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Capítulo XI A elaboração de relatos de atendimento em psicodiagnóstico interventivo: sua importância na formação do aluno-estagiário Cicera Andréa Oliveira Brito Patutti Lionela Ravera Sardelli Maria da Piedade Romeiro de Araujo Melo Regina Célia Ciriano Introdução O ensino da produção de documentos escritos referentes à atuação do psicólogo nas mais variadas áreas tem sido uma preocupação das instituições formadoras como faculdades e institutos de Psicologia, bem como de instituições normativas, como o Conselho Federal de Psicologia (CFP) e Conselhos Regionais de Psicologia (CRPs), visando a melhor orientar a consecução adequada de laudos, pareceres e relatórios. Para Guzzo e Pasqualli (2001, p. 156), ainda hoje os laudos se mostram ineficientes para o propósito a que foram criados, isto é, “subsidiar ações e decisões [razão pela qual devem ser] […] objeto de estudos, assumindo espaço importante na formação e no exercício profissional”. Assim é que os psicólogos também têm sido obrigados a rever suas formas de realização de tais documentos e de como serão utilizados os dados ali contidos. Sabemos que há uma exigência cada vez maior sobre a organização dessas informações, devendo-se levar em conta o que será colocado nos laudos e relatórios, por quem será utilizado e que interesses estão subjacentes a sua utilização, entendendo que, ao sermos criteriosos na elaboração desses documentos e relatórios, estaremos pautando nossa prática na garantia de direitos das pessoas. Nosso objetivo é alinhavar a experiência da construção desse laudo técnico, dando ênfase ao registro documental e aos prontuários, unindo a isto a reflexão sobre a experiência de ensino e aprendizagem, para que supervisor e aluno- estagiário possam juntos acompanhar as competências que estão sendo desenvolvidas. Ressaltamos que a elaboração de laudos e relatos para o prontuário e para o registro documental do paciente como instrumentos técnicos, embora complexa, não é o foco deste capítulo, mas sim o que permeia essa experiência, isto é, os processos que são acionados para esse fim. Laudos, relatos, prontuários seriam a dimensão organizadora da técnica, importante parte do processo de aprendizagem vivenciado, tanto pelo aluno-estagiário como pelo psicólogo-supervisor, no encontro das descobertas que se dão na relação. Consideramos que o psicólogo-supervisor ocupa um lugar importante na formação do aluno-estagiário, pois, além da responsabilidade técnica sobre o que ocorre num atendimento e sobre o que é relatado sobre o paciente pelo estagiário, também se constitui como modelo e referência para este. Portanto, não podemos desconsiderar o papel e a responsabilidade do supervisor neste processo. Também não há como dissociar a prática psicológica da ética profissional, devendo-se visar sempre ao bem-estar biopsicossocial dos sujeitos envolvidos, em nosso caso, especialmente, a ética envolvida no contexto da relação usuários/clientes/pacientes e a produção de documentos sobre a experiência clínica no serviço-escola. Assim, este capítulo utiliza-se da experiência de um grupo de psicólogos- supervisores[1] de uma clínica-escola do interior do estado de São Paulo para, a partir da própria vivência dentro do estágio supervisionado, estabelecer alguns dispositivos norteadores para o aprimoramento teórico e técnico do processo de ensino-aprendizagem de seus alunos que inclua a forma de relatar o acompanhamento aos casos clínicos acompanhados dentro do psicodiagnóstico interventivo infantil grupal. Alguns aspectos sobre a produção de documentos escritos no campo da Psicologia Pensar o psicodiagnóstico interventivo nos obriga a entender o projeto de formação acadêmica no qual se insere. Entendemos que não se pode desvincular o psicodiagnóstico do processo de formação como um todo, assim como também não podemos dissociá-lo da ética envolvida nessa prática. Quelho, Munhoz, Damião e Gomes (1999) reconhecem o psicodiagnóstico enquanto disciplina, como um dos alicerces do curso de Psicologia, cujo objetivo é desenvolver no aluno a integração dos conhecimentos. É importante que o aluno desde o início do curso de Psicologia tenha contato e/ou experiência de relatar/descrever observações e experimentos desenvolvidos num conjunto de disciplinas que antecedem o estágio em Psicodiagnóstico e o preparam para a experiência do relato de atendimentos clínicos. Visualizar o aluno como estagiário é pensá-lo também envolvido na produção de documentos e relatórios comprobatórios de sua experiência no estágio, cuja finalidade dentro de um processo de avaliação psicológica é a produção de um laudo psicológico, como determinado pelo Manual de Elaboração de Documentos do CFP (Resolução n. 007/2003) […] descrição de situações e/ou condições psicológicas, suas determinações históricas, sociais, políticas e culturais, pesquisadas no processo de avaliação psicológica. Como todo documento, deve ser subsidiado em dados colhidos e analisados, à luz de um instrumental técnico (entrevistas, dinâmicas, testes psicológicos, observação, exame psíquico, intervenção verbal), consubstanciado em referencial técnico-filosófico e cientifico adotado pelo psicólogo (Conselho Federal de Psicologia, 2013, p. 7). O manual ainda destaca como finalidade deste laudo: […] apresentar os procedimentos e conclusões gerados pelo processo da avaliação psicológica, relatando sobre o encaminhamento, as intervenções, o diagnóstico, o prognóstico e evolução do caso, orientação e sugestão de projeto terapêutico, bem como, caso necessário, solicitação de acompanhamento psicológico, limitando-se a fornecer somente as informações necessárias relacionadas à demanda, solicitação ou petição (Conselho Federal de Psicologia, 2013, p. 7). As determinações do CFP, Resolução n. 001/2009 (CFP, 2009), prescrevem a diferenciação entre prontuário e registro documental, pontos discutidos a seguir. Sobre o prontuário e registro documental Para melhor resultado na padronização e sistematização das atividades dos psicólogos, inclusive daqueles que atuam nos serviços-escola e em campos de estágio, a partir de 2009, passou a ser previsto pela Resolução CFP n. 001/2009 (CFP, 2013), em conformidade ao estabelecido pelo Ministério da Saúde, o armazenamento individual e em local específico do registro de dados e informações fornecidas por aquele que