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1 Caderno de Direito de Família – Letícia Maynard Direito de Família Professor: Luciano Figueiredo Bibliografia: Carlos Roberto Gonçalves – Livro Cristiano Chaves Maria Berenice Dias Rolf Madaleno (bom na parte de alimentos) Paulo Lobo (mais tradicional) Coleção sinopses para concursos públicos – livro do professor Aula: 01/08/2017 Introdução ao direito das famílias 1. Breve evolução histórica Na antiguidade a noção de agrupamento familiar decorria da necessidade de sobrevivência (enquanto o homem saía para caçar a mulher ficava a confeccionar utensílios, que eram trocados pelo excedente da caça), isso gerava os primeiros agrupamentos familiares da antiguidade, ideia de subsistência, sobrevivência. Em Roma a unidade familiar era um núcleo religioso, político e até mesmo militar, a família romana era a principal forma de organização social dentro do contexto romano, as pessoas vivenciavam grandes famílias/ núcleos familiares nas quais haviam a preponderância da figura masculina que eram denominadas de pater famílias (dirigia não apenas os filhos mas também a esposa que era reduzida a condução análoga de filhos), o pater famílias tinha o gerenciamento patrimonial e até mesmo o poder de vida e morte sobre seus filhos e a sua esposa, era uma figura soberana naquele núcleo familiar. A estrutura familiar romana é tão importante que nos lembra um historiador chamado Fustel de Coulanges que a família romana é responsável pela criação da propriedade privada em Roma. As propriedades inicialmente eram coletivas, os deuses adorados eram os antepassados familiares, cada família tinha os seus deuses particulares e para adoração desses deuses tinham rituais que eram secretos/privados, para manter a 2 Caderno de Direito de Família – Letícia Maynard privacidade desse ritual de adoração foi necessário cercar a propriedade (enterros na propriedade por exemplo). O cristianismo e o legado do imperador Constantino, ele influenciou por demais as questões familiares principalmente em nosso país, um exemplo disso é o direito canônico, passamos a enxergar na época que para ter família era necessário um casamento, filiação fora do casamento era considerada ilegítima, pessoas que tinham filhos sem se casar ficavam a margem das sociedades familiares. No código civil vigente o instituto que tem o maior número de artigos por exemplo é o casamento, um legado deixado pelo direito canônico já que foi o instituto mais regrado. No século XX nos narra o autor português chamado Guilherme de Oliveira que as famílias passam a sofrer progressivas modificações por conta de alguns fatores como a ascensão feminina (a mulher que em Roma era dependente do homem passa a conquistar mais espaço e a atuar como atriz principal, na época o Estatuto da Mulher Casada foi o divisor de águas que passou a dar direitos a mulher como o direito de voto, alcance de outras posições profissionais). Outra modificação foi a instituição do divórcio (até o final da década de 70 o casamento era indissolúvel por previsão constitucional, foi necessária emenda a CF para instituir o divórcio, o divórcio quando foi instituído exigia pelo menos 5 anos de separação de fato e só se poderia divorciar uma vez, quem não podia se separar e queria o divórcio era desquitado (aquele que não tem quitação), o tratamento do divórcio evoluiu reduzindo os prazos e depois admitindo o divórcio plural de maneira que hoje não há limite para divórcio nem prazo mínimo), inclusive hoje a facilitação do divórcio é tão grande que é possível até de forma extrajudicial (consensual, na presença de advogado, num tabelionato e sem incapaz). O terceiro item importante é o surgimento de nova entidades familiares, surgiu a união estável, família monoparental (um ascendente e sua prole, produção independente), família homoafetiva. As mudanças científicas também impactaram o direito das famílias como o exame de DNA (antigamente usavam o método posopográfico (comparação de fotos/tipo físico do suposto pai e filho)), inseminações e fertilizações. Diz o Guilherme de Oliveira que o século XX passou a enxergar as famílias recombinadas que também são chamadas de recompostas/esambladas que são as famílias de 2ºs, 3ºs e 4ºs relacionamentos (famílias recombinadas com filhos de outros casamentos). Soma-se a tudo isso o tal do amor líquido de Balder, ideia de que as pessoas estão reproduzindo nos seus modelos familiares hábitos de consumo capitalista, os relacionamentos são cada vez em maior número, as trocas afetivas estão cada vez mais rápidas e a cultura do concerto foi esquecida, nós reproduzimos o modelo de aquisições de mercadoria nas relações afetivas. As pessoas fazem mais análises quantitativas do que qualitativas. A pós modernidade mudou por demais as relações e isso toca o direito das famílias profundamente. 3 Caderno de Direito de Família – Letícia Maynard 2. Conceitos de famílias A doutrina ao trabalhar com o conceito de família informa que a depender do local de análise você poderá verificar o conceito amplíssimo, o conceito amplo ou o conceito restrito. O conceito amplíssimo são as pessoas unidas por parentesco bem como aqueles que habitam o lar (agregados), o artigo 241 da lei 8112/90 (estatuto do servidor) afirma que no conceito da família do servidor incluísse aqueles que vivem em sua casa e as suas expensas. A família em sentido amplo são aqueles unidos por relação de parentesco em linha reta (indissolúvel, quando descende da outra pessoa) e por afinidade (cônjuge que se torna parente dos do outro cônjuge ou companheiro, exemplo: sogro, sogra, cunhado), encontrada no artigo 1591 e 1592 do CC. Trabalhado no nosso CC em regra geral. O sentido restrito diz respeito apenas aos ascendentes e a sua prole. 3. Constitucionalização do direito das famílias Falar de constitucionalização do direito das famílias é antes recordar sobre a constitucionalização do direito civil que segundo Orlando Gomes é a constatação de que normas de direito privado migraram para dentro da CF. Nos idos na década de 90 o Brasil assim como boa parte do mundo começou a passar por um largo processo de descodificação, o código civil a época vigente ( CC 16) havia se tornado anacrônico e já não tratava de vários temas importantes e o legislador criava microssistemas (exemplo: ECA, Estatuto do Torcedor, CDC) o que gerou uma descodificação que tornou o sistema fragmentado, desintegrado, se precisava dar unidade ao sistema, por isso veio a constitucionalização que foi uma unificação de todo o sistema infra. O Brasil na verdade imitou a Itália nesse quesito. Ao se realizar a constitucionalização do direito civil acabamos também por realizar a sua publicização, as normas ao migrar para a CF passaram a ter força pública, isso quebrou de uma vez por todas com a ultrapassada ideia da summa divisio (que a CF regulava o direito público e o CC regulava o direito privado), passa a se ter uma simbiose, quebra da summa divisio. Marcos Ludwig nos diz que se passa a ter progressivas simbioses entre o público e o privado, passando a se ter a publicização do direito privado e a privatização do direito público. O artigo 226 da CF/88 acabou por se dedicar por inteiro ao direito das famílias. Observação: Gustavo Tepedino defende a necessidade de todo direito civil invariavelmente ser interpretado de acordo com o método civil constitucional, segundo ele por conta da legalidade constitucional também chamada de filtragem constitucional (ideia de que todo direito infra tem que ser interpretado a luz da CF) o método civil constitucional sempre deve ser utilizado,de outro lado Francisco Cahali defende a tese de que a constitucionalização do direito civil foi importante para a reunificação na época do CC/16. 4 Caderno de Direito de Família – Letícia Maynard 3.1 Princípios Constitucionais de famílias A depender do doutrinador que você consulte iremos encontrar uma variação sobre esse tema. O recorte será feito no artigo 226 da CF que é o artigo que efetivamente trata dos princípios familiares. O primeiro Princípio é o da Pluralidade Familiar, até a CF/88 só havia família dentro do casamento, qualquer relacionamento fora do casamento não era considerado instituição familiar, com a CF/88 e o artigo 226 passamos a verificar a presença de dois outros núcleos familiares típicos, passamos a ter como famílias tipificadas o casamento, a união estável e a família monoparental. A dúvida que se surgiu é se essa numeração típica pelo artigo 226 é de rol taxativo ou exemplificativo? A primeira pessoa a escrever sobre isso foi o autor Paulo Lobo que em um artigo científico diz que além dos núcleos típicos se têm os núcleos atípicos, sendo um rol exemplificativo e não taxativo, essa visão é majoritária, quase que unânime, não dá para a lei aprisionar o fenômeno familiar em regras de subsunção. Não cabe ao direito trazer modelos fechados familiares, cabe ao direito reconhecer os modelos familiares existentes, dá-lhe dignidade. O que entra nos núcleos atípicos? União homoafetiva (ADPF 132-RJ) que é entidade familiar que se aplica as mesmas regras da união estável (inclusive a resolução 175 do CNJ permite o casamento entre pessoas do mesmo sexo no Brasil), Família Ana Parental (aquela que não tem pais, dois irmãos que moram juntos por exemplo, há quem progrida na ideia e defenda até mesmo que essa família ana parental poderá ser formada entre pessoas que não são parentes, exemplo: amigos que moram juntos, essa