Baixe o app para aproveitar ainda mais
Prévia do material em texto
Carlos Capela Glúcidos página 1 de 122 GLÚCIDOS OU GLÍCIDOS GLÚCIDOS OU GLÍCIDOS ......................................................1 A. INTRODUÇÃO ........................................................................6 1. FUNÇÕES .................................................................................... 8 1.a. Energética.................................................................................................. 8 1.b. Estrutural .................................................................................................. 8 1.c. Reserva Energética ................................................................................... 8 B. AS OSES OU MONOSSACÁRIDOS ..........................................9 1. NOMENCLATURA .......................................................................... 9 2. ISÓMEROS ÓPTICOS ..................................................................... 9 2.a. Enantiómeros .......................................................................................... 10 2.b. Epímeros.................................................................................................. 10 3. ESTRUTURA E DIAGRAMAS ........................................................ 11 3.a. Projecções de Fisher ............................................................................... 11 3.b. Estruturas cíclicas................................................................................... 11 3.B.I. ESTRUTURA CÍCLICA DE TOLLENS .................................................................... 12 3.B.II. ESTRUTURA CÍCLICA DE HAWORTH .................................................................. 13 4. REACÇÕES DOS MONOSSACÁRIDOS .......................................... 15 4.a. Muta-rotação........................................................................................... 15 4.b. Reacções de Redóx .................................................................................. 16 4.c. Isomerização............................................................................................ 16 4.d. Esterificação............................................................................................ 17 4.e. Formação de Glicósidos ......................................................................... 17 5. MONOSSACÁRIDOS IMPORTANTES ............................................ 18 5.a. Glicose ..................................................................................................... 18 5.b. Fructose ................................................................................................... 18 5.c. Galactose ................................................................................................. 18 6. DERIVADOS DAS OSES ................................................................ 19 6.a. Desoxioses ............................................................................................... 19 6.b. Osaminas ................................................................................................. 19 6.c. Ácidos Aldónicos ..................................................................................... 20 6.d. Ácidos Urónicos ...................................................................................... 20 Carlos Capela Glúcidos página 2 de 122 6.e. Ácidos Aldáricos...................................................................................... 21 6.f. Ácidos Siálicos......................................................................................... 21 6.g. Lactonas................................................................................................... 22 6.h. Ésteres das Oses ...................................................................................... 23 6.i. Glicósidos................................................................................................. 23 6.j. Alditóis ..................................................................................................... 24 6.k. Ciclitóis .................................................................................................... 24 C. ÓSIDOS ................................................................................25 1. CLASSIFICAÇÃO.......................................................................... 25 2. HOLÓSIDOS ................................................................................. 26 2.a. Dissacáridos ............................................................................................ 26 2.A.I. SACAROSE (GLICOSE+FRUTOSE)....................................................................... 26 2.A.II. LACTOSE (GALACTOSE+GLICOSE) ................................................................... 26 2.A.III. MALTOSE (GLICOSE+GLICOSE) ........................................................................ 27 2.A.IV. CELOBIOSE (GLICOSE+GLICOSE) ..................................................................... 27 2.b. Oligossacáridos ....................................................................................... 27 2.c. Polissacáridos.......................................................................................... 27 2.C.I. HOMOPOLISSACÁRIDOS ..................................................................................... 27 2.c.i.1. Amido ........................................................................................................................... 27 2.c.i.2. Glicogénio .................................................................................................................... 27 2.c.i.3. Celulose........................................................................................................................ 27 2.c.i.4. Dextrinas...................................................................................................................... 27 2.C.II. HETEROPOLISSACÁRIDOS .................................................................................. 27 3. HETERÓSIDOS............................................................................. 27 D. METABOLISMO DOS GLÍCIDOS ..........................................27 1. HIDRÓLISE ENZIMÁTICA – DIGESTÃO ...................................... 27 2. GLICÓLISE OU VIA DE EMBDEN-MEYERHOF ........................... 27 2.a. Introdução ............................................................................................... 27 2.b. A Glicólise propriamente dita................................................................. 27 2.B.I. REACÇÃO Nº 1 – FOSFORILAÇÃO ....................................................................... 27 2.B.II. REACÇÃO Nº 2 E 3 – DA GLICOSE-6-FOSFATO À FRUTOSE-1,6-BISFOSFATO.... 27 2.B.III. REACÇÃO Nº 4 – CISÃO DA FRUTOSE 1,6-BISFOSFATO EM TRIOSES-FOSFATO 27 2.B.IV. REACÇÃO Nº 5 – GLICERALDEIDO-3-FOSFATO É OXIDADO A ÁCIDO 1,3- BISFOSFOGLICÉRICO .......................................................................................................... 27 2.B.V. REACÇÃO Nº 6 – TRANSFORMAÇÃO DO ÁCIDO 1,3-BISFOSFOGLICÉRICO EM ÁCIDO 3-FOSFOGLICÉRICO................................................................................................ 27 2.B.VI. REACÇÃO Nº 7, 8 E 9 – FORMAÇÃO DO ÁCIDO PIRÚVICO ................................. 27 Carlos Capela Glúcidos página 3 de 122 2.c. Regulação da glicólise ............................................................................ 27 2.C.I. REGULAÇÃO DA ENTRADA DE GLICOSE NA VIA: .............................................. 27 2.c.i.1. Glicogénio Fosforilase: ............................................................................................... 27 2.c.i.2. Hexocinase: ................................................................................................................. 27 2.C.II. REGULAÇÃO DA VIA PROPRIAMENTEDITA: ...................................................... 27 2.c.ii.1. Fosfofrutocinase I:..................................................................................................... 27 2.c.ii.2. Piruvato-cinase: ......................................................................................................... 27 2.d. Ciclo de Rapaport-Luebering ................................................................. 27 2.e. Obtenção de energia no músculo ........................................................... 27 2.f. Destino da Di-hidroxiacetona-fosfato.................................................... 27 3. REOXIDAÇÃO DO NADH............................................................ 27 3.a. Em Aerobiose .......................................................................................... 27 3.A.I. TRANSPORTE PELO GLICEROL-3-FOSFATO....................................................... 27 3.A.II. TRANSPORTE PELO ÁCIDO MÁLICO OU SHUTTLE DO ÀCIDO MÁLICO ............ 27 3.A.III. RENDIMENTO ENERGÉTICO EM AEROBIOSE ...................................................... 27 3.b. Em Anaerobiose ...................................................................................... 27 3.B.I. FERMENTAÇÃO LÁCTICA ................................................................................... 27 3.B.II. FERMENTAÇÃO ALCOÓLICA .............................................................................. 