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Todo o projeto dos CIEPs proposto por Darcy Ribeiro se apresenta não apenas como um projeto pedagógico, mas possui inúmeras características políticas. Para Darcy, a escola é promotora de transformação social quando, partindo de um profundo respeito pelo universo de seus alunos, serve de ponte entre os conhecimentos práticos que ele já possui e o conhecimento formal exigido pela sociedade letrada, tornando-os aptos a defenderem por si mesmos seus direitos como cidadãos autônomos. Assim ela exerce, como instituição política e social, uma ação educativa que “ultrapassa os muros da escola” (p. 48). Dessa maneira, a cultura específica da comunidade que cerca a escola deveria ser o centro de todo o planejamento e execução do projeto político e pedagógico da instituição: No dia-a-dia dos CIEPs, a educação não pode mais ser dissociada das manifestações culturais e artísticas, sobretudo daquelas que já se desenvolvem no interior da própria comunidade. Afinal, elas são a ponte viva que leva a comunidade para dentro da escola – e vice-versa (RIBEIRO, 1986, p. 49). Atualmente, a Lei de Diretrizes e Bases 9.394/96 que regulamenta a educação oferecida nas escolas afirma em seu artigo 26° que: Os currículos do ensino fundamental e médio devem ter uma base comum, a ser complementada, em cada sistema de ensino e estabelecimento escolar, por uma parte diversificada, exigida pelas características regionais e locais da sociedade, da cultura, da economia e da clientela (BRASIL, 2010). O projeto original dos CIEPs dedica capítulos inteiros à valorização da relação articulada entre comunidades e escola, tanto que, ao planejar este projeto, Darcy Ribeiro (1986) destina espaços físicos na escola para que a comunidade se percebesse parte dela e, ainda mais, servida por ela. Em um de seus discursos aos professores, ele destaca: “Em cada instante é fundamental que sua autoridade não se coloque em desrespeito ao saber do aluno e de sua comunidade” (p. 57), acreditando que é papel de toda instituição escolar recuperar seu papel político e social, deixando de reclamar da dura realidade em que vive a maioria de seus alunos e comprometendo-se com ela a fim de transformá-la. Darcy (p. 39) ressalta que: A escola pertence à sua comunidade e deve tratá-la com respeito. Lamentavelmente, a maioria dos pais (...) se sentem humilhados e intimidados pela escola. Os pais não devem ser chamados à escola para serem repreendidos pelos professores, mas sim para discutir com estes sobre a educação de seus filhos. (RIBEIRO, 1986, p. 39). Sobre isso, há um episódio observado que precisa ser relatado: Logo após o som do sinal, que avisa aos pais e aos alunos que já está na hora de fazer fila, tocar, a diretora, que sempre faz a oração do Pai-Nosso com as crianças antes delas subirem para as aulas, começou a discursar a respeito de alguns boatos que surgiram em meio à comunidade sobre incidentes que, ocorrendo dentro da escola, prejudicariam sua reputação. Neste momento, ela questionou algumas pessoas da comunidade, que moram mais perto, a fim de ouvir deles se aquilo que estava sendo dito, correspondia à realidade do cotidiano da escola. Ao ouvir inúmeras respostas negativas, a diretora propôs-se, diante de todos os presentes, a deixar as portas de sua sala aberta para ouvir as reclamações dos pais, a fim de evitar que estas calúnias gerassem desconfortos maiores no relacionamento da escola com a comunidade, como por exemplo, ações judiciais por calúnia e difamação. (Registro no caderno de campo, em abril de 2010) Relacionando a proposta de Darcy com a realidade descrita acima, é possível estabelecer reflexões, afinal nenhuma comunidade atacaria desta maneira uma escola que coopera com sua realidade e da qual faz parte como cooperador ativo. Provavelmente, vem daí a falta de comprometimento dos pais com a escola, à medida que não se percebem como sujeitos valorizados dentro dela, percebem-na desvalorizada em sua realidade sociocultural. Tomando a frase de uma das professoras entrevistadas, é possível entender a atual realidade da escola aqui apresentada. Ao ser questionada a respeito da relação da instituição com a comunidade e sobre a valorização desta dentro da instituição, ela afirma: Esta é uma escola municipal, que funciona como qualquer outra. Que lida com os pais e com os outros em volta como a maioria das outras. Mantemos contato com eles através de reuniões, conversas informais na hora da entrada, da saída [Pausa]. Tudo igual a outras escolas em que já trabalhei (LIIGP, professora). Partindo do estudo de caso feito neste período de observação e realização de entrevistas, foi possível estabelecer algumas considerações a respeito da distância que existe entre o CIEP planejado por Darcy Ribeiro e a atual situação da escola estudada. Nela, apenas o ambiente físico é o mesmo. Os amplos espaços, os corredores, a biblioteca e outros espaços ainda permanecem de pé, mesmo depois de décadas e com poucos reparos e manutenção. Todavia, ao se analisar o aspecto político e pedagógico torna-se evidente a descaracterização da escola em relação ao projeto original defendido por Darcy Ribeiro.