construção é doutrinária de um autor chamado Sérgio Rezende de Barros/ver artigo), a Família Unipessoal (família formada por um único sujeito, súmula 364 do STJ, tem proteção para fins de bens de família/ caso do padre e bem de família). Esses são núcleos atípicos já reconhecidos. Observação: Apesar de larga tese doutrinária o STJ e o STF ainda não reconhecem o concubinato como família, são tratados como relacionamentos meramente obrigacionais. Observação: A doutrina avançou muito no reconhecimento de núcleos atípicos, entretanto não avançou muito em relação as consequências jurídicas desse Princípios Constitucionais de Família: Pluralidade Familiar (formas típicas e atípicas) Igualdade entre os Consortes Igualdade entre os filhos (material e afetiva) Facilitação da dissolução do casamento Facilitação da conversão da união estável em casamento Paternidade responsável e planejamento familiar 5 Caderno de Direito de Família – Letícia Maynard reconhecimento, exemplo: A família unipessoal é família apenas para fins de bens de família o que na verdade é uma desnecessidade porque o artigo 6º da CF já dá garantia a moradia, exemplo 2: A Família ana parental para grande parte da doutrina não gera consequência a não ser no bem de família, o que também não tem lógica porque já se tem o direto a moradia. De modo que as famílias unipessoais e ana parental perdem a razão de ser pela desnecessidade de se criar um novo núcleo familiar para tratar algo que já está garantido em teoria. Observação: O mesmo STJ e o mesmo STF afirmam que apenas há uma entidade familiar legítima, sendo as demais em paralelo eventualmente existentes ilegítimas, isso serve para refutar várias teses como por exemplo a do poliamorismo. Há uma voz doutrinária muito grande, mas o STJ e o STF ainda não reconhecem. O segundo Princípio é o da Igualdade entre os consortes, acabamos com a prevalência da figura masculina sobre a feminina, os consortes irão direcionar a sociedade conjugal em igualdade de condições, o mesmo vale na união estável, vão escolher domicílio conjuntamente, direcionar a prole e assim por diante. Deixamos para trás a vencida expressão pátrio poder que existia desde Roma, hoje utilizamos a expressão poder familiar, ambos os genitores direcionando a formação, criação, orientação dos seus filhos e da sociedade conjugal. Por conta da igualdade entre os consortes o próprio CPC acabou com o foro privilegiado da mulher nas ações de divórcio e invalidação do casamento, a ação será ajuizada no domicílio do réu ou se tiver menor no domicílio daquele que tiver a guarda do menor. Apesar da igualdade dos consortes nós temos ainda alguns resquícios previstos na nossa legislação, exemplo: Súmula 383 do STJ Artigo 1736 inciso 1: “a mulher casada pode se escusar da tutela” se for nomeada tutora pode arguir impossibilidade por ser uma mulher casada, um segundo resquício: A lei Maria da Penha, pensamento restritivo por ser tipo penal (não abarca relações homoafetivas por exemplo). O terceiro Princípio é o da Igualdade entre os filhos, atualmente vale a isonomia filial, pouco importa a origem da filiação, filhos invariavelmente terão direitos iguais. Já houve um período histórico em que filhos adotivos por exemplo eram discriminados em herança. Pouco importa também se é uma filiação biológica, civil, socioafetiva, uma vez reconhecido o vínculo haverá a igualdade entre os filhos. Há a igualdade material e a afetiva. A igualdade material é facilmente solucionada através do instituto dos alimentos, se tiver uma desigualdade afetiva o STJ defende a possibilidade de responsabilidade civil por abandono afetivo. O STJ negou em um primeiro momento a indenização por abandono afetivo, com base no argumento de Gustavo Tepedino segundo o qual seria um dano não indenizável (não dá para obrigar alguém a amar outra pessoa). Em um segundo momento seguindo a tese da Giselda Hironaka passou a permitir o STJ a indenização por abandono afetivo, com base na ideia de que haveria a violação de um dever de cuidado que decorre da paternidade. Essa é a tese hoje prevalente. O dano vai ser arbitrado no caso concreto, sobre o prazo prescricional lembrar que não corre prescrição entre ascendente e descendente durante o poder familiar (art. 197, inciso 2) ou seja, o prazo se iniciará aos 18 anos ou quando houver emancipação prévia e o prazo prescricional é o de 3 anos que é o prazo da reparação civil (art. 206, parágrafo 3º inciso 5). Salvo situação não 6 Caderno de Direito de Família – Letícia Maynard peculiar como casos de reconhecimento da paternidade após 18 anos, passará a contar o prazo a partir do reconhecimento. Última tese é a prevalente. Aula 08/08/2017 O quarto princípio é o da facilitação da dissolução do casamento, historicamente é cada vez mais fácil dissolvermos o casamento, que no início dos tempos era indissolúvel, progressivamente teve facilitada a sua dissolução. Em um primeiro momento por força de uma emenda constitucional (emenda número 09 de 77) passamos a permitir a dissolução do casamento desde que houvesse comprovada a separação de fato por prazo igual ou superior a 5 anos, nesse período apenas era possível o divórcio em uma única oportunidade (se tem apenas uma segunda chance), avançamos e passamos a permitir o divórcio plural, o cidadão ou cidadã a partir de então poderia se casar e divorciar em várias oportunidades, posteriormente reduzimos o prazo de 5 para 2 anos e hoje por força do 226 parágrafo 6º da CF/88 não há mais prazo de separação de fato nem limite de divórcio. Hoje em dia é possível até mesmo o divórcio extrajudicial em um tabelionato se todos forem maiores e capazes, houver consenso e presença de um advogado,pelo novo CPC também não pode estar a mulher gestante (nascituro). Os liberais entendem que essa mudança foi excelente pois não prende mais alguém a um casamento (ex: Cristiano Chaves) já os tradicionalistas ponderam que haveria uma banalização do patrimônio (ex: Camilo Colani). É possível até mesmo se casar mais de uma vez com a mesma pessoa. O CPC já prevê câmara de mediação e conciliação privada para tratar de divórcio, mas isso ainda não está regulamentado. O quinto princípio é o da facilitação da conversão da união estável em casamento, a CF busca facilitar a conversão da união estável em casamento porque o casamento é uma relação formal e pública pois a certidão de casamento é levada até o registro de pessoas naturais e ela substitui a sua certidão de nascimento. A união estável é ato informal porque não exige contrato e se houver contrato pode ser por instrumento particular e se for um contrato público (estrutura pública) não tem regra de competência de tabelionato. Esse motivo faz com que o direito preze pela conversão em casamento já que traz uma maior estabilidade. Apesar do comando constitucional (art. 226) e do código civil replicar a regra (art. 1726) ainda somos carentes de um efetivo procedimento legal de facilitação, nós precisaríamos de uma mudança na lei de registros públicos (lei 6515/73). Os tribunais de justiça têm resoluções tentando facilitar, mas ainda carecemos de um processo legal para que essa facilitação seja vista de forma mais clara. Esse princípio acaba levando a uma hierarquia de entidades familiares? A doutrina diz que não há hierarquias entre modelos familiares, o que nós temos são modelos familiares diversos, obviamente o legislador tem uma preferência em relação ao casamento por conta da formalidade e publicidade. Atualmente as casas judiciais nacionais progressivamente igualam os efeitos da união estável ao casamento, reduzem essas diferenças de efeitos, um grande exemplo diz respeito ao regime sucessório que 7 Caderno de Direito de Família – Letícia Maynard com a declaração e inconstitucionalidade do artigo 1790 foi igualado, isso é ruim porque igualando os efeitos acaba perdendo a razão de se ter duas entidades. Argumento de Barroso e Faccin no sentido de que enquanto o casamento é uma conjugalidade formal a união estável é uma conjugalidade de fato. O sexto princípio é o da paternidade responsável e planejamento familiar, o estado deve promover programas que gerem a nossa paternidade responsável e fomentem o planejamento familiar ex: Programas de distribuição de camisinhas, lei da guarda compartilhada, lei da alienação parental. 