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1 UNIVERSIDADE DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO CENTRO DE EDUCAÇÃO E HUMANIDADES FACULDADE DE EDUCAÇÃO FUNDAÇÃO CECIERJ /Consórcio CEDERJ / UAB Curso de Licenciatura em Pedagogia – modalidade EAD Disciplina: Educação Inclusiva e Cotidiano Escolar Coordenadora: Prof.ª Dr.ª Rosana Glat Tutoras: Prof.ª Ms. Amanda Carlou; Prof.ª Dr.ª Annie Redig; Prof.ª Dr.ª Cristina Angélica Mascaro; Prof.ª Ms. Suzanli Estef AULA 01 Da Educação Especial segregada à Educação Inclusiva A educação de alunos com deficiências ou demais condições atípicas de desenvolvimento, que, tradicionalmente se pautava num modelo de atendimento segregado, tem se voltado, cada vez mais, para a chamada Educação Inclusiva ou inclusão escolar. Esta proposta, como iremos aprofundar no decorrer da disciplina, preconiza que todos os alunos, mesmo os que apresentam condições que afetam diretamente a aprendizagem – deficiência auditiva (surdez), visual (cegueira ou baixa visão), intelectual1; dificuldades acentuadas de aprendizagem (dislexia, Transtorno Déficit de Atenção e Hiperatividade – TDAH, etc), transtorno do espectro autista (autismo, Síndrome de Aspeger e outras síndromes), bem como altas habilidades/superdotação – devem ter a possibilidade de estudar no ensino regular, com promoção de aprendizagem. A partir deste novo enfoque, a Educação Especial que por muito tempo configurou- se como um sistema paralelo de ensino, vem redimensionando o seu papel, antes restrito ao atendimento direto dos alunos “especiais”, para atuar, prioritariamente como suporte à escola regular no recebimento deste alunado. 1 Até recentemente era utilizada a denominação “deficiência mental”. 2 Tomando como base os textos de Glat e Fernandes (2005), Glat e Blanco (2011) e Glat e Pletsch (2011)2, para contextualizar a discussão, nesta primeira aula, estaremos fazendo uma breve retrospectiva da trajetória da Educação Especial no Brasil, considerando os modelos vigentes, bem como a política educacional da época. É importante ressaltar, porém, que um paradigma não se esgota com a introdução de uma nova proposta, e que, na prática, todos esses modelos coexistem, em diferentes configurações, nas redes educacionais de nosso país até os dias atuais. A Educação Especial se constituiu originalmente como campo de saber e área de atuação com base em um modelo médico ou clínico. Embora hoje bastante criticado, é preciso resgatar que, como lembra Fernandes (1999), os médicos foram os primeiros que despertaram para a necessidade de escolarização dessa clientela que se encontrava “misturada” nos hospitais psiquiátricos, sem distinção de idade, principalmente no caso da deficiência intelectual. Sob esse enfoque, a deficiência era entendida como uma doença crônica, e todo o atendimento prestado a estes sujeitos, mesmo quando envolvia a área educacional era considerado pelo viés terapêutico. A avaliação e identificação eram pautadas em exames médicos e psicológicos com ênfase nos testes projetivos e de inteligência, e rígida classificação etiológica. Nas instituições especializadas o trabalho era organizado com base em um conjunto de terapias individuais (fisioterapia, fonoaudiologia, psicologia, psicopedagogia, etc) e pouca ênfase era dada à atividade acadêmica, que não ocupava mais do que uma pequena fração do horário dos alunos. A educação escolar não era considerada como necessária, ou mesmo possível, principalmente para aqueles que apresentavam déficits cognitivos. E mesmo nos casos de deficiências sensoriais, como surdez ou cegueira, havia pouco investimento no desenvolvimento acadêmico. Em grande parte dos casos, o trabalho educacional era relegado a um interminável processo de “prontidão para a alfabetização”, sem maiores perspectivas já que não havia expectativas quanto à capacidade desses indivíduos desenvolverem-se academicamente e ingressarem na cultura letrada. 2 Recomendamos, para esta aula e a seguinte, a leitura dos primeiros capítulos do livro Educação Inclusiva: cultura e cotidiano escolar (GLAT, 2011) e Inclusão Escolar de alunos com necessidades especiais (GLAT & PLETSCH, 2011) indicados no Guia da Disciplina. Esses textos complementares se intitulam, respectivamente, Educação Especial no contexto de uma Educação Inclusiva (GLAT & BLANCO, 2011) e Educação Inclusiva: pressupostos teóricos e dimensões políticas (GLAT & PLETSCH, 2011). 