem está falando também e procure identificar os aspectos teóricos estudados sobre a primeira infância (0 a 2 anos). Em continuidade ao filme Olhe quem está falando, Mikey consegue fazer sua mãe, Mollie, casar com James, e ela fica grávida e dá a luz uma menina, Julie. Mikey, então, precisa aceitar a nova irmã e todo o seu processo de desenvolvimento. 3 A CRIAnçA DE 2 A 6 AnoS A criança de 2 a 6 anos é incrivelmente ativa e surpreendente. Atrai a atenção dos adultos com suas novas habilidades e perguntas inusitadas. Vive em um mundo onde fantasia e realidade se confundem. 3.1 Desenvolvimento físico-motor da criança de 2 a 6 anos David aos três anos conseguia andar em linha reta; aos quatro anos, podia saltar pequenas distâncias; aos cinco anos, salta mais ou menos um metro e consegue andar com apenas um pé, por cinco metros. Figura 15 – Criança saltando aos 5 anos A criança pré-escolar apresenta um contínuo crescimento físico, mas não tão rápido como o fora no período anterior. Já no aspecto motor há o aperfeiçoamento das habilidades motoras globais (dos grandes movimentos) e finas. Por quê? 50 Unidade I Re vi sã o: L ea nd ro /T at ia ne - D ia gr am aç ão : F ab io - 2 2/ 09 /1 1 - 2ª R ev isã o: T at ia ne - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 2 9/ 09 /1 1 A resposta é que as áreas sensório-motoras estão mais desenvolvidas, funcionando mais ou menos assim: “quero e posso fazer”. Além disso, os ossos e músculos estão mais fortes e há um aumento na capacidade respiratória. Todos esses fatores dependem de variações como herança genética e oportunidades do meio. Por volta dos três anos as crianças normalmentecomeçam a perder a forma roliça característica dos bebês e assumem a aparência mais esguia e atlética da infância. Entre um e três anos, com o desenvolvimento dos músculos abdominais, a barriga grande da criança se fortalece. Alongam-se o tronco, os braços e as pernas, e a cabeça ainda permanece relativamente grande, mas as demais partes do corpo vão se amoldando e ficando mais parecidas com as de um adulto. Quanto às habilidades motoras finas, elas também avançam consideravelmente, e nessa fase a maioria das crianças já pode: servir leite no prato, comer com talheres ou usar o banheiro sozinha, vestir-se com ajuda, recortar sobre a linha; desenhar uma pessoa quase completa e com mais detalhes. Por volta dos três anos, a preferência no uso das mãos fica evidenciada. observação A preferência ou dominância lateral (uso das mãos) se evidencia aos 3 anos, sendo a maior incidência de canhotos (uso da mão esquerda) em meninos do que em meninas. Outro aspecto importante para o desenvolvimento físico infantil diz respeito aos padrões de sono. Geralmente, as crianças no início desse período ainda dormem bem à noite e tiram uma soneca ao dia. É comum, por volta dos cinco anos, ocorrerem rituais para retardar o sono. A primeira dentição se completa entre os 30 e 36 meses e começa a cair, e é substituída por volta dos cinco aos seis anos. Exemplo de aplicação Algumas crianças experimentam o “terror noturno”. Faça uma pesquisa e uma leitura cuidadosa sobre os padrões de distúrbio do sono, em seguida identifique quatro problemas comuns do sono e apresente estratégias ou recomendações de como tratá-los. De maneira mais detalhada, podemos conhecer o desenvolvimento físico-motor da criança de 2 a 6 anos, como pode ser verificado a seguir (GESELL, 2000): 2 anos e meio • Anda na ponta dos pés; salta com os pés juntos. 51 Psicologia do desenvolvimento: ciclo vital Re vi sã o: L ea nd ro /T at ia ne - D ia gr am aç ão : F ab io - 2 2/ 09 /1 1 - 2ª R ev isã o: T at ia ne - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 2 9/ 09 /1 1 • Ao passear na rua, corre à frente do acompanhante ou deixa-se ficar para trás. • Empurra um brinquedo, mantendo-o no caminho desejado. • Corre, galopa e requebra ao ritmo de uma música. • É capaz de transportar um objeto frágil. 3 anos • Caminha e tem segurança e agilidade nos pés. • Anda mais do que corre; é capaz de se equilibrar momentaneamente sobre um pé. • Atira uma bola sem perder o equilíbrio. • Galopa, salta, anda e corre ao som de música. • Revela um aumento de tensão e pode cair ou tropeçar. 4 anos • Muito ativa, tem um raio de ação maior. • Corre pelas escadas para baixo e para cima. Corre velozmente no triciclo. • Gosta de atividades que exigem equilíbrio. É capaz de transportar uma xícara com líquido sem entornar. • Prefere brincar com blocos grandes e constrói estruturas mais complicadas. • Atira uma bola, levantando o braço acima do ombro. • Desenha objetos com pouco pormenor. • É capaz de imitar a figura de um quadrado (copia aos 4 anos e meio). • Ao pintar, trabalha com precisão durante algum tempo, mas muda de ideia. • Faz bonecos toscos e letras. • Gosta de ver seu nome escrito nos desenhos que faz e começa a copiar. • Pode ter a noção do número de letras do nome e pode desenhar primeiro duas letras e marcá-las no modelo para não se enganar. Identifica várias letras. Utiliza a tesoura e tenta cortar em linha reta. • Constrói estruturas grandes e complicadas, combinando numerosas formas de maneira simétrica. • Amarra os sapatos e abotoa os botões da frente. • Dedilha no piano com ambas as mãos. 52 Unidade I Re vi sã o: L ea nd ro /T at ia ne - D ia gr am aç ão : F ab io - 2 2/ 09 /1 1 - 2ª R ev isã o: T at ia ne - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 2 9/ 09 /1 1 5 anos • Há maior facilidade e melhor domínio da atividade física geral e mais economia de movimento. • O domínio dos grandes músculos continua a ser maior do que o dos pequenos. • Brinca no mesmo lugar durante períodos mais longos, mas muda de postura, de pé para a de sentado ou de cócoras. • Gosta de pular cercas e muda frequentemente de atividade. Salta de cima de uma mesa. • Gosta de dar movimento a uma história que está contando. Corre, salta por cima da mesa e das cadeiras ou mete-se por baixo delas. Atira coisas, inclusive lama e neve, e começa a utilizar mais as mãos do que os braços para agarrar uma bola, mas falha com frequência. • Desce escadas colocando alternadamente um pé em cada degrau e salta alternadamente sobre um e outro pé. • Constrói com blocos, geralmente no chão, edifica torres de vários andares ou estruturas baixas, de plano irregular, com caminhos e pequenos cercados. • Manipula areia, fazendo estradas e casas. Modela objetos de barro. • Gosta de colorir figuras com lápis de cores e de colar coisas simples, mas o faz desajeitadamente. • Faz um desenho representando o contorno de uma figura (faz, em geral, uma em cada página) e reconhece que ficou “esquisito”. • Pinta sobre um cavalete ou no chão, com pincéis grandes e em grandes folhas de papel. Pode gostar de fazer letras dessa maneira. • É capaz de amarrar os sapatos e de abotoar e desabotoar os botões da roupa que consegue ver. Coloca bem os dedos sobre as teclas do piano e pode experimentar tocar acordes. • Esta é a idade focal, visualmente. A criança tende a sentar-se com o tronco direito, com o trabalho diretamente em frente de si. Tem consciência da totalidade de espaço, mas não o abrange todo ao mesmo tempo. Em vez disso, move-se de um ponto restrito para o próximo. • Pode prestar atenção em qualquer coisa sem olhar diretamente para ela – pode olhar através dela ou mesmo olhar em uma direção diferente. 5 anos e meio • Pede que troque seu triciclo por uma bicicleta; muitas crianças experimentam, com agrado, andar de bicicleta. • Muitas crianças mostram interesse em aprender a desenhar o seu nome próprio e gostam de sublinhar letras maiúsculas e palavras, em um livro de seu conhecimento. 53 Psicologia do desenvolvimento: ciclo vital Re vi sã o: L ea nd ro /T at ia ne - D ia gr am aç ão : F ab io - 2 2/ 09 /1 1 - 2ª R ev isã o: T at ia ne - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 2 9/ 09 /1 1 • Pode copiar, de maneira reconhecível, o interior de um triângulo dividido. • Mais visualidade experimental do que aos cinco anos, porém pode perder facilmente a orientação e desse modo inverter números ou letras. 6 anos • Estende braços e pernas ao andar. • Muito ativa; quase constantemente em movimento. Atividade por vezes desastrada; a criança exagera e dá um trambolhão. • O corpo está em equilíbrio ativo, quando anda de balanço, pratica jogos de atividade entoando canções ou salta ao som da música. • Entretém-se com frequência lutando, dando cambalhotas, engatinhando, brincando de luta com outra criança e brincando de pegador. • Muda os blocos grandes e peças do mobiliário de um lugar para o outro, para fazer casa, e salta para cima ou para dentro delas. Atira bolas para cima ou de encontro a uma parede e às vezes consegue agarrá-las antes de cair no chão. • Experimenta andar de patins, saltar em comprimento com corrida e fazer exercício de barras. • Alguns meninos entretêm-se bastante fazendo escavações. • Gosta de andar e balançar-se nos muros. • Começa bem muitos de seus trabalhos, mas precisa de ajuda e orientação para completá-los.