4. A Família do CC 16 + CC 22 Os manuais de direito das famílias costumam após a principiologia familiar estabelecer uma espécie de paralelo entre a família do código de 16 e de 2002. As características são diferentes, sendo produtos e respostas sociais e culturais diferentes, não sendo um modelo melhor ou pior do que o outro. A família do CC 16 era uma família matrimonial porque só tinha família no casamento, já a família do CC 2002 é uma família plural porque temos família não só no casamento. A família de 16 era uma família hierarquizada pois fundada no pátrio poder, já a família do de 2002 é uma família democrática porque é fundada no poder familiar, da igualdade entre os consortes, por conta disso a família de 16 era uma família desigual enquanto a de 2002 é uma família igualitária. A família do código de 16 era chamada de família instituição (um fim em si mesmo) enquanto a família do de 2002 é chamada de família instrumento (meio de proteção entre os seus integrantes). Código de 16 Código de 2002 Matrimonial Plural Hierarquizada Democrática Pátrio poder Poder Familiar Desigual Igualitária Instituição Instrumento 5. Conceito atual de famílias e sua natureza jurídica Afinal o que então é a família hoje? Segundo a Maria Berenice Dias (progressista) o conceito de família é pautado em dois valores: O primeiro é a socioafetividade, o segundo valor é o caráter eudemonista (visão da família como instrumento na busca do projeto de felicidade dos seus integrantes). Mais utilizado. Esse conceito amplamente difundido encontra algumas críticas, principalmente nas famílias formadas por laços consanguíneos (exemplo: irmãos que não se falam entre si), há núcleos familiares ligados por laços sanguíneos em que não se enxerga afeto, por 8 Caderno de Direito de Família – Letícia Maynard isso alguns outros autores como Maria Helena Diniz preferem o conceito familiar pautado em parentesco, casamento e união estável, conceito mais legalista. Casamento 1. Histórico e conceito Originariamente tanto no Brasil quanto em Portugal só se permitia casamento entre católicos, era a sobreposição da igreja sobre o Estado, apenas em 1861 é que passamos a permitir o casamento entre não católicos, mas ainda assim o casamento persistia religioso, foi, porém, o decreto 181 de 1890 que passou a permitir no Brasil o chamado casamento civil. O casamento civil em um primeiro momento não caiu nas graças do povo porque todos estavam acostumados apenas ao casamento religioso, para contornar a resistência popular veio a lei 379 de 1937 e passou a regular o casamento religioso com efeitos civis. No Brasil durante largo período, portanto o regramento do casamento era feito por regras do direito canônico as quais tinham como base normativa as disposições do concílio tridentino e da constituição do arcebispado da Bahia, obviamente que nos dias de hoje a figura do casamento civil se distanciou do casamento católico e hoje o casamento é um instituto em tese laico. O Professor Washington de Barros fazendo um estudo do direito comparado acerca do casamento divide 4 grupos de tratamento legislativo, o primeiro grupo para ele é o dos países nos quais o casamento é civil permitindo-se porém o religioso com efeitos civis (exemplos: Brasil, Argentina, Suíça, quase toda América Latina), o segundo grupo é o de países nos quais vale tanto o casamento civil quanto o puramente religioso (exemplos: EUA e Inglaterra), o terceiro grupo são os dos países em que há religião oficial sendo o casamento religioso e apenas sendo aceito o casamento cível para pessoas que não sigam a religião oficial (exemplo: Escandinávia), o quarto e último grupo são de países em que apenas se aceita o casamento religioso (exemplo: Líbano). O Brasil se filia ao primeiro grupo de forma que analisando o CC percebe-se no artigo 1512 que o casamento é civil e será gratuita a sua celebração. O que é gratuito é a celebração, a pessoa terá custas, taxas e emolumentos para a primeira certidão e despesas cartorárias. Quem for pobre poderá pedir gratuidade na forma da lei. Além do casamento civil você pode ter o casamento religioso com efeitos civis (artigo 1515 CC), no casamento religioso, religioso mesmo só é a celebração, você vai ter que fazer todo o procedimento cível prévio (habilitação) e no momento que você estiver habilitado para casar você informa que o seu casamento será feito em cerimônia religiosa. Caso você venha a se casar no religioso e não tenha realizado toda essa formalidade preliminar (papelada), civilmente você não estará casado, possivelmente você se encontrará em união estável. 9 Caderno de Direito de Família – Letícia Maynard O casamento religioso com efeitos civis poderá ser celebrado em qualquer religião. Há algumas discussões a respeito do casamento espírita que para alguns é doutrina e não religião mas há um precedente de um mandado de segurança que o permitiu. A formalidade preliminar diz respeito a um procedimento prévio, obrigatórioatravés do qual o Estado verificará se aquelas duas pessoas efetivamente poderão se casar entre si. Para tanto haverá um procedimento denominado de processo de habilitação para o casamento. O artigo 1525 CC nos traz um rol de documentos que deverão ser apresentados juntamente com o requerimento de habilitação, requerimento este que deverá ser assinado por ambos os nubentes de próprio punho ou por seu procurador. Documentos para comprovar que não há nenhum impedimento material para o casamento. Essas formalidades preliminares iniciam o processo da habilitação, processo esse que diz a doutrina que é um processo “judicialiforme” (processo administrativo, não exige a presença do advogado mas contará com o parecer do MP e homologação do juiz). Depois das formalidades preliminares se tem o parecer do MP dizendo se a documentação está correta e se está tudo ok, se estiver ok se terá a homologação do juiz, se não estiver ok a pessoa vai ser intimada para trazer mais documentos por exemplo. Depois da homologação do juiz se terá a publicação dos proclamas (edital que será afixado durante 15 dias na circunscrição do registro civil de ambos os nubentes (levar em consideração domicílio deles) e será ainda divulgado na imprensa local (diário). Os proclamas irão conferir o prazo de 15 dias (artigos 1526 e 1527 CC) para que querendo qualquer pessoa argua impedimento ou causa suspensiva relacionada aquele casamento. Se tiver impugnação o juiz vai ter que decidir a impugnação, se não tiver a impugnação vai se ter então a habilitação para o casamento. A habilitação do casamento permite que você se case em até 90 dias (artigos 1531 e 1532 CC). O prazo é decadencial, se perder o prazo tem que se fazer tudo novamente. O casamento deve ser realizado de portas abertas, pois deve ser de forma pública e perante duas testemunhas (é o exigido, pode ter mais, mas nem todo juiz aceita). Você terá 4 testemunhas se algum dos contratantes não souber ou não puder escrever (art. 1534). Casamento de analfabeto por exemplo se coloca a digital. As testemunhas podem ser parentes. FORMALIDADES PRELIMINARES PROCESSO DE HABILITAÇÃO PARECER DO MP HOMOLOGAÇÃO DO JUIZ PUBLICAÇÃO DOS PROCLAMAS HABILITAÇÃO PARA O CASAMENTO 10 Caderno de Direito de Família – Letícia Maynard Casamento nuncupativo (casamento do sujeito que está em iminente risco de vida), nele não tem autoridade celebrante e são exigidas 6 testemunhas que não podem ser parentes dos nubentes (art. 1539). Celebrado o casamento logo após a celebração deve ser levado ao registro civil (art. 1536) e aí vai ser expedida a certidão de casamento. O registro retroage e a lei não dá um prazo máximo a quem for levar. A pessoa é casada efetivamente após a leitura a fórmula sacramental (art. 1535) “eu vos declaro...”. A sua certidão de casamento é a prova pré-constituída e principal da prática do ato (“rainha das provas” segundo Carlos Roberto Gonçalves) mas por vezes a certidão de casamento se perde (exemplo: cartório que pega fogo), se a pessoa não tem acesso a certidão de casamento que é o mecanismo de prova direta você vai se valer da chamada prova indireta. A prova indireta diz respeito a comprovação da chamada posse de estado de casados. Você apenas vai utilizar a prova indireta se não tiver acesso à prova direta. O conceito está no artigo 1511 do código civil e diz que o casamento é a comunhão plena de vida pautada na igualdade de direitos e deveres entre os consortes. Casamento no dia de hoje é pautado na igualdade, não há mais a prevalência de uma figura masculina sobre a feminina. Chama atenção ainda que conceitualmente hoje no Brasil não se exige mais o caráter heterossexual para o casamento, resolução 175 do conselho nacional de justiça que permite o casamento entre pessoas do mesmo sexo, vai ser uma habilitação normal, igual à do a do casamento heterossexual. 2. Natureza Jurídica Historicamente temos algumas teses doutrinarias derredor da natureza jurídica do casamento. A primeira tese é uma tese publicista que defende que o casamento é um ato de direito público. Essa tese é citada apenas a título histórico, é uma tese ultrapassada, vencida. Tese do momento em que se havia a confusão entre o Estado e a Igreja. Hoje se tem a prevalência da tese privatista (segunda tese) que defende a ideia de que o casamento é um ato de direito privado. Dentro dessa tese se tem subteses. A primeira é a subtese não contratualista (institucionalistas para alguns), ela defende a noção de que o casamento é uma instituição, seria uma espécie de regime jurídico estatutário cabendo aos nubentes aderir ou não aquela instituição. A segunda subtese são os contratualistas, os contratualistas defendem a tese de que o casamento é um contrato, decorre da manifestação de vontade dos nubentes. Orlando Gomes é um contratualista e para ele o casamento é um ato muito formal, mas que ainda assim é um contrato, você só se casa se tiver manifestação de vontade originária e a declaração do juiz de paz por exemplo é só uma manifestação do ato formal. A terceira subtese é a tese mista ou eclética que defende que o casamento é um contrato instituição, é uma junção das duas teses anteriores, tem-se um contrato porque é uma manifestação de vontade, mas também é uma instituição porque apesar da manifestação 11 Caderno de Direito de Família – Letícia Maynard de vontade você tem vários barramentos legais/várias questões de ordem pública. Quem defende essa tese é o Silvio Rodrigues. Temos ainda as chamadas outras teses, a igreja por exemplo defende que o casamento é um sacramento, segundo a igreja o casamento é um dos 7 sacramentos. Segundo Ripert o casamento é um ato complexo. São variações