3 A Educação Especial foi institucionalizada em nosso país nos anos 1970, quando surgiram as primeiras iniciativas do sistema educacional público de garantir o acesso à escola às pessoas com deficiências. A Lei de Diretrizes e Bases da Educação 5692/71, por exemplo, no seu artigo 9o recomendava que alunos com deficiências físicas ou mentais, os que se encontrassem em atraso considerável quanto à idade regular de matrícula e os superdotados deveriam receber “tratamento especial”, de acordo com as normas fixadas pelos Conselhos de Educação (FERREIRA & GLAT, 2003). Outro fato marcante nesta década foi a criação, no Ministério da Educação, em 1973, do Centro Nacional de Educação Especial (CENESP). Este órgão (que foi transformado em 1986 na Secretaria de Educação Especial – SEESP3) introduziu a Educação Especial no planejamento de políticas públicas com a implantação de subsistemas de Educação Especial nas diversas redes públicas de ensino, através da criação de escolas e classes especiais. O CENESP também foi responsável por amplos projetos de formação de recursos humanos especializados em todos os níveis, inclusive com envio de docentes para cursos de pós-graduação no exterior (FERREIRA & GLAT, 2003). Esta ação permitiu o desenvolvimento acadêmico e científico da área, e a criação dos primeiros cursos de mestrado voltados para a Educação Especial – na UFSCar em 1978 e na UERJ em 19794. Com isso, “O deficiente pode aprender”, tornou-se a palavra de ordem, resultando numa mudança de paradigma do modelo médico, predominante até então, para o modelo educacional. A ênfase não era mais a deficiência intrínseca do indivíduo, mas sim a falha do meio em proporcionar condições adequadas que promovessem a aprendizagem e o desenvolvimento. Esta nova perspectiva refletia uma mudança na concepção de deficiência que não era mais vista como uma doença crônica, mas sim, uma característica do sujeito que poderia, ou não, lhe trazer desvantagens e dificuldades em seu desenvolvimento, dependendo, em grande medida, das condições de aprendizagem e socialização que lhes fossem disponibilizadas. 3 A SEESP foi extinta em 2011, tornando-se parte da SECADI (Secretaria de Alfabetização, Diversidade e Inclusão) 4 A Educação Especial faz parte do Programa de Pós-Graduação em Educação da UERJ desde sua constituição em 1979, quando ainda era apenas Curso de Mestrado em Educação. Hoje, este campo de conhecimento integra a linha de pesquisa Educação Inclusiva e Processos Educacionais (ver www.proped.pro.br, para maiores informações). 4 Porém, apesar dos avanços, este modelo não representou a garantia de ingresso de alunos com deficiências no sistema de ensino. A Educação Especial funcionava como um serviço paralelo, distanciado da realidade da escola comum. Seus métodos ainda tinham forte ênfase clínica e os currículos das classes especiais tinham sua lógica própria; ou seja, pouca relação tinha com o que era veiculado para pessoas da mesma faixa etária na escola comum. As classes especiais, que deveriam ser uma etapa transitória,acabaram se tornando um espaço para onde eram encaminhados os alunos que não se enquadravam no sistema regular de ensino. E grande parte dos sujeitos com deficiências não continuava freqüentando instituições especializadas, em sua maioria, filantrópicas ou privadas. Apesar destes entraves, inegavelmente, recursos e métodos de ensino mais eficazes proporcionaram às pessoas com deficiências maiores condições de adaptação social, superando, pelo menos em parte, suas dificuldades e possibilitando sua integração e participação mais ativa na vida social. Acompanhando a tendência mundial da luta contra a marginalização das minorias, começaram a ser divulgados em nosso país, no inicio da década de 1980, os princípios que norteavam a chamada Filosofia da “Normalização”. A sua premissa básica era que as pessoas com deficiências têm o direito de usufruir as condições de vida o mais comuns ou