27 3.B.III. REDUÇÃO DA DI-HIDROXIACETONA-FOSFATO A GLICEROL ............................ 27 3.B.IV. BALANÇO ENERGÉTICO EM ANAEROBIOSE........................................................ 27 4. VIA DAS PENTOSES-FOSFATO .................................................... 27 4.a. Introdução ............................................................................................... 27 4.b. Fase oxidante .......................................................................................... 27 4.c. Fase Não-oxidante .................................................................................. 27 4.d. Balanço energético.................................................................................. 27 4.e. Regulação:............................................................................................... 27 5. DESCARBOXILAÇÃO OXIDANTE DO ÁCIDO PIRÚVICO A ACETIL-COA ....................................................................................... 27 5.a. Introdução ............................................................................................... 27 5.b. Descarboxilação Oxidante do Ácido Pirúvico ....................................... 27 5.c. Balanço energético.................................................................................. 27 5.d. Regulação ................................................................................................ 27 6. CICLO DE KREBS ........................................................................ 27 6.a. Introdução ............................................................................................... 27 6.b. Ciclo de Krebs propriamente dito ........................................................... 27 6.B.I. FORMAÇÃO DO ÁCIDO CÍTRICO ........................................................................ 27 6.B.II. FORMAÇÃO DE ÁCIDO ISOCÍTRICO ................................................................... 27 6.B.III. FORMAÇÃO DE ÁCIDO α-CETOGLUTÁRICO ...................................................... 27 6.B.IV. FORMAÇÃO DE SUCCINIL-COA.......................................................................... 27 6.B.V. FORMAÇÃO DE ÁCIDO SUCCÍNICO .................................................................... 27 6.B.VI. REGENERAÇÃO DO ÁCIDO OXALOACÉTICO...................................................... 27 6.c. Balanço Energético................................................................................. 27 6.d. Regulação ................................................................................................ 27 Carlos Capela Glúcidos página 4 de 122 6.D.I. REGULAÇÃO DA ENTRADA DE ACETIL-COA: 2 ENZIMAS: ................................ 27 6.d.i.1. Complexo da Piruvato-Desidrogenase: ...................................................................... 27 6.d.i.2. Citrato-Sintase: ........................................................................................................... 27 6.D.II. REGULAÇÃO DA VIA PROPRIAMENTE DITA: 3 ENZIMAS: ................................... 27 6.d.ii.1. Isocitrato-Desidrogenase: .......................................................................................... 27 6.d.ii.2. α-Cetoglutarato-Desidrogenase: ........................................................................................ 27 6.d.ii.3. Succinato desidrogenase: .......................................................................................... 27 6.D.III. REACÇÕES ANAPLERÓTICAS: ............................................................................ 27 6.e. O ciclo de Krebs como placa giratória do metabolismo ........................ 27 7. CADEIA TRANSPORTADORA DE ELECTRÕES ............................ 27 7.a. Conceito:.................................................................................................. 27 7.A.I. EQUAÇÃO TERMODINÂMICA DA REOXIDAÇÃO DAS COENZIMAS:..................... 27 7.b. A Cadeia de Transportadores:................................................................ 27 7.c. Organização Multimolecular dos Transportadores de Electrões: ........ 27 7.C.I. COMPLEXO I:...................................................................................................... 27 7.C.II. COMPLEXO II: .................................................................................................... 27 7.C.III. COMPLEXO III: .................................................................................................. 27 7.C.IV. COMPLEXO IV:................................................................................................... 27 8. FOSFORILAÇÃO OXIDATIVA ...................................................... 27 8.a. Conceito:.................................................................................................. 27 8.b. A Energia: ............................................................................................... 27 8.c. A Enzima ATPase: .................................................................................. 27 8.C.I. A FRACÇÃO F1:................................................................................................... 27 8.C.II. A FRACÇÃO FO: .................................................................................................. 27 8.d. Acoplamento Entre Cadeia Respiratória e Fosforilação Oxidativa:.... 27 8.D.I. A HIPÓTESE QUIMIOSMÓTICA: ......................................................................... 27 8.D.II. SUPORTE EXPERIMENTAL DA TEORIA DE MITCHELL:...................................... 27 8.D.III. TRANSPORTE DE SUBSTRATOS ATRAVÉS DA MEMBRANA MITOCONDRIAL INTERNA ............................................................................................................................. 27 8.d.iii.1. Transporte de Pi:....................................................................................................... 27 8.d.iii.2. Transporte de ATP/ADP: ......................................................................................... 27 8.d.iii.3. Transporte de Equivalentes Redutores: ................................................................... 27 8.e. Rendimento da Respiração Celular: ...................................................... 27 9. METABOLISMO DO GLICOGÉNIO .............................................. 27 9.a. Introdução ...............................................................................................27 9.b. Síntese – Glicogénese.............................................................................. 27 9.c. Degradação – Glicogenólise ................................................................... 27 9.d. Regulação do metabolismo do glicogénio.............................................. 27 9.D.I. REGULAÇÃO HORMONAL DO METABOLISMO DO GLICOGÉNIO NO MÚSCULO . 27 9.d.i.1. A Epinefrina ou Adrenalina ....................................................................................... 27 9.d.i.2. A insulina .................................................................................................................... 27 9.D.II. REGULAÇÃO DO METABOLISMO DO GLICOGÉNIO NO FÍGADO ......................... 27 9.d.ii.1. O Glucagón ou Glucagina ......................................................................................... 27 9.d.ii.2. Cálcio.......................................................................................................................... 27 9.d.ii.3. A insulina ................................................................................................................... 27 9.d.ii.4. Glicose ........................................................................................................................ 27 Carlos Capela Glúcidos página 5 de 122 10. NEOGLICOGÉNESE ..................................................................... 27 10.a. Introdução............................................................................................ 27 10.b. Substratos da Neoglicogénese............................................................. 27 10.B.I. AMINOÁCIDOS GLICOGÉNICOS OU GLICOFORMADORES................................... 27 10.B.II. LÍPIDOS ............................................................................................................... 27 10.B.III. OUTROS AÇÚCARES ........................................................................................... 27 10.c. Neoglicogénese ou Gliconeogénese .................................................... 27 10.C.I. TRANSFORMAÇÃO DO ÁCIDO PIRÚVICO EM ÁCIDO FOSFOENOLPIRÚVICO..... 27 10.C.II. CONVERSÃO DA FRUTOSE-1,6-BISFOSFATO À FRUTOSE-6-FOSFATO E HIDRÓLISE DA GLICOSE-6-FOSFATO ................................................................................. 27 10.d. Balanço energético .............................................................................. 27 10.e. Regulação............................................................................................. 27 10.f. Ciclos dos Cori e de Felig.................................................................... 27 10.F.I. CICLO DOS CORI................................................................................................. 27 10.F.II. CICLO DA ALANINA OU CICLO DE FEHLIG ........................................................ 