• Mostra-se agora mais decidida, ainda que, vez ou outra, ainda hesitante, mas maneja ferramentas e materiais. • Corta e cola papel para fazer livros e caixas. • É capaz de desenhar letras minúsculas, mas as faz muitas vezes ao contrário. • Em geral é capaz de desenhar o nome próprio. • Pode necessitar do dedo para seguir a leitura. 3.2 Desenvolvimento cognitivo da criança de 2 a 6 anos Paulo, aos dois anos, percebeu sua imagem no espelho. Agora, aos quatro anos, ele diz: “Meu nome é Paulo, e eu moro em um apartamento com minha mãe e meu pai. Tenho uma gata que chama Abóbora, tenho TV e assisto desenhos. Eu sei todo o alfabeto. Ouçam: A B C D E F G J L M P Q X Z. Posso correr mais rápido que todo mundo! Posso subir em um brinquedo mais alto e não tenho medo! Só fico feliz. Não se pode ficar feliz e com medo, não dá! Eu tenho cabelo escuro...”. 54 Unidade I Re vi sã o: L ea nd ro /T at ia ne - D ia gr am aç ão : F ab io - 2 2/ 09 /1 1 - 2ª R ev isã o: T at ia ne - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 2 9/ 09 /1 1 Segundo Jean Piaget (1967), a criança de 2 a 6 anos desenvolve o pensamento pré-operatório. Para o autor, o aparecimento da função simbólica (capacidade de empregar símbolos e signos que substituem as coisas, observada na linguagem, no jogo simbólico, na imitação indireta ou representativa) traz modificações na conduta afetiva e intelectual da criança. Com o ingresso no período pré-operatório, a criança consegue formar conceitos e categorias. Há também a emergência de memória episódica, em seguida, aos 3-4 anos, tem início a memória autobiográfica. Aos quatro anos, a maioria das crianças faz cálculos pictóricos, envolvendo números inteiros. No final dessa fase, pode-se observar que a codificação, generalização e construção de estratégias se tornam mais eficientes. Considerando ainda o desenvolvimento cognitivo, crianças entre 4 e 5 anos desenvolvem uma teoria da mente, ou seja, uma teoria sobre como sua própria mente e a dos outros funcionam e como as pessoas são afetadas por suas crenças e sentimentos. Outro indício da referida teoria é a capacidade de uma criança contar uma mentira; para isso, ela tem que ser capaz de imaginar o que a outra pessoa poderia pensar, ou seja, é um sinal de desenvolvimento cognitivo. Ainda sobre a teoria da mente, pode-se destacar a distinção entre a fantasia e realidade; apesar de as crianças de 2 a 3 anos já conseguirem distinguir entre eventos reais e imaginários, as crianças de 4 a 6 anos nem sempre têm certeza de que o que imaginam não é o real, por isso muitas vezes as crianças dessa fase agem como se os monstros de sua imaginação existissem. A linguagem da criança continua a se aperfeiçoar ao longo de seu desenvolvimento, suas frases vão se tornando cada vez mais complexas, os erros decorrentes da super-regularização (aplicar regras gramaticais a palavras que são exceções à regra) são gradativamente eliminados. O vocabulário da criança aumenta continuamente, a gramática e a sintaxe tornam-se mais sofisticadas. Dessa forma, graças à linguagem, a criança no estádio pré-operatório torna-se capaz de reconstruir suas ações passadas sob a forma de narrativas e de antecipar suas ações futuras pela representação mental (palavras, números ou imagens atribuindo significado), ou seja, pode-se dizer que esse é o ponto de partida do pensamento propriamente dito. Por exemplo, a criança no estádio pré-operatório pode pensar e pedir a sua bola, sem estar olhando para ela. Ela se lembra da bola (tem uma representação mental da bola) e intencionalmente a procura. Com essa capacidade, a criança consegue fazer com que um objeto represente outra coisa, por exemplo, um toquinho de madeira pode representar um carrinho. Isso é possível porque ela pensa simbolicamente, tem a representação mental de um carrinho e pode transpô-la para o toquinho de madeira, que passa a simbolizá-lo. Nessa fase, o jogo simbólico ou brincar de faz de conta são preponderantes nas atividades das crianças. 55 Psicologia do desenvolvimento: ciclo vital Re vi sã o: L ea nd ro /T at ia ne - D ia gr am aç ão : F ab io - 2 2/ 09 /1 1 - 2ª R ev isã o: T at ia ne - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 2 9/ 09 /1 1 Figura 16 – Brincadeira de faz de conta Nesse estádio, a criança apresenta uma atitude egocêntrica, quer dizer, ela vê o mundo a partir de seu próprio ponto de vista e é incapaz reconhecer a perspectiva de outra pessoa. Essa característica se expressa, por exemplo, no raciocínio dos pré-escolares, que adquire as seguintes características: Quadro 2 Características do estádio pré-operatório Raciocínio finalista Raciocínio animista Raciocínio artificialista Egocentrismo Pensamento pré-lógico e intuitivo Não tem noção de conservação Não tem noção de reversibilidade No raciocínio finalista a criança entende que não há acaso na natureza porque tudo é feito para as pessoas, inclusive as crianças; por exemplo, a criança diz: “Em Santos tem mar, para as pessoas nadarem” ou “As estrelas estão no céu para a gente olhar pela luneta”. A partir dessas frases, que ilustram o pensamento infantil, fica claro que as crianças entendem que o ser humano está no centro do universo e os “fenômenos” acontecem com a finalidade de atendê-los. Raciocínio animista é a tendência das crianças de conceberem as “coisas” como vivas e dotadas de intenção. Por exemplo, uma criança diz: “O sol se põe porque foi dormir” ou “Mãe, por que é que a vela sempre fica com medo quando eu sopro?”. Observe, nos dois exemplos, que a criança descreveu os fenômenos a partir do próprio referencial, usando atributos humanos para explicá-los: humanos dormem – sol dorme; humanos tremem quando têm medo – vela tem medo. 56 Unidade I Re vi sã o: L ea nd ro /T at ia ne - D ia gr am aç ão : F ab io - 2 2/ 09 /1 1 - 2ª R ev isã o: T at ia ne - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 2 9/ 09 /1 1 O raciocínio artificialista é o fato de a criança entender que as coisas foram construídas pelo homem ou por atividade divina operando do mesmo modo que a fabricação humana. Por exemplo, uma criança ao provar um abacaxi azedo diz: “Mãe, botaram limão nesse abacaxi”. O egocentrismo, além de conferir à criança raciocínios dessa ordem, também a faz pensar que cada um de seus sentimentos, de suas percepções ou explicações é compartilhado por todas as pessoas. Isso faz com que uma menina, por exemplo, ache que sua avó adoraria ganhar uma boneca de presente de aniversário. Até cerca de sete anos, a criança permanece pré-lógica, seu pensamento é intuitivo, ou seja, “[...] é uma simples interiorização das percepções e dos movimentos sob a forma de imagens representativas [...]” (PIAGET, 1967, p. 35). Assim, uma criança no estádio pré-operatório é capaz de reconhecer que há a mesma quantidade de suco em dois copos idênticos. Entretanto, se o suco de um dos copos é colocado integralmente em outro copo mais alto e estreito, a criança dirá que no copo mais alto e estreito tem mais suco, mesmo considerando que a transposição tenha sido feita em sua frente. Esse exemplo explicita que o pensamento da criança não tem noção de conservação (a quantidade do suco mudou com a mudança de copo) e é limitada pela irreversibilidade, que é a incapacidade de compreender que uma operação pode ter dois ou mais sentidos (quando a criança puder pensar em restaurar o estado original do suco despejando-o de volta ao outro copo, a criança perceberá que a quantidade de suco em ambos os coposé a mesma). A teoria de Piaget é um marco na compreensão do desenvolvimento cognitivo. Contudo, algumas pesquisas mais atuais sugerem que Piaget subestimou a capacidade das crianças em estádio pré- operacional, pois constatam que algumas habilidades cognitivas se desenvolvem mais cedo do que ele supunha (COLE; COLE, 2003). Alguns teóricos (ASTINGTON; GOPNIK, 1991; HARRIS, 1989; PERNER, 1991 apud BEE, 1996; ASTINGTON, 1993; BOWER, 1993 apud PAPALIA; OLDS; FELDMAN, 2006) evidenciaram que as crianças entre quatro e cinco anos desenvolvem uma teoria da mente, quer dizer, são teorias sobre como sua própria mente e a dos outros funcionam e como as pessoas são afetadas por suas crenças e sentimentos. Por exemplo, mostra-se um cofre de moedas a uma criança e pergunta-se o que ela imagina que tenha dentro. A criança seguramente diz moedas; então, você abre o cofre na frente da criança e substitui as moedas por bolinhas de gude; depois, pergunta-lhe novamente o que tem no cofre, a criança diz bolinhas de gude. Em seguida, você lhe pergunta o que outra criança responderia, e, se ela tiver até 3 anos, dirá que a outra criança falaria bolinhas de gude; se a criança tiver de 4-5 anos, ela dirá que a outra falaria moedas, porque ela entende que o comportamento da outra criança se baseará em suas crenças, apesar de serem incorretas. 