normais possíveis na comunidade onde vivem, participando das mesmas atividades sociais, educacionais e de lazer que os demais. O modelo segregado de Educação Especial passou a ser severamente questionado, desencadeando uma busca por alternativas pedagógicas para a inserção de todos os alunos, mesmo os portadores de deficiências severas, preferencialmente no sistema rede regular de ensino (como recomendado no artigo 208 da Constituição Federal de 1988). Foi assim instituída, no âmbito das políticas educacionais, a política de Integração. Este modelo, que até hoje ainda, na prática, é o mais prevalente em nossos sistemas escolares, visa preparar alunos oriundos das classes e escolas especiais para serem integrados em classes regulares recebendo, na medida de suas necessidades, atendimento paralelo em salas de recursos ou outras modalidades de atendimento especializado, como veremos na próxima aula. O “deficiente pode se integrar na sociedade” tornou-se, assim, a matriz política, filosófica e científica da Educação Especial. Este novo pensar sobre o espaço social das 5 pessoas com deficiências, que ganhou força em nosso país com o processo de redemocratização, resultou em uma transformação radical nas políticas públicas, nos objetivos e na qualidade dos serviços de atendimento a esta clientela. Apesar do modelo da Integração ter representado um grande avanço na perspectiva educacional para alunos com deficiências, com o tempo este começou a ser, também, alvo de severas críticas, já que, na prática, não alcançou o objetivo de integrar esses alunos no sistema regular de ensino. Uma das razões do pouco impacto que a Integração trouxe no perfil das escolas, foi o fato de que o modelo exigia um determinado nível de desenvolvimento ou “preparação prévia” do aluno com deficiência para ser integrado na turma comum. Como lembra Bueno (1993), o problema continuava centrado no aluno já que só iam para o ensino regular os alunos que tivessem “condições” de acompanhar as atividades rotineiras, as quais eram concebidas sem qualquer preocupação de adaptação para atender às necessidades individuais. Conseqüentemente, a maioria desses educandos continuava segregada em escolas ou classes especiais, por não apresentar condições de ingresso nas turmas regulares. Assim, as classes especiais, que deveriam ser um meio para o aluno alcançar o ensino regular, tornaram-se um fim em si mesmas. E, mais grave ainda, como já comentamos, acabaram, em muitos casos, tornando-se “depósito” de alunos que apresentavam problemas de aprendizagem, seja por condições orgânicas, seja por não conseguir se adaptar às exigências rígidas da escola. De certa forma, o aluno era “culpabilizado” por seu fracasso escolar – seja por disfunções intrínsecas, deficiências, problemas emocionais ou sociais – sem que se buscasse na própria estrutura e organização da escola as razões para o baixo nível de aprendizagem de tantas crianças e jovens. Outra dificuldade na efetivação da proposta de Integração era a falta de interação entre o professor regente da turma em que o aluno com deficiência frequentava e o professor da sala de recursos que lhe daria suporte especializado. Em vez de trabalhar em conjunto, o professor da turma comum seguia a rotina pré-programada sem fazer qualquer adaptação em sua prática pedagógica para facilitar o acompanhamento do aluno especial. Cabia a ele se adaptar (o que na maioria dos casos não era possível) à dinâmica da classe. Na realidade, pouca atenção era dada a esses alunos, e na maioria 6 dos casos a responsabilidade por sua aprendizagem era delegada ao professor da sala de recursos. Em outras palavras, a integração, quando ocorria, representava apenas a presença física do aluno especial na turma regular, já que não havia investimento do ensino comum de atingir sua escolarização. As críticas a esse processo de exclusão na escola que o modelo de integração perpetuava, aliadas às novas demandas e expectativas sociais, culminaram, na década de 1990, com o surgimento da proposta de Educação Inclusiva, mundialmente disseminada pela força de organismos como a UNESCO, Banco Mundial e outras organizações internacionais. Nos últimos anos, por