vier a fazer uso de serviços psicológicos. Destaca-se que este arquivamento é subdividido em duas partes: prontuário e registro documental. O prontuário, de livre acesso ao paciente e/ou seu representante legal, é visto como um conjunto de documentos padronizados e ordenados nos quais são registrados os cuidados profissionais prestados ao paciente, atestando o atendimento psicológico realizado a uma pessoa ou a uma instituição, sendo sua confecção e organização obrigação e responsabilidade do psicólogo. Nas instituições de ensino de Psicologia, é feito com orientação, correção e responsabilidade do psicólogo-supervisor. No artigo 2o da Resolução CFP n. 001/2009 citada (CFP, 2009, p. 1-2), são apontadas as informações que devem ser registradas no prontuário pelo psicólogo, como: […] identificação do usuário/instituição; avaliação de demanda e definição dos objetivos do trabalho; registro da evolução dos atendimentos, de modo a permitir o conhecimento do caso e seu acompanhamento, bem como osprocedimentos técnico-científicos adotados; registro de encaminhamento ou encerramento; cópia de outros documentos produzidos pelo psicólogo para o usuário/instituição do serviço de psicologia prestado, que deverá ser arquivada, além do registro da data de emissão, finalidade e destinatário. Entendemos que este prontuário e o resumo do atendimento ali contido devem expressar informações com objetividade e clareza, bem como usar uma linguagem acessível ao paciente ou ao interessado para explicar o que, em conjunto com ele, se trabalhou e se concluiu durante o atendimento psicológico. Consideramos importante salientar que o item “registro da evolução dos atendimentos”, citado pela Resolução n. 001/2009, trata da descrição pontual do acompanhamento semanal realizado e, portanto, do andamento do processo do atendimento psicológico, não se referindo à melhora do quadro apresentado pelo paciente, sendo este um equívoco frequente. Entendemos que o objetivo do item “evolução” no prontuário do paciente é o de refletir o ocorrido na relação, de modo que tanto o psicólogo como o paciente e sua família possam reconhecer naquilo que foi descrito, de maneira resumida, as etapas pelas quais passaram os processos de acolher, observar, refletir, compreender e intervir. Esse item deve incluir, de forma sintética, a técnica utilizada, o tema central trabalhado e o resumo da compreensão minimamente elaborada, não sendo de cunho interpretativo, como ilustra o trecho que segue: Data (xx/xx/xxxx) Segunda entrevista com pais: realização de entrevista de anamnese, segundo encontro com os pais, quando informaram, de forma clara, a história de vida de seu filho. Por este roteiro de anamnese, não foram observadas dificuldades aparentes no desenvolvimento da criança e em suas relações. É importante ressaltar que a mãe, ao abordar o nascimento da criança, se emocionou, enquanto o pai mostrou-se tranquilo durante toda entrevista. O prontuário, além de oferecer documentos comprobatórios da experiência clínica vivida entre paciente e psicólogo, como identificação do paciente, avaliação da demanda, definição dos objetivos do trabalho psicológico e apontamentos referentes à evolução, preenche, com sua confecção, os requisitos de direito do cidadão, como o de ter explicitado de maneira concreta, clara e organizada os pareceres e saberes técnicos sobre os fatos de natureza psicológica relatados, de forma elaborada e cientificamente fundamentada. Lembremos que o prontuário, como documento de livre acesso ao paciente, nem sempre existiu. A Resolução CFP n. 001/2009 (CFP, 2009), no que concerne à elaboração do Prontuário, deu ao usuário este direito: o de poder obter livremente os dados sobre ele ali contidos, dando-lhe poderes como cidadão usuário do serviço psicológico na medida em que detém, por prerrogativa, um saber sobre si mesmo. Ao mesmo tempo, obrigou o profissional psicólogo a rever constantemente a forma que realiza seus registros, devendo estar atualizado, bem formado e informado. Esta mudança trouxe maior legitimidade e transparência aos processos e a entendemos como um ganho para a profissão, pois garante aos usuários os seus direitos, enquanto desenvolve no profissional um comprometimento e preocupação maior com seu exercício profissional. Ao contrário do prontuário, algum tipo de apontamento sobre o caso, como forma anotações de natureza mais técnica para uso nas análises clínicas com embasamentos teóricos, sempre existiu para o acompanhamento e estudo próprios do psicólogo, de acesso exclusivo desse profissional, de ordem confidencial. O artigo 2o da Resolução citada (CFP, 2009, p. 2-3) veio regulamentar a existência de tais registros, determinando que, doravante, documentos estritamente técnicos resultantes de aplicação de instrumentos de avaliação psicológica e de análises clínicas, bem como observações detalhadas resultantes de tratamentos psicológicos, deverão ser arquivados em pasta de acesso exclusivo do psicólogo, constituindo-se no registro documental. assim, o registro documental se compõe dos relatos de cada sessão realizada, dos relatórios conclusivos sobre o caso e das decisões sobre o encaminhamento, estes feitos ao final do acompanhamento psicológico. No estágio em Psicodiagnóstico Interventivo, o conjunto de relatos das sessões e os registros detalhados dos atendimentos, com suas respectivas análises clínicas, estão contidos no registro documental, que, neste caso, tem um uso acadêmico, sendo que sua confecção, escrita e redação fazem parte da formação do aluno- estagiário, servindo também para discussão na supervisão clínica, que é realizada em grupo. Tais relatos possibilitam ao supervisor avaliar em parte o estagiário, entre outros requisitos exigidos pelo estágio. A supervisão em grupo desse material permite que cada aluno aprenda com a experiência do outro. Cabe aqui pontuar que entre as diversas funções do supervisor de estágio em psicodiagnóstico interventivo, uma delas é a de fazer anotações nos relatos apresentados por seus estagiários de orientações, correções e apontamentos que julgue necessários para a facilitação da aprendizagem técnica e teórica. Observa-se que tais registros são valiosos para o processo de aprendizagem do aluno-estagiário, como também representam uma forma de esse aluno ser acompanhado em seu estágio. Para complementar, Archanjo e cols. (1998 apud Freitas e