minoritárias que não encontram grande adesão. Prevalece no Brasil a ideia de que o casamento é um ato privado. Mas a maioria da doutrina e da jurisprudência caminham com a tese contratualista dentro da privatista, enxergam o casamento como um contrato e se é contrato é negócio jurídico e se é negócio jurídico tem plano da existência, da validade e da eficácia. É justamente pelo fato de enxergamos o casamento como um contrato que existe progressivamente a facilitação do casamento 3. Formas de casamento A primeira forma de casamento que é a regra geral no Brasil é o casamento civil (art. 1512) e terá a sua celebração gratuita, a gratuidade é da celebração apenas, terão custas, taxas emolumentos em relação ao processo de habilitação e primeira certidão que se dá com o casamento. A pessoa que não tem condição de arcar com os valores solicitará gratuidade da justiça. A segunda forma de se casar é o casamento religioso com efeitos civis (art. 1515 do CC), para o casamento religioso ter efeitos civis você precisará fazer toda a habilitação natural do casamento, após finda toda essa habilitação você informará ao juiz que fará a celebração no religioso. Religiosa na verdade é apenas a celebração. Poderá se dar em qualquer religião, inclusive na questão do espiritismo. Têm-se ainda as chamadas formas especiais de casamento, são formas mais raras. A primeira delas é o chamado casamento por procuração (artigo 1542 do CC), é plenamente possível que no ato da celebração do seu casamento você se faça representar por um procurador. A lei exige que a procuração seja pública, além de pública essa procuração haverá de ter poderes especiais (expresso na sua procuração), deve ter validade de 90 dias (mesmo prazo da habilitação). A doutrina discute se a hipótese seria de procurador ou núncio (mero transmissor da vontade), ele difere do procurador porque o procuradorpossui o espaço decisório agindo no melhor interesse do mandante, enquanto o núncio não tem espaço decisório. Boa parte da doutrina entende que a hipótese é de núncio, mas o código civil chama de procuração. E se o transmissor da vontade transmiti-la de forma equivocada? Se houver uma transmissão equivocada de vontade vai se aplicar o artigo de parte geral, artigo 141 do CC o qual nos informa que o ato será anulável. Dentro de erro. É possível que o mandante desista do matrimônio, ele vai desistir revogando a procuração, ele terá até o último instante para desistir, mas essa revogação vai ter que ser por escritura pública. Se o procurador se casar representando alguém sem saber que essa procuração já está revogada, nessa situação o casamento será anulável. 12 Caderno de Direito de Família – Letícia Maynard Anulação do casamento por procuração: Transmissão equivocada de vontade e revogação de procuração. Nas duas situações de anulabilidade o casamento pode ser convalidado desde que haja coabitação entre o mandante e a nubente ou nubente. A segunda forma especial é o casamento por moléstia grave, está regulado no código civil no artigo 1539. A moléstia grave é uma patologia, uma doença grave, mas que ainda não levou o sujeito ao iminente risco de vida. Por conta da moléstia grave o legislador civilista flexibiliza um pouco o procedimento do casamento, o artigo 1539 diz que o presidente do ato (o juiz) ou na sua ausência o seu substituto legal (juiz de paz por exemplo) ou até mesmo o oficial do registro civil nomeado ad hoc (para a prática de um só ato) irá até o doente celebrar o casamento ainda que a noite, lá chegando celebrará o casamento perante duas testemunhas que saibam ler e escrever, pegará o termo avulso (folha de papel) e o registrará no prazo de 5 dias. Dificuldade de operacionalização. Não precisa de habilitação. A terceira forma é a pôr iminente risco de vida (nuncupativo), está no código civil artigo 1540. Aqui um dos nubentes ao menos está em iminente risco de vida. É a única hipótese de casamento sem a autoridade celebrante, não é precisa. Como a norma não exige autoridade celebrante ela exige um número grande de testemunhas, são seis testemunhas que não sejam parentes dos nubentes em linha reta ou na colateral até segundo grau. Não há formalidade de celebração e até 10 dias após a celebração do casamento será requisitado o seu registro. Se o sujeito que estava em iminente risco de vida não morrer ele deverá proceder ordinariamente a sua habilitação para o casamento o ratificando perante autoridade competente. Também não é necessária habilitação para ser feita mas se a pessoa não morrer precisa depois. Observação: No casamento nuncupativo e no casamento por moléstia grave flexibiliza- se o processo de habilitação. 4. Existência do casamento A doutrina tradicional trazia três requisitos para a existência do casamento, são eles: Diversidade de sexo, manifestação de vontade dos nubentes e autoridade materialmente competente. O primeiro requisito, o da diversidade de sexos hoje está ultrapassado, vencido (resolução 175 do CNJ). A crítica que se faz é que o permissivo para permitir o casamento do mesmo sexo se dá de forma de resolução enquanto alguns países modificaram por constituição ou leis infraconstitucionais enquanto só o Brasil faz isso por resolução. O primeiro requisito que persiste hoje é a manifestação de vontade dos nubentes. Se a autoridade celebrante verificar que o sujeito ou a cidadã não está em pleno gozo de suas faculdades mentais deverá suspender o ato segundo a lei de registros públicos. O segundo requisito que ficou é a celebração por autoridade materialmente competente. Segundo a doutrina acaso a autoridade tenha incompetência territorial relativa, exemplo: Juiz baiano que sem autorização celebra casamento em São Paulo, nesse caso o casamento será anulável (artigo 1550, inciso 6). Essa diferenciação entre incompetência material absoluta e territorial relativa quem faz é a doutrina, quem diferencia o tipo de 13 Caderno de Direito de Família – Letícia Maynard incompetência é a doutrina. A incompetência relativa estará no plano da validade e a material estará no plano da existência. Observação: O casamento de fato também chamado de casamento aparente (artigo 1504 do CC) é aquele celebrado por autoridade incompetente, mas que publicamente exerce a função a de juiz de casamento e nessa condição levou o ato a registro. 5. Validade do casamento Juízo de adequação, pertinência, vamos analisar o que o casamento precisa para que ele seja recebido pelo direito, efetivamente pertença ao direito. 5.1 Capacidade núbil É a primeira coisa que vamos verificar dentro da validade. Com quantos anos você no Brasil poderá se casar? A época do código civil de 16 a capacidade núbil era de 18 anos para os homens e 16 anos para as mulheres. Hoje a capacidade núbil está unificada nos 16 anos para homem e mulher. Se você entre 16 e 18 anos apesar de você ter a capacidade núbil para que você venha se casar precisará de uma autorização dos pais ou responsáveis. Esta autorização poderá ser revogada até o momento da celebração do casamento. E se o menor estiver sob a guarda unilateral de um dos pais? Bastará a autorização do guardião ou ambos haverão de autorizar? Ainda que o menor esteja sob a guarda unilateral de um dos genitores ambos haverão de autorizar o casamento pois a guarda não põe fim ao poder familiar. Se os pais divergirem entre si (artigo 1631 do CC) a autorização haverá de ser verificada pelo juiz de acordo com a proteção integral do menor. Ação de suprimento, o juiz decidirá de acordo com a proteção do menor. Além disso se a negativa dos pais for injusta também será viável o pedido de suprimento judicial pelo menor. Em ambos os casos de suprimento judicial se o menor vier a se casar ele se casará em regime de separação obrigatória de bens. É como se a lei trouxesse uma proteção a negativa de um dos pais ou de ambos. Quando há conflito na representação ou assistência haverá de ser nomeado um curador especial apenas para representar o menor nesse processo. No Brasil a regra geral é que o curador especial é a defensoria pública. O padrasto ou a madrasta precisam autorizar? Não porque o novo casamento/ a nova união estável não interfere no poder familiar anterior (art. 1636 CC). Se um dos genitores já faleceu o poder familiar automaticamente se concentrará nas mãos do outro. O outro poderá autorizar sozinho. Seria viável no Brasil ao menor de 16 anos de idade contrair matrimônio? Sim, em duas situações (art. 1520 CC). A primeira situação é a gravidez, a segunda hipótese é para livrar da imposição ou do cumprimento de pena criminal (antigamente o código penal no seu artigo 107 trazia como causa de extinção da punibilidade nos crimes contra os costumes o casamento com o ofensor ou eventualmente até mesmo o casamento com terceiro). Entretanto essa causa extintiva caiu através da lei 11.106 de 2005. O código 14 Caderno de Direito de Família – Letícia Maynard civil permitia o casamento do menor de 16 anos justamente para contemplar a essa hipótese penal. Pôr o código civil tratar da esfera penal que não mais é viável, sendo revogada leva alguns autores a sustentar a ideia de que no particular o código civil sofreu uma revogação tácita. Pessoas que tivessem praticado o ato antes da reforma e se casassem após ainda se valeriam dessa hipótese, hoje isso deixa de ser aplicado porque não tem como se aplicar mais. Apesar da capacidade núbil há de se recordar que para que haja o casamento o código civil exige uma legitimação pois há pessoas que são impedidas de se casarentre si. Exemplo: Mãe com o filho. 