57 Psicologia do desenvolvimento: ciclo vital Re vi sã o: L ea nd ro /T at ia ne - D ia gr am aç ão : F ab io - 2 2/ 09 /1 1 - 2ª R ev isã o: T at ia ne - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 2 9/ 09 /1 1 3.3 Desenvolvimento da linguagem da criança de 2 a 6 anos Dos dois aos seis anos de idade, o vocabulário da criança aumenta continuamente durante os anos pré-escolares, a gramática e a sintaxe tornam-se sofisticadas. Uma criança de dois anos possui um vocabulário de algumas centenas de palavras; ao falar, formula sentenças com duas ou três palavras. Ao final dos anos pré-escolares, a criança possui um vocabulário de milhares de palavras e emprega sentenças de cinco ou mais palavras (KAIL, 2004). Assim como há a explosão de vocabulário, em torno dos 27 aos 36 meses, existe a explosão da gramática (BROWN, 1973 in KAIL, 2004), em que a criança aprende rapidamente muitas inflexões, passam a usar plurais, verbos auxiliares e preposições. Um processo interessante dessa fase é a super-regularização ou supergeneralização. As crianças aplicam regras gramaticais a palavras que são exceções à regra. Por exemplo, conjugam verbos irregulares como regulares, “eu sabo” em vez de “eu sei”; ou acrescentam “s” em vez de usar o plural irregular, como “pãos” no lugar de “pães”. As crianças diferem na velocidade do desenvolvimento do vocabulário e da gramática devido a questões hereditárias e pelas influências ambientais. Apesar dessas variações, a maioria das crianças aprende a falar bem aos 5 ou 6 anos (HARDY-BROWN, PLOMIN; DeFRIES, 1981; MARTHER; PLOMIN; DEFRIES, 1985 in BEE, 1996). A linguagem da criança continua a se aperfeiçoar ao longo de seu desenvolvimento, suas frases vão se tornando cada vez mais complexas, os erros decorrentes da super-regularização são gradativamente eliminados. 3.4 Desenvolvimento psicossocial da criança de 2 a 6 anos “Se meu irmão batesse em mim, eu ficaria triste e furiosa.” “Estou animada de ir para uma escola nova, mas também estou com um pouco de medo.” “Fico feliz quando vou ao parque.” “Eu estava animada por ir aos EUA e satisfeita por ver meus avós.” “Fiquei brava com Caio, por isso o belisquei” e “Fiquei feliz porque papai não bateu em mim”. As afirmações anteriores são de crianças que se encontram na segunda infância. Nesse sentido, é fundamental compreendermos as emoções das crianças, e no início dessa fase podemos encontrar situações como a de uma criança que grita para sua mãe: “Eu te odeio! Você é uma mãe má!”. O que pode estar refletindo esse estado emocional e o que a criança não consegue imaginar nesse momento? Pode-se dizer que é comum à criança apresentar surtos de negativismo e acessos de raiva, e, neste caso, ela não conseguirá imaginar amar sua mãe novamente. 58 Unidade I Re vi sã o: L ea nd ro /T at ia ne - D ia gr am aç ão : F ab io - 2 2/ 09 /1 1 - 2ª R ev isã o: T at ia ne - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 2 9/ 09 /1 1 Entretanto, um ano ou dois depois, é comum aparecerem as emoções simultâneas, ou seja, reações emocionais diferentes ao mesmo tempo. A seguir, os cinco níveis de desenvolvimento das emoções: 1. Dois sentimentos quaisquer não podem existir, por exemplo: estar feliz e satisfeita. 2. Duas emoções só podem existir se ambas forem positivas ou negativas e dirigidas ao mesmo alvo (exemplo: “Se meu irmão batesse em mim, eu ficaria triste e furiosa”). 3. Duas emoções direcionadas a alvos diferentes (exemplo: “Eu estava animada por ir aos EUA e satisfeita por ver meus avós”). 4. Dois sentimentos opostos, com alvos diferentes (exemplos: “Fiquei brava com Caio, por isso o belisquei” e “Fiquei feliz porque papai não bateu em mim”). 5. Sentimentos opostos em relação ao mesmo alvo (exemplo: “Estou animada de ir para uma escola nova, mas também estou com um pouco de medo”). Gênero Aproximadamente aos 18 meses, a criança reconhece sua imagem refletida no espelho, é o primeiro momento do seu autorreconhecimento. No período pré-escolar, o desenvolvimento da autodefinição é crescente, tem como base características físicas (Tenho cabelo castanho), preferências (Gosto de sorvete), competências (Sou lento nas corridas) e gênero (Sou um menino). Portanto, a criança centra-se em suas características observáveis e concretas (DAMON; HART, 1998 in KAIL, 2004). Gênero refere-se ao que significa ser masculino ou feminino em um determinado contexto sócio- histórico. Entende-se que as características atribuídas ao masculino ou feminino são construções sócio- históricas. observação “De repente, o Coelho Branco passou por ali a correr, tão apressado que deixou cair o leque. Alice apanhou-o, abanou-se para se refrescar, mas como era um leque muito especial, a menina começou a ficar pequenina, muito pequenina...” (CARROLL, 2009). Resolver o “enigma” de Alice é o processo vitalício de conhecer o eu em desenvolvimento. Pense sobre isso. A identidade de gênero é um aspecto importante na formação do autoconceito; afeta a maneira como meninos e meninas se sentem em relação a si mesmos e como agem. O significado da identidade 59 Psicologia do desenvolvimento: ciclo vital Re vi sã o: L ea nd ro /T at ia ne - D ia gr am aç ão : F ab io - 2 2/ 09 /1 1 - 2ª R ev isã o: T at ia ne - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 2 9/ 09 /1 1 de gênero é construído por meio da socialização e da cultura na qual a criança está inserida. Durante os anos pré-escolares, a brincadeira cooperativa frequentemente é a brincadeira de faz de conta. Ela promove o desenvolvimento cognitivo e permite à criança a exploração de temas que a amedronta. Por exemplo, após uma criança tomar uma injeção, ela pode brincar com uma boneca aplicando-lhe injeção várias vezes e assim elaborar a sua vivência. Lembrete As crianças aprendem papéis de gênero por meio da socialização, a qual inclui observação de modelos e internalização de padrões. Os pais, amigos e mídia influenciam a tipificação de gênero. A autoestima nesse período tende a ser global (bom ou ruim) e depende da aprovação de adultos. Pesquisas indicam que 1 3 ou ½ dos pré-escolares parecem mostrar o padrão “impotente”; ao brincar castigama boneca por fracasso; mais que recompensam por esforço; acreditam que a “ruindade” não pode ser superada. Nesse sentido, os pais e professores podem ajudar na construção da autoestima, dando às crianças um retorno específico e com foco na estratégia em vez de criticar a criança enquanto pessoa. Segundo Kohlberg (apud KAIL, 2004), pode-se afirmar que a criança de 2/3 anos já possui uma identidade de gênero, isto é, a criança é capaz de dizer se é um menino ou menina e consegue classificar corretamente os outros como homens ou mulheres. Por volta dos quatro anos, a criança possui estabilidade de gênero, ela começa a entender que o gênero é estável: os meninos se tornam homens e as meninas, mulheres. Mas acreditam que se um menino vestir uma roupa de menina ou brincar com bonecas se tornará uma menina e da mesma forma a menina. Figura 17 – Menina e menino 60 Unidade I Re vi sã o: L ea nd ro /T at ia ne - D ia gr am aç ão : F ab io - 2 2/ 09 /1 1 - 2ª R ev isã o: T at ia ne - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 2 9/ 09 /1 1 A consistência ou constância de gênero surge entre 4 e 7 anos, as crianças entendem que o gênero não muda com as situações ou de acordo com desejos pessoais, mesmo que haja mudanças externas na aparência, na roupa, no cabelo, nos brinquedos ou nos outros. De acordo com a teoria de Kohlberg (KAIL, 2004), apenas as crianças que entendem a constância de gênero têm um conhecimento amplo das atividades estereotipadas por gênero, ou seja, discriminam o que é identificado culturalmente como adequado e possível para o seu gênero e o que não é. Erik Erikson (1987) contribui para uma melhor compreensão de questões como essas, e, de acordo com ele, na segunda infância a criança passará por duas crises: • autonomia versus vergonha e dúvida; • iniciativa versus culpa. Autonomia versus vergonha e dúvida O segundo estágio psicossocial, proposto por Erikson (1974), descreve os principais dilemas vividos pela criança de 18 a 36 meses. Para o autor, o desenvolvimento motor e da linguagem da criança dessa fase permite uma ampliação na exploração e na manipulação do seu ambiente (incluindo objetos e pessoas). A criança é capaz de fazer muita coisa sozinha, como aprender a se comunicar de forma mais eficiente, a andar, subir, empurrar, puxar e segurar ou largar um objeto. Pela primeira vez, a criança consegue exercer algum grau de escolha, experimentar o poder de sua vontade autônoma. Dessa forma, suas condutas são acompanhadas por um senso confortável de autonomia e de ser uma pessoa capaz e de valor. A crise mais importante entre pais e filhos nessa fase é o treinamento esfincteriano, que é considerado como o primeiro exemplo da sociedade tentando regular uma necessidade instintiva. Os pais podem permitir que a criança siga seu próprio ritmo ou podem imprimir-lhe um, adotando, muitas