Noronha, 2005, p. 88) apontam os supervisores como: […] responsáveis pelo conteúdo prático do psicodiagnóstico. [A eles] são atribuídas as responsabilidades de planejar as supervisões, para que o supervisionado tenha o mínimo de experiência e competência para a livre prática profissional, uma vez que a supervisão fornece uma orientação formalizada para suprir as necessidades de formação dos alunos. Assim, os relatos de sessões feitos pelos estagiários no Psicodiagnóstico Interventivo, contidos no registro documental, revelam um processo de aprendizagem que se dá no entrelaçamento da experiência ocorrida entre aluno- estagiário, paciente e supervisor. Da supervisão e sobre a discussão dos relatos Em nossa experiência de ensinar o psicodiagnóstico interventivo, tem sido uma preocupação orientar o aluno-estagiário a construir uma forma de relatar que reflita, ao menos em parte, como chegou ao conhecimento sobre o ocorrido, levando-se em conta que todo fenômeno clínico nunca é totalmente passível de descrição. Por isso, relatar uma sessão é um desafio tanto para o aluno-estagiário como para o supervisor. Assim, na construção dos registros documentais no psicodiagnóstico interventivo infantil, costumamos realizar relatos de cada atendimento ocorrido junto ao paciente e a sua família, procurando oferecer informações, levando em conta a abordagem teórica e o raciocínio clínico utilizados nesse tipo de procedimento. Com isso, queremos salientar que a compreensão do caso é construída durante o processo e vivência clínica, procurando mais elucidar e compreender do que classificar. Entendemos, então, que neste processo ocorre um estado permanente de construção e desconstrução, codificação e descodificação do conhecimento. De acordo com a configuração proposta por M. Ancona-Lopez (2002, p. 77), o psicólogo supervisor deve ser incluído no setting do atendimento com a finalidade • • • de “acompanhar os atendimentos realizados e zelar pela saúde psíquica dos clientes e, enquanto professores,formar profissionais competentes, orientando a prática dos estagiários e fornecendo os conhecimentos necessários para a atuação clínica”. Assim, é importante ressaltar que, em nossa vivência nesse processo, existe um desafio a mais, que é a presença do supervisor no momento do atendimento em grupo. Além do mais, esse atendimento faz parte de uma configuração mais ampla que inclui: a recepção do aluno-estagiário e a preparação do atendimento, que dura cerca de 30 minutos; o atendimento propriamente dito, que dura 60 minutos; a discussão e supervisão do atendimento, que dura em torno de 75 minutos. Esta configuração diferencia o estágio em Psicodiagnóstico Inter-ventivo de outras propostas de estágio em psicodiagnóstico, uma vez que introduz o supervisor nas várias etapas, cuja presença modifica desde o atendimento até a produção dos relatos, que serão entregues pelo aluno-estagiário em próximo encontro, quando serão corrigidos pelo supervisor, seguindo-se, assim, outra etapa pedagógica. Esta peculiaridade da presença do supervisor nas várias etapas do processo tem se revelado facilitadora e organizadora da aprendizagem do aluno e da redação posterior do relato da sessão. A experiência de discutir em supervisão antes de o aluno elaborar seu relato tem se mostrado extremamente proveitosa. No entanto, avaliamos, não ingenuamente, que tal presença pode causar impacto e incômodo no aluno-estagiário, inibindo-o em sua conduta não somente de relatar como também de atuar dentro do atendimento. Neste sentido, cabe ao supervisor desfazer fantasias persecutórias, dirigindo-o para a percepção de que estas experiências fazem parte do processo de ensino-aprendizagem. De outro lado, tal configuração, do ponto de vista do supervisor, facilita o acesso à forma de descrição e à compreensão dos fatos e dos fenômenos psicológicos ocorridos, realizada pelo aluno. Também auxilia a avaliação de conhecimentos previamente adquiridos pelo aluno em etapas anteriores de sua forma, bem como sua disposição para pesquisa atual pertinente ao tema acompanhado nesse momento. Assim, esse psicólogo-supervisor poderá ensinar, acompanhar e avaliar o aluno na busca por uma melhor qualidade do atendimento, preservando o compromisso com o usuário do serviço e contribuindo, assim, para o desenrolar do processo, já que está diretamente inserido no campo de atendimento. Por se dar em grupo, o desenvolvimento do psicodiagnóstico interventivo está intimamente ligado às características das pessoas que compõem o grupo, tornando- se ímpar, dependendo do ocorrido a cada encontro. A ênfase se dá no atendimento grupal e participativo como potencializador de novas significações e explorações subjetivas e possibilidades de a tríade cliente, aluno-estagiário e do professor- supervisor chegarem a uma compreensão conjunta do fenômeno que queriam entender. Esses aspectos devem ser levados em conta na elaboração do relato feito pelo aluno-estagiário, isto é, ele precisa apreender o processo diagnóstico interventivo grupal por meio do atendimento realizado, mas também a partir dos estudos e escritos que ele mesmo produz e que estão contidos no registro documental, destacando que, nessa produção, deve haver a convergência dos vários pontos de entendimento realizados pela tríade citada. Nesse sentido, para a confecção de relatos semanais e laudo, costumamos oferecer aos nossos alunos-estagiários dispositivos norteadores, cuja função é orientar a ação de relatar e de construir o conhecimento. Tais norteadores estão apoiados nas bases teóricas que direcionam o olhar e a percepção clínica do caso, não perdendo de vista o ser da relação. Ao mesmo tempo, facilitam o desenvolvimento de competências e habilidades necessárias à experiência clínica do psicodiagnóstico interventivo infantil, sem deixar de dar espaço para o aluno se desenvolver por meio de suas próprias descobertas. A seguir, faremos algumas considerações sobre os relatos no psicodiagnóstico interventivo, atendo-nos mais especificamente a três contextos, a saber, o da realização de entrevistas psicológicas, o da hora de jogo diagnóstica e o da aplicação de testes psicológicos, levando em conta que outros procedimentos já foram discutidos anteriormente neste livro. Considerações a respeito dos relatos da primeira entrevista, da hora de jogo e do uso de teste A partir deste momento, focaremos o que consideramos