5.2 Impedimentos São situações em que as pessoas não podem se casar entre si. Os impedimentos decorrem de parentesco e de questões éticas. Os impedimentos decorrentes de parentesco objetivam evitar o que chama a doutrina de turbação sanguínea (mistura de sangues). Filiação entre parentes tem um risco maior de defeitos genéticos. E as questões de ética são decorrente de boa-fé, confiança, etc. Art. 1.521. Não podem casar: I - os ascendentes com os descendentes, seja o parentesco natural ou civil; II - os afins em linha reta; III - o adotante com quem foi cônjuge do adotado e o adotado com quem o foi do adotante; IV - os irmãos, unilaterais ou bilaterais, e demais colaterais, até o terceiro grau inclusive; V - o adotado com o filho do adotante; VI - as pessoas casadas; VII - o cônjuge sobrevivente com o condenado por homicídio ou tentativa de homicídio contra o seu consorte. Inciso 1: Ascendentes com descendentes seja o parentesco natural ou civil Proíbe o casamento de avôs e netos, pais e filhos, ainda que seja adoção. Inciso 2: Afins em linha reta O parentesco por afinidade é aquele estabelecido entre o cônjuge ou companheiro e os parentes do outro. Cônjuges e companheiros não são parentes entre si, mas cônjuges e companheiros são parentes dos parentes do outro. Exemplo: Sogro, sogra, cunhada, cunhado. Chama-se por afinidade porque foi por escolha. O parente por afinidade em linha reta é sogro e sogra, esse parentesco é indissolúvel. Cunhada e cunhado é dissolúvel, ou seja, pode se casar. 15 Caderno de Direito de Família – Letícia Maynard Inciso 3: A terceira hipótese é sobre sogra fazendo um inciso específico para adoção. É na verdade uma réplica do inciso 2. Inciso 4: Irmãos unilaterais ou bilaterais Irmão unilateral é o irmão só por parte de pai ou só por parte de mãe. Irmão bilateral também é chamado de irmão germano, do mesmo pai e mãe. A doação de sémen a médio prazo tende a gerar casamento entre irmãos unilaterais. Além dos irmãos unilaterais e bilaterais também não podem se casar colaterais de 3º grau (tios e sobrinhos). Existe um decreto lei 3200 de 41 no Brasil que autoriza o casamento entre tios e sobrinhos desde que haja laudo de dois médicos informando que não há risco a prole. A doutrina no enunciado 98 do CJF com base no artigo 2º parágrafo 2º da lei de introdução afirma que o decreto continua valendo em face do novo código civil de 2002 porque lei nova que traga disposições gerais ou especiais a par (ao lado) de norma já existente não revoga nem modifica a lei anterior. Primos podem se casar porque primo é colateral de 4º grau. Inciso 5: Adotado com o filho do adotante Mais um inciso desnecessário, repete o que já diz antes. Inciso 6: Pessoas casadas Bigamia é crime, além de ser ilícito civil é também ilícito penal. Inciso 7: O cônjuge sobrevivente com o condenado de homicídio ou tentativa de homicídio contra o seu consorte O impedimento é uma questão de ordem pública por isso poderá ser arguido até o momento da celebração do casamento por qualquer pessoa capaz. Como é uma questão de ordem pública poderá até mesmo ser conhecido de ofício pelo juiz ou pelo oficial do registro. A consequência se casar e ninguém vir o impedimento será a nulidade absoluta do casamento, artigo 1548. É a única hipótese de nulidade absoluta do casamento. Aula: 22/08/2017 5.3 Causas suspensivas São situações em que o legislador lhe aconselha a não casar. Art. 1523 do CC, o caput diz “não devem casar”. Esse aconselhamento existe porque há um receio de indevida mistura patrimonial, um medo de que o seu patrimônio do casamento anterior acabe por se misturar com o patrimônio do novo casamento. Causa suspensiva é uma questão de ordem privada, receio privado, particular. Receio de uma confusão patrimonial. Hipóteses no artigo 1523: 16 Caderno de Direito de Família – Letícia Maynard Art. 1.523. Não devem casar: I - O viúvo ou a viúva que tiver filho do cônjuge falecido, enquanto não fizer inventário dos bens do casal e der partilha aos herdeiros; II - A viúva, ou a mulher cujo casamento se desfez por ser nulo ou ter sido anulado, até dez meses depois do começo da viuvez, ou da dissolução da sociedade conjugal; III - o divorciado, enquanto não houver sido homologada ou decidida a partilha dos bens do casal; IV - O tutor ou o curador e os seus descendentes, ascendentes, irmãos, cunhados ou sobrinhos, com a pessoa tutelada ou curatelada, enquanto não cessar a tutela ou curatela, e não estiverem saldadas as respectivas contas. Parágrafo único. É permitido aos nubentes solicitar ao juiz que não lhes sejam aplicadas as causas suspensivas previstas nos incisos I, III e IV deste artigo, provando-se a inexistência de prejuízo, respectivamente, para o herdeiro, para o ex- cônjuge e para a pessoa tutelada ou curatelada; no caso do inciso II, a nubente deverá provar nascimento de filho, ou inexistência de gravidez, na fluência do prazo. Essas causas apenas aconselham, a pessoa pode seguir ou não. A consequência desse casamento é que você se casará no regime da separação obrigatória de bens, artigo 1641 do CC. Quem tem legitimidade para arguir a causa suspensiva? Está no CC, artigo 1524. Tem essa legitimidade parentes em linha reta dos nubentes, consanguíneos ou afins e colaterais em segundo grau. É diferente do impedimento pois este é questão de ordem pública, trazendo a nulidade absoluta do casamento, aqui nas causas suspensivas a questão é de ordem privada e por isso o rol de quem pode arguir é mais restrito e sua consequência é o regime de separação obrigatória (menos gravosa que a nulidade do casamento). Observação: Caso os nubentes consigam demonstrar ao juiz ausência de prejuízo na liberação da escolha do regime de bens é possível que o juiz libere a causa suspensiva e libere a escolha. O juiz vai analisar e liberar a escolha na habilitação do casamento. 5.4 Anulabilidades Impedimento Nulidade Absoluta Causa suspensiva Separação Obrigatória de bens Anulabilidades Anulabilidade vai ser tratada no artigo 1550 do CC, trazendo o rol de situações em que o casamento será anulável. Lembrando que a única hipótese de nulidade absoluta do casamento diz respeito ao impedimento. Art. 1.550. É anulável o casamento: 17 Caderno de Direito de Família – Letícia Maynard I - de quem não completou a idade mínima para casar; II - do menor em idade núbil, quando não autorizado por seu representante legal; III - por vício da vontade, nos termos dos arts. 1.556 a 1.558; IV - do incapaz de consentir ou manifestar, de modo inequívoco, o consentimento; V - realizado pelo mandatário, sem que ele ou o outro contraente soubesse da revogação do mandato, e não sobrevindo coabitação entre os cônjuges; VI - por incompetência da autoridade celebrante. § 1o. Equipara-se à revogação a invalidade do mandato judicialmente decretada. § 2o A pessoa com deficiência mental ou intelectual em idade núbia poderá contrair matrimônio, expressando sua vontade diretamente ou por meio de seu responsável ou curador. (Incluído pela Lei nº 13.146, de 2015) (Vigência) Inciso 1: – Idade mínima para casar Inciso 2: Menor em idade núbil não autorizado pelo representante legal Cuidado para não confundir a teoria das nulidades do casamento com as nulidades da parte geral do código civil, na parte geral do código civil aprendemos que a capacidade civil plena é atingida aos 18 anos, aqui em casamento nós aprendemos que a capacidade núbil se dá aos 16 anos. Temos no casamento um regramento especial,específico, por conta disso o casamento daquele que não completou a idade mínima para se casar ou ainda não teve autorização para tanto invariavelmente é anulável pouco importando a idade do sujeito. Entretanto se deste casamento resultar gravidez o artigo 1551 do CC nos informa que não será possível a sua anulação por motivo de idade (porque a gravidez é uma das hipóteses que mesmo o menor de 16 anos pode casar). Em relação a esta anulação do casamento por motivo de idade quem vai ter legitimidade ativa? Artigo 1552 do CC dá a resposta. Primeiramente é o próprio cônjuge, segundo da lista são os representantes legais e por último o ascendente. Inciso 3: Por vício de vontade Os vícios de vontade podem ser dois, coação ou erro essencial quanto a pessoa. A coação é rigorosamente igual a coação da parte geral. O que tem um tratamento especifico aqui no casamento é o erro essencial quanto a pessoa, ele invariavelmente se dará por um fato anterior ao casamento cujo a descoberta se dá depois do casamento e torna insuportável a continuidade da vida conjugal. As hipóteses estão no artigo 1557 do CC. Art. 1.557. Considera-se erro essencial sobre a pessoa do outro cônjuge: 18 Caderno de Direito de Família – Letícia Maynard I - o que diz respeito à sua identidade, sua honra e boa fama, sendo esse erro tal que o seu conhecimento ulterior torne insuportável a vida em comum ao cônjuge enganado; II - a ignorância de crime, anterior ao casamento, que, por sua natureza, torne insuportável a vida conjugal; III - a ignorância, anterior ao casamento, de defeito físico irremediável que não caracterize deficiência ou de moléstia grave e transmissível, por contágio ou por herança, capaz de pôr em risco a saúde do outro cônjuge ou de sua descendência; (Redação dada pela Lei nº 13.146, de 2015) (Vigência) Exemplo: Transgenitalização, cirurgia de redesignação sexual. Erro em relação a identidade da pessoa. STJ tem dois posicionamentos importantes