influência de conferências e diretrizes internacionais vem se consolidando cada vez mais, em nosso país, o discurso em prol da Educação Inclusiva, com base na consigna Educação para Todos. Uma referência marcante nesse processo é a conhecida Declaração de Salamanca (UNESCO, 1994), a partir da qual, a política de Educação Inclusiva começou a ser divulgada e adotada pelos diferentes sistemas educacionais do mundo todo, inclusive do Brasil. Este documento é o produto da Conferência Mundial sobre Necessidades Educacionais Especiais: Acesso e Acessibilidade, realizada em 1994, promovida pela UNESCO e o Governo da Espanha, da qual participaram cerca de 100 países e inúmeras organizações internacionais. A Declaração de Salamanca reafirma o direito de todos os indivíduos à educação, como consta na Declaração dos Direitos dos Homens da ONU de 1948 (promulgada logo após o término da 2ª Guerra Mundial), com base nos conceitos de educação para a diversidade e atenção às necessidades educacionais especiais de cada aluno. Esta Declaração é considerada um marco justamente porque nela são propostas linhas de ação com as quais todos os signatários se comprometeram que colocariam em cheque não só a concepção tradicional da escola, como a própria atuação da Educação Especial, como teremos oportunidade de discutir no decorrer do curso. Entre outros pontos, a Declaração de Salamanca determina que as escolas devem “acolher todas as crianças, independentemente de suas condições físicas, intelectuais, sociais, emocionais, lingüísticas ou outras”. Também é colocado que as “crianças e jovens com necessidades educacionais especiais devem ter acesso às escolas regulares, que a elas devem se adequar”, a fim de construir “uma sociedade inclusiva”, “integradora” e uma “educação para todos” (UNESCO, 1994). 7 A proposta de Educação Inclusiva surge, então, em oposição às práticas que restringem as possibilidades de escolarização e de atuação no contexto sócio-cultural de um enorme grupo de indivíduos. Reafirma o aluno como sujeito de direitos, com capacidade para construir e reconstruir sua história e apropriar-se dos instrumentos culturais criados pela humanidade. As políticas surgidas para implementar a inclusão educacional têm impulsionado, em todo o mundo, um amplo debate com vistas à revisão das práticas escolares que impedem o acesso ou dificultam a realização dos projetos educacionais de muitas pessoas em diferentes países. O combate ao analfabetismo, a ampliação das oportunidades deescolarização e formação em vários níveis do ensino, são exemplos das bandeiras levantadas para combater situações que mantém inúmeros indivíduos em um estado de exclusão social. As reflexões oriundas de todos esses debates fundamentaram ações, cuja intenção é garantir que todos os alunos, sem distinção, pudessem ter acesso, permanência e aprendizagem na escola. Neste novo cenário educacional foi estabelecido um pacto que mobilizou vários governos, entre eles o do Brasil, para implantarem reformas significativas em seus sistemas de ensino, visando acatar as metas propostas para uma Educação para Todos. O estabelecimento da Educação Inclusiva como política educacional no nosso país – tanto para o ensino público quanto privado – coloca em questionamento, os pressupostos que consubstanciavam a escola como, tradicionalmente, a conhecemos. Esta agora passa a ser, por princípio, uma instituição social a que todos têm direito de acesso e permanência, sendo sua responsabilidade, portanto, oferecer um ensino de qualidade para todos os alunos. Como alcançar este ideal, é o grande desafio que estamos enfrentando! Antes de prosseguir gostaríamos de fazer um esclarecimento. No contexto desta disciplina, estaremos fazendo um recorte da proposta de Educação Inclusiva com foco nos alunos com deficiências ou outras condições peculiares de aprendizagem e desenvolvimento. Estes “alunos especiais” eram considerados até bem pouco tempo atrás, tanto no Brasil como nos demais países, responsabilidade exclusiva da Educação Especial. Entretanto, como mostram os dados do Censo Escolar, estão sendo matriculados nas classes comuns com maior frequência a cada ano, e justamente por 8 isso