27 11. HOMEOSTASE DA GLICOSE........................................................ 27 11.a. Regulação Hormonal .......................................................................... 27 11.A.I. O CAMP ............................................................................................................. 27 11.A.II. OS GLICOCORTICÓIDES – O CORTISOL ............................................................. 27 11.A.III. A INSULINA ........................................................................................................ 27 11.A.IV. A GLUCAGINA E A ADRENALINA ....................................................................... 27 11.b. Fígado e Rim........................................................................................ 27 11.c. Outros órgãos e tecidos ....................................................................... 27 11.C.I. O MÚSCULO........................................................................................................ 27 11.C.II. O TECIDO ADIPOSO............................................................................................ 27 11.C.III. CÉREBRO ............................................................................................................ 27 12. METABOLISMO DAS OUTRAS OSES ............................................ 27 12.a. A frutose ............................................................................................... 27 12.b. A Galactose .......................................................................................... 27 12.c. O Ácido Glicurónico............................................................................ 27 12.C.I. SÍNTESE............................................................................................................... 27 12.C.II. CATABOLISMO .................................................................................................... 27 E. ANEXOS ...............................................................................27 1. PARA SABER MAIS … OS TRANSPORTADORES DE GLICOSE .... 27 1.a. Introdução ............................................................................................... 27 1.b. Transportadores de Glicose .................................................................... 27 1.c. A absorção de glúcidos ........................................................................... 27 2. PARA SABER MAIS … A DIABETES MELLITUS .......................... 27 2.a. Introdução ............................................................................................... 27 2.b. Diabetes Mellitus Insulino-Dependente................................................. 27 2.c. Diabetes Mellitus Insulino-Independente.............................................. 27 Carlos Capela Glúcidos página 6 de 122 A. INTRODUÇÃO Os carbohidratos (também chamados sacáridos, glúcidos, oses, hidratos de carbono ou açúcares), são definidos, quimicamente, como poli-hidroxicetonas (cetoses) ou poli-hidroxialdeídos (aldoses), ou seja, compostos orgânicos com, pelo menos três carbonos onde todos os carbonos possuem um hidroxilo, com excepção de um, que possui o carbonilo primário (grupo aldeído) ou o carbonilo secundário (grupo cetona). Possuem fórmula empírica Cn(H2O)m, desde os mais simples (os monossacáridos, onde n = m) até aos mais complexos. Mas alguns carbohidratos, possuem na sua estrutura nitrogénio, fósforo ou enxofre não se adequando, portanto, à fórmula geral. A grande informação subjacente a esta fórmula geral é a origem fotossintética dos carbohidratos nas plantas, podendo-se dizer que os carbohidratos contêm na sua molécula a água, o CO2 e a energia luminosa que foram utilizados na sua síntese. A conversão da energia luminosa em energia química faz com que esses compostos fotossintetizados funcionem como um verdadeiro combustível celular, libertando uma grande quantidade de energia térmica quando quebrada as ligações dos carbonos das suas moléculas, libertando, também, a água e o CO2 que se encontravam ligados. Carlos Capela Glúcidos página 7 de 122 A relação entre a fotossíntese e a função energética dos carbohidratos é indiscutível. De facto, a clorofila presente nas células vegetais é a única molécula da natureza que não emite energia na forma de calor após ter os seus electrões excitados pela luz: ela utiliza esta energia para unir átomos de carbono do CO2 absorvido, “armazenando-a” nas moléculas de glicose sintetizadas neste processo fotossintético. Os animais não são capazes de sintetizar carbohidratos a partir de substratos simples não energéticos, precisando obtê-los através da alimentação, produzindo CO2 (excretado para a atmosfera), água e energia (utilizados nas reacções intracelulares). Nos animais, há um processo chamado neoglicogénese que corresponde a uma síntese de glicose a partir de percursores não glucídicos. Umoutro processo de síntese endógena de glicose dá- se através da glicogenólise do glicogénio sintetizado no fígado e músculos (glicogénese). Esses processos, entretanto, só são possíveis a partir de substratos provenientes de um prévio metabolismo glucídico, o que obriga a obtenção de carbohidratos pela alimentação, facto que torna os animais dependentes das plantas em termos de obtenção de energia. A energia térmica contida na molécula de glicose é libertada nas mitocôndrias e, por fim, convertida em ligações altamente energéticas de fosfato na molécula de ATP (adenosina tri-fosfato) durante o processo de respiração celular (fosforilação oxidativa). As duas primeiras ligações libertam elevada energia (± 10 Kcal) quando quebradas, ao contrário da primeira que possui baixa energia de ligação em relação às primeiras (± 6 Kcal). Note que o ATP corresponde, enfim, a um verdadeiro armazém da energia solar que foi conservada durante todo este fantástico processo biológico. Carlos Capela Glúcidos página 8 de 122 1.FUNÇÕES 1.a. Energética São os principais produtores de energia sob a forma de ATP, cujas ligações ricas em energia (±10 Kcal) são quebradas sempre que as células precisam de energia para as reacções bioquímicas. É a principal função dos carbohidratos. Todos os seres vivos (com excepção dos vírus) possuem um metabolismo adaptado ao consumo de glicose como substrato energético. Algumas bactérias consumem dissacáridos (p.ex.: a lactose) na ausência de glicose, porém a maioria dos seres vivos utiliza a glicose como a principal fonte energética. 1.b. Estrutural A parede celular das plantas é constituída por um polímero de glicose – a celulose; a carapaça dos insectos contém quitina, um polímero que fornece extrema resistência ao exo-esqueleto; as células animais possuem uma série de carbohidratos na membrana plasmática responsáveis pelo reconhecimento celular, pela agregação das células num tecido e por alguma actividade enzimática – o glicocálice. 1.c. Reserva Energética Nas plantas, há o amido, polímero de glicose; nos animais, há o glicogénio, também polímero de glicose porém com uma estrutura mais compacta e ramificada. Carlos Capela Glúcidos página 9 de 122 B. AS OSES OU MONOSSACÁRIDOS 1.NOMENCLATURA O nome genérico de um monossacárido inclui o tipo de função, um prefixo que indica o número de átomos de carbono e a terminação -ose. Por exemplo: • Aldohexose é um aldeído de 6 carbonos; • Cetopentose é uma cetona de 5 carbonos. 2.ISÓMEROS ÓPTICOS Isómeros de monossacáridos rodam a luz polarizada em direcções diferentes. O isómero que faz rodar o plano de luz polarizada no sentido dos ponteiros do relógio é designado por dextrogiro (+). Se o isómero rodar o plano de luz polarizada no sentido contrário ao dos ponteiros do relógio é designado por levrogiro (–). Este dado só é observado experimentalmente, através de um polarimetro. A aldotriose gliceraldeido é usada como referência para todas as aldoses. Um monossacárido é designado por D ou L dependendo do arranjamento dos átomos rodeando o carbono assimétrico (neste caso C2). Muitos dos monossacáridos possuem mais do que um carbono quiral, o que influencia a rotação da luz polarizada. Monossacáridos de cadeia longa possuem grupos adicionais H-C-OH entre o carbono carbonil e o carbono quiral considerado para a designação D ou L, o que pode promover designações opostas D/L e +/–. A maioria dos monossacáridos biológicos importantes possui configuração D. Mas vejamos como se classifica um isómero em D ou L. A configuração absoluta dos monossacáridos é determinado pela estereoquimica do átomo de carbono quiral mais afastado do carbono carbonil (numero 1 para os aldeídos e número mais baixo para uma cetona que geralmente é sempre o carbono 2). Com base na posição do OH do carbono quiral de número mais alto, um monossacárido é D se o OH se projectar para a direita, e L, se projectar-se para a esquerda. Carlos Capela Glúcidos página 10 de 122 Ao aumentar o número de carbonos quirais, o número de isómeros possíveis aumenta. Se n é o número de carbonos quirais, o número possível de isómeros é 2n. 2.a. Enantiómeros Estereoisómeros que são a imagem uma da outra num espelho plano são denominados por enantiómeros. São exemplos o L e D-gliceraldeido ou a L e D-Ribose. 