acerca da cirurgia de transgenitalização. O primeiro posicionamento é que entende o STJ que uma vez realizada a cirurgia é possível alteração do registro civil, tanto do nome como do gênero sem nenhum tipo de prenotação. O segundo posicionamento é que recentemente o STJ através de decisão ainda isolada entendeu pela possibilidade da alteração da certidão de nascimento independentemente da cirurgia (hoje tem que se provar a inviabilidade cirúrgica). A segunda hipótese do artigo 1557 é a ignorância de crime anterior ao casamento que torne insuportável a vida conjugal. Inciso 3: Ignorância anterior ao casamento de defeito físico...... Sobre o defeito físico irremediável há a questão da impotência, a doutrina tradicionalista difere duas espécies de impotência, a impotência “generandi” e a impotência “coeundi”, a impotência “generandi” é a chamada infertilidade, a incapacidade de gerar filhos, todavia entende a doutrina que não é hipótese de anulação do casamento, já a impotência “coeundi” é a impossibilidade de praticar o ato sexual, para gerar a possível anulação do casamento tem de ser uma impotência “coeundi” anterior ao casamento que só foi descoberta posterior ao casamento. Neste caso, entende a doutrina tradicional que será viável a anulação do casamento. Observação: A deficiência não caracterizará erro essencial quanto a pessoa e nem será causa de anulação do casamento, artigo 1550 parágrafo 2º. Atualmente o casamento do deficiente é válido e ele poderá manifestar a sua vontade pessoalmente ou através do seu responsável ou curador. Mudança que veio do Estatuto da pessoa com deficiência. Observação: Fato superveniente, posterior ao casamento não gera anulação do casamento pois para gerar anulação quanto ao erro essencial quanto a pessoa o fato tem que ser anterior ao casamento e o seu conhecimento posterior. Se o fato é anterior e o conhecimento também é anterior não cabe anulação também. Nesses casos cabem ação de divórcio. Inciso 4: Incapaz de consentir ou manifestar de modo inequívoco o consentimento Caso de se casar embriagado. 19 Caderno de Direito de Família – Letícia Maynard Inciso 5: Realizado pelo mandatário sem que ele ou …. Caso do procurador que não sabia da mudança de ideia. Inciso 6: Incompetência da autoridade celebrante Prazo de anulação: Vai variar de 180 dias a 4 anos, prazo decadencial e previsto no artigo 1560 CC. Para anular com erro essencial contra a pessoa: 3 anos, incompetência da autoridade: 2 anos. Observações: O casamento anulável pode ser convalidado (se você sabe do erro essencial por exemplo ou deixa passar o prazo você convalida). Observação: O casamento putativo, também chamado de aparente ou imaginário. Está regulado no artigo 1561 CC. É um casamento inválido, mas cujos os efeitos serão preservados para aquele que estiver de boa-fé. Se o casal estiver de boa-fé serão preservados para o casal, se apenas um dos cônjuges estiver de boa-fé para apenas um deles e se apenas a prole estiver de boa-fé apenas para os filhos. Esses efeitos (todos) serão preservados até a data da sentença anulatória do casamento. A putatividade dos efeitos para boa-fé vale também para os casamentos absolutamente nulos (exemplo: irmão que casam sem saber). 6. Eficácia do casamento Quando falamos da eficácia do casamento falamos dos efeitos do casamento. O casamento é um contrato e sendo um contrato ele tem existência, validade e eficácia. 6.1 Eficácia social O primeiro é alterar o seu estado civil, você de solteiro passará a casado. O segundo efeito social é que você pode adquirir o sobrenome do outro, é uma faculdade. O terceiro efeito social é a emancipação, o casamento emancipa. 6.2 Eficácia pessoal (deveres) Tratados no artigo 1566 CC. Art. 1.566. São deveres de ambos os cônjuges: I - fidelidade recíproca; II - vida em comum, no domicílio conjugal; III - mútua assistência; IV - sustento, guarda e educação dos filhos; V - respeito e consideração mútuos. 20 Caderno de Direito de Família – Letícia Maynard O primeiro dever pessoal do casamento é a fidelidade recíproca, será que a quebra vai demandar conjunção carnal? Segundo a doutrina tradicionalista a quebra da fidelidade recíproca demandaria conjunção carnal, ela apoia o seu posicionamento no antigo tipo penal do adultério. A doutrina, todavia, moderna abraça a ideia de que a quebra da fidelidade recíproca não exigirá conjunção carnal, havendo a chamada infidelidade virtual (amplamente aceita pela doutrina majoritária, ainda que não quebre a fidelidade recíproca você quebra o respeito e consideração mútuos), a prova dessa traição tem que ser lícita. O segundo dever do casamento é a vida em comum no domicílio conjugal, que pode se chamar de coabitação. A coabitação de acordo com a doutrina tradicional se divide em um aspecto objetivo e um subjetivo, o aspecto objetivo é a chamada “more oxorio” que é morar sob o mesmo teto, esse aspecto objetivo é cada vez relativizado, são vários os casais que não moram sob o mesmo teto. O aspecto subjetivo se chama de débito conjugal, a ideia é que o casamento gera aos cônjuges direito de relação sexual habitual, uma ideia que hoje já é ultrapassada. O terceiro dever é a mútuo assistência que se divide num aspecto material (dinheiro) e se divide também num aspecto imaterial que é uma assistência moral. O quarto dever é o sustento, guarda e educação dos filhos. O quinto é o respeito e consideração mútuos. Observação: O STJ entende que a quebra da fidelidade recíproca por si só não é capaz de gerar dano moral, ou seja, você não estaria diante do dano moral puro ou in reipsa (decorre da própria conduta, a própria conduta já gera o dano). Além de comprovar a traição tem de ser comprovado o dano, a ação é uma ação complexa e a indenização não é muita. O mesmo STJ entende que o dever de fidelidade recíproca decorre do casamento, de maneira que o terceiro (amante) não poderá ser civilmente responsabilizado. Aula: 05/09/2017 6.3 Eficácia patrimonial (regime de bens) O regime de bens é o estatuto jurídico patrimonial do casamento, ele é o responsável por regular o que será patrimônio exclusivo (incomunicável) bem como o que será patrimônio em comum (comunicável). Esse regime de bens é guiado por princípios. 6.3.1 Princípios do regime de bens Na doutrina há uma discussão se seriam dois ou três os princípios do regime de bens. Carlos Roberto Gonçalves por exemplo, defende que são três: Liberdade, variedade e mutabilidade. Outros autores a exemplo do Flávio Tartucci defendem que são dois: Liberdade e mutabilidade. Luciano defende que são dois. Liberdade ou liberdade de escolha: A regra geral é que os nubentes são livres para a escolha do regime de bens, é regra geral porque há situações previstas no artigo 1641 do CC em que não há liberdade de 21 Caderno de Direito de Família – Letícia Maynard escolha, em que a lei impõe o regime da separação obrigatória. São 3 situações: Maior de 70 anos (norma de proteção ao vulnerável, não é incapaz), a segunda hipótese diz respeito a causa suspensiva, a terceira hipótese é sobre quem se casar por suprimento judicial (autorização do juiz, estudado em capacidade núbil). Fora dessas exceções se tem a liberdade de escolha. O mecanismo jurídico que os nubentes vão utilizar para fazer a sua liberdade de escolha de regime de bens é o pacto antinupcial. O instrumento jurídico para que se escolha o regime de bens é chamado de pacto antinupcial. Mecanismo jurídico para exercício da liberdade de escolha. O pacto antinupcial também é chamado de pacto pré-nupcial ou convenção total. Esse pacto é um contrato que tem forma vinculada (escritura pública) e apenas produzirá os seus efeitos no momento do casamento (fica sob condição suspensiva). Código Civil artigo 1653. Pacto antinupcial realizado verbalmente ou por instrumento particular tem como consequência a nulidade absoluta. Se o pacto antinupcial for realizado por escritura pública e não acontecer o casamento a consequência jurídica é que esse pacto será ineficaz (artigo 125 do CC) já que a condição suspensiva não foi implementada (o casamento). O menor de 18 anos pode se casar e pode fazer pacto desde que seja com a presença do representante ou assistente. O código civil artigo 1654 dispensa a presença do representante ou assistente acaso o pacto eleja o regime de separação obrigatória de bens. Uma vez realizado o pacto é necessário que ele seja levado a registro no registro de imóveis do domicílio dos cônjuges. Acaso não levado ao registro não terá eficácia erga omnes (contra todos), vai conservar uma eficácia meramente inter partes (artigo 1657 do CC). O pacto nada mais é como um contrato e como um contrato que o é ele tem que respeitar questões de ordem pública, se ele desrespeitar uma questão de ordem pública vamos invalidar apenas a cláusula desrespeitosa a questão de ordem pública. Isso é o que se chama de redução do negócio jurídico (artigos 184 e 1655 do CC). O pacto antinupcial a priori serve para a escolha do regime de bens. Caso não se realize o pacto ou o pacto for nulo, inválido, o seu regime de bens será o da comunhão parcial, artigo 1640 do CC. A comunhão parcial é o que chamamos de regime supletivo (a lei lhe dá a oportunidade de ao se casar se escolher o regime de bens, caso a pessoa não escolha o legislador acaba escolhendo e o regime será o da comunhão parcial). Estatisticamente a maior parte das pessoas que se casam no Brasil não fazem pacto e consequentemente tem como seu regime de bens a comunhão