importante para o aluno-estagiário filtrar em sua experiência junto ao paciente e, para isso, utilizamos referenciais que possam auxiliar nos seus relatos e reflexões. Longe da pretensão de serem considerados como modelos, criamos dispositivos norteadores da redação de relatos a partir das necessidades advindas da realidade docente na qual estamos inseridos. Devemos levar em conta que tais dispositivos não refletem as necessidades que contemplam toda e qualquer experiência clínica, mas estão localizados dentro de um fluxo no processo do psicodiagnóstico interventivo já proposto por M. Ancona-Lopez (2002), como discutido em outros capítulo deste livro. Sobre os relatos de entrevistas Os primeiros relatos a serem produzidos são os referentes às primeiras entrevistas clínicas, a saber, as realizadas com pais no início do processo diagnóstico grupal: a entrevista inicial semidirigida e a entrevista de anamnese, sendo os conhecimentos e estudos sobre entrevistas e desenvolvimento humano os norteadores dos relatos e das reflexões clínicas nesses procedimentos específicos. Trabalhamos com o conceito de Tavares (2000, p. 45), para quem: A entrevista clínica é um conjunto de técnicas de investigação, de tempo delimitado, dirigido por um entrevistador treinado, que utiliza conhecimentos psicológicos, em uma relação profissional, com o objetivo de descrever e avaliar aspectos pessoais, relacionais ou sistêmicos — indivíduo, casal, família, rede social — em um processo que visa a fazer recomendações, encaminhamentos ou propor algum tipo de intervenção em benefício das pessoas entrevistadas. […] A investigação possibilita alcançar os objetivos primordiais da entrevista, que são descrever e avaliar, o que pressupõe o levantamento de informações, a partir das quais se torna possível relacionar eventos e experiências, fazer inferências, estabelecer conclusões e tomar decisões. Para Tavares (2000), o entrevistador, ao reconhecer a interação entre sintomas, sinais e aspectos do funcionamento psicodinâmicos, amplia suas condições de compreensão, tornando suas intervenções mais adequadas. Nos relatos sobre entrevista, salientamos aos nossos alunos-estagiários a importância de observar determinados pontos que são comumente citados por alguns autores de referência, como Arzeno (1995), Bleger (1993) e o já citado Tavares (2000). Um primeiro tópico a ser abordado no relato das entrevistas é como os pais chegaram até a instituição — apenas um dos pais, ou só a mãe, avó ou responsável —, sendo que a ausência de um deles pode ter um significado, o que merece ser mais bem investigado. Devem ser relatadas suas atitudes, se são solícitos, se mostram cooperação ou se estão resistentes ou retraídos. Também, é importante dizer de que forma receberam a proposta de atendimento em psicodiagnóstico interventivo, ressaltando-se suas reações à forma de trabalho e ao contrato grupal. Então, o aluno-estagiário poderá discorrersobre o motivo da consulta explicitado pelos pais; suas queixas em relação à criança; suas dificuldades e conflitos e como os pais veem os fatos; em que momento o equilíbrio familiar se rompeu e a família resolveu buscar ajuda psicológica. De modo geral, a atenção ao discurso da família sobre a criança revela a expressão de uma concepção de sintoma que é precedida por uma rede significante que lhe dá um lugar no mundo mediante o desejo dos pais. Dessa forma, não podemos reduzir a visão que temos da criança apenas ao manifestado pelo desejo ou queixa de seus pais, uma vez que ela tende a buscar uma posição no mundo a partir do que supõe que o discurso familiar lhe pede (Santoro, 2011). Podem ser explicitados no relato os sentimentos dos pais em relação à queixa e às mudanças ocorridas na vida familiar, em especial na vida do casal, a partir da ocorrência das dificuldades relatadas. É importante destacarem os vínculos relacionais contidos na dinâmica familiar: detalhes do relacionamento dos pais entre si, dos pais com os filhos e entre os irmãos, bem como da família no contexto social mais amplo. Os antecedentes familiares, bem como os relatos da história do casal, da concepção, da gestação, do parto, da amamentação e do primeiro ano de vida, são de extrema importância para a compreensão do que a criança representa para a família, que lugar ocupa em seu contexto e como se adaptou ao meio desde seu nascimento. Deve-se destacar se houve alguma defasagem ou problema em seu desenvolvimento inicial, por exemplo, como reagiu ao desmame e à volta da mãe ao trabalho, como enfrentou as frustrações inerentes aos momentos iniciais da vida, se apresentou doenças ou sintomas significativos. Posteriormente a isso, podem ser relatados os dados coletados sobre o desenvolvimento da criança a partir do primeiro ano de vida, até o momento atual, numa descrição dos fatos em ordem cronológica: a evolução do aspecto motor, a progressão da fala, seu desenvolvimento intelectual, seu sono, sua alimentação, sua saúde, as reações à entrada na escola ou creche. O relato pode conter também as ideias e fantasias dos pais sobre a personalidade e temperamento da criança, destacando se há sinais de possíveis aspectos psicopatológicos a serem investigados. Numa perspectiva mais ampla, pode conter dados sobre os aspectos socioeconômicos, a vida social, cultural e religiosa da família. Ao final, poderão ser destacadas ainda as evidências sobre a existência de recursos para mudanças, bem como sobre as expectativas de solução encontradas no discurso dos pais. Tais norteadores, no entanto, não deverão pressupor uma narrativa rígida, já que nenhuma situação clínica ocorre sem prerrogativas específicas do momento relacional ali vivido, podendo também conter a exposição de fatos próprios do encontro que se dá nesse campo relacional. Sobre os relatos de hora de jogo diagnóstica Num outro momento, como professores-supervisores solicitamos aos alunos- estagiários os relatos dos primeiros contatos com as crianças, que, no contexto do psicodiagnóstico interventivo, se realizam por meio da técnica de hora jogo diagnóstica, mesclando a ela também alguns pontos relativos às técnicas do atendimento grupal infantil. Assim, um segundo norteador para a realização dos relatos são os conhecimentos e estudos sobre a hora de jogo diagnóstica. A hora de jogo diagnóstica é um dos procedimentos mais significativos para o psicodiagnóstico infantil. Sua