2.b. Epímeros Estereoisómeros que diferem na configuração em torno de apenas um carbono assimétrico são designados por epímeros. São exemplo a Glicose e Manose em C2. D-gliceraldeido L-gliceraldeido Carlos Capela Glúcidos página 11 de 122 3.ESTRUTURA E DIAGRAMAS Monossacáridos são moléculas tridimensionais por isso vários métodos de desenho em 2 dimensões foram desenvolvidos. 3.a. Projecções de Fisher O carbohidrato é desenhado com o esqueleto carbonado verticalmente e com os grupos –H e –OH. As linhas verticais representam ligações para trás do plano do papel enquanto as horizontais representam ligações acima do plano do papel. 3.b. Estruturas cíclicas Em soluções aquosas (ou seja no organismo), aldeídos e cetonas reagem reversivelmente com grupos hidroxilos para formar Hemiacetais. Somente 0,02% dos monossacáridos em solução aquosa estão presentes na sua forma aberta. Esta ciclização ocorre, após hidratação, por eliminação de uma molécula de água entre o OH (que ficou ligado ao carbono 1 das aldoses ou geralmente o carbono 2 das cetoses) e o OH ligado ao penúltimo ou antepenúltimo carbono da estrutura. Conforme a posição do segundo OH envolvido, tratar-se-á de uma piranose ou de uma furanose, ou seja estruturas em Carlos Capela Glúcidos página 12 de 122 anel de 5 membros são denominadas furanose, enquanto estruturas em anel de 6 membros são designadas por piranose. Após ocorrer a ciclização, é gerado um novo carbono quiral (o carbono carbonil), designado por carbono anomérico. Isto possibilita a existência de 2 formas isómeras designadas por anómeros. Na projecção de Fisher, conforme a posição do OH ligado ao carbono anomérico – do mesmo lado ou do lado contrário ao OH que determina a classificação D ou L – teremos, respectivamente, o anómero α ou o anómero β. 3.b.i. ESTRUTURA CÍCLICA DE TOLLENS Na representação cíclica de Tollens, e para a série D, os anómeros α serão aqueles em que o OH ligado ao carbono anomérico está à direita (isto é, do mesmo lado da ponte oxídica) enquanto que os anómeros β são representados com este à esquerda. O prefixo anomérico α ou β apenas deve ser utilizado em conjugação com o prefixo configuracional e precede-o imediatamente. Ex: α-D-glicose. Furanose Piranose Carlos Capela Glúcidos página 13 de 122 3.b.ii. ESTRUTURA CÍCLICA DE HAWORTH Na representação cíclica de Haworth, os grupos OH que figuravam à direita nas representações de Tollens, são representados para baixo do plano e os que figuravam à esquerda são representados para cima. Nesta configuração, o isómero é designado por α se o grupo OH e o grupo CH2OH nos 2 átomos de carbono ligados pelo oxigénio estiver em trans um em relação ao outro e β se estiverem em cis. Carlos Capela Glúcidos página 14 de 122 Existe ainda a possibilidade de se dividir as estruturas em anel em 2 grupos, conforme a sua configuração espacial: • Estrutura em cadeira (mais comum pois é a mais estável) • Estrutura em barco Carlos Capela Glúcidos página 15 de 122 4.REACÇÕES DOS MONOSSACÁRIDOS 4.a. Muta-rotaçãoA interconversão em solução aquosa entre as formas α e β, piranose e furanose é dinâmica e denomina-se Muta-rotação. Exemplo: Para a molécula da glicose, em solução aquosa, temos as seguintes proporções: • β-D-Glicopiranose: 62% • α-D-Glicopiranose: 38% • α-D-Glicofuranose: menos de 0,5% • β-D-Glicofuranose: menos de 0,5% • Forma aberta: menos de 0,02% Carlos Capela Glúcidos página 16 de 122 4.b. Reacções de Redóx Os monossacáridos podem sofrer uma variedade de reacções redóx, na presença de Cu2+, de agentes oxidantes e de certas enzimas. • Ácidos Aldónicos: resultam da oxidação de um grupo aldeído. • Ácidos Aldónicos: resultam da oxidação do grupo terminal CH2OH. • Ácidos Aldáricos: resultam da combinação das duas reacções prévias. • Lactonas: são ésteres cíclicos que resultam da reacção do carbono carboxilo de um ácido aldónico ou urónico com um grupo hidroxilo interno. Ex: Ácido L-ascórbico. • Alditóis: açucares álcoois resultantes da redução de um grupo aldeído ou cetona. Ex: glicerol. 4.c. Isomerização Monossacáridos convertem-se facilmente nos seus isómeros, quimicamente ou enzimaticamente. Muitas reacções de isomerização requerem o rearranjo dos átomos de hidrogénio e das ligações duplas com a formação de intermediários enediol. Carlos Capela Glúcidos página 17 de 122 4.d. Esterificação Os grupos hidroxilos dos monossacáridos podem reagir com ácidos formando ésteres. Esteres de fosfato e de sulfato são uns dos mais comuns na natureza. Açúcares fosforilados são mais reactivos do que os normais, o que releva especial importância nas substituições nucleofílicas, pois os grupos hidroxilos são grupos de saída fracos. 4.e. Formação de Glicósidos Hemiacetais reagem com álcoois para formar acetais. A ligação formada é designada por ligação glicosídica, e o composto é denominado glicósido. A formação de acetais “fecha” a estrutura cíclica, prevenindo a oxidação redução e a muta-rotação. Glicósidos de um ou mais monossacáridos produzem carbohidratos complexos. A reacção de formação de glicósidos é uma reacção de condensação, que liberta uma molécula de água. Carlos Capela Glúcidos página 18 de 122 5.MONOSSACÁRIDOS IMPORTANTES 5.a. Glicose D-glicose é um dos mais comuns monossacáridos. É o combustível primário para as células vivas. Os neurónios e os eritrócitos usam quase exclusivamente glucose como fonte de energia. 5.b. Fructose D-fructose é uma cetose encontrada em grandes quantidades na fruta e no mel. Nos animais, é produzido em grandes quantidades como componente do sémen, sendo usado como combustível para os espermatozóides. 5.c. Galactose D-galactose é usada como percursora de muitas macromoléculas (glicolípidos, proteoglicanos, fosfolípidos e glicoproteínas) bem como da lactose (componente do leite). Uma desordem molecular denominada galactosemia é devido à incapacidade de metabolisar a galactose. A galactose e os seus derivados concentram-se em certas regiões do organismo, provocando danos hepáticos, cataratas e atraso mental. α- D-glucopiranose α- D-galactopiranose β- D-fructofuranose Carlos Capela Glúcidos página 19 de 122 6.DERIVADOS DAS OSES Modificações dos monossacáridos resultam em compostos que são de extrema importância no metabolismo. 6.a. Desoxioses Quando um grupo oxidrilo (OH) de um monossacárido é substituído por um átomo de hidrogénio. Em sistemas biológicos, isto geralmente ocorre em C2. A 2-desoxi-β-D-ribose é a aldose que intervêm na estrutura dos ácidos nucleicos (DNA). 6.b. Osaminas É um monossacárido em que um grupo OH foi substituído por um grupo amina (NH2), geralmente acetilado. Nos sistemas biológicos, isto ocorre novamente em C2. 2-desoxi-β-D-ribose D-glucosamina D-galactosamina N-acetil-D-glucosamina Carlos Capela Glúcidos página 20 de 122 6.c. Ácidos Aldónicos Resultam da oxidação do grupo aldeído do monossacárido a COOH. São designados substituindo o sufixo “ose” por “ónico” e antepondo a palavra ácido. 6.d. Ácidos Urónicos São formados pela oxidação do grupo terminal CH2OH das aldoses, a COOH. O respectivo nome é formado por substituição do sufixo “ose” por “urónico”, antepondo a palavra ácido ao nome da ose. O sílaba “ur” tem o significado de ω. Ácido D-glucurónico Ácido L-idurónico Carlos Capela Glúcidos página 21 de 122 6.e. Ácidos Aldáricos Resultam da combinação das duas reacções prévias, ou seja, oxidação das aldoses nos 2 átomos de carbono terminais. São designadas substituindo o sufixo “ose” por “árico” e antepondo a palavra ácido. 6.f. Ácidos Siálicos Os ácidos siálicos ou neuramínicos são derivados (em geral acetilados) do ácido neuramínico, formado pela condensação de uma molécula de ácido pirúvico (carbonos 1, 2, 3) com uma molécula de D-manosamina (carbonos 4 a 9). A acetilação do grupo amina do ácido neuramínico origina o ácido N-acetil-neuramínico. As outras acetilações, que conduzem a diferentes ácidos siálicos, incidem em oxidrilos (em particular em 4 e 7). Os ácidos siálicos são constituintes de diversas glicoproteínas e glicolípidos. Carlos Capela Glúcidos página 22 de 122 6.g. Lactonas São ésteres cíclicos que resultam da reacção do carbono carboxilo de um ácido aldónico ou urónico com um grupo hidroxilo interno. Ex: Ácido L-ascórbico. O termo vitamina C deve ser usado como termo genérico para todos os compostos que apresentam qualitativamente a actividade biológica do ácido ascórbico. Carlos Capela Glúcidos página 23 de 122 6.h. Ésteres das Oses Os grupos hidroxilos dos monossacáridos podem reagir com ácidos formando ésteres. Esteres de fosfato e de Sulfato são uns dos mais comuns na natureza. Açúcares fosforilados são mais reactivos do que os normais, o que releva de especial importância nas substituições nucleofílicas, pois os grupos hidroxilos são grupos de saída fracos. 6.i. Glicósidos Hemiacetais reagem com álcoois para formar acetais. A ligação formada é designada por ligação glicosídica, e o composto é denominado glicósido. A formação de acetais “fecha” a estrutura cíclica, prevenindo a oxidação-redução e a muta-rotação. Glicósidos de um ou mais monossacáridos produzem carbohidratos complexos. A reacção de formação de glicósidos é uma reacção de condensação, que liberta uma molécula de água. O nome forma-se mudando o “e” final do nome do monossacárido pelo sufixo “ido” e colocando antes dessa palavra o nome do substituinte orgânico. Carlos Capela Glúcidos página 24 de 122 6.j. Alditóis São açucares álcoois resultantes da redução de um grupo aldeído ou cetona. Ex: glicerol. O nome forma-se mudando o sufixo “ose” para “itol”. 