vezes, posturas rígidas, irritadiças com a criança. As restrições e as críticas podem gerar um sentimento de dúvida a respeito de si própria e um senso de vergonha em lidar com os outros, assim como a exigência de habilidades além da capacidade da criança podem desestimulá-la em suas iniciativas. Assim, nesse período, a criança passa a ter controle de suas necessidades fisiológicas e responder por sua higiene pessoal, o que dá a ela grande autonomia, confiança e liberdade para tentar novas coisas sem medo de errar. Por outro lado, se ela for criticada ou ridicularizada nas coisas que pensa, sente e faz, desenvolverá vergonha e dúvida quanto à sua capacidade de ser autônoma, provocando uma volta ao estágio anterior, ou seja, a dependência. Segundo Erikson, superar a crise leva à virtude da vontade. Iniciativa versus culpa Ainda de acordo com Erikson (1974), as crianças entre 3 e 5 anos expressam um forte desejo de tomar a iniciativa em várias atividades intelectuais e motoras. A maneira como os pais reagem às 61 Psicologia do desenvolvimento: ciclo vital Re vi sã o: L ea nd ro /T at ia ne - D ia gr am aç ão : F ab io - 2 2/ 09 /1 1 - 2ª R ev isã o: T at ia ne - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 2 9/ 09 /1 1 atividades iniciadas por conta própria da criança podem tanto encorajar o sentimento de liberdade e autoconfiança quanto gerar culpa e sentimentos de que se é um intruso em um mundo adulto. Dessa forma, no estágio iniciativa versus culpa, a criança passa a perceber as diferenças sexuais, os papéis desempenhados por mulheres e homens na sua cultura (conflito edipiano para Freud) entendendo de forma diferente o mundo que a cerca. Se sua curiosidade “sexual” e intelectual, natural, for reprimida e ela for castigada, poderá desenvolver sentimento de culpa e diminuir sua iniciativa de explorar novas situações ou de buscar novos conhecimentos. Sendo assim, nessa fase, a virtude é o propósito. Relacionamentos sociais No tocante aos relacionamentos verticais, por volta dos 2 ou 3 anos os comportamentos de apego tornam-se menos visíveis (BOWLBY, 1969). A criança já possui um desenvolvimento cognitivo que a capacita entender, por exemplo, que sua mãe irá trabalhar e voltará de tal forma que sua ansiedade de separação diminui. É evidente que ainda exibe comportamentos de apego, como pedir colo, querer ficar próximo das figuras de apego, mas em menor intensidade em relação ao período anterior. Lembrete Os objetos transicionais (brinquedo, cobertor, fralda, chupeta) são utilizados com frequência pela criança nessa fase, são objetos de apoio, que substituem a figura materna nos momentos de sua ausência, dando- lhe segurança. Já aos 4 anos, segundo Bowlby (1969), há uma mudança qualitativa no padrão de apego, a criança percebe que o relacionamento continua existindo mesmo quando as partes (por exemplo, mãe- criança) estão separadas. Nessa idade, as crianças se ressentem muito menos com a separação e os comportamentos de apego são expressos basicamente em situações de estresse. Observe, por exemplo, nas festas infantis, as mães das crianças até 3 anos estão constantemente sendo solicitadas pelos filhos. Já as mães das crianças de quatro anos ou mais vão “encontrar” seus filhos somente no final da festa. Serão solicitadas no decorrer da festa, se a criança se machucar, brigar com outra criança ou em caso de outra situação de estresse. Nos relacionamentos horizontais, aos 2 anos ainda há o brincar paralelo, embora também haja a brincadeira cooperativa. As agressões são basicamente físicas, até por conta do desenvolvimento da linguagem. A disputa por um brinquedo, por exemplo, normalmente é resolvida “nos tapas entre as crianças”. Por volta dos três anos, nota-se certo altruísmo e a escolha de companheiros do mesmo sexo. Muitas vezes, em suas interações sociais (tanto nos relacionamentos verticais como horizontais), exibe reações de oposição e negação, como, por exemplo, na recusa de emprestar um brinquedo ou de tomar banho 62 Unidade I Re vi sã o: L ea nd ro /T at ia ne - D ia gr am aç ão : F ab io - 2 2/ 09 /1 1 - 2ª R ev isã o: T at ia ne - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 2 9/ 09 /1 1 ou comer. Esse comportamento pode ser entendido como uma tentativa de diferenciar-se dos outros, para construir sua própria identidade (HAY; CASTLE; DAVIES, 2000 apud KAIL, 2004). Aos 4 anos aproximadamente evidenciam-se os primeiros sinais de amizades individuais e as agressões tornam-se mais verbais. A partir dos 5 anos se iniciam as brincadeiras ou os jogos interativos, os jogos sociodramático e os papéis nas brincadeiras. A criança vivencia ospapéis sociais, como de mãe, pai, médico, professora, herói etc. Dessa forma, a brincadeira é muito importante na segunda infância. Visto que brincar significa vincular-se, estabelecer laços, é imperativo percebemos a importância dessa ação na promoção da criança na sociedade. Propomos, nesse momento, que você leia o texto a seguir e reflita conosco sobre esse assunto. Brasileiro não vê o brincar como prioridade para criança Pesquisa realizada desde 2001 pela Ipsos Public Affairs mostrou que mais da metade dos pais brasileiros apontam como prioridade na vida de seus filhos o ensino escolar, maior segurança e melhor acesso à saúde. E 31% deles acreditam ainda que a criança deve ter prioritariamente acesso ao estudo de idiomas e informática, porém apenas 19% veem o brincar como fundamental. Apresentado no III Fórum de Desenvolvimento da Criança, o estudo dividiu- se na análise do ato de brincar e na importância dele para especialistas de 16 diferentes áreas, que vão da educação, à psicologia à arquitetura e à construção de espaços públicos, ordenando a metodologia para a pesquisa quantitativa. Foram entrevistados então 1.014 pais com filhos de idade entre 6 e 12 anos, acumulando 834 horas de informação em 22 diferentes cidades por todas as regiões do país. “O extenso mapeamento permitiu que avaliássemos nacionalmente como o brasileiro vê a brincadeira, atividade esta que, academicamente, não tinha definição conceituada. Estipulamos, de acordo com as vozes e indicações dos especialistas, uma lista com 35 atividades classificadas quanto à intensidade e frequência com que são praticadas pelas crianças”, explicou o coordenador da pesquisa, Paulo Cidade. Assistir à televisão, a vídeos e DVD é a principal atividade entre as crianças brasileiras (97%), seguidas por cantar e ouvir música (81%). “Nos surpreendemos positivamente com o resultado de que 57% dos pais indicaram a leitura de histórias de livros e gibis como atividade realizada pelos filhos”, comemora Cidade. 63 Psicologia do desenvolvimento: ciclo vital Re vi sã o: L ea nd ro /T at ia ne - D ia gr am aç ão : F ab io - 2 2/ 09 /1 1 - 2ª R ev isã o: T at ia ne - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 2 9/ 09 /1 1 Para 98% dos pais é importante preparar as crianças para serem bem- sucedidas profissionalmente e, unanimemente, os especialistas apontaram o brincar como responsável pelo desenvolvimento de qualidades necessárias para isso. De acordo com os dados obtidos, o coordenador aponta que há espaço de diálogo com os pais para discutir a importância do brincar. “Apenas 14% dos pais responderam espontaneamente que brincar está associado ao bom desenvolvimento infantil, mas, ao serem estimulados, esse resultado cresceu exponencialmente, indicando que este é um assunto a ser pautado na sociedade e discutido, pois, certamente, os pais se mostraram interessados”, acredita. Porém, apesar de 76% dos pais afirmarem que a união entre adultos e crianças em atividades e brincadeiras é sadia, somente 53% dizem brincar com seus filhos diariamente. “Alguns especialistas chegaram a apontar a necessidade de criar horas de lazer no ambiente familiar para promover essa integração”, conta Cidade. [...] A pesquisa também observou os sujeitos que têm, como direito garantido nacional e internacionalmente, o ato de brincar. Foram avaliados quatro grupos de meninos e meninas, de 7 e 8 anos, que escreveram diários apontando suas atividades cotidianas, além de máquinas fotográficas para registrar suas principais impressões. “Essas informações possibilitaram a realização do questionário para os pais. Cruzamos as informações com as fornecidas pelos especialistas para mapearmos de forma mais ampla possível o perfil do brincar entre as crianças brasileiras”, explica Cidade. [...] “A palavra brincar se origina do equivalente latino vinculum, que significa vincular, estabelecer laços. Como então, ainda não percebemos a importância dessa ação na promoção da criança na sociedade?”, questiona Cidade (DIETRICH, 2007). Fundamentando-se no que estudamos até aqui, qual a sua opinião sobre isso? Brincar é o trabalho das crianças. Pelo brincar, as crianças crescem, estimulam os sentidos, aprendem a usar os músculos, coordenam o que veem com o que fazem e adquirem domínio sobre os seus corpos. Exploram o mundo e a si mesmas, adquirem novas habilidades, tornam-se mais proficientes na língua, experimentam diferentes papéis e, ao reencenarem situações da vida real, manejam emoções complexas. 