relevância teórica e técnica, desde seu uso delimitado por Aberastury (1992), tem sido largamente explorada, sendo utilizada e desenvolvida por outros autores, com o objetivo de investigar as fantasias trazidas pelas crianças em seu primeiro contato com o terapeuta, suas dificuldades e conflitos, bem como suas esperanças de suplantá-los. Aberastury (1992) apresenta a hora de jogo diagnóstica como um momento em que a criança vai trazer até nós, psicólogos, sua “fantasia inconsciente de enfermidade e de cura”, dando a ideia de que a criança sabe que passa por conflitos, que tais conflitos são de natureza especial e de que ela compreende, aceita e colabora com o atendimento psicológico. Nessa hora, a criança é deixada livre para brincar, sendo-lhe oferecida uma caixa de brinquedos variados e material gráfico, para que possa expressar, por meio do jogo livre e espontâneo, as fantasias subjacentes às dificuldades e sintomas pelos quais veio procurar o atendimento juntamente com sua família. Ressaltamos que, no psicodiagnóstico interventivo infantil, a hora de jogo é realizada em grupo, sendo atendidas, na mesma sala e no mesmo horário, crianças de ambos os sexos e de idade similares, em número de quatro a seis crianças, normalmente, sendo responsáveis por cada uma delas uma dupla de alunos- estagiários. Essa dupla teria como função observar simultaneamente a dinâmica grupal — portanto, o brincar em grupo — e o brincar individual da criança acompanhada por eles, o que acarreta uma complexidade a mais para a função de observar e coletar informações. Aparentemente, isso seria um agravante para a aprendizagem; porém, com o tempo o aluno-estagiário ganha habilidade para a realização dessas duas funções, compreendendo que uma é complementar à outra, tornando-se ferramentas indispensáveis à construção do relato da sessão, bem como à construção do conhecimento sobre o caso. Ao ensinarmos o psicodiagnóstico interventivo, nós, supervisores, temos solicitado aos alunos o relato da hora de jogo, buscando analisar o nível de aprendizagem da técnica alcançado e a apreensão da teoria subjacente a seu uso, bem como das condições criadas pelo estagiário para utilizá-las, formando uma costura crítica e reflexiva entre a experiência clínica vivida, a teoria anteriormente aprendida e a técnica agora experimentada. Acrescente-se aí a capacidade de o aluno buscar novos recursos teóricos, por meio de suas pesquisas e estudos espontâneos sobre o tema dentro da proposta delimitada pela abordagem fenomenológica- existencial oferecida no psicodiagnóstico interventivo, enriquecendo ainda mais suas condições e capacidade de discussão do caso com a utilização, nas discussões, de alguns pontos de compreensão da psicologia psicodinâmica. Na hora de jogo, é importante que relate de forma clara e muito detalhada cada movimento, gesto e atitude das crianças. Temos que verificar a capacidade de o estagiário observar e detectar aspectos relevantes contidos no brincar espontâneo, pinçando o que é importante enquanto realiza suas próprias associações, desenvolvendo, com o tempo, a capacidade de fazer ligações de sentido entre um brincar e outro, entre um acontecimento e outro, entre falas e desenhos livres, como já elucidava Klein (1932) em seus estudos sobre a técnica do livre brincar, o que foi ressaltado por Efron et al. (1995) e Aberastury (1992). Levamos em conta as condições de o aluno-estagiário descrever, de forma clara e minuciosa, a experiência observada e vivida junto ao grupo e à criança I. II. III. IV. acompanhada, sendo esperado que seja capaz de discorrer sobre: a experiência de observação do livre brincar como forma de comunicação do conflito. a experiência de observar a dinâmica grupal, percebendo os interjogos nos relacionamentos, o papel ocupado por cada criança, as lideranças estabelecidas, as identificações realizadas, a coesão na consecução dos objetivos grupais e o conflito apresentadode forma coletiva. as características do brincar individual apresentado pela criança especificamente acompanhada pela dupla e seu conflito num âmbito individual, dentro de sua história e contexto. as intervenções realizadas e a reação das crianças a elas, o que dá indícios de estarmos ou não no caminho adequado de compreensão, dependendo das respostas, interjeições ou mesmo do brincar explicitado imediatamente após sua realização. Os relatos devem referir-se desde quando as crianças são chamadas, sua reação na sala de espera ao despedir-se de seus pais ou acompanhantes, bem como o comportamento no caminho para a sala de atendimento junto ao estagiário, se conversa ou permanece em silêncio, se parece curioso ou temeroso da nova experiência. Pode-se, então, relatar como foram dadas as explicações sobre o processo ali vivido, o sigilo terapêutico, a forma de atendimento que será realizada e como o grupo e, em especial, a criança acompanhada pela dupla reagiram: se fizeram observações; se permaneceram estagnados e se assim ficaram e por quanto tempo; se solicitaram mais informações; se mostraram interesse, curiosidade prazerosa; se foram reticentes ou denotaram liberdade de agir e brincar. A partir daí, relatar a observação sobre como escolheram seus brinquedos na caixa lúdica e exatamente o que fizeram em cada brincadeira escolhida, descrevendo como estruturaram seu brincar, o que já nos permite levantar algumas hipóteses sobre as fantasias vividas no espaço do brincar, que remete àquele que brinca a um espaço especial que não é a realidade propriamente dita, o que exige daquele que observa o brincar a condição de, em parte, adentrar ao mundo da fantasia infantil e, por outro lado, manter a função terapêutica de pensar sobre o que ocorre nesse brincar. As condições de organização das fantasias mostram também os recursos intelectuais da criança, bem como a forma como lidam com a realidade. Outro dado importante é se preferiram brincar em grupo ou solitariamente, se têm condições de tolerar a convivência grupal ou se evitam se frustrar ao contato com as diferenças impetradas pela presença do outro. Nesse sentido, deve-se perceber que lugar o outro ocupa em seu jogo particular, que uso faz do outro como objeto de relação, observando-se a existência e a qualidade das transferências em relação aos outros participantes do grupo, que tipo de vínculo é capaz de realizar e como escolhe seus pares. O relato deve conter