parcial. Há uma crítica porque os novos códigos civis de outros países já trazem a regra geral de regime como o de separação de bens por conta da quantidade de divórcios que se tem atualmente. Até 1977 o regime de bens era o da comunhão universal, por isso deve-se ficar atento na prática a data da certidão de casamento pois só se refere a comunhão de bens, mas se for antes de 1977 a comunhão será universal. O código civil traz uma espécie de cardápio de regime de bens, regimes típicos: Comunhão parcial, comunhão universal, separação obrigatória, separação convencional 22 Caderno de Direito de Família – Letícia Maynard e participação final dos aquestos. É possível que através do seu pacto antinupcial você crie um regime novo, híbrido, atípico, que misture as regras dos regimes existentes. A essa possibilidade de criação de um novo regime de bens a doutrina chama de variedade ou variabilidade, tem quem diga que isso é um novo princípio (Carlos Roberto Gonçalves por exemplo), para o professor isso é uma mera decorrência da liberdade. Uma discussão da ordem do dia é saber sobre a viabilidade do pacto antinupcial também regular questões/deveres pessoais. Gustavo Tepedino defende que é possível tendo em vista que o artigo 1639 ao regular a possibilidade do pacto antinupcial não restringe a questões meramente patrimoniais. Este posicionamento ganha cada vez mais adeptos como Cristiano Chaves e Maria Berenice Dias, sendo que o debate, porém se verticaliza/se aprofunda nos limites públicos deste regramento de deveres pessoais. A primeira cláusula de deveres pessoais: Afazeres domésticos (exemplo: fazer mercado, descer com o cachorro), a doutrina majoritária entende que é possível. A segunda cláusula: Direcionamento de formas reprodutivas (exemplo: só é possível filiação por método natural), a maioria da doutrina entende como viável, mas é uma cláusula desnecessária já que qualquer método artificial de criação exige consentimento atual e expresso. Terceira cláusula: Direcionamento do modelo educacional dos filhos (escolher a escola dos filhos por exemplo), a doutrina entende que não é viável porque por mais que os pais direcionem a escolha educacional dos filhos a partir de determinada idade a escolha acaba sendo em parte pessoal da criança. A quarta cláusula: Cláusula de infidelidade (não aplicar a finalidade recíproca por exemplo no casamento), a maioria esmagadora da doutrina defende que a questão fere norma de ordem pública, atingindo o princípio da monogamia, cláusula nula de pleno direito, segundo Maria Berenice Dias a monogamia não é um princípio expresso pois não se encontra nem no CC nem na CF artigo expresso que regule a monogamia. Maria Berenice dias diz que a monogamia tem uma função familiar organizacional, entretanto constata-se ainda na legislação infraconstitucional que implicitamente o legislador adota o valor da monogamia, exemplos: tipo penal de bigamia (artigo 235 do CP), anulabilidade da doação feita ao amante (artigo 550 CC), impossibilidade do concubino ser nomeado herdeiro (artigo 1801 CC), impossibilidade do concubino ser nomeado beneficiário de seguro, dever de fidelidade recíproca (1566 CC). Ainda assim parece que a monogamia não deveria ser enxergada como questão de ordem pública pois não há nada mais privado do que com quem eu me relaciono ou como eu me relaciono, não há moral pública mencionada ou prejuízo público. O fato de se ter uma escritura pública feita por tabelionato regulando divisão de bens entre trisais (casos do Rio de Janeiro) não significa que ela tem de ser reconhecida pelo poder judiciário. Quinta cláusula: Cláusula penal por traição, muito utilizada nos EUA por muitos anos. A maioria esmagadora da doutrina entende quea cláusula é nula por ferir questão de ordem pública. Já se encontra vários pactos antinupciais no Brasil com essa cláusula, o artigo 403 do código diz que quando a cláusula é abusiva o juiz pode fazer a redução equitativa, para evitar valores abusivos. 23 Caderno de Direito de Família – Letícia Maynard Sexta cláusula: Cláusula penal por término imotivado, há quem queira colocar essa cláusula no Brasil como uma espécie de alimento compensatório. É possível no Brasil. O professor é contra porque para ele essa cláusula fere a liberdade de sair do casamento, o casamento se torna uma espécie de prisão civil. Chamado também de divórcio falência. Sétima cláusula: Cláusula regulando as regras processuais do futuro divórcio, o código de processo civil no artigo 190 regula os chamados negócios jurídicos processuais, uma das aplicações dos negócios jurídicos processuais é o regramento pré-processual através do pacto antinupcial acerca das regras procedimentais do futuro divórcio. Enunciado número 18 da jornada de processo civil afirma que o pacto antinupcial pode se servir para regular as regras processuais do divórcio. A primeira cláusula diz respeito a possibilidade de imposição de mediação privada inclusive com dispensa da audiência de conciliação obrigatória do processo judicial. Uma segunda cláusula é a da dispensa de assistente técnico da hipótese de perícia. Terceira cláusula é a da limitação do processo até o tribunal de justiça (garante o duplo grau de jurisdição), há uma dificuldade de recurso e um maior atraso no processo. Quarta cláusula, pacto de apresentação de documentos (colocar no pacto antinupcial que a inicial já deve vir por exemplo com a declaração do IR de pelo menos 5 anos e a contestação também. Quinta cláusula, pacto ou cláusula regulando majoração do tempo para sustentações orais. Esses são alguns exemplos de cláusulas que se pode dispor para regular as regras processuais do divórcio e os negócios jurídicos processuais haverão de ser especializados segundo a complexidade da causa. Ainda nas questões do pacto antinupcial há cláusulas regulando questões mortuárias, como por exemplo ser cremado. Professor Zeno Veloso defende que é possível. Princípio da Mutabilidade ou alterabilidade do regime de bens No Brasil historicamente o regime de bens de casamento era imutável, depois de escolhido não poderia se alterar a não ser por uma única situação em que era possível a mudança do regime de bens no curso do casamento (INDB, artigo 7º parágrafo 5º) que era a hipótese do estrangeiro casado ao adquirir a nacionalidade brasileira poderia requisitar ao juízo a adoção do regime de bens de regra geral do Brasil. Essa hipótese está no Brasil desde 1977, com o código civil de 2002 através das mãos do Professor Orlando Gomes, inspirado no direito comparado (Alemanha, Suíça, Itália, França e Espanha) passamos a permitir a mudança do regime de bens no curso do casamento. Para tanto é necessário que haja um processo chamado de ação de mudança de regime de bens (regulada pelo CPC no artigo 734). Quais são os requisitos necessários para que eu altere o regime de bens no curso do casamento? O primeiro requisito é o pedido conjunto de ambos os cônjuges, a jurisdição é voluntária e o advogado poderá ser único. O segundo é o pedido motivado, deve haver motivo, não se pode trocar de regime de bens aleatoriamente já que a escolha do regime de bens atinge terceiros. Tipos de motivos: CC, artigo 977 diz que pessoas casadas entre si no regime de comunhão universal não podem ser sócias, receio que haja mistura indevida entre patrimônio social 24 Caderno de Direito de Família – Letícia Maynard e pessoal, nesses casos em que se quer ser sócio do cônjuge deve se entrar com uma ação para alteração do regime de bens que deve ser a escolha do casal. Outro exemplo de motivo clássico é a cessação da causa suspensiva (situações em que o legislador fica com receio de que haja uma confusão entre o patrimônio do casamento anterior e o atual). Após a partilha de bens do processo anterior acaba-se a causa suspensiva, sendo motivo para o cônjuge e sua esposa por exemplo entrarem com ação para mudança do regime. Outro exemplo são os motivos pessoais, um casamento com alguém que é empresário em um ramo arriscado por exemplo, a pessoa pode suscitar isso para querer mudar o regime de bens para separação total por exemplo. Há decisão de que não cabe ao juiz perquirir as razões do motivo, respeitando os requisitos pode-se fazer a separação. O terceiro requisito é a ausência de prejuízo a terceiros, justamente por isso o CPC exige a publicação de edital apenas podendo o juiz julgar 30 dias após a publicação do edital e justo por isso também que a doutrina defende que a mudança tem efeitos não retroativos, ex nunc. Ainda por conta da ausência de prejuízo a terceiros os respectivos tribunais de justiça tem resoluções exigindo a apresentação conjuntamente com a inicial de uma série de certidões para evitar fraude contra credores e fraude à execução. Observações: O novo CPC permite que ao invés de publicação por edital a parte indique meio alternativo (site, jornal de grande circulação, etc...). Observação 2: O novo CPC exige a participação do MP na ação de alteração de regime de bens, o MP tem que participar porque vai mudar o registro do casamento, se o MP participa para habilitar certidão de casamento ele também tem de estar presente na alteração. Observação 3: No particular o CPC merece algumas críticas, pecou o novo CPC em não permitir a alteração do regime de bens extrajudicial se todos forem maiores e capazes. Há um projeto de reforma que dentre as mudanças haja essa. Pecou também o CPC a não regular a necessidade de apresentação de plano de partilha e ouvida da Fazenda