6.k. Ciclitóis São poliálcoois cíclicos, existentes sobretudo nos tecidos vegetais. O seu principal representante é o mioinositol, que ocorre frequentemente associado aos fosfolípidos. Carlos Capela Glúcidos página 25 de 122 C. ÓSIDOS 1.CLASSIFICAÇÃO Holósidos Heterósidos Oligossacáridos (2-10) Polissacáridos (>10) Homo-polissacáridos: somente oses Homo-polissacáridos: oses + derivados de oses Por hidrólise originam, além das oses, compostos não glucídicos ou aglicanos Carlos Capela Glúcidos página 26 de 122 2.HOLÓSIDOS2.a. Dissacáridos Os dissacáridos são glicósidos compostos por dois monossacáridos. Em alguns dissacáridos, um dos monossacáridos mantêm o grupo carbonil livre, podendo sofrer muta-rotação e oxidação- redução. Estes dissacáridos são redutores e como exemplo temos a maltose e a lactose. Outros não possuem carbonilos livres, e portanto estão encerrados na sua forma anomérica, sendo não reductores. Como exemplo temos sacarose. 2.a.i. SACAROSE (GLICOSE+FRUTOSE) Resulta de uma ligação glicosídica α,β(1,2) entre os dois carbonos anoméricos da glicose e da frutose. Portanto é um açúcar não redutor. É o comum açúcar de mesa. 2.a.ii. LACTOSE (GALACTOSE+GLICOSE) Também conhecido como açúcar do leite, resulta de um ligação glicosídica β(1,4) entre a galactose e a glicose. Indivíduos com deficiências na enzima Lactase, possuem uma condição fisiológica denominada por intolerância à lactose. A lactose que é ingerida não é hidrolisada e absorvida no intestino delgado, sendo aproveitada pelas bactérias da flora intestinal do intestino grosso que a fermentam, produzindo quantidades elevada de gás. Sacarose Lactose Carlos Capela Glúcidos página 27 de 122 2.a.iii. MALTOSE (GLICOSE+GLICOSE) É um intermediário na hidrólise do amido. Resulta de uma ligação glicosídica α(1,4) entre dois resíduos de glicose. Não surge geralmente livre na natureza. 2.a.iv. CELOBIOSE (GLICOSE+GLICOSE) É um intermediário na hidrólise da celulose. Resulta de uma ligação glicosídica β(1,4) entre dois resíduos de glicose. Tal como a Maltose, não surge geralmente livre na natureza. 2.b. Oligossacáridos São pequenos polímeros que consistem em 2 a 10 unidades de monossacáridos. Muitos são encontrados como grupos prostéticos de glicoproteínas e glicolípidos. • N-ligação – o oligossacárido encontra-se ligado ao polipéptido através de uma ligação N- glicosídica com o grupo amida da Asparagina; • O-ligação – o oligossacárido encontra-se ligado ao polipéptido através de uma ligação O- glicosídica com o grupo hidroxil da serina ou treonina; ou com um grupo hidroxilo do lípido. Celobiose Maltose Carlos Capela Glúcidos página 28 de 122 2.c. Polissacáridos São constituídos por grande número de moléculas da mesma ose – Homopolissacáridos – ou de oses diferentes – Heteropolissacáridos. 2.c.i. HOMOPOLISSACÁRIDOS 2.c.i.1. Amido O Amido é formado por uma cadeia α-glicosídica que por hidrólise fornece sempre glicose, por isso é denominado de glicosana ou glicana. É a fonte alimentar mais importante de hidratos de carbono, sendo encontrado nos cereais, batatas, legumes e outros vegetais. Os 2 constituintes principais são a Amilose (15-20%) de estrutura helicoidal não ramificada, e a Amilopectina (80-85%), constituída por cadeias ramificadas formadas por 24-30 resíduos de glicose unidos por ligações α(1,4) nas cadeias e por ligações α(1,6) nos pontos de ramificação. As ramificações impossibilitam a formação de uma hélice. 2.c.i.2. Glicogénio É o homopolissacárido de armazenamento do organismo humano. Possui uma estrutura idêntica à da amilopectina, sendo mais ramificado, tendo ramificações (ligações α(1,6)) a cada 11-18 resíduos de glicose (ligações α(1,4)). Amilose Carlos Capela Glúcidos página 29 de 122 2.c.i.3. Celulose A celulose é um dos compostos orgânicos mais abundantes da biosfera e a principal substância responsável pela estrutura das paredes celulares das plantas. Faz aproximadamente um terço da biomassa de uma planta. Não é hidrolisável pelas enzimas presentes no aparelho digestivo do humano ou de outros mamíferos, devido à ausência de uma hidrolase que actue sobre a ligação β. É por isso importante na formação do bolo alimentar. A celulase é uma enzima microbial, portanto os ruminantes alojam no seu tracto digestivo, bactérias comensais que digerem a celulose. A celulose é constituída por cadeias muito longas, formadas por resíduos de β-D-glicose, ligadas por ligações glicosídicas β(1,4). O monómero estrutural é a celobiose. Ligação α(1,4) Ligação α(1,6) – ponto de ramificação Ramo Amilopectina Glicogénio Celobiose Carlos Capela Glúcidos página 30 de 122 As cadeias de celulose podem encontrar-se estreitamente associadas através de ligações de hidrogénio ou de tipo Van der Walls, formando microfibrilhas. As fibras de celulose consistem em aproximadamente 40 microfibrilhas. Estas estruturas complexas formam estruturas complexas, praticamente insolúveis, que constituem a base de utilização industrial da celulose (fibras de papel, tecidos, etc.). Mas, além das pontes de hidrogénio que se vão estabelecer entre cadeias, também dentro de cada cadeia ocorrem estas ligações. A ligação β confere às cadeias uma linearidade e uma resistência tênsil que as adequa então à construção de fibras e a servirem de material de construção nas plantas. 2.c.i.4. Dextrinas São glucosanas resultantes das α-amilases sobre a amilopectina e glicogénio. Contêm em média 8 unidades de glicose, com uma ou mais ligações glicosídicas α(1,6). Microfibrilhas de Celulose Carlos Capela Glúcidos página 31 de 122 2.c.ii. HETEROPOLISSACÁRIDOS Glicósidos composto por múltiplos monossacáridos de pelo menos dois tipos. Podemos também encontrar derivados dos monossacáridos. Devido à sua importância e abundância destaco os glicosaminoglicanos (GAGs) que consistem em cadeias de hidratos de carbono complexos caracterizados pelo seu teor em osaminas e ácidos urónicos. Os GAGs são classificados tendo em atenção os resíduos de açúcar, tipos de ligações, presença e localização dos grupos sulfato. A ligação glicosídica do dissacárido base pode ser do tipo α (Heparina, Heparina sulfato) ou do tipo β (os restantes). O carácter ácido resulta da presença de grupos carboxílicos, sulfúricos, ou ambos. No pH fisiológico, estão todos carregados negativamente, o que produz repulsão entre eles. Este carácter poli-aniónico é também aproveitado para atrair e reter cargas positivas, em especial o Na+, desempenhando assim um papel muito importante na hidratação do meio biológico, pois a água acompanha o Na+ por osmose. Os GAGs são geralmente encontrados como grupos prostéticos em lípidos e proteínas, formando os glicoconjugados. • Ácido hialurónico – encontrado no humor vítreo do olho, no fluido sinovial das articulações e nas matrizes dos tecidos. • Condroitina-6-sulfato – é um componente da cartilagem. • Dermatano sulfato – componente do tecido de sustentação, cuja concentração aumenta com a idade. • Heparina/Heparano sulfato – anticoagulante encontrado nos mastócitos. • Queratano sulfato – encontrado na córnea, cartilagem e discos intervertebrais. Carlos Capela Glúcidos página 32 de 122 Ácido Hialurónico Ácido D-glicurónico + GlcNAc Ligação β(1, 3) Dermatano sulfato Ácido L-idurónico + GalNAc-4-sulfato Ligação β(1, 3) Condroitina-4 ou 6-sulfato Ácido D-glicurónico + GalNAc-6-sulfato Ligação β(1, 3) Heparina/Heparano sulfato Ácido D-glicurónico-2-sulfato (ou Ácido L- idurónico) + N-sulfo-D-glucosamina-6-sulfato Ligação α(1, 4) Heparanos tem menos sulfatos que as Heparinas Queratano sulfato Galactose + GlcNAc-6-sulfato Ligação β(1, 4) Carlos Capela Glúcidos página 33 de 122 3.HETERÓSIDOS Os heterósidos resultam de uma ose, através da sua função semi-acetálica, com um composto que não é nem uma ose nem um derivado de ose.A porção não glucídica é designado por aglicano, enquanto a porção glucídica é denominada por glicano. Como exemplo, temos os proteoglicanos, que são heterósidos constituídos por resíduos glucídicos – os glicosaminoglicanos – ligados a uma cadeia proteica. Carlos Capela Glúcidos página 34 de 122 D. METABOLISMO DOS GLÍCIDOS As OSES, em particular a Glicose, devem a sua importância ao facto de a sua oxidação fornecer aos organismos vivos grande parte da energia que lhes é necessária. Porém, outro aspecto não menos relevante é que os átomos de carbono da glicose vão encontrar-se num grande número de compostos – aminoácidos, ácidos gordos, esteróis, glicerol, etc. Os glícidos presentes nos alimentos são geralmente dissacáridos, como a lactose e a sacarose, e polissacáridos como o amido e glicogénio, que têm de ser hidrolisados antes de poderem atravessar as membranas celulares. 