dados de seu vínculo com a equipe técnica e como estabelece a ligação com o próprio processo do psicodiagnóstico. Devem-se evitar generalizações como: “Ela brincou o tempo todo com a boneca” ou “Ele ficou a sessão toda jogando bola”, pois certamente quem brinca com uma boneca ou quem chuta uma bola o faz de forma especial e diferente de qualquer outro, sendo impossível se generalizar tanto a forma de esses acontecimentos ocorrerem. É importante destacar que o máximo de detalhes descritos será necessário à boa análise dos fatos observados, oferecendo maior possibilidade de discussão de seus significados. O relato deve conter detalhes de cada etapa do brincar ou do desenhar, ou mesmo do estar em silêncio, aparentemente sem nada fazer, pois tudo o que ocorre tem um sentido. Deve ser fiel ao ocorrido em ordem cronológica, realizando, de forma concomitante, a descrição do que ocorreu horizontalmente no grupo como um todo e do que ocorreu verticalmente, narrando o comportamento da criança acompanhada pela dupla de estagiários. Para isso, se o supervisor assim o desejar, poderá solicitar a divisão da sessão, separando-a em: a) Relato do ocorrido na dinâmica grupal; b) Relato sobre o caso acompanhado, sendo que a análise clínica ficaria restrita mais à descrição do ocorrido com o caso em estudo da dupla de estagiários, podendo-se utilizar o ocorrido na dinâmica grupal como complemento para a compreensão clínica, quando necessário. Na fase de discussão teórico-clínica dos dados, ou seja, na análise clínica, deve- se notar a capacidade de o aluno-estagiário interligar situações e fatos observados à teoria e à técnica de hora de jogo, e, ainda, verificar o uso adequado de bibliografia complementar espontaneamente pesquisada por ele sobre esse tema, notando-se suas condições de interligar de modo reflexivo e crítico teoria, técnica e experiência clínica. Sobre o uso do teste psicológico Como já se sabe, o psicodiagnóstico compreende várias etapas; dentre estas é possível considerar a administração dos testes psicológicos. Tal momento é caracterizado, segundo Freitas e Noronha (2005, p. 88), como peculiar do processo de avaliação devido à possibilidade de obter dados sobre a pessoa em questão, a fim de conhecer sua história mais detalhadamente, assim como buscar informações relacionadas ao desenvolvimento, à escolaridade, às relações familiares, aos aspectos profissionais, sociais, entre outros. A escolha das estratégias e dos instrumentos dentro de um processo de avaliação psicológica é feita sempre de acordo com o referencial teórico, o objetivo e a finalidade, portanto, no nosso caso, é clínica, cujo fim é colaborar com o diagnóstico que contempla outras técnicas além dos testes (Araujo, 2007; Ocampo, 2005). Pautados nesses referenciais, buscamos conciliar o processo de ensino- aprendizagem desses procedimentos e a futura prática profissional do aluno, pois consideramos incoerente o ensino e a adoção de qualquer técnica de investigação psicológica com outra intenção diferente que não aquela do instrumento, pois, se assim o for, já é outra coisa que foge ao que o instrumento propõe a investigar. Como pontuado pelas diretrizes contidas na regulamentação da profissão (CFP. Conselho Federal de Psicologia — Avaliação psicológica: diretrizes na regulamentação da profissão, 2010, p. 42), para se alcançar o status de um “teste psicológico” percorreu-se um “[…] processo de criação, validação e aprovação […]. O processo de validação requer a articulação do construto às operações do teste e a demonstração da relação do teste aos aspectos relevantes do psiquismo das pessoas”. Villemor-Amaral (2012) reforça que a utilização de uma técnica de avaliação psicológica requer a compreensão tanto dos fundamentos que embasam as condições das conclusões extraídas dos resultados quanto a verificação de sua comprovação científica que determina a validade do procedimento e justifica seu uso. Entendemos que, por exemplo, a adoção de um teste projetivo, como o HTP, porque seus desenhos são ricos como estímulos que remetem a situações familiares vividas pelas pessoas em geral, ou, ainda, o fazer uso de teste psicométrico reduzindo-o a uma situação para estimulação, demonstram uso equivocado desses instrumentos. Desta forma, pautados nos princípios éticos que norteiam a prática profissional, o uso dos testes psicológicos e o modo como a análise dos seus resultados são apresentados seguem os indicadores que os próprios instrumentos propõem em seu Manual. Assim, e como é enfatizado por tais diretrizes, concordamos que a maneira como os instrumentos são usados pelo psicólogo na avaliação psicológica é de importância fundamental para que a área seja vista como profissional e cientificamente responsável perante a sociedade (CFP, 2010, p. 42). O compromisso com o processo de ensino-aprendizagem segue um continuum para além das disciplinas cujos planos de ensino contemplam técnicas e exames psicológicos, ou seja,o conhecimento previamente adquirido é experimentado no estágio de Psicodiagnóstico em sua prática. Como já pontuado, é na supervisão clínica que se constrói um espaço em que esse processo ensino-aprendizagem sedimenta-se e as reflexões produzidas a partir das discussões do caso clínico acompanhado vai abrindo a possibilidade de pensar também no uso ou não das técnicas que temos à disposição. Deste modo, quando se pensa na adoção de qualquer instrumento de avaliação, deve-se questionar se terá a função de responder a alguma pergunta relacionada ao caso clínico, ou seja, o teste será adotado desde que realmente tenha alguma contribuição a oferecer, evitando a submissão de nosso cliente a uma bateria de teste indevidamente, especialmente pelo tempo despendido e pelo desgaste que qualquer situação investigativa provoca, mesmo que se tenha cuidado desta condição. Guzzo e Pasquali (2001, p. 155) chamam a atenção para a importância e a qualidade das informações fornecidas pelo psicólogo no processo de uma avaliação psicológica, através do laudo psicológico, pareando inclusive o modo como este instrumento é construído como expressão de sua “competência profissional”. Ressaltam a necessidade de os profissionais estarem em constante aprimoramento para a atuação na área de avaliação psicológica, que, além dos instrumentos de medidas, envolve diferentes técnicas cujos resultados colaboram para a compreensão de toda a