constituem um dos maiores desafios para os professores e gestores educacionais, de modo geral. Entretanto, é importante ressaltar que a proposta de Educação Inclusiva é muito mais ampla. Quando se analisam as estatísticas de repetência e evasão sob esta nova perspectiva; ou seja, que é a escola que precisa se adaptar para atender a todos os alunos e não esses que têm que se adaptar à escola, fica evidente que o fracasso escolar não é simplesmente uma consequência de deficiências ou problemas intrínsecos dos alunos, mas sim resultante de variáveis inerentes ao próprio sistema escolar, como metodologias de ensino inadequadas, ou currículos fechados que ignoram as diversidades sócio-econômicas e culturais da população ou região onde a escola está inserida, entre outros aspectos (GLAT & BLANCO, 2011). Nesse sentido, pode-se dizer que a maioria dos alunos que fracassa na escola não tem, propriamente, dificuldade para aprender, mas sim dificuldade para aprender da forma como são ensinados! Para que a escola cumpra, de fato, sua função de acolher todos os alunos, as características individuais que anteriormente eram vistas como sinais de impossibilidade ou dificuldade para aprendizagem, precisam ser consideradas como dados ou informações relevantes para que se faça a adequação do ensino ao aluno. E é neste sentido que o conceito de necessidades educacionais especiais contempla o proposto. Vamos nos deter um pouco para aprofundar este ponto, pois consideramos que ele forma a base para a compreensão do que constitui ou, melhor dizendo, de como se constrói uma Educação Inclusiva de qualidade. Segundo Glat & Blanco (2011) necessidades educacionais especiais são aquelas demandas específicas dos alunos que, para aprender o que é esperado para o seu grupo referência (ou seja, para acompanhar o currículo e planejamento geral da turma) vão precisar de diferentes formas de interação pedagógica e/ou suportes adicionais. Em outras palavras, alunos que apresentam necessidades educacionais especiais precisarão de recursos didáticos, metodologias e/ou currículos adaptados. Muitos também precisarão de tempo diferenciado (geralmente maior) de seus colegas para executar as atividades propostas e /ou aprender os conteúdos ensinados, durante todo ou parte do seu percurso escolar. O conceito de necessidade educacional especial, então, engloba tanto, as características individuais do aluno, como o contexto histórico-cultural em que ele vive e 9 se constitui. Sendo assim, costumam desenvolver necessidades educacionais especiais, por exemplo, alunos que migram para comunidades com língua, costumes e valores diferentes daqueles que já vinham sendo constituídos por eles no convívio familiar e social. Na América do Norte e Europa este é um tema dos mais atuais nas discussões educacionais, por conta do aumento da imigração. Mas também no Brasil, por exemplo, alunos que chegam às cidades vindo de zonas rurais e com defasagem na escolarização provavelmente apresentarão necessidades educacionais especiais, pelo menos, por algum tempo. Também é frequente que manifestem necessidades educacionais especiais os alunos das escolas e sistemas de ensino que tenham currículos muito fechados e pouco flexíveis, sobretudo se estes forem pautados em valores e expectativas das camadas hegemônicas da população e desvinculados de vivências cotidianas dos alunos. Em nossas pesquisas temos observado muito esse problema nas escolas das comunidades economicamente desfavorecidas, favelas, ou periferia urbana. É fácil de entender que crianças cujos pais são semianalfabetos ou pouco letrados, ou que vivem em casas onde livros, revistas ou mesmo jornal, não fazem parte do cotidiano tenham mais dificuldade no processo de alfabetização, sobretudo se não cursaram a Educação Infantil, do que crianças de famílias mais letradas, acostumadas com livros e outros materiais escritos desde pequenas. É importante atentar, porém, que este problema não ocorre só na escola pública ou com alunos de nível sócio-econômico e cultural mais baixo. No ensino privado, em escolas de classe média e alta, também não é incomum encontrarmos alunos com dificuldades em se adequar ou acompanhar a