1.HIDRÓLISE ENZIMÁTICA – DIGESTÃO A digestão dos glícidos inicia-se na cavidade bucal. O amido e o glicogénio são parcialmente hidrolisados por amilases que catalisam a ruptura das ligações glicosídicas α-1,4. Nos animais as α- amilases são enzimas da saliva e do suco pancreático. No caso das cadeias lineares – a amilose – atinge-se a hidrólise completa em unidades de maltose e de glicose. Porém, no caso da amilopectina e do glicogénio, a hidrólise das ligações glicosídicas α-1,4, realiza-se com dificuldade na proximidade dos pontos de ramificação, e as ligações glicosídicas α- 1,6 aí existentes não são atacadas pela α-amilase. Obtêm-se assim uma mistura de maltose, de maltotriose e de α-dextrina (oligossacárido constituído por unidades de glicose unidas por ligações α-1,4 e α-1,6). A hidrólise, nas dextrinas residuais, das ligações glicosídicas α-1,6 entre os pontos de ligação é efectuada pela oligo-1,6-glicosidase segregada pelas células da mucosa intestinal. A hidrólise é completada por uma α-glicosidase, a maltase, que quebra as unidades de maltose (provenientes da acção da α-amilase e da oligo-1,6-glicosidase) originando-se 2 moléculas de glicose. AMILOSE α-amilase MALTOSE + GLICOSE MALTOSE Maltase GLICOSE + GLICOSE Carlos Capela Glúcidos página 35 de 122 No intestino do Homem encontra-se ainda outras enzimas que atacam os dissacáridos: • A β-frutosidase ou Sacarase catalisa a hidrólise da Sacarose em Glicose e Frutose. • A β-galactosidase ou Lactase, catalisa a hidrólise da Lactose em Galactose e Glicose. Portanto, a digestão dos glícidos alimentares conduz predominantemente à glicose, mas também à galactose e à frutose. Porém, o metabolismo da frutose e da galactose entroca no da glicose. Nas células intestinais verifica-se também, o transporte activo de glicose que depois é fosforilada a glicose-6-fosfato pela hexocinases ou fosforilases. A glicose-6-fosfato é depois hidrolisada, obtendo-se glicose livre no sangue, sendo esta reacção catalisada pela Glicose-6- fosfatase. Como já referi, a maior parte da glicose passa, através das células do tracto intestinal, para o sangue portal e, depois para a circulação geral, para ser usada pelos outros tecidos. O fígado é o 1º órgão a ter a oportunidade de remover glicose do sangue portal. Quando a glicemia (concentração de glicose no sangue) é alta, o fígado remove a glicose, para os processos de Glicogénese e Glicólise, que consomem glicose. Quando a glicemia baixa, o fígado fornece glicose ao sangue pelos processos produtores de glicose, a Glicogenólise e a Neoglicogénese. O fígado é também, o 1º órgão exposto ao sangue que flúi directamente do pâncreas, e, portanto, está exposto às concentrações mais elevadas de hormonas libertadas pelo pâncreas endócrino – Glucagina e Insulina. Estes importantes reguladores hormonais dos níveis de glicose sanguínea têm efeitos sobre as etapas catalisadas por enzimas no fígado. SACAROSE Sacarase FRUTOSE + GLICOSE LACTOSE Lactase GALACTOSE + GLICOSE Carlos Capela Glúcidos página 36 de 122 2.GLICÓLISE OU VIA DE EMBDEN-MEYERHOF 2.a. Introdução A Glicose é o principal hidrato de carbono que é absorvido no intestino e aproveitado pelas células do corpo que dela retiram energia, sendo a única fonte de energia para algumas células (como os eritrócitos e células do SNC). A Glicose é tão importante para estas células que vários outros tecidos do corpo funcionam em conjunto para assegurar a utilização contínua desta substância (como o fígado). É uma via singular, porque pode funcionar quer na presença de oxigénio se este estiver presente (glicólise aeróbia), ou na ausência deste (glicólise anaeróbia). Assim a glicólise permite ao músculo-esquelético níveis bastante elevados de actividade, mesmo não dispondo de oxigénio e permite que tecidos com capacidade glicolítica significativa sobrevivam a episódios anóxios. A Glicólise processa-se no citosol uma vez que as enzimas participantes também se encontram neste compartimento celular. Consiste em 9 reacções ou passos: 2.b. A Glicólise propriamente dita 2.b.i. REACÇÃO Nº 1 – FOSFORILAÇÃO A concentração de glucose na corrente sanguínea é mantida a níveis sensivelmente constantes de cerca de 4-5 mM. A glucose entra nas células por difusão facilitada. Este processo não permite a acumulação na célula de concentrações de glucose superiores às existentes no sangue, pelo que a célula deve ter um processo para acumular glucose no seu interior. Isto é feito por modificação química da glucose pela enzima hexocinase. No entanto, nas células parenquimatosas do fígado e nos ilhéus de Langerhans do pâncreas, este processo é catalisado pelas glucoquinases ou hexocinase VI. Carlos Capela Glúcidos página 37 de 122 A membrana celular é impermeável à glucose-6-fosfato, que pode por isso ser acumulada na célula. A glucose-6-fosfato será utilizada na síntese do glicogénio (uma forma de armazenamento de glucose), para produzir outros compostos de carbono na via das pentoses fosfato, ou degradada para produzir energia – glicólise. Nesta etapa é necessária a utilização de ATP como dador de fosfatos que é transformado em ADP. A reacção é acompanhada por perda significativa de energia livre sob a forma de calor, o que torna a reacção irreversível em condições fisiológicas. A hexocinase possui uma elevada afinidade para a glicose fosforilando toda a glicose que entra na célula, mesmo quando as suas concentrações sanguíneas são baixas. Esta enzima sofre retro-inibição alostérica pelo produto desta reacção: Glicose 6-fosfato. 2.b.ii. REACÇÃO Nº 2 E 3 – DA GLICOSE-6-FOSFATO À FRUTOSE-1,6- BISFOSFATO Para poder ser utilizada na produção de energia, a glucose-6-fosfato é primeiro isomerizada a frutose-6-fosfato pela fosfohexoisomerase. A frutose-6-fosfato é depois fosforilada a frutose-1,6- bisfosfato, com gasto de ATP pela fosfofrutocinase. Este é o ponto de não-retorno desta via metabólica: a partir do momento em que a glucose é transformada em frutose-1,6-bisfosfato já não pode ser usada em nenhuma outra via. Hexocinase Mg2+ Carlos Capela Glúcidos página 38 de 122 2.b.iii. REACÇÃO Nº 4 – CISÃO DA FRUTOSE 1,6-BISFOSFATO EM TRIOSES-FOSFATO Seguidamente, a frutose-1,6-bisfosfato é clivada em duas moléculas de três carbonos cada, pela aldolase: Estas duas moléculas (dihidroxiacetona fosfato e gliceraldeído-3-fosfato) são facilmente interconvertíveis por isomerização catalisada pela fosfotriose-isomerase. Portanto, basta uma via Aldolase Isomerase Isomerase Fosfofrutocinase Glucose-6-P Carlos Capela Glúcidos página 39 de122 metabólica para degradar as duas. É por esta razão que a glucose-6-P foi isomerizada a frutose-6-P: a clivagem da glucose daria origem a duas moléculas bastante diferentes, de dois e quatro átomos de carbono, respectivamente, que exigiriam duas vias metabólicas diferentes para a sua degradação. A Di-hidroxiacetona-fosfato é convertida a gliceraldeido-3-fosfato, continuando a via glicolítica a partir do último composto. 2.b.iv. REACÇÃO Nº 5 – GLICERALDEIDO-3-FOSFATO É OXIDADO A ÁCIDO 1,3-BISFOSFOGLICÉRICO Os aldeídos têm potenciais de oxidação-redução bastante baixos (cerca de -600 a -500 mV). A reacção de oxidação do gliceraldeído-3-fosfato pelo NAD+ (E0=-320 mV) é portanto bastante espontânea. Dá-se a oxidação do gliceraldeído-3-fosfato à Ácido 1,3-Bisfosfoglicérico, devido à Gliceraldeido-3-fosfato-desidrogenase que é NAD+ dependente, transformando-se este em NADH + H+, por transferência dos equivalentes redutores removidos na oxidação. Por fosforólise é adicionado um fosfato inorgânico (Pi). Ocorre aqui a única reacção de oxidação da Glicólise. 2.b.v. REACÇÃO Nº 6 – TRANSFORMAÇÃO DO ÁCIDO 1,3- BISFOSFOGLICÉRICO EM ÁCIDO 3-FOSFOGLICÉRICO Os ácidos fosforilados têm grupos fosfatos bastante energéticos: a saída do grupo fosfato dá origem a espécies muito mais estabilizadas por ressonância. O grupo fosfato do carbono 1 do 1,3- bisfosfoglicerato pode por isso ser transferido para o ADP, produzindo ATP, pela acção da fosfoglicerato-cinase, formando-se Ácido 3-fosfoglicérico. Visto que se formam 2 moléculas de triose-fosfato por molécula de glicose, nesta etapa são formadas 2 moléculas de ATP por molécula de glicose (mas recordemos que já gastamos também 2, ou seja, o saldo energético é nulo). Gliceraldeido-3-P-desidrogenase Fosfoglicerato-cinase Carlos Capela Glúcidos página 40 de 122 2.b.vi. REACÇÃO Nº 7, 8 E 9 – FORMAÇÃO DO ÁCIDO PIRÚVICO O Ácido 3-fosfoglicérico é convertido a Ácido 2-fosfogliceríco pela fosfoglicerato-mutase, que depois de desidratado pela acção de uma enolase dá origem a um fosfoenol, o Ácido fosfoenol- pirúvico. Devido ao seu elevado potencial de transferência de fosfato o Ácido fosfoenol-pirúvico pode transferir um fosfato ao ADP através da enzima Piruvato-cinase. Neste estágio formam-se 2 moléculas de ATP e 2 moléculas de ácido pirúvico por glicose oxidada. Fosfoglicerato-mutase Enolase Piruvato-cinase Carlos Capela Glúcidos página 41 de 122 2.c. Regulação da glicólise São 4 as enzimas reguladoras da via glicolítica; 2 regulam a entrada de glicose na via, e outras 2 regulam a via propriamente dita. 2.c.i. REGULAÇÃO DA ENTRADA DE GLICOSE NA VIA: 2.c.i.1. Glicogénio Fosforilase: • Enzima que catalisa a hidrólise do glicogénio celular em glicose-1-fosfato. • Sofre regulação covalente e alostérica: o Regulação Covalente: Fosfo e Defosforilação: Fosforilase A – Activa Fosforilada ↓ Fosforilase B – Inactiva Desfosforilada ↓ Fosforilase B – Activa Desfosforilada (na presença de AMP) o Regulação Alostérica: A forma “B”, normalmente inactiva, pode ser activada pela presença do modulador alostérico positivo AMP, cuja concentração aumenta no músculo após a quebra do ATP. 2.c.i.2. Hexocinase: • Catalisa a fosforilação da glicose a glicose-6-fosfato – Primeira reacção da via glicolítica. • As hexocinase I, II e III, ao contrário da IV, são inibidas