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1. Introdução às enzimas


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MÓDULO 4 - A U L A 2 0
Enzimas I
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Enzimas I
Introdução às enzimas
Objetivos
Nas últimas aulas, você aprendeu o que são proteínas e quais são as funções
desempenhadas por estas importantes biomoléculas. Agora, vamos explorar mais
a fundo uma destas funções: vamos conhecer as enzimas e entender como elas
funcionam. Começaremos com um breve histórico da enzimologia. Em seguida,
vamos aprender como as enzimas são classificadas, para finalmente entendermos
como elas são capazes de diminuir a energia de ativação de uma reação química.
Pré-requisitos
Para acompanhar bem esta aula, você deve ter em mente os conteúdos abor-
dados nas aulas sobre as proteínas. Você deve também recordar o conceito de
equilíbrio das reações químicas.
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 Uma visão histórica da enzimologia
A história das enzimas começa junto com a própria história da bioquímica,
a partir das primeiras investigações acerca da fermentação e da digestão. Vamos
começar apontando alguns momentos importantes dessa história.
Podemos considerar que as primeiras observações relacionadas à atividade
de enzimas datam do final do século XVIII, quando vários estudos demonstraram
que secreções estomacais catalisavam a digestão da carne, o que sugeriu a existên-
cia dos catalisadores biológicos.
No início do século XIX, outras atividades biológicas começaram a ser de-
monstradas. Em 1810, Joseph Gay-Lussac determinou que a decomposição do
açúcar pelas leveduras resultava em etanol e CO2. Alguns anos depois, Jacob
Berzelius mostrou que o extrato de malte conhecido como diastase catalisava a
hidrólise do amido de forma muito mais eficiente do que o ácido sulfúrico.
Até este momento, não se tinha idéia de quais componentes biológicos esta-
vam envolvidos com estas atividades. A dificuldade de se reproduzir, em labora-
tório, diversas reações bioquímicas levou Pasteur a propor, na metade do século
XIX, que a fermentação ocorreria somente em células vivas, que possuiriam uma
“força vital” responsável pelas transformações observadas. Esta visão, chamada
vitalismo, prevaleceu por vários anos.
Entretanto, com o passar do tempo, surgiu uma nova corrente de pensa-
mento, e nela pregava-se que os processos biológicos ocorriam pela ação de subs-
tâncias químicas presentes nas células conhecidas como fermentos.
Em 1878, Frederich Wilhelm Kuhne nomeou como enzimas (do grego en -
dentro + zyme - levedura) estes fermentos, enfatizando que não eram as levedu-
ras que catalisavam as reações da fermentação, mas sim algo presente dentro de-
las. Esta teoria foi definitivamente comprovada quando Eduard Buchner, em 1897,
mostrou que extratos de leveduras que não continham células inteiras catalisavam
a produção de etanol a partir de glicose.
Mas qual seria a natureza química dessas enzimas?
Esta pergunta começou a ser respondida em 1926, quando James Sumner iso-
lou e cristalizou a urease, enzima que catalisa a hidrólise da uréia em NH3 e CO2. Ele
descobriu que os cristais de urease eram constituídos inteiramente de proteína, e pos-
tulou que todas as enzimas eram proteínas. Entretanto, a proposta de Sumner só se
tornou amplamente aceita durante a década de 30, quando John Northrop e Moses
Kunitz cristalizaram a pepsina, a tripsina e outras enzimas digestivas, mostrando que
todas elas também eram proteínas, e mais ainda, que havia uma relação direta entre
sua atividade enzimática e a quantidade de proteína presente no cristal.
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Durante a segunda metade do século XX, com o desenvolvimento de técni-
cas modernas de separação e análise, milhares de enzimas foram purificadas e
caracterizadas, tendo suas estruturas elucidadas e seus mecanismos de ação de-
terminados. Com exceção de uma pequena classe de RNAs com atividade catalítica,
as enzimas, em sua grande maioria, são de fato proteínas. Como marcos históricos
desses avanços podemos citar a primeira determinação da seqüência completa de
aminoácidos de uma enzima, a ribonuclease pancreática bovina, em 1963, e a de-
terminação por difração de raios X da estrutura da lisozima da clara de ovo, em 1965.
Classificação das enzimas
Praticamente todas as reações que ocorrem nos organismos vivos são
catalisadas por enzimas. O estudo das reações do metabolismo, desde o início do
século XX, resultou na descoberta de um número enorme de enzimas, que foram
nomeadas de acordo com sua função. Entretanto, com o aumento do número de
enzimas e o uso de uma terminologia não sistemática para nomeá-las, algumas
enzimas passaram a ter mais de um nome, enquanto outras enzimas diferentes
eram conhecidas pelo mesmo nome. Com isso, a sua nomenclatura foi sistemati-
zada a partir de 1961. Esta classificação será importante, principalmente, durante
a disciplina de Bioquímica II, quando estudaremos as reações do metabolismo, e
ela está baseada em uma divisão em seis classes, relacionada às reações que elas
catalisam:
1. óxido-redutases: catalisam reações de óxido-redução, ou seja a transferência
de elétrons;
2. transferases: catalisam a transferência de grupos entre moléculas;
3. hidrolases: catalisam reações de hidrólise;
4. liases: catalisam a remoção não hidrolítica de grupos, formando ligações duplas;
5. isomerases: catalisam reações de isomerização;
6. ligases: catalisam a formação de uma ligação química por condensação e
concomitante quebra de um nucleosídeo trifosfatado.
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Como as enzimas funcionam?