investigação (Freitas e Noronha, 2005). Pensando em colaborar com o processo psicodiagnóstico a partir do uso de teste e da comunicação dos seus resultados, que acrescentados a este processo maior de investigação possam torná-lo significativo, buscamos trabalhar o levantamento de dispositivos antes, durante e após a realização de uma sessão para a qual se optou pela aplicação de uma técnica, em especial um teste projetivo, e que servisse para o relato de tal sessão. Detendo-nos ainda no aspecto do que pode ocorrer “antes, durante e após” de uma aplicação de teste, assim como Azevedo (2002), notamos também que, facilmente, o processo de psicodiagnóstico, com um processo psicoterápico infantil, poderá ser confundido como um simples encontro para brincar, o que em parte é verdade, mas não é suficiente. É imprescindível que seja dito para a criança o que está acontecendo, o que estamos percebendo ou o que vamos fazer e, em especial para este último, o cuidado é essencial: como se sabe, nosso enquadre é grupal e, por conta deste “fazer específico”, o atendimento poderá ser individual. Comunicar o que será feito é fundamental para a manutenção da aliança de trabalho. Esta comunicação deve ser oferecida, adequando a linguagem e o vocabulário às condições da criança. Notamos que o momento de aplicação de uma técnica específica, um teste, oportuniza em parte o resgate do enquadre anteriormente realizado, melhorando a sua comunicação em um espaço que agora é tomado por um nível de ansiedade mais atenuado em relação ao início do atendimento, podendo ser oferecidas novas informações. Esse momento parece ajudar a criança a ressituar-se na clínica-escola, (re)apropriando-se do motivo que a levou até ali, como também parece colaborar com o aluno-estagiário, que deve desempenhar muitas tarefas como futuro psicólogo, dando conta das mais variadas informações, devendo coletar e observar, além de estar envolvido na brincadeira. Assim, parece que se reorganiza à medida que consegue ajudar a criança a fazer o reconhecimento deste espaço clínico mais próximo do real — afinal não se trata apenas do brincar. Considerando a ocorrência de encontros anteriores com a criança, esta deverá ser informada sobre o que será realizado: possivelmente, a estranheza da sala e do horário, a falta de outros estagiários e das outras crianças provocarão questionamentos. Deve-se esclarecer qual a atividade a ser realizada e sua finalidade. Geralmente, é sugerido que o aluno-estagiário busque esclarecer a criança de que naquele momento será realizada uma atividade para conhecê-la melhor e, assim, ele procura responder a algumas perguntas relacionadas ao motivo que a trouxe até ali, contribuindo para sua compreensão em relação à queixa. Nesse momento, é possível indagá-la sobre tal motivo e conhecer um pouco mais de sua percepção a esse respeito. Villemor-Amaral (2012) ressalta o cuidado de evitar qualquer informação que dê falsa noção daquilo que a técnica avalia ou que induza a certo tipo de resposta. Entendemos que a autora pontuou um aspecto importante aplicável a todas as técnicas, principalmente às menos estruturadas, como as projetivas. É importante chamar a atenção para perguntas delicadas do aluno-estagiário 1. 2. 3. 4. relacionadas à técnica utilizada, como do tipo: “Você gosta de desenhar?”; “Você gosta de contar histórias?”. Essas indagações podem servir para enriquecer o rapport, mas corre-se o risco de servirem a outro propósito quando a resposta for negativa, podendo ocorrer o fracasso da aplicação, pois o aplicador despreparado terá dificuldades em contornar a situação. Com o material do teste em mãos devidamente revisado, com a sala organizada e adequada para receber o examinando e realizar a aplicação, cabe aos estagiários iniciar a atividade, emitindo as instruções de acordo com o manual do teste, assim como toda a conduta restante. A partir desse ponto, levando em conta todas essas reflexões, os relatos de como ocorreu a aplicação do teste e de como se chegou à avaliação dos resultados podem ter início. Reconhecendo as dificuldades pertinentes à tarefa de construir um relato da aplicação de teste, a seguir apontamos apenas sugestões, marcos norteadores, para que nossos alunos cuidem das informações que devem ser observadas e que possam colaborar com a análise do material produzido na sessão. Assim, buscou-se trabalhar com uma divisão de sete itens, conforme o Quadro 1 adiante, seguido de uma explanação dos pontos a serem valorizados nesse processo de construção do relato: Dados de identificação: são os dados sobre o examinando, que incluem somente as iniciais de seu nome, número de prontuário, sexo, idade (quando menor de 18 anos, devem constar o nome do responsável e grau de parentesco), data de aplicação e o nome dos relatores, que devem incluir o nome da dupla de alunos-estagiários e do psicólogo-supervisor; Técnica utilizada: neste ponto, caberá ao aluno-estagiário definir, segundo o Manual, a técnica por ele adotada. Objetivo da técnica e sua justificativa para o uso: nesse ponto deverá esclarecer o objetivo da técnica de forma geral, e especificamente, ao caso acompanhado, ou seja, deverá informar no que o teste poderá colaborar para a compreensão do caso que acompanha, qual hipótese justifica seu uso. Descrição da aplicação: são incluídos aqui pontos relacionados ao “antes, durante e após” a aplicação propriamente dita do teste, assim como as condições do espaço físico e sua organização, considerando inclusive a hora de início e fim; a disposição do examinando a se submeter a tal atividade; 5. 