64 Unidade I Re vi sã o: L ea nd ro /T at ia ne - D ia gr am aç ão : F ab io - 2 2/ 09 /1 1 - 2ª R ev isã o: T at ia ne - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 2 9/ 09 /1 1 Figura 18 – Crianças brincando em grupo Pode-se afirmar que o brincar social é melhor que o brincar solitário? Segundo Papalia, Olds e Feldman (2006), os estudos indicam que brincadeiras solitárias podem refletir independência e maturidade. Crianças que brincam sozinhas podem ser boas na resolução de problemas, podem ser populares e socialmente habilidosas. Logo, é preciso prestar atenção no que as crianças fazem quando brincam, não apenas se brincam sozinhas. Exemplo de aplicação Faça uma pesquisa sobre as brincadeiras e os jogos mais comuns na segunda infância e elabore um programa com atividades para crianças de 3 a 4 anos, de uma escola infantil. Quanto ao brincar cognitivo, observe a situação a seguir: No “dia do brinquedo”, Fábio, quatro anos, pode levar à escola sua maleta de doutor. Junto aos demais amiguinhos, ele brinca que é médico. Examina os “pacientes” dá injeções e remédios para os que estão “doentes”. Como Piaget denomina este brincar de Fábio? Que tipo de desenvolvimento este brincar promove? Geralmente, como são os pais de crianças que brincam desta forma? Piaget chama de jogo imaginativo. Tais brincadeiras permitem que a criança perceba mais o ponto de vista do outro, resolva problemas sociais, amplie sua criatividade, torne-se mais cooperativa, popular e alegre. Segundo pesquisas, os pais de crianças assim se dão bem, expõem a criança a experiências 65 Psicologia do desenvolvimento: ciclo vital Re vi sã o: L ea nd ro /T at ia ne - D ia gr am aç ão : F ab io - 2 2/ 09 /1 1 - 2ª R ev isã o: T at ia ne - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 2 9/ 09 /1 1 interessantes, ao diálogo e não espancam a criança. Definem a hora e o local para brincar e estimulam seus filhos com brinquedos do tipo: blocos, trajes etc. É importante destacar que a cultura influencia o modo de brincar, havendo diferenças entre as culturas. Sobre os companheiros imaginários, estudos revelam que de 15 a 30% de crianças entre 3 e 10 anos têm tais companheiros. Geralmente são os filhos primogênitos ou filhos únicos, ocorrendo mais com as meninas do que com os meninos. Os companheiros das meninas geralmente são humanos e os dos meninos, animais. Pode-se considerar que representam uma boa companhia, ajudando a criança a se relacionar com o mundo real. Consistem também em mecanismos de realização de desejos (exemplo: diz que tem um monstro no quarto para trazer a mãe perto); como bodes expiatórios (exemplo: foi ele que comeu as bolachas); para enfrentar os medos (exemplo: o amigo imaginário está com medo) e situações difíceis (exemplo: levar o companheiro imaginário para ver um filme assustador). Saiba mais O filme A creche do papai apresenta aspectos teóricos estudados, nesta unidade, sobre a segunda infância (2 a 6 anos). No filme,dois homens ficam desempregados e como não têm dinheiro precisam tirar seus filhos da creche e cuidar deles até arrumar um novo emprego. Surge então a ideia de criar uma instituição que cuide de crianças enquanto seus pais trabalham. O filme mostra crianças com várias das características estudadas até aqui e será muito interessante para você poder identificá-las. 4 A CRIAnçA DE 7 A 11 AnoS A criança de 7 a 11 anos é denominada muitas vezes criança escolar, porque a vida escolar é central nesse momento do ciclo da vida. 4.1 Desenvolvimento físico-motor da criança de 7 a 11 anos Quando passamos perto de uma escola de Ensino Fundamental e os alunos estão no intervalo, podemos observar uma grande quantidade de crianças, de todas as formas e de diferentes tamanhos. Crianças altas, baixas, fortes e magras. É possível constatar que as crianças nessa fase escolar são muito diferentes e são muitas as características de seu desenvolvimento físico-motor, como podemos observar a seguir (GESELL, 2000): 7 anos • Procede com mais cautela em muitas atividades motoras violentas. • A atividade é variável; por vezes a criança é bastante ativa e, outras, inativa. 66 Unidade I Re vi sã o: L ea nd ro /T at ia ne - D ia gr am aç ão : F ab io - 2 2/ 09 /1 1 - 2ª R ev isã o: T at ia ne - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 2 9/ 09 /1 1 • Repete com persistência as suas atividades. • Tem “revoadas” em relação a algumas atividades, como patins de rodas, pular corda, jogar bola ou peteca. • Deseja imensamente ter uma bicicleta sua e é capaz de guiar até certa distância, embora o seu domínio da bicicleta seja ainda limitado. • Gosta de “galopar” e de dar uns passos de dança simples, ao compasso da música. • Segura com força no lápis e o pega muitas vezes perto da ponta. A força que faz para escrever é variável, mas tende a ser exagerada. À medida que a letra se torna menor a pressão diminui. • Muitas fazem restrições visuais, escolhendo objetos menores do que antes. • A maior parte distrai-se menos com o movimento periférico do que aos seis. Lembrete O brincar impetuoso caracteriza a brincadeira escolar no recreio, que envolve lutar, rolar no chão, chutar, agarrar e, às vezes, perseguir, acompanhado de risos e gritos. 8 anos • Os movimentos corporais são mais rítmicos e mais graciosos. • A criança tem agora consciência de sua própria postura e da dos outros. • Aprende a jogar futebol e gosta das mudanças de atividade no decorrer do jogo. • Aprende a pular corda e pode desistir quando começa a falhar, mas não é capaz de variar o ritmo enquanto estão pulando. • Atitudes e movimentos livres, quando está pintando. • Teatraliza muito naquelas atividades que envolvem gestos característicos e descritivos. • Muitas crianças gostam de danças populares, mas só lhes agradam os ritmos de natureza dramática e espontânea. • A coordenação de olhos e mãos é mais rápida e mais natural; larga com facilidade um objeto. • Segura o lápis, o pincel e as ferramentas de forma um pouco menos tensa. • Gosta que controlem o tempo para fazer um trabalho, mas não se esforça por concluí-lo no tempo marcado. • É provável que haja um desnível entre aquilo que quer fazer pelas suas mãos e aquilo de que é capaz. 67 Psicologia do desenvolvimento: ciclo vital Re vi sã o: L ea nd ro /T at ia ne - D ia gr am aç ão : F ab io - 2 2/ 09 /1 1 - 2ª R ev isã o: T at ia ne - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 2 9/ 09 /1 1 • Escreve ou desenha todas as letras e algarismos com precisão, mantendo o alinhamento e a inclinação da escrita, assim como o espaçamento das palavras. • Começa a desenhar com perspectiva; desenha as figuras de uma cena com boas proporções. • Não toca o que vê com a frequência anterior. • Atividade binocular mais regular. 9 anos • Trabalha e brinca ativamente. • Interessa-se por mostrar a sua força e gosta de levantar objetos pesados. • Os meninos gostam de lutar. • Há grande interesse nos jogos de grupo e em aprender a jogá-los bem. • Verificam-se variações individuais de aptidões. • Executa estruturas complexas com jogos de encaixe. • A escrita é agora um utensílio de trabalho. • Começa a desenhar esboços. Os seus desenhos têm, frequentemente, bastantes pormenores. • Vestem-se rapidamente. Algumas crianças mostram interesse em se pentear. • A preocupação ou o cuidado com a nutrição e a prática de esportes adequada é relevante nessa faixa etária. Assim, em relação ao desenvolvimento físico, o corpo cresce continuamente durante os anos escolares e as habilidades motoras melhoram notavelmente. No entanto, esse desenvolvimento acontece de forma menos rápida que nos períodos anteriores. No tocante à habilidade motora, na maioria dos casos, os meninos são mais fortes, em parte devido à expectativa e experiências culturais. Considerando a questão da habilidade física, ela vai se tornando cada vez mais desenvolvida: as crianças ficam mais fortes, rápidas e bem-coordenadas. É uma fase em que a criança se torna mais autônoma nas tarefas diárias e se envolve em várias atividades motoras em função das melhorias na manutenção do equilíbrio, no controle postural, na coordenação e na precisão dos movimentos. O conhecimento dos limites do próprio corpo, ou seja, do esquema corporal vai sendo possível à medida que as crianças experimentam os movimentos e desafiam suas próprias capacidades físicas. Exemplo de aplicação Faça uma pesquisa sobre a síndrome do Fofão, fenômeno presente na terceira infância, que atualmente é uma tendência mundial, que o Brasil está acompanhando. 