As enzimas diferem dos catalisadores químicos em vários aspectos importantes:
- as velocidades das reações catalisadas pelas enzimas são geralmente de
106 a 1012 vezes maiores do que as das reações não catalisadas, e pelo me-
nos várias ordens de grandeza maiores do que aquelas catalisadas por
catalisadores químicos;
- as condições nas quais as reações catalisadas por enzimas ocorrem são
mais compatíveis com a vida - temperaturas abaixo de 100oC, pressão at-
mosférica e pH neutro, enquanto a catálise química geralmente requer tem-
peraturas e pressões elevadas, além de pHs extremos;
- as reações enzimáticas apresentam alta especificidade e dificilmente resul-
tam na formação de outros produtos;
- as reações enzimáticas podem ser reguladas por substâncias diferentes de
seus substratos. Os mecanismos regulatórios incluem controle alostérico,
modificação covalente ou variações nas quantidades de enzima sintetizada,
como veremos nas aulas de Bioquímica II.
As enzimas possibilitam diversas reações biológicas criando um ambiente
específico e energeticamente favorável à determinada reação, por exemplo, esta-
bilizando um intermediário instável ou promovendo a aproximação de duas ou
mais moléculas na orientação precisa requerida para que a reação ocorra.
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Estado de transição e energia de ativação
Em uma reação química, um arranjo estável de átomos (ou seja, a molécula
do substrato) é convertido em um outro arranjo estável de átomos (ou seja, a
molécula do produto da reação). Para que esta mudança aconteça, é necessário
que os átomos que formam o substrato sofram uma reorganização, passando por
um arranjo instável, conhecido como estado de transição (Figura 20.1). Para en-
tender como as enzimas funcionam, é importante distinguir entre o equilíbrio da
reação e a velocidade da reação. Os catalisadores funcionam aumentando a velo-
cidade das reações, não alterando seu equilíbrio. Inicialmente falaremos a respeito
do equilíbrio de reações químicas.
O diagrama apresentado na figura 20.1 mostra as variações de energia em
uma determinada reação (conversão de S para P). O equilíbrio entre S e P reflete
a diferença entreas energias livres de cada estado. No exemplo mostrado na
figura 20.1, a energia livre de P é menor do que a de S, de forma que a variação de
energia livre (∆G*) da reação é negativa, e o equilíbrio favorece a formação de P.
Entretanto, embora o equilíbrio da reação favoreça a formação de P, isso não quer
dizer que a conversão de S em P irá ocorrer em um tempo mensurável. A velocida-
de com que a reação irá ocorrer depende de um parâmetro completamente dife-
rente. Existe uma barreira energética entre S e P, relacionada à formação do esta-
do de transição, que pode envolver alinhamento de grupos reativos, formação de
cargas instáveis, rearranjo de ligações etc. A diferença de energia entre o arranjo
atômico do substrato e o do estado de transição é chamada energia de ativação. É
este parâmetro que determinará a velocidade de uma reação: quanto maior a ener-
gia de ativação, mais lenta será a reação. Uma reação pode ser acelerada, por
exemplo, aumentando-se a temperatura, o que aumenta o número de moléculas
com energia suficiente para ultrapassar esta barreira energética.
Figura 20.1: Diagrama de energia
de uma reação química.
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Figura 20.2: Diagrama de energia comparando
uma reação catalisada e uma não catalisada.
Uma outra possibilidade é justamente aonde entram as enzimas! Um
catalisador funciona diminuindo a energia de ativação, e aumentando, desta for-
ma a velocidade da reação (Figura 20.2).
Mas, de que forma isso ocorre?
Para responder esta pergunta precisamos entender um pouco mais sobre as
interações entre as enzimas e seus substratos. Este será o tema da nossa próxima aula.
Resumo
Nesta aula você aprendeu que a natureza química da maior parte das
enzimas é protéica. Viu também que as enzimas diferem dos
catalisadores químicos em vários aspectos, tais como: são mais
eficientes no que diz respeito à capacidade de aumentar a velocidade
da reação; funcionam em condições de temperatura, pressão e pH
compatíveis com a vida; são altamente específicas e também podem
ser reguladas. Finalmente, você aprendeu que as enzimas diminuem a
energia de ativação de uma reação.
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Exercícios
1. Marque a resposta correta:
As enzimas são potentes catalisadores. Elas:
a) fazem com que as reações ocorram até o fim, enquanto outros catalisadores
levam as reações para o equilíbrio.
b) são consumidas nas reações que catalisam.
c) são muito específicas e podem impedir a conversão dos produtos de volta a
substratos.
d) aumentam as constantes de equilíbrio das reações que catalisam.
e) diminuem a energia de ativação das reações que catalisam.
2. Qual das afirmações abaixo é a verdadeira a respeito das enzimas como
catalisadores?
a) Para serem efetivas, elas devem estar presentes na mesma concentração que
seus substratos.
b) Elas aumentam a constante de equilíbrio de uma determinada reação em mil
vezes ou mais.
c) Elas diminuem a energia de ativação da conversão dos substratos em produtos.
d) Sua atividade catalítica é independente do pH.
e) Elas são igualmente ativas para os isômeros D e L de um determinado substrato.
3. O papel das enzimas em uma reação é:
a) Garantir que o produto da reação seja mais estável que o substrato.
b) Tornar a variação de energia livre de uma reação mais favorável.
c) Aumentar a velocidade na qual o substrato é convertido em produto.
d) Garantir que todo o substrato seja convertido em produto.
e) Nenhuma das afirmações acima.
Auto-avaliação
Depois de responder cada uma das questões, tente justificar porque consi-
derou determinada resposta como verdadeira e porque considerou falsas as outras
respostas. Com isso você pode ter uma idéia do quanto está realmente acompa-
nhando os conceitos explorados até agora.
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