proposta curricular. E às vezes, basta mudar o aluno de escola, que suas supostas dificuldades de aprendizagem “desaparecem” e ele passa a ser bem sucedido. O que nos leva a pensar que a origem das dificuldades não estava propriamente nos alunos, e sim na proposta pedagógica a eles apresentada. E finalmente, necessidades educacionais especiais são geralmente apresentadas pelos alunos com diferenças qualitativas no desenvolvimento com origem nas deficiências físicas, motoras, sensoriais e/ou cognitivas, distúrbios psicológicos e/ou de comportamento, transtornos do espectro autista e também aqueles com altas habilidades/superdotação. Ou seja, os sujeitos que tradicionalmente são conhecidos como “alunos especiais”. 10 Como apontado em Glat e Blanco (2011), é preciso que tenhamos bem claro, porém, a diferença entre necessidade educacional especial e deficiência. Pois embora esses termos sejam muitas vezes utilizados como sinônimos, inclusive na legislação, necessidade educacional especial não é o mesmo que deficiência. O conceito de deficiência se reporta às condições orgânicas do indivíduo, que podem resultar em uma necessidade educacional especial, porém não obrigatoriamente. Por exemplo, um aluno que tenha uma deficiência física, que seja, digamos, cadeirante, se estiver em uma escola com boas condições de acessibilidade, não terá qualquer problema em acompanhar academicamente a turma. Mesmo alunos com comprometimentos que possam afetar a aprendizagem, se receberem o suporte adequado, poderão ganhar autonomia e seguir até os níveis mais altos de escolaridade (há inúmeros estudantes com deficiências, inclusive deficiências múltiplas, cursando ensino superior e até mesmo a pós-graduação).O conceito de necessidade educacional especial, por sua vez, está intimamente relacionado à interação do aluno com a proposta ou a realidade educativa com a qual ele se depara. Assim, como já mencionado, às vezes um aluno não se adapta à metodologia utilizada em uma escola, e se mudarmos de escola ele é bem sucedido. Outra situação comum é o menino que trabalha na feira vendendo limão, por exemplo, que faz conta “de cabeça”, não erra no troco, mas não consegue aprender matemática na escola! Outro aspecto importante é que necessidade educacional especial não é uma característica homogênea fixa de um grupo etiológico também supostamente homogêneo, e sim uma condição individual e específica. Dois alunos com o mesmo tipo e grau de deficiência, ou oriundos da mesma comunidade, podem requisitar diferentes adaptações de recursos didáticos e metodológicos, ou levar diferentes tempos para adquirir uma mesma aprendizagem. Imaginemos três alunos da mesma idade e com o mesmo grau e tipo de surdez: um se comunica em língua de sinais, outro consegue utilizar a linguagem oral e fazer leitura labial, e o terceiro (mais comum) não aprendeu nenhuma língua formal e usa um código próprio de comunicação. Cada um desses alunos apresenta necessidades educacionais especiais distintas e irá demandar uma estratégia pedagógica diferente. Da mesma forma, um aluno que não tenha qualquer deficiência, pode, sob determinadas circunstâncias, como mudança de escola, stress emocional, problemas 11 familiares, doença, etc., apresentar dificuldades para aprendizagem escolar formal que demandem, por um tempo, suporte adicional ou mesmo especializado. O mais importante para nós educadores é que, independente da causa, se a escola organizar e desenvolver adaptações curriculares adequadas (estaremos tratando deste tema em aulas posteriores) as necessidades educacionais especiais do aluno podem ser transitórias e ele obter sucesso escolar. Isso não significa que a deficiência esteja “curada”, ou que as condições emocionais, sócio-familiares ou culturais do aluno tenham se modificado. Porém, a transformação na prática pedagógica possibilitará que ele tenha um bom desempenho e integração escolar. Não tem outra “receita para esse bolo!”, se não nos propusermos a transformar a Escola: no nível de sistema, no nível de unidade escolar, no nível de sala de aula, falar em Educação Inclusiva é só retórica, só discurso político. Ou seja, se não houver atenção sistemática às