68 Unidade I Re vi sã o: L ea nd ro /T at ia ne - D ia gr am aç ão : F ab io - 2 2/ 09 /1 1 - 2ª R ev isã o: T at ia ne - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 2 9/ 09 /1 1 Por volta dos 10 anos, por meio de um treinamento mais específico, por exemplo, tocar um instrumento musical, a criança pode atingir um nível de execução elevado. A taxa de mortalidade nesse período é a mais baixa de todo o ciclo vital, porque a duração de infecções respiratórias e outros problemas tende a diminuir bastante. Por outro lado, a obesidade é cada vez mais comum, principalmente nas crianças norte-americanas. Figura 19 – Dieta e saúde na terceira infância A visão é aperfeiçoada e menos de 16% das crianças nessa fase apresentam problemas de visão ou audição. O destaque nesse período é quanto aos acidentes, que acabam sendo a principal causa da morte (casa, automóveis etc.). Geralmente, os meninos são levemente maiores no início dessa fase, enquanto as meninas passam pelo surto do crescimento adolescente mais cedo e tendem a ser maiores que os meninos ao final desse período. 4.2 Desenvolvimento cognitivo da criança de 7 a 11 anos Segundo Jean Piaget (1967), a criança de 7 a 11 anos desenvolve o pensamento operatório-concreto. Durante esse período, assiste-se a um duplo progresso; por um lado, um aumento na concentração individual e, por outro, uma colaboração efetiva com grupos. observação A criança possui um pensamento indutivo, um raciocínio lógico, que parte de elementos de uma classe (particular) para uma conclusão (geral) sobre essa classe (P → G). 69 Psicologia do desenvolvimento: ciclo vital Re vi sã o: L ea nd ro /T at ia ne - D ia gr am aç ão : F ab io - 2 2/ 09 /1 1 - 2ª R ev isã o: T at ia ne - D ia gr am aç ão : Jef fe rs on - 2 9/ 09 /1 1 Segundo o autor, a criança torna-se capaz de cooperar, porque não confunde mais seu próprio ponto de vista com o dos outros, graças à socialização, torna-se menos egocêntrica. As discussões são possíveis. Marca-se o começo da reflexão, ou seja, a criança pensa antes de agir, possui uma discussão interiorizada. A criança de 7 anos começa a se liberar de seu egocentrismo social e intelectual, é o início da construção lógica, isto é, a capacidade da criança de estabelecer relações que permitam a coordenação de pontos de vista diferentes. No plano cognitivo, isso significa o surgimento de uma nova capacidade intelectual da criança: as operações; ou seja, ela consegue realizar uma ação física ou mental dirigida para um objetivo e revertê-la para seu início. Figura 20 – Menino em idade escolar Diferentemente da criança pré-escolar, o escolar apresenta a noção de conservação, possui um pensamento reversível; tem noção de tempo, velocidade e espaço. É capaz de realizar operações lógicas, tais como: adição, subtração, multiplicação, divisão e operações geométricas. Ela apresenta também a noção de classes para realizar a classificação, a criança precisa dominar as relações de encaixamento das partes no todo ou, inversamente, o destacamento das partes em relação ao todo, por exemplo: classificar diferentes figuras geométricas por forma, tamanho, cor; além disso, a capacidade de seriação também é desenvolvida, consiste na operação da ordenação de elementos segundo grandezas crescentes ou decrescentes, por exemplo: seriar palitos de sorvete com comprimentos diferentes, do menor para o maior. No entanto, esse domínio sobre as operações só ocorre quando se referem às coisas do seu cotidiano, a partir de objetos reais, concretos. Portanto, mesmo a capacidade de reflexão que se inicia ou a capacidade de considerar os vários pontos de vista simultaneamente ou, ainda, recuperar o passado e antecipar o futuro são possíveis somente a partir das situações vivenciadas pelas crianças. No plano afetivo, nesse período, há a aparição de novos sentimentos morais, tais como: uma moral autônoma baseada no respeito mútuo, a honestidade, o companheirismo, a justiça (fundada na igualdade estrita e que leva mais em conta as intenções e circunstâncias de cada um do que a objetividade das 70 Unidade I Re vi sã o: L ea nd ro /T at ia ne - D ia gr am aç ão : F ab io - 2 2/ 09 /1 1 - 2ª R ev isã o: T at ia ne - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 2 9/ 09 /1 1 ações); e, sobretudo, há uma organização da vontade, que leva a uma melhor integração do eu e uma regulação da vida afetiva, levando a criança a balizar, por exemplo, o dever de estudar e a vontade de jogar bola. Pode-se afirmar que algumas das atuais características cognitivas da criança nessa fase são: • não confundir seu ponto de vista com o do outro (conexão entre as ideias e justificativas); • compreender o jogo no sentido coletivo: ser bem-sucedido; • apresentar o início de uma reflexão ou discussão interiorizada e uma moral de cooperação e autonomia. Considerando, portanto, todo esse processo desenvolvimental, a criança nessa fase, torna-se capaz de jogar os jogos de regra, consegue compreender e respeitar as regras, como as de um jogo de futebol ou um jogo de xadrez. A cooperação a leva a abandonar seu egocentrismo, e assim as regras e as normas são concebidas como válidas e verdadeiras, desde que sejam aceitas e respeitadas por todos. Figura 21 – Menino jogando xadrez Com relação à linguagem, pode-se observar que a compreensão da sintaxe e da estrutura da sentença torna-se mais sofisticada. A fala privada (egocêntrica) tende a diminuir gradativamente. 4.3 Desenvolvimento psicossocial da criança de 7 a 11 anos Os estudos de Castro (1998) indicam que: • Os mass media pedagogizam, diferentemente do apelo à autoridade e à tradição, apelam ao consumo e ao arrebatamento pelo olhar. 71 Psicologia do desenvolvimento: ciclo vital Re vi sã o: L ea nd ro /T at ia ne - D ia gr am aç ão : F ab io - 2 2/ 09 /1 1 - 2ª R ev isã o: T at ia ne - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 2 9/ 09 /1 1 • As novas pedagogias dos meios de comunicação em massa concorrem com a autoridade e experiência de mães e pais. • A maioria das crianças e adolescentes de hoje encontram oportunidades para assistir a televisão ou fazer uso da internet, o que indica uma inserção em redes simbólicas de subordinação cultural. Tais resultados nos levam a pensar sobre o uso das ferramentas tecnológicas no mundo contemporâneo. O desenvolvimento do eu, nesse período, é marcado por um autoconceito cada vez mais abstrato e focalizado em qualidades internas do que ligado à aparência externa. A descrição que as crianças fazem das outras pessoas também obedecem a essa tendência. Portanto, o conceito de si mesmo agora é mais amplo e abrangente – supera as definições próprias de tudo ou nada; as descrições mais equilibradas, por exemplo: “na escola me sinto inteligente em artes e estudos sociais; mas me sinto burra em ciências”. observação Crianças em idade escolar internalizam a vergonha e o orgulho, são mais capazes de compreender e controlar emoções negativas. Com isso, aumentam-se a empatia e o comportamento social, indicando crescimento emocional. Aparece nesse momento um juízo global de autovalia, a opinião da criança sobre sua própria competência, que dependerá de fatores como: a. o quão competentes se acham; b. o apoio social que recebem. Competência (diligência) versus inferioridade O que eu vou ser quando crescer? é um programa de uma TV educativa que explora a curiosidade das crianças a respeito das profissões. A seguir, alguns dos recados de crianças que assistem ao programa: “eu quero ser veterinária”, Bianca, 10 anos (Guarulhos, SP); “eu quero ser médico”, Lucas, 11 anos (Sorocaba, SP); “quando eu crescer, quero me formar em medicina”, Loyane Ohana, 11 anos (Sobradinho, BA); “quando eu crescer, eu quero ser professor porque é legal”, Paulo, 9 anos (Dores do Indaiá, MG). Nessa fase, a criança vive o que Erikson denomina de competência (diligência) versus inferioridade. Esse é o quarto estágio psicossocial e é no ambiente escolar que a criança fica mais exposta às novas influências sociais. 