pelo produto da reacção glicose-6- fosfato. Se a metabolização da glicose-6-fosfato é menor que a sua síntese, esta acumula-se inibindo a hexocinase. Carlos Capela Glúcidos página 42 de 122 2.c.ii. REGULAÇÃO DA VIA PROPRIAMENTE DITA: 2.c.ii.1. Fosfofrutocinase I: • Enzima muito complexa que catalisa a fosforilação da frutose-6-fosfato – terceira etapa da via. É unifuncional pois é incapaz de catalisar a reacção inversa que se efectua na neoglicogénese pela acção da frutose-1,6-bisfosfatase. • É alostérica: possui vários activadores e inibidores, tais como os activadores AMP, ADP (que sinalizam a falta de energia disponível) e fosfato, e os inibidores ATP, frutose-1,6- bisfosfato e ácido cítrico (que sinaliza a abundância de intermediários do ciclo de Krebs). É também inibida por H+, o que é importante em situações de anaerobiose (a fermentação produz ácido láctico, que faz baixar o pH). Provavelmente este mecanismo impede que nestas situações a célula esgote toda a sua reserva de ATP na reacção da fosfofrutocinase, o que impediria a activação da glucose pela hexocinase. • Dentro do sistema regulador desta enzima a frutose-2,6-bisfosfato desempenha um papel crucial pois é o efector positivo mais poderoso desta enzima. É sintetizada pela fosforilação da Frutose-6-fosfato pela acção da fosfofrutocinase II – enzima bifuncional pois também possui uma actividade frutose-2-6-bisfosfatase. A cinase corresponde a um domínio N- terminal e a fosfatase a um domínio carboxi-terminal. A proteína fosforilada actua como uma bisfosfatase e desfosforilada como cinase. Os mecanismos de fosforilação dependem duma proteína-cinase dependente de cAMP e a desfosforilação duma fosfatase. A fosfofrutocinase II é então uma enzima bifuncional e está sob o controlo alostérico da frutose-6-fosfato, que pelo aumento da concentração de glicose no estado bem alimentado activa a quinase e inibe a fosfatase, acelerando a glicólise. Por outro lado, quando a glicose estiver baixa, a glucagina estimula a produção de cAMP, activando a proteína quinase dependente dele, que por sua vez inactiva a fosfofrutocinase II e activa a frutose-2,6- bisfosfatase, através da fosforilação. Carlos Capela Glúcidos página 43 de 122 2.c.ii.2. Piruvato-cinase: • Catalisa a última reacção da via, a conversão do ácido PEP em ácido pirúvico. • É alostérica e inibida por ATP, Acetil-CoA e Ácidos Gordos. Carlos Capela Glúcidos página 44 de 122 Resumo da regulação Carlos Capela Glúcidos página 45 de 122 2.d. Ciclo de Rapaport-Luebering Como no eritrócito não há mitocondrias, não pode haver nem ciclo de Krebs, nem cadeia respiratória. Deste modo, toda a energia terá que ser fornecida pela glicólise. Todavia, no eritrócito há uma grande concentração de ácido 2,3-bisfosfoglicérico (2,3-BPG) que se forma por um “desvio” da glicólise, o ciclo de Rapaport-Luebering, podendo-se formar, quer pela acção de uma mutase sobre o ácido 1,3-bisfosfoglicérico, quer pela acção de uma quinase sobre o ácido 3-fosfoglicérico. Mas qual é o papel do ácido 2, 3-bisfosfoglicérico? As suas cargas negativas unem-se a cargas positivas das duas cadeias da hemoglobina, atraindo-as e aumentando, assim, a expulsão de oxigénio para os tecidos (deslocamento da curva de dissociação da oxihemoglobina para a direita), o que é um benefício em situações de falta de oxigénio. Gliceraldeido-3-fosfato Ácido 1,3- Bisfosfoglicérico Ácido 2,3- Bisfosfoglicérico Ácido 3-Fosfoglicérico Ácido Pirúvico Gliceraldeido-3-fosfato desidrogenase Ácido 1,3-Bisfosfoglicérico mutase Ácido 2,3-Bisfosfoglicérico fosfatase Ácido 1,3- Bisfosfoglicérico cinase Ácido-3- Fosfoglicérico cinase Carlos Capela Glúcidos página 46 de 122 2.e. Obtenção de energia no músculo1 A forma mais simples e mais directa de obtenção de energia é a hidrólise do ATP. De notar, que o ATP que existe normalmente no tecido muscular apenas chega para aproximadamente 1 segundo de actividade contráctil. É por isso importante, ressintetizá-lo de imediato. Para este objectivo o músculo contem um outro composto com uma ligaçãofosfato de alta energia, a fosfocreatina ou creatina-fosfato que irá ser utilizado, nestas ocasiões. A fosfocreatina pode transferir o seu grupo fosfato para o ADP, num processo catalisado pela creatina fosfocinase. No entanto, se o esforço se prolongar, os músculos podem obter ATP (a partir de substratos como a glicose e ácidos gordos): • Por fosforilação oxidativa, um processo energeticamente eficaz que utiliza o oxigénio molecular, mas que é algo lento; • Por glicólise anaeróbia, um processo rápido, mas que esgota facilmente as reservas de glicose. Acabado o esforço torna-se necessário refazer as reservas. Quando o ATP não é tão necessário, este vai decompor-se em ADP regenerando a fosfocreatina a partir da creatina. 1 Ver derivados de aminoácidos: creatina Carlos Capela Glúcidos página 47 de 122 2.f. Destino da Di-hidroxiacetona-fosfato Na glicólise, vimos que na reacção catalisada pela Frutose-1,6-bisfosfato aldolase, se formava, a partir da Frutose-1,6-bisfosfato, Gliceraldeido-3-fosfato e Di-hidroxiacetona-fosfato (2 trioses-fosfato). Esta última é em princípio totalmente convertida em Gliceraldeido-3-fosfato pela Triose-fosfato isomerase. Assim uma molécula de glicose é convertida em 2 moléculas de Gliceraldeido-3-fosfato. Quando isto não acontece, a Di-hidroxiacetona-fosfato pode ser convertida em Glicerol-3- fosfato (que é um percursor dos lípidos) numa reacção reversível catalisada pela Glicerol-3-fosfato desidrogenase, em que o NADH é oxidado a NAD+. O Glicerol-3-fosfato é, a par da Acetil-Coenzima A, o principal ponto de contacto entre os metabolismos lipídicos e glucídicos. Por outro lado, o glicerol pode ser fosforilado pela Glicerolcinase em Glicerol-3-fosfato, e deste em Di-hidroxiacetona-fosfato. Aldolase Isomerase Carlos Capela Glúcidos página 48 de 122 Estas vias exprimem a relação entre o glicerol dos lípidos e o metabolismo da glicose. Carlos Capela Glúcidos página 49 de 122 3.REOXIDAÇÃO DO NADH A reacção de oxidação do Gliceraldeido-3-fosfato requer NAD+, mas o teor deste é baixo nas células, pelo que o NADH tem de ser reoxidado a NAD+. A reoxidação pode ser realizada em condições aeróbias ou anaeróbias: 3.a. Em Aerobiose Em aerobiose, esta reoxidação processa-se através da Cadeia Transportadora de Electrões (CTE). Porém, enquanto a glicólise é um processo citoplasmático, o transporte electrónico é um processo mitocondrial. E sucede que o NADH citoplasmático não consegue atravessar a membrana mitocondrial interna. O transporte dos electrões do NADH para a mitocôndria terá, portanto, de realizar-se através de um transportador que os transfira do citosol até à membrana mitocondrial interna e aí os entregue a um aceitador do CTE. Por outras palavras, tem que ser um transportador ao qual a membrana mitocondrial interna seja permeável. Existem vários transportadores, sendo o Glicerol-3-fosfato e o Ácido Málico os que intervêm com mais frequência. Este sistema é conhecido como Shuttle. 3.a.i. TRANSPORTE PELO GLICEROL-3-FOSFATO No citoplasma, o NADH vai reduzir a Di-hidroxiacetona-fosfato a Glicerol-3-fosfato, por acção de uma desidrogenase, a Glicerol-3-fosfato desidrogenase citoplasmática. O Glicerol-3-fosfato atravessa a membrana e, já na mitocôndria, é reoxidado a Di-hidroxiacetona-fosfato por uma desidrogenase dependente de FAD, a Glicerol-3-fosfato desidrogenase mitocondrial. A reacção global consiste, assim, na transferência de 2 electrões do NADH, do citosol para a CTE mitocondrial. Porém, como o aceitador é o FAD, a reoxidação do FADH2 formado apenas permite a síntese de 2 ATP’s. Carlos Capela Glúcidos página 50 de 122 3.a.ii. TRANSPORTE PELO ÁCIDO MÁLICO OU SHUTTLE DO ÀCIDO MÁLICO Neste caso o NADH citoplasmático transfere os seus electrões para o Ácido Oxaloacético, reduzindo-o a Ácido Málico. Já na mitocondria este composto é reoxidado a Ácido Oxaloacético por uma desidrogenase dependente de NAD+ do ciclo de Krebs. Trata-se de um sistema de transporte mais eficiente, mas também mais complexo. É utilizado pelos mamíferos ao nível dos rins, fígado e coração. Assim quando o transportador é o Ácido Málico não há perda no rendimento energético da Glicólise. Carlos Capela Glúcidos página 51 de 122 3.a.iii. RENDIMENTO ENERGÉTICO EM AEROBIOSE Reacções ATP consumido ATP formados Glicose → Glicose-6-fosfato 1 Frutose-6-fosfato → Frutose-1,6-bisfosfato 1 2 Ácido-1,3-bisfosfoglicérico → Ácido-3-fosfoglicérico 2 2 Ácido Fosfoenolpirúvico → 2 Ácido Pirúvico 2 Reoxidação de 2 NADH pela CTE 4 ou 62 Total 2 8 ou 103 Saldo energético 6 ou 84 2 Consoante o transporte de e- do NADH citoplasmático seja realizado através do Glicerol-3-fosfato ou do Ácido Málico. 3 Idem 1 4 Idem 1 Carlos Capela Glúcidos página 52 de 122 3.b. Em Anaerobiose Quando a glicólise decorre na ausência de oxigénio, e portanto a CTE não funciona (pois o ultimo aceitador de electrões é o oxigénio molecular), a célula tem de utilizar outras reacções para reoxidar o NADH. Veremos 3 vias, das quais as duas primeiras são as mais utilizadas. 3.b.i. FERMENTAÇÃO5 LÁCTICA Nas células musculares (quando o oxigénio é utilizado mais rapidamente do que é fornecido às células ocorrem aí, muitas vezes, condições de anaerobiose) ou nas bactérias lácticas (que vivem em anaerobiose), o Ácido Pirúvico é reduzido a Ácido Láctico, enquanto o NADH é oxidado a NAD+. Esta reacção reversível é catalisada por uma Lactato-desidrogenase. 