6. reações comportamentais e verbais do examinando quando se depara com uma atividade individual, já que as outras crianças e estagiários estão ausentes; reações quando se retoma a queixa, sua compreensão até aquele momento do processo psicodiagnóstico; capacidade de compreensão das instruções do teste; suas possibilidades de organização diante do novo contexto e da atividade adotada; se é resistente ou não, se é organizado, se é flexível e colaborativocom relação à aplicação do teste propriamente dito. Deverá ser registrada também toda a observação quanto às reações após instruções, falas, gestos no decorrer da produção, se reage com curiosidade aos registros realizados pelo aluno-estagiário. Assim, também, observar a ocorrência de pausas e/ou silêncios, dependendo do teste adotado. Tais condutas deverão ser seguidas até o final da aplicação, o que também proporcionará melhores condições de relato do ocorrido na aplicação do teste. Levantamento dos dados interpretativos e síntese interpretativa: pressupomos aqui que houve a leitura minuciosa do Manual do teste pelo estagiário, sendo então observados os indicadores para tal levantamento interpretativo; afinal, existem alguns testes que indicam a consulta de tabelas normativas, idades etc., e tais considerações devem ser levadas em conta. Portanto, trata-se de um item trabalhoso, pois caberá ao aluno- estagiário recorrer ao Manual para o levantamento dos dados a serem analisados. Em geral, os testes já trazem em sua composição folhas de registros ou protocolos a serem preenchidos, porém nota-se certa insegurança por parte do aluno em errar tal preenchimento. Assim, a ele é sugerido que pratique esse preenchimento antes de registrá-lo oficialmente, após correção pelo supervisor. Após esta etapa, segue a síntese interpretativa, na qual buscaremos conciliar os aspectos relevantes contidos no resultado do teste em geral, e, para isto, o aluno-estagiário deverá fazer uso concomitante e imprescindível das informações prévias, ou seja, daquelas que foram colhidas através das entrevistas e de outras técnicas e atividades adotadas no decorrer do processo psicodiagnóstico. Portanto, levará em consideração o agrupamento das informações, e não as interpretações isoladas, e sempre buscará a coerência no entrelaçamento dos dados. Anexo(s): o aluno-estagiário deverá anexar ao relato todo o material produzido durante a aplicação pelo examinando, que podem ser desenhos, 7. histórias produzidas, folha de resposta, protocolo de interpretação (HTP), protocolos de forma geral do teste e/ou instrumento de medida adotado. É importante ressaltar que este material deverá estar devidamente preenchido. Referências bibliográficas: deverá constar nesse item toda literatura consultada. E, no caso da aplicação de um instrumento de avaliação padronizado, ou seja, o Teste Psicológico, invariavelmente, o Manual do Teste. Quadro 1. Modelo de relato da aplicação de teste Entendemos que tais divisões agregam em si valor pedagógico, pois, do ponto de vista prático da formação do futuro profissional, o aluno revelará não só como manuseia uma ferramenta de trabalho, o teste propriamente dito, mas como está 1. 2. 3. 4. 5. apreendendo o significado de seus resultados na totalidade do psicodiagnóstico. Considerações finais A experiência de supervisionar o estágio de um serviço-escola de Psicologia nos obriga a estar em permanente questionamento. O ensino do relatar um atendimento clínico constitui-se em tarefa delicada, complexa e bastante difícil, pois pressupõe a construção de narrativas que aproximem a reflexão sobre a experiência clínica e as relações e vínculos estabelecidos na tríade aluno-estagiário/usuário- cliente/supervisor e as questões que atravessam o ensino-aprendizagem. Neste capítulo, procuramos refletir sobre essa tarefa e sobre a importância dos atos de ensinar e aprender a confecção do prontuário e do registro documental, que são parte integradora e formal que permeia a experiência clínica. Nesse sentido, as ideias que empreendemos ao refletir sobre esse tema nos levaram às seguintes considerações: O aperfeiçoamento do ensino da produção de documentos escritos referentes ao usuário de serviços de Psicologia deve ser uma preocupação constante das instituições formadoras e normativas, devido a sua significativa importância na formação do aluno-terapeuta, bem como em razão das especificidades que se referem à propriedade de seu uso. O relato da sessão deve refletir, mesmo que parcialmente, o ocorrido nos atendimentos clínicos e na relação terapêutica, de forma que o paciente possa reconhecer-se no material escrito produzido, respeitando-se as questões éticas e de sigilo profissional. A experiência vivida por nós, como formadores, ensinou-nos que o oferecimento de alguns norteadores que direcionam o aluno na realização da tarefa de relatar a experiência clínica revela-se como uma atividade objetiva e profícua. Tais norteadores podem estar baseados em pontos teóricos e técnicos ligados ao procedimento utilizado para a realização do acompanhamento psicológico, sendo aqui explicitados os pontos referentes ao psicodiagnóstico interventivo. Os norteadores também refletem as necessidades institucionais, podendo 6. 7. variar em ordem ou importância, dependendo do contexto vivido pela equipe de supervisores e alunos na instituição formadora. No caso deste capítulo sobre o psicodiagnóstico interventivo, visto como processo dinâmico e interativo, destacamos alguns norteadores relacionados aos relatos da entrevista com pais, da hora de jogo diagnóstica e para aplicação de testes psicológicos, com o objetivo de exemplificar, utilizando esses contextos, o oferecimento de diretrizes que funcionariam, ao mesmo tempo, como auxiliares pedagógicos e técnicos da tarefa de relatar. Não há uma forma única de ensinar a elaboração de relatos de sessão, mas entendemos a importância da capacidade do supervisor de interagir e se relacionar com os estagiários de modo que resulte em um encontro produtivo, que contribua para a formação profissional, ao mesmo tempo que atinja o objetivo de oferecer um serviço psicológico e atenda à demanda do usuário da instituição. Nesse sentido, neste capítulo, nos atemos a alguns dispositivos norteadores da forma de relatar no psicodiagnóstico interventivo, procurando contribuir para a reflexão sobre as narrativas clínicas e sua utilização na organização do prontuário e do registro documental no exercício profissional da psicologia clínica. Referências bibliográficas ABERASTURY, A. Psicanálise da criança. Porto Alegre: Artes Médicas, 1992. ANCONA-LOPEZ, M. Introduzindo o psicodiagnóstico grupal interventivo: uma história de negociações. In: ANCONA-LOPEZ, M. (Org.). Psicodiagnóstico: processo de intervenção. 3. ed. 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Referimo-nos aqui ao Centro de Psicologia Aplicada — Unip-Campinas (SP) e aos psicólogos- supervisores de estágio em Psicodiagnóstico Interventivo, que sempre buscaram realizar um trabalho em equipe. XI. A elaboração de relatos de atendimento em psicodiagnóstico interventivo: sua importância na formação do aluno-estagiário
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