72 Unidade I Re vi sã o: L ea nd ro /T at ia ne - D ia gr am aç ão : F ab io - 2 2/ 09 /1 1 - 2ª R ev isã o: T at ia ne - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 2 9/ 09 /1 1 Como Freud, Erikson afirma que esse período é emocionalmente silencioso, uma fase em que a criança parece ficar pronta para se dedicar a determinadas tarefas e habilidades e se esforça para dominar os valores de sua cultura. Baseando-se no seu grau de sucesso, as crianças se julgam ativas ou inferiores, ou seja, competentes ou incompetentes, produtivas ou fracassadas, vencedoras ou perdedoras. Lembrete Para Freud, a criança na terceira infância encontra-se em uma fase de latência, em que a libido está projetada para fora do corpo, voltada para o relacionamento social e os estudos. Portanto, a escola e os esportes são cenários para a aprendizagem de habilidades intelectuais e motoras, e a interação com os pares proporciona um espaço para o desenvolvimento de habilidades sociais. O sucesso nessas iniciativas leva a sentimentos de competência, e, segundo Erikson, a virtude dessa fase é a habilidade. No entanto, algumas crianças são repreendidas, ridicularizadas ou rejeitadas em suas iniciativas e,assim, desenvolvem um sentimento de inferioridade, o que as torna incapazes de cumprir as demandas dos próximos estágios de vida. Assim, na escola, a criança começa a se comparar com seus colegas e percebe suas competências em relação aos outros, essa percepção pode produzir uma queda na sua autoestima. No decorrer desse estágio, a autoestima se torna mais diferenciada, quer dizer, as crianças se avaliam em mais aspectos, inclusive em diversos tipos de habilidades acadêmicas. Por exemplo, uma criança pode considerar que é fraca em matemática, mas é boa em português, e assim por diante. Dessa forma, as situações de agressão e humilhação vividas pelos alunos na escola podem interferir negativamente na construção da autoestima. Exemplo de aplicação Leia a situação a seguir e reflita sobre isso: Minha filha de 9 anos estuda em um colégio privado, relatou recentemente os incômodos que um coleguinha de classe e do transporte provoca diariamente. Estou consciente de que esse tipo de comportamento é muito comum dentro dos colégios. Mas o relato me incomodou muito, pois acredito que essa prática deve ser coibida de toda forma. Em outra situação, dois anos atrás, a coordenadora pedagógica, numa tentativa de minimizar a situação e seus efeitos, tentou me fazer entender que a minha postura é que era superprotetora, pois minha criança é filha única. Não aceitei, claro, pois apesar dessa condição, ensino a ética e o respeito ao próximo, dentro e fora de casa. Estou pensando em orientar a minha filha a gravar essas situações e, com provas, exigir que o colégio se posicione e não admita essa prática. Gostaria de saber o seguinte, além de recorrer ao colégio, por quem mais eu 73 Psicologia do desenvolvimento: ciclo vital Re vi sã o: L ea nd ro /T at ia ne - D ia gr am aç ão : F ab io - 2 2/ 09 /1 1 - 2ª R ev isã o: T at ia ne - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 2 9/ 09 /1 1 poderia ser assistida neste tipo de situação? Secretaria da Educação? Afinal, pretendo me preparar quanto à possibilidade do colégio manter a posição anterior, menosprezando a situação e ainda me dizer sem rodeios que meu problema era excesso de ansiedade... (depoimento de uma mãe). Enfrenta-se hoje um fenômeno mundial de agressões nas escolas. Pesquise sobre o bullying no Ensino Fundamental, da 6ª até a 9ª série. Procure identificar quais são os alunos mais propensos a praticar e a sofrer bullying, que ações as escolas têm praticado para enfrentá-lo e se essas ações têm sido efetivas. Relacionamentos sociais A criança escolar tende a “gastar menos tempo com os pais” – embora o relacionamento com estes ainda seja o mais importante – e a ampliar o seu número de amigos, até porque costuma ser expostas a um grupo maior de crianças do que antes. Suas amizades são baseadas na confiança recíproca, como decorrência das novas habilidades operacionais, conforme discutido anteriormente. Há a segregação dos grupos por gênero, a famosa “turma da Luluzinha e turma do Bolinha”, as crianças agrupam-se por interesses comuns e por uma boa convivência. Aparecem as amizades mais duradouras que continuam ao longo desses anos e às vezes se perpetuam pela vida adulta. Figura 22 – Amigos na infância É preciso destacar que a cultura influencia os relacionamentos, os papéis e a importância da família. A criança descobre que a aceitação ou rejeição social depende de suas realizações. Essas experiências, por sua vez, influenciam a formação do autoconceito. Pais e crianças dividem o poder – os pais supervisionam, mas as crianças tomam decisões a todo o momento, o que se chama de corregulação. Essa é uma etapa transicional. A instalação de um processo cooperativo só tem êxito se pais e crianças se comunicarem com clareza. 74 Unidade I Re vi sã o: L ea nd ro /T at ia ne - D ia gr am aç ão : F ab io - 2 2/ 09 /1 1 - 2ª R ev isã o: T at ia ne - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 2 9/ 09 /1 1 Quanto a fatores como família e finanças, pode-se afirmar que a estrutura familiar, a atmosfera econômica, o relacionamento dos pais e seus respectivos trabalhos têm efeitos diretos sobre a criança, podendo gerar um ambiente favorável ou não. No que diz respeito à estrutura familiar, hoje encontramos vários tipos, entre elas: famílias monoparentais e famílias de pais divorciados. De acordo com Papalia, Olds e Feldman (2006), as crianças se saem melhor quando são de famílias tradicionais ou intactas, com atmosfera familiar positiva. Quanto aos aspectos socioeconômicos, pode-se salientar que os papéis e as responsabilidades em sociedades não industrializadas são mais significativos e mais estruturados durante toda a vida do que nas sociedades industrializadas. As relações com companheiros e as amizades nessa fase são mais profundas e estáveis, refletindo o desenvolvimento emocional e cognitivo. Meninas têm menos amigos, porém mais íntimos. O grupo tem diversas funções: a. Funções positivas: desenvolvimento de habilidades sociais – “pertencer”; fortalecimento do autoconceito. b. Funções negativas: segregação racial ou étnica, que reforça o preconceito. c. A popularidade, que influencia a autoestima. d. A segregação por gênero vai se tornando completa. Com relação às brincadeiras, Papalia, Olds e Feldman (2006) afirmam que elas parecem ser universais e geralmente ocorre uma mudança dos 7 aos 11 anos, as brincadeiras passam de impetuosas (lutas, golpes, perseguições) para brincadeiras com regras (amarelinha, esconde- esconde e pega-pega). Saiba mais O filme Harry Potter e a pedra filosofal apresenta aspectos teóricos estudados, nesta unidade, sobre a terceira infância (7 a 11 anos). Harry Potter é um menino órfão de 10 anos que vive infeliz com seus tios. Um dia recebe uma carta para estudar em uma escola famosa, especializada em formar jovens bruxos. A partir daí o garoto passa a viver um mundo cheio de aventuras. O filme mostra crianças na terceira infância com as várias características estudadas até aqui e será muito interessante para você poder identificá-las. 75 Psicologia do desenvolvimento: ciclo vital Re vi sã o: L ea nd ro /T at ia ne - D ia gr am aç ão : F ab io - 2 2/ 09 /1 1 - 2ª R ev isã o: T at ia ne - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 2 9/ 09 /1 1 Resumo Desenvolvimento humano é o estudo que procura descrever, explicar e predizer as etapas pelas quais o homem passa ao longo de seu ciclo vital, em relação aos aspectos físico, cognitivo e psicossocial, desde a concepção até o final da vida com a morte. Os primeiros estudos sobre o desenvolvimento humano tiveram início durante o século XIX com investigações sobre a infância e somente no século XX a adolescência começou a ser estudada como uma etapa separada das demais. São várias as teorias que estudam e explicam o desenvolvimento humano, e nessa disciplina foram citados os seguintes teóricos: Jean Piaget, Burrhus Skinner, Sigmund Freud, Erik Erikson, René Spitz, John Bowlby e Kohlberg. O início da vida se dá com a fecundação que ocorre no momento em que um espermatozoide de um homem penetra em um óvulo de uma mulher para formar um único ovo ou zigoto, iniciando-se então o processo de reprodução celular. O desenvolvimento pré-natal leva em média 38 semanas e é dividido em três estágios: o período germinativo ou zigótico, período embrionário, período fetal. Fatores gerais de risco (nutrição, idade, estresse psicológico e atividade física da mãe) e fatores teratogênicos (doenças, drogas e riscos ambientais)podem ter efeitos sobre o desenvolvimento pré-natal. O nascimento é marcado pelo momento em que o feto é retirado do útero materno, tornando-se um bebê. Denomina-se parto esse momento de expulsão, que pode ocorrer de várias formas: parto normal, fórceps, induzido, cesariana, cócoras etc. O processo do parto pode ser facilitado ou dificultado por fatores anatômicos, fisiológicos e psicológicos. O recém-nascido possui uma série de habilidades, a saber: reflexos, habilidades sensoriais, desenvolvimento físico-motor, desenvolvimento cognitivo, habilidades sociais. O desenvolvimento da criança de 0 a 2 anos é composto de uma série de fatores inter-relacionados com os demais aspectos desenvolvimentais: físicos, cognitivos e psicossociais. Para estudar e compreender esse processo, foi utilizado neste capítulo os conceitos da teoria dos seguintes autores Gesell, Skinner, Piaget, Erikson e Bowlby. 