3.b.ii. FERMENTAÇÃO ALCOÓLICA Nomeadamente em leveduras, o Ácido Pirúvico é numa primeira etapa, descarboxilado a CO2 e Acetaldeído por uma Piruvato-descarboxilase que possui como coenzima o Pirofosfato de Tiamina (vit. B1) e que contêm Zn2+. Em seguida, numa reacção catalisada por uma álcool-desidrogenase, o Acetaldeído é reduzido a etanol, enquanto o NADH é oxidado a NAD+. 5 Fermentação é um processo em que o aceitador final dos electrões provenientes da degradação é um produto orgânico da própria degradação. Carlos Capela Glúcidos página 53 de 122 A reacção global da glicólise anaeróbia com fermentação alcoólica será: Glicose + 2ADP + 2Pi + 2H+ → 2etanol + 2ATP + 2CO2 + 2H2O Tanto a álcool-desidrogenase como a Lactato-desidrogenase têm o NADH como coenzima e são enzimas alostéricas (tetrâmeros). A Piruvato-descarboxilase da fermentação alcoólica não existe nos tecidos dos vertebrados ou nos organismos que realizam a fermentação láctica. No fígado humano, a álcool-desidrogenase catalisa a oxidação do etanol (ingerido ou produzido pelos microorganismos intestinais), com a redução do NAD+ a NADH. 3.b.iii. REDUÇÃO DA DI-HIDROXIACETONA-FOSFATO A GLICEROL A fermentação da glicose pelas leveduras é sempre acompanhada pela formação de pequenas quantidades de glicerol. Uma Glicerol-3-fosfato-desidrogenase catalisa a redução da Di- hidroxiacetona-fosfato a Glicerol-3-fosfato, enquanto o NADH é oxidado a NAD+. Em seguida, uma fosfatase específica pode cindir a ligação éster e origina o glicerol. 3.b.iv. BALANÇO ENERGÉTICO EM ANAEROBIOSE Visto que não há intervenção da CTE forma-se apenas 4 ATP (tendo-se gasto 2) por molécula de glicose. O Saldo é de 2 ATP. Carlos Capela Glúcidos página 54 de 122 4.VIA DAS PENTOSES-FOSFATO Esta série de reacções é também conhecida “Shunt” Hexose-monofosfórico, ou Via doFosfogluconato, ou Via de Dickens-Horecker. 4.a. Introdução Importância Biológica: • Para realizar o seu anabolismo, a célula não precisa apenas de energia (ATP): também precisa de poder redutor, sob a forma de NADPH. O NADPH é produzido durante a oxidação da glucose-6-P por uma via distinta da glicólise, a via das pentoses-fosfato. Esta via é muito activa em tecidos envolvidos na biossíntese de colesterol e de ácidos gordos (fígado, tecido adiposo, córtex adrenal, glândulas mamárias). • Esta via também produz ribose-5-P, o açúcar constituinte dos ácidos nucleicos. • Permite também às células, se for caso disso metabolisar a glicose-6-fosfato com produção de ATP sem utilizar a via da glicólise. Ao contrário do que sucede na Glicólise, não consome ATP, e é um processo essencialmente aeróbio, pois a reoxidação das coenzimas reduzidas só é possível através da CTE ou de reacções de biossíntese, que utilizem o NADPH e gerem, portanto, NADP+. As enzimas envolvidas nesta via estão localizadas no citosol. Esta via divide-se em 2 etapas: 1. A glicose-6-fosfato é descarboxilada a Ribulose-5-fosfato, precedida por 2 reacções de oxidação, com a formação de NADPH – Fase Oxidante. 2. Interconversão das pentoses-fosfato e das hexoses-fosfato por transaldolização e transcetolisação – Fase Não-oxidante. Carlos Capela Glúcidos página 55 de 122 6-fosfogluconato desidrogenase Fosfopentose isomerase Fosfopentose epimerase 4.b. Fase oxidante A glucose-6-P é primeiro oxidada no seu carbono 1, dando origem a uma lactona (um ácido carboxílico cíclico). Os electrões libertados são utilizados para reduzir uma molécula de NADP+. O anel é então aberto por reacção com água: A descarboxilação do gluconato liberta dois electrões, que vão reduzir outra molécula de NADP+. Obtém-se assim um açúcar de 5 carbonos, a ribulose-5-fosfato, que por isomerização é transformado em ribose-5-P6. 6 Na figura assinalam-se a verde as diferenças entre os isómeros Glicose-6-fosfato desidrogenase 6-fosfo-gluco- lactonase Carlos Capela Glúcidos página 56 de 122 4.c. Fase Não-oxidante Nesta fase ocorrem transferências de grupos com 3 átomos de carbono – Transaldolisação – e com 2 átomos de carbono – Transcetolisação. A enzima responsável pela transaldolisação é a Transaldolase enquanto que pela transcetolisação é a Transcetolase7. Esta etapa depende das necessidades da célula: se a célula só precisar de NADPH e não precisar de ribose-5-P, esta poderá ser reaproveitada. Isto é feito através de 3 reacções. Na primeira, a ribose-5-P recebe dois carbonos da xilulose-5-P (obtida por epimerização da ribulose-5-P): Seguidamente, são transferidos três carbonos da sedoeptulose-7-P para o gliceraldeído-3-P: 7 A Transcetolase é controlada pela vitamina B1 na sua forma activa, TPP (Tiamina de Pirofosfato). A TPP é essencial para a indução da síntese de transcetolase. Este facto é tão importante que se pode ter uma ideia do grau de carência de vit. B1, através do doseamento da transcetolase dos eritrócitos. Carlos Capela Glúcidos página 57 de 122 Por transferência de dois carbonos da xilulose-5-P para a eritrose-4-P, forma-se outra molécula de frutose-6-P e uma molécula de gliceraldeído-3-P: O balanço das reacções da fase não oxidante é: 2 Xilulose-5-P + Ribose-5-P → 2 frutose-6-P + gliceraldeído-3-P A frutose-6-P e o gliceraldeído-3-P podem ser utilizados na glicólise para produção de energia, ou reciclados pela Neoglucogénese para formar novamente glicose-6-P. Quando as necessidades de ribose-5-P são superiores às de NADPH, esta pode ser produzida por estas reacções a partir de frutose-6-P e gliceraldeído-3-P. 4.d. Balanço energético Ocorrem 2 oxidações, com a formação de NADPH, cujos electrões poderão ser transferidos para a CTE com a formação de ATP. Já se esclareceu que o destino habitual do NADPH produzido pela via das pentoses-fosfato não é a produção de ATP, mas sim contribuir com o seu poder redutor nas biossínteses. Numa volta de ciclo o equivalente a uma molécula de glicose em cada seis é completamente oxidada. Através de seis ciclos da via das pentoses-fosfato e da gluconeogénese, por cada molécula de glucose-6-P completamente oxidada a seis moléculas de CO2 são reduzidas 12 moléculas de NADP+ com a formação de 12 NADPH. 6 Glicose-6-P + 12 NADP+ → 5 Glicose-6-P + 6 CO2 + 12 NADPH + 12 H+ + Pi Carlos Capela Glúcidos página 58 de 122 4.e. Regulação: O factor de regulação mais importante da via das pentoses é ao nível do NADP+, que é o aceitador de electrões na oxidação da glicose-6-fosfato a ácido-6-fosfoglucónico. Devido ao efeito do teor em NADP+, no citosol, sobre a velocidade da fase oxidante da via, fica assegurada uma relação muito estreita entre a produção de NADPH e a sua utilização nas reduções metabólicas e, desta forma, regulando o valor do quociente NADP+/NADPH. Assim, se o organismo requer maior quantidade de ribose-5-fosfato do que de NADPH – isto é, se a biossíntese das proteínas predomina sobre a dos lípidos, apenas funcionará a fase não oxidante da via. Nestas condições, a frutose-6-fosfato e o gliceraldeído-3-fosfato (formados pela via da glicólise a partir da glucose-6-fosfato) são transformados em ribose-5-fosfato sem formação de NADPH. No caso contrário, e em alternativa à fase inversa da via das interconversões, a ribose-5- fosfato formada na fase oxidante, pode ser convertida em frutose-6-fosfato e em gliceraldeído-3- fosfato, e daí em ácido pirúvico. Por este processo gera-se ATP e NADPH, e cinco dos seis átomos de carbono da glucose-6-fosfato vão formar ácido pirúvico. Carlos Capela Glúcidos página 59 de 122 As inter-relações das vias da glicólise e das pentoses-fosfato permitem ajustar às necessidades celulares os teores de NADPH, de ATP e de compostos centrais como a ribose-5- fosfato e o ácido pirúvico. O peróxido de hidrogénio é removido pela glutatião peroxidase. O glutatião oxidado é reduzido pela glutatião redutase, na presença de NADPH, cuja concentração diminui, activando a via. A via das pentoses fosfato é muito importante no eritrócito, para manter o glutatião reduzido, para que este remova o peróxido de hidrogénio, lesivo para o eritrócito, em especial para a membrana celular. Carlos Capela Glúcidos página 60 de 122 5.DESCARBOXILAÇÃO OXIDANTE DO ÁCIDO PIRÚVICO A ACETIL-COA 5.a. Introdução O ácido pirúvico formado no final da glicólise pode ter vários destinos metabólicos: 5.b. Descarboxilação Oxidante do Ácido Pirúvico Mas aquele que nos importa salientar é a sua descarboxilação oxidante (que é o elo de ligação entre a glicólise e o ciclo de Krebs). Antes que o ácido pirúvico possa entrar no ciclo de Ácido cítrico, ele deve ser transportado para dentro da mitocôndria através de um transportador especial de ácido pirúvico que ajuda a sua passagem através da membrana mitocondrial interna, o que envolve um mecanismo de simporte no qual um protão é co-transportado. Já dentro da mitocôndria, o ácido pirúvico sofre descarboxilação oxidante, formando-se acetil-CoA. Esta reacção é catalisada por várias enzimas diferentes que operam sequencialmente num complexo multienzimático denominado por Complexo Piruvato-desidrogenase. A coenzima da Carlos Capela Glúcidos página 61 de 122 reacção é o Pirofosfato de Tiamina (TPP), ligado à enzima por interacções não covalentes. O Mg2+ é o cofactor da reacção. O ácido pirúvico
Compartilhar