necessidades educacionais especiais individuais do aluno que se manifestam em sua interação com contexto da sala de aula, o processo ensino-aprendizagem, sobretudo de alunos com deficiências ou outros transtornos, ficará prejudicado, tornando, na prática, inviável sua inclusão escolar e seu desenvolvimento acadêmico e intelectual de modo geral. Neste contexto é que se descortina o novo campo de atuação da Educação Especial. Não visando importar métodos e técnicas especializados para a classe regular, mas sim, tornando-se um sistema de suporte permanente e efetivo para os alunos especiais incluídos em turmas comuns, bem como para seus professores. Nesta nova proposta, a Educação Especial não é mais concebida como um sistema educacional paralelo ou segregado, mas como um conjunto de recursos que a escola regular deverá dispor para atender à diversidade de seus alunos. Uma escola inclusiva de qualidade se preocupa em oferecer práticas pedagógicas planejadas e sistemáticas, que levam em conta as especificidades dos alunos e a sua interação no contexto de sala de aula. Desta forma, pode viabilizar a escolarização de alunos com diferentes necessidades educacionais especiais no contexto da classe comum. No entanto, não se pode negar os efeitos de diferentes condições orgânicas sobre o processo de desenvolvimento e aprendizagem do indivíduo. Por isso, é preciso reconhecer que mesmo com uma reorganização metodológica e didática, boa parte dos 12 alunos com deficiências ou outros transtornos necessitarão – assim como seus professores – de suporte pedagógico complementar. E é este suporte que a Educação Especial pode oferecer. Existem diversas modalidades de atendimento educacional especializado para apoiar a escolarização de alunos especiais incluídos em classes comuns. As mais conhecidas são ensino itinerante, bidocência, mediação de aprendizagem e salas de recursos, as quais iremos brevemente descrever a seguir. O ensino itinerante é um serviço de orientação e supervisão pedagógica desenvolvido por professores especializados que fazem visitas periódicas às escolas para trabalhar com os alunos especiais matriculados em turmas comuns e orientar seus respectivos professores. O professor itinerante também realiza atendimento domiciliar para alunos impedidos de frequentar a escola (temporária ou permanentemente) por limitações físicas ou de saúde (PLETSCH & GLAT, 2007). A bidocência, ainda relativamente pouco disseminada no Brasil, se caracteriza pelo trabalho colaborativo entre o professor regente da turma e um professor de apoio da Educação Especial. Estes profissionais trabalham juntos na classe comum dividindo a responsabilidade de planejar, avaliar e organizar as práticas pedagógicas para atender às demandas colocadas pela inclusão de alunos com necessidades educacionais especiais. A ideia é que esta estratégia favoreça o desenvolvimento e a aprendizagem de todos os alunos, com ou sem deficiência (FONTES, 2009). O mediador de aprendizagem, por sua vez, é um elemento (pode ser um estagiário) de apoio ao professor da turma comum em que haja algum aluno especial que necessite de atendimento mais individualizado. Sua principal função é dar suporte pedagógico às atividades do cotidiano escolar, mas sem com isso substituir o papel do professor regente. O mediador acompanha o dia a dia do aluno, realizando, em concordância com a equipe escolar, as adaptações necessárias para o desenvolvimento do seu processo de ensino aprendizagem (CRUZ, 2010). No caso de alunos com deficiências motoras severas ou múltiplas o mediador também auxilia em suas atividades de vida diária e locomoção na escola. A principal diferença entre esta modalidade de atendimento e a bidocência, discutida acima, é que o trabalho do mediador (que, como já mencionamos, não precisa ser um profissional formado) é diretamente voltado para um aluno específico, enquanto que o professor de apoio pode assumir parte da tarefa de ensino da turma, enquanto, 13 por exemplo, o professor regente está dando atenção mais direcionada a um ou mais alunos. O suporte especializado também pode ser oferecido, individualmente ou em pequenos grupos, fora do ambiente da sala de aula, em