76 Unidade I Re vi sã o: L ea nd ro /T at ia ne - D ia gr am aç ão : F ab io - 2 2/ 09 /1 1 - 2ª R ev isã o: T at ia ne - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 2 9/ 09 /1 1 Estudamos também nesta Unidade as características da criança na segunda e terceira infância, período que marca a passagem da infância para a adolescência. A criança de 2 a 6 anos, também chamada de criança pré-escolar, apresenta um contínuo crescimento físico, mas não tão rápido como no período anterior; é também nesse momento que se aperfeiçoam as habilidades motoras globais e finas. Há mudanças em relação à rotina do sono e à dentição. A criança de 2 a 6 anos apresenta um pensamento pré-operatório; há o aparecimento da função simbólica (capacidade de empregar símbolos e signos que substituem as coisas, observada na linguagem, no jogo simbólico, na imitação indireta ou representativa), trazendo modificações na conduta afetiva e intelectual da criança. Outras características são: pensamento egocêntrico, finalista, animista, artificialista e irreversibilidade. As crianças entre 4 e 5 anos desenvolvem uma teoria da mente, quer dizer, são teorias sobre como sua própria mente e a dos outros funcionam e como as pessoas são afetadas por suas crenças e sentimentos. É comum a criança pré-escolar apresentar surtos de negativismo e acessos de raiva, por essa ocasião há ainda a construção da identidade de gênero; além disso, a criança passará por duas crises: autonomia versus vergonha e dúvida; e iniciativa versus culpa. Nos relacionamentos sociais, a criança pré-escolar apresenta mudanças em relação aos relacionamentos verticais e relacionamentos horizontais. A criança de 7 a 11 anos, também chamada de criança escolar, em relação ao desenvolvimento físico, continua a crescer durante os anos escolares e as habilidades motoras melhoram notavelmente, embora isso aconteça de forma menos rápida que nos períodos anteriores. As crianças ficam mais fortes, rápidas, bem coordenadas e se tornam mais autônomas nas tarefas diárias. Os processos biológicos ligados à puberdade (sobretudo o desenvolvimento das características sexuais secundárias) podem aparecer nas meninas a partir dos 9 anos e para os meninos a partir dos 11 anos. A criança de 7 a 11 anos desenvolve o pensamento operatório concreto, pensa antes de agir, possui uma discussão interiorizada,liberta-se do egocentrismo social e intelectual. Com isso ocorre o início da construção 77 Psicologia do desenvolvimento: ciclo vital Re vi sã o: L ea nd ro /T at ia ne - D ia gr am aç ão : F ab io - 2 2/ 09 /1 1 - 2ª R ev isã o: T at ia ne - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 2 9/ 09 /1 1 lógica, isto é, a capacidade de estabelecer relações que permitam a coordenação de pontos de vista diferentes. O escolar apresenta a noção de conservação, possui um pensamento reversível; tem noção de tempo, velocidade e espaço. É capaz de realizar operações lógicas, tais como: adição, subtração, multiplicação, divisão e operações geométricas. No plano afetivo, o escolar apresenta novos sentimentos morais, tais como: uma moral autônoma baseada no respeito mútuo, honestidade, companheirismo, senso de justiça e cooperação. Dessa forma, torna-se capaz de jogar os jogos de regra, pois consegue compreender e respeitar as regras. No período escolar, o desenvolvimento do eu é marcado por um autoconceito cada vez mais abstrato, mais focalizado em qualidades internas do que ligado à aparência externa. Surge um juízo global de autovalia, e a opinião da criança sobre sua própria competência dependerá de fatores como: quão competente se acha e do apoio social que recebe. Nos relacionamentos sociais, a criança escolar tende a apresentar uma autonomia natural em relação aos seus pais e a ampliar o número de amigos. Suas amizades são baseadas na confiança recíproca e há segregação dos grupos por gênero, a famosa “turma da Luluzinha” e “turma do Bolinha”. Aparecem as amizades mais duradouras, que continuam ao longo desses anos e às vezes se perpetuam pela vida adulta. Com relação às brincadeiras, passam de impetuosas (lutas, golpes, perseguições) para brincadeiras com regras (amarelinha, esconde-esconde e pega-pega). Exercícios Questão 1. Leia o trecho: Maria leu em uma revista que é boa a estratégia de dar mesada para as crianças aprenderem a administrar seu próprio dinheiro desde cedo. Assim, resolveu comunicar a suas filhas Andressa (5 anos) e Larissa (10 anos) que receberiam R$ 10,00 por semana. Entregou a Andressa uma nota de R$ 10,00, por achar que seria mais fácil para a filha menor não perder a cédula, e cinco notas de R$ 2,00 para Larissa. Andressa ficou muito brava com a mãe e saiu chorando dizendo que a mãe gosta mais da Larissa. 78 Unidade I Re vi sã o: L ea nd ro /T at ia ne - D ia gr am aç ão : F ab io - 2 2/ 09 /1 1 - 2ª R ev isã o: T at ia ne - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 2 9/ 09 /1 1 Analisando a situação, podemos afirmar: I. Larissa está no estádio das operações concretas, consegue realizar operações aritméticas, como a adição e subtração, e compreende o valor simbólico das notas. Andressa está no estádio pré- operacional e sua lógica intuitiva a faz ficar presa à quantidade das notas. II. Larissa está no estádio das operações formais, consegue realizar operações aritméticas, como a adição e subtração, e compreende o valor abstrato das notas. Andressa está no estádio sensório- motor e sua lógica a faz ficar presa à quantidade das notas. III. Andressa está no estádio pré-operacional e, considerando que o desenvolvimento afetivo é paralelo ao cognitivo, sua demonstração de raiva é típica da rivalidade fraterna. É verdadeiro o que se afirma em: A) I, apenas. B) I e III, apenas. C) III, apenas. D) II, apenas. E) I, II e III. Resposta correta: alternativa A. Análise das afirmativas I. Afirmativa correta. Larissa está no estádio das operações concretas, consegue realizar operações aritméticas, como a adição e subtração, e compreende o valor simbólico das notas. Segundo Jean Piaget (1967), a criança de 7 a 11 anos desenvolve o pensamento operatório-concreto. Durante esse período, assiste-se a um duplo progresso; por um lado, um aumento na concentração individual e, por outro, uma colaboração efetiva com grupos. A criança torna-se capaz de cooperar, porque não confunde mais seu próprio ponto de vista com o dos outros; graças à socialização, torna-se menos egocêntrica. As discussões são possíveis. Marca-se o começo da reflexão, ou seja, a criança pensa antes de agir, possui uma discussãointeriorizada, é o início da construção lógica, isto é, é capaz de estabelecer relações que permitam a coordenação de pontos de vista diferentes. No plano cognitivo, isso significa o surgimento de uma nova capacidade intelectual da criança: as operações, ou seja, ela consegue realizar uma ação física ou mental dirigida para um objetivo e revertê-la para seu início. II. Afirmativa incorreta. Andressa está no estádio pré-operacional e sua lógica intuitiva a faz ficar presa à quantidade das notas. Até cerca de 7 anos, a criança permanece pré-lógica, seu pensamento é intuitivo, ou seja, “[...] é uma simples interiorização das percepções e dos movimentos sob a forma de 79 Psicologia do desenvolvimento: ciclo vital Re vi sã o: L ea nd ro /T at ia ne - D ia gr am aç ão : F ab io - 2 2/ 09 /1 1 - 2ª R ev isã o: T at ia ne - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 2 9/ 09 /1 1 imagens representativas [...]” (PIAGET, 1967, p. 35). Assim, uma criança no estádio pré-operatório é capaz de reconhecer que há a mesma quantidade de suco em dois copos idênticos. Entretanto, se o suco de um dos copos é colocado integralmente em outro copo mais alto e estreito, a criança dirá que no copo mais alto e estreito tem mais suco, mesmo considerando que a transposição tenha sido feita em sua frente. Esse exemplo explicita que o pensamento da criança nessa fase não tem noção de conservação (a quantidade do suco mudou com a mudança de copo) e é limitada pela irreversibilidade, que é a incapacidade de compreender que uma operação pode ter dois ou mais sentidos (quando a criança puder pensar em restaurar o estado original do suco despejando-o de volta no outro copo, a criança perceberá que a quantidade de suco em ambos os copos é a mesma). III. Afirmativa incorreta. Realmente Andressa está no estádio pré-operacional, mas sua demonstração de raiva não é, nesse caso, em função da rivalidade fraterna, e sim pela dificuldade em estabelecer relações lógicas para compreender a situação. Questão 2. Define-se desenvolvimento em termos das mudanças que ocorrem ao longo do tempo de maneira ordenada e relativamente duradoura e que afetam as estruturas físicas e neurológicas, os processos de pensamento, as emoções, as formas de interação social e tantos outros comportamentos. Há três objetivos pretendidos ao se estudar o desenvolvimento humano, quais sejam: I. Compreender as mudanças que parecem ser universais; explicar diferenças individuais; entender como o comportamento é influenciado pelo contexto ambiental. II. Existem determinados aspectos do desenvolvimento humano que são culturalmente determinados, o que quer dizer que o comportamento humano está intimamente relacionado à sociedade e à cultura. III. A cultura não exerce influência nos primeiros meses do desenvolvimento do ser humano. É verdadeiro o que se afirma em: A) I, apenas. B) I e II, apenas. C) II, apenas. D) III, apenas. E) I, II e III. Resolução desta questão na Plataforma.