Pública para aquelas hipóteses em que você está modificando um regime mais ampliativo para um mais restritivo (exemplo: sair da comunhão universal para a separação total), na prática as pessoas já fazem essa partilha e ouvem a Fazenda Pública, mas o regramento não trata disso. Observação: A possibilidade de mudança de regime de bens começou com o CC de 2002 e quem se casou antes de 2002 e está casado até hoje pode fazer essa alteração? É possível, o STJ de forma pacífica admite a alteração do regime de bens mesmo naqueles casamentos anteriores a 2002. Exige o STJ o respeito aos requisitos já estudados anteriormente. Os fundamentos que o STJ se utiliza para permitir essa alteração são: Isonomia (não seria lógico que quem se casou depois de 2002 pudesse alterar o regime e quem se casou antes não) Para a doutrina majoritária a natureza jurídica do casamento é de contrato, o casamento é um negócio jurídico então a pergunta seria “qual a lei que vai reger o contrato celebrado antes da vigência do CC de 2002 e cujos efeitos continuam sendo produzidos após a vigência do CC 2002? ” O CC no art. 2035 ele regula uma regra de transição, uma regra de transição para contratos celebrados antes 25 Caderno de Direito de Família – Letícia Maynard da vigência do CC 2002 e cujos efeitos adentram a vigência do CC 2002, o CC diz que em relação a validade e a doutrina põe aqui também existência aplicar- se-á a lei da época da confecção do contrato. Em relação a validade e existência em casamentos antes de 2002 vai se aplicar o CC de 16, em relação aos efeitos que é a chamada eficácia você vai aplicar a lei do respectivo período, ou seja, de 95 a 2002 a lei que regula a eficácia é a do CC de 16, de 2003 para frente a lei que regula já é o CC de 2002. CC 2002 teve vigência em 2003. Podendo então para esse fundamento aplicar a alteração do regime de bens. Ao fazer a leitura do art. 2039 do CC de forma equivocada você pode ser levado a conclusão diversa e errada. Essa conclusão é equivocada porque o art. 2039 apenas terá aplicação segundo o STJ nas hipóteses de regime supletivo (regime supletivo é aquele que a lei aplica na hipótese de silêncio dos nubentes). Até 1977, no período anterior à lei 6515/77 o regime da regra geral no Brasil era o do regime universal de comunhão de bens, na época chamado apenas de comunhão de bens, a partir de 77 se você se casa e não escolhe regime esse será da comunhão parcial. A lei que regula o regime supletivo é o da época do casamento. Observação 2: O CC 2002 criou um novo regime de bens que é a participação final nos aquestos. Quem se casou antes de 2002 e que hoje altera o seu regime de bens pode alterar para participação final nos aquestos? Claro que pode porque a eficácia do casamento é regulada pela lei atual, vigente e a lei atual traz esse regime. Aula: 12/09/2017 6.3.2 Espécies de regime de bens O CC trabalha com 5 espécies de regime de bens: Comunhão parcial de bens Comunhão universal de bens Separação convencional de bens (separação voluntária, absoluta ou total) Separação legal de bens (separação obrigatória, necessária ou cogente) Participação final nos aquestos Esse rol não é taxativo, é possível criar regime de bens atípico. Comunhão Parcial: É a regra geral no Brasil, está no art. 1640 do CC, por isso é chamado de regime supletivo e é o que mais se vê na prática. A comunhão parcial é um produto da junção de dois regimes, da separação de bens e comunhão universal. A comunhão parcial tem uma regra geral, art. 1658 e 1660 do CC, a regra geral é separação para o passado e comunhão para o futuro. A comunhão para o futuro terá como objeto principal os bens onerosamente adquiridos na constância do casamento. É por isso que alguns autores afirmam que na comunhão parcial haveriam três massas de bens, a primeira massa é patrimônio exclusivo do primeiro cônjuge, a segunda massa é patrimônio exclusivo do segundo cônjuge e a terceira massa de bens é o patrimônio comum. 26 Caderno de Direito de Família – Letícia Maynard O CC passa então a trazer hipóteses específicas de bens incomunicáveis (exclusivos) e hipóteses exclusivas de bens comunicáveis (bens comuns). O rol de bens incomunicáveis está no art. 1659 do CC. Art. 1.659. Excluem-se da comunhão: I - os bens que cada cônjuge possuir ao casar, e os que lhe sobrevierem, na constância do casamento, por doação ou sucessão, e os sub-rogados em seu lugar; O inciso 1 deixa claro que doações e heranças recebidos por apenas um dos cônjuges não comunica. O problema desse inciso é o da conta conjunta, se for recebido em conta conjunta gera solidariedade legal. O que significa bem sub-rogado? Sub-rogado para o direito significa substituído, exemplo: Recebi R$200.000,00 de herança, se com esse dinheiro você comprar um apartamento e divorciar o apartamento não se comunica pois ele é bem sub-rogado, substituído. Em casos que se compra algum bem com dinheiro recebido de doação + outro dinheiro já guardado a incomunicabilidade será apenas da parte percentual da herança. Como provar que o bem é sub-rogado? O mundo ideal seria que no contrato de aquisição do bem deveria descrever a origem do valor, já que não é o mundo ideal você vai ter que se valer das provas possíveis como por exemplo extratos bancários, comprovar que o valor dado no bem é exatamente aquele recebido, declaração de imposto de renda, existe uma dificuldade de se obter essas provas. II - os bens adquiridos com valores exclusivamente pertencentes a um dos cônjuges em sub- rogação dos bens particulares; Exemplo: Ter um imóvel antes de se casar e após o casamento se vende esse imóvel e compra outro. Inciso muito utilizado para partilha de carros, lanchas, etc. III - as obrigações anteriores ao casamento; Obrigação anterior ao casamento cada um arca com a sua. IV - as obrigações provenientes de atos ilícitos, salvo reversão em proveito do casal; Obrigação proveniente de ato ilícito salvo reversão em proveito do casal. Se ambos os cônjuges utilizarem o bem proveniente do ato ilícito se comunica. V - os bens de uso pessoal, os livros e instrumentos de profissão; Um computador por exemplo como instrumento de profissão. VI - os proventos do trabalho pessoal de cada cônjuge; Provento do trabalho pessoal de cada cônjuge, salário. 27 Caderno de Direito de Família – Letícia Maynard VII - as pensões, meios-soldos, montepios e outras rendas semelhantes. Pensões de uma maneira geral não comunicam. Art. 1660 – O que se comunica Art. 1.660. Entram na comunhão: I - os bens adquiridos na constância do casamento por título oneroso, ainda que só em nome de um dos cônjuges; Ainda que em nome de um só cônjuge. Se não conseguir encaixar nas exceções como doação ou herança se comunica. II - os bens adquiridos por fato eventual, com ou sem o concurso de trabalho ou despesa anterior; Fato eventual, bingo, jogo de azar, megasena por exemplo. Esse fato eventual é com ou sem despesa anterior e fato eventual com ou sem trabalho anterior. III - os bens adquiridos por doação, herança ou legado, em favor de ambos os cônjuges; Doação ou herança em favor de ambos os cônjuges. IV - as benfeitorias em bens particulares de cada cônjuge; V - os frutos dos bens comuns, ou dos particulares de cada cônjuge, percebidos na constância do casamento, ou pendentes ao tempo de cessar a comunhão. São as benfeitorias e os frutos ainda que de bens particulares. Exemplo: Imagine que A é casado com B em regime de comunhão parcial de bens, se antes do casamento A tinha um imóvel, o imóvel é só de A, mas esse imóvel está em locação e durante o casamento esse imóvel gerou aluguéis. Os aluguéis se comunicam porque são frutos. Do mesmo jeito se comunicam as benfeitorias como por exemplo uma reforma. Outro exemplo de frutos são as safras geradas em fazendas. E a valorização imobiliária do patrimônio exclusivo? Há duas teses sobre isso, a primeira tese adotada pelo STJ é que valorização imobiliária é alea de mercado (fator de sorte) em relação ao qual não há nenhum esforço em comum, por conta disso não comunica, é a tese prevalente. A segunda tese que é a não prevalente é que seria um fruto do bem exclusivo e como tal comunicaria. Observação: O art. 1662 afirma que em relação aos bens móveis há uma presunção relativa (juristantum) de comunicabilidade. A presunção é relativa porque admite prova em contrário, se você conseguir provar que o patrimônio é próprio não se comunicam, se não conseguir irão comunicar. Esse artigo é muito utilizado a respeito dos bens que decoram o lar. Presente de casamento juridicamente é entendido como doação ao casal, vai ter que dividir meio a meio. 28 Caderno de Direito de Família – Letícia Maynard Comunhão Universal: O patrimônio do casal torna-se uma espécie de condomínio relacionado a todos os bens. Comunicando os bens pretéritos e os bens presentes. Gera uma comunicação bem ampla, mas mesmo dentro da comunhão universal nós temos exclusões. As exclusões estão no art. 1668 do CC. Art. 1.668. São excluídos da comunhão: I - os bens doados ou herdados com a cláusula de incomunicabilidade e os sub-rogados em seu lugar; A doação ou herança na comunhão universal presume-se comunicável, só não vai se comunicar se tiver uma cláusula de incomunicabilidade nessa doação ou herança. II - os bens gravados de fideicomisso e o direito do herdeiro fideicomissário, antes de realizada a condição suspensiva; Fideicomisso? É o instituto de direito sucessório que trabalha com
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