salas de recursos, equipadas com materiais pedagógicos específicos e de acessibilidade. Tradicionalmente as salas de recursos são destinadas a alunos com um único tipo de necessidade especial (por exemplo, salas para alunos com deficiência intelectual, para surdos, etc) e dotadas de um professor especializado para atendimento desta condição específica. Entretanto, como iremos abordar em uma aula posterior, recentemente, sob os auspícios do MEC, vem sendo implementadas, em municípios de todo o país, as chamadas salas de recursos multifuncionais. Neste espaço é oferecido, simultaneamente, “atendimento das diversas necessidades educacionais especiais e para desenvolvimento das diferentes complementações ou suplementações curriculares” (BRASIL, 2008, p.14). Isto implica, certamente, que o professor deve ser capacitado para trabalhar com alunos com diferentes tipos de condições, o que, em nossa opinião, é uma alternativa,realisticamente, pouco viável. Finalizando, que pese o crescente reconhecimento da Educação Inclusiva como forma prioritária de atendimento a alunos com necessidades educacionais especiais, na prática este modelo ainda não se configura em nosso país como uma proposta educacional efetivamente implementada. Embora cada vez mais esta tem sido a política educacional vigente, e tenham sido desenvolvidas inúmeras experiências promissoras, a realidade é que a grande maioria das redes de ensino ainda carece das condições institucionais necessárias para sua viabilização. No entanto, a inclusão escolar é a meta a ser perseguida. Sem pretender ter todas as respostas, no decorrer deste curso estaremos aprofundando diferentes aspectos relacionados à concepção e implementação de uma inclusão escolar para alunos com necessidades especiais, esperando com isso poder lhes dar mais fundamentação para o desenvolvimento de sua prática docente. 14 Referencias Bibliográficas: aula 1 BRASIL, MEC / SEESP. Decreto 6571 de setembro de 2008. Dispõe sobre o atendimento educacional especializado aos alunos com necessidades educacionais especiais. BUENO, J. G. S. Educação Especial brasileira: integração / segregação do aluno diferente. São Paulo: EDUC/PUCSP, 1993. CRUZ, B. V. A mediação de aprendizagem como suporte para inclusão de um aluno com paralisia cerebral: um estudo de caso. Monografia de Curso de Graduação em Pedagogia, Faculdade de Educação, Universidade do Estado do Rio de Janeiro, 2010. FERNANDES, E. M. Educação para todos -- Saúde para todos: a urgência da adoção de um paradigma multidisciplinar nas políticas públicas de atenção à A pessoas portadoras de deficiências. Revista do Benjamim Constant, 5 (14), pg. 3-19, 1999. FERREIRA, J. R. e GLAT, R. Reformas educacionais pós-LDB: a inclusão do aluno com necessidades especiais no contexto da municipalização. In: Souza, D. B. & Faria, L. C. M. (Orgs.) Descentralização, municipalização e financiamento da Educação no Brasil pós- LDB, pg. 372-390. Rio de Janeiro: DP&A, 2003. FONTES, R. S. Educação Inclusiva no Município de Niterói (RJ): das propostas oficiais às experiências em sala de aula. O desafio da bidocência. Tese de doutorado, Programa de Pós-Graduação em Educação, Universidade do Estado do Rio de Janeiro, 2007. GLAT, R. & BLANCO, L. de M. V. Educação Especial no contexto de uma Educação Inclusiva. In: GLAT, R. (org.). Educação Inclusiva: cultura e cotidiano escolar. Editora Sete Letras, p. 15-35, Rio de Janeiro, 2011. _________ & FERNANDES, E.M. Da Educação Especial segregada à Educação Inclusiva: uma breve reflexão sobre os paradigmas educacionais no contexto da Educação Especial brasileira. Revista Inclusão: MEC / SEESP, v. 1, nº 1, p. 35-39, 2005. _________ & PLETSCH, M. E. Inclusão escolar de alunos com necessidades especiais. Rio de Janeiro: EDUERJ, 2011. PLETSCH, M. D. & GLAT, R.. O ensino itinerante como suporte para a inclusão de pessoas com necessidades educacionais especiais na rede pública de ensino: um estudo etnográfico. Revista Iberoamericana de Educación (online), v. 41, p. 1-11, 2007. UNESCO. Declaração de Salamanca e Linha de Ação sobre Necessidades Educativas Especiais. Brasília: CORDE, 1994.
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