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1
FUNÇÃO PRAGMÁTICA DA JUSTIÇA NA HERMENÊUTICA JURÍDICA: 
LÓGICA DO OU NO DIREITO?1 
 
Tercio Sampaio Ferraz Junior* 
Juliano Souza de Albuquerque Maranhão** 
 
1. INTRODUÇÃO: INTERPRETAÇÃO JURÍDICA, JUSTIÇA, RAZÃO E 
LÓGICA 
Neste trabalho, procura-se examinar a função do valor justiça na interpretação 
jurídica. A busca de critérios para a identificação do justo e injusto constitui tema central da 
atividade da interpretação jurídica e a transforma em tarefa bem mais árdua do que a mera 
identificação do sentido do texto normativo por meio das regras de uso lingüísticas. Não se 
trata somente de revelar ou parafrasear o sentido da formulação da norma, mas de encontrar 
ou reconstruir esse sentido de forma a solucionar situações de conflito com justiça. Essa 
peculiaridade coloca um sério desafio à possibilidade de determinação unívoca do sentido das 
normas e caracteriza exatamente aquilo que há de específico na interpretação jurídica face à 
interpretação do discurso ordinário. 
A interpretação jurídica, como tarefa dogmática, ocorre num amplo espectro de 
possibilidades. Envolve o direito como um fenômeno complexo, na perspectiva da 
decidibilidade de conflitos. O jurista não interpreta do mesmo modo em que o faz o ser 
humano, ordinariamente, quando procura entender a mensagem de alguém numa simples 
conversa. Nesse caso, o que se busca é entender o que foi comunicado, captando o sentido a 
partir de um esquema de compreensão próprio de quem ouve, a fim de orientar suas reações e 
subseqüentes ações. Já o jurista pressupõe que, no discurso normativo, são fornecidas razões 
para agir de um certo modo e não de outro. Essas razões, portanto, se destinam a uma tomada 
de posição diante de diferentes possibilidades de ação nem sempre congruentes, ao contrário, 
em conflito. Pressupõem, assim, que o ser humano age significativamente, isto é, atribui 
significação à sua ação. Como essa significação conhece variações subjetivas, em termos do 
que se entende como justo, ou injusto, a possibilidade de conflitos reflexos, isto é, conflito 
sobre o conflito, pode levar a uma escalada de impasses e intransigências. 
 
1
 Artigo publicado originariamente na Revista do Instituto de Hermenêutica Jurídica, 2007. 
*
 Doutor em Direito (USP). Doutor em Filosofia (Mainz/Alemanha). Professor dos Programas de Pós-Graduação 
do Direito da USP e da PUC/SP. Vice-Presidente do Instituto Brasileiro de Filosofia. Advogado (OAB/SP). 
 
2
A submissão dos conflitos a regras que sobre ele atuam objetivamente (a norma legal e 
seus correlatos, o acordo alcançado institucionalmente mediante regras contratuais, a decisão 
judicial) é uma espécie de exigência da convivência que levou, no passado, à formulação do 
conhecido aforisma ubi jus ibi societas, ubi societas, ibi jus. A interpretação jurídica 
pressupõe, tradicionalmente, essas regras e admite até, na sua ausência, o encontro delas 
mediante procedimentos próprios. Por meio dela, o quadro conflitual ganha contornos e 
limites, dentro dos quais uma decisão se torna possível. 
A interpretação jurídica cria, assim, condições para tornar decidível o conflito 
significativo, ao trabalhá-lo como relação entre regras e situações potencialmente conflitivas2. 
O que se busca na interpretação jurídica é, pois, alcançar um sentido válido não meramente 
para o texto normativo mas para a comunicação normativa, que manifesta uma relação de 
autoridade. Trata-se, portanto, de captar a mensagem normativa, dentro da comunicação, 
como um dever-ser vinculante para o agir humano. Na identificação ou reconstrução dessa 
diretiva, desse dever, há sempre a potencialidade de erupção da questão sobre a legitimidade 
desse sentido (da comunicação e portanto da própria relação de autoridade) como justo, o que 
leva à questão: o que é o justo? 
Com isso é possível apreciar o modo como a especulação filosófica ganha relevo 
dogmático. Trata-se da confluência entre pensar zetético e dogmático3. Questões zetéticas têm 
uma função especulativa explícita e são infinitas (uma questão sempre abre espaço para uma 
questão sobre a própria questão e assim por diante). Nesses termos, o problema do que é a 
justiça é, tipicamente, uma questão zetética que constitui o cerne da reflexão jusfilosófica 
desde suas origens. Questões dogmáticas têm uma função diretiva explícita e são finitas 
(possibilitar uma decisão mediante pontos de partida que não são questionáveis, ainda que 
interpretáveis). Nesses termos, a adequação de uma pena à conduta é uma questão dogmática. 
 
**
 Doutor em Direito (USP). Professor Visitante do Programa PET/CAPES da USP. Membro do Instituto 
Brasileiro de Filosofia. Advogado (OAB/SP). 
2
 Aqui é preciso distinguir a atividade argumentativa de advogados, diante de juízes, quando buscam uma 
decisão favorável ao seu cliente, da tarefa posta ao jurista, quando busca uma significação que possa ser válida 
para todos os envolvidos no processo comunicativo normativo. É o que se chama de interpretação doutrinária. É 
nesse contexto que se procura identificar o papel organizador do valor justiça num conjunto normativo a ser 
interpretado juridicamente. A distinção entre as duas atividades é importante, pois não será objeto de nossa 
investigação uma lógica da argumentação jurídica no sentido de Toulmin (The uses of argument. Cambridge: 
Cambridge University Press, 1958) que buscou superar limitações da lógica formal ao interpretar a lógica não 
como estrutura mas como procedimento regrado de oposição de argumentos e contra-argumentos. Há um esforço 
de formalização do raciocínio desenvolvido no processo de oposição de argumentos na linha do modelo de 
Toulmin, que resultou nas chamadas lógicas de argumentação derrotável. Ver PRAKKEN, H.; VREESWIJK, G. 
Logics for Defeasible Argumentation. In: GABBAY, D.; GUENTHNER, F. (Eds.). Handbook of Philosophical 
Logic. 2. ed. Dordrecht: Kluwer, 2002. v. 4. p. 218-319. Se a lógica de argumentação jurídica é uma lógica 
própria, distinta da argumentação ordinária, também é uma questão que não vamos explorar. 
3
 Cf. FERRAZ JUNIOR, Tercio Sampaio. Introdução ao estudo do direito. São Paulo: Atlas, 2004, ponto 1.3. 
 
3
Obviamente, na interpretação dogmática do razoavelmente adequado, está implicada, de 
forma mais ou menos explícita, a questão do justo, momento em que zetética e dogmática 
confluem. 
Nesse sentido, é oportuna a menção a Castanheira Neves, para quem “justa” deve ser 
toda a 
“normativo-constitutiva realização do direito. E se a interpretação 
jurídica concorre para essa realização, então quer isto dizer que 
também não é cognitiva ou teoreticamente, mas antes normativa e 
praticamente que essa interpretação se deve intencionalmente 
compreender e metodicamente definir, de modo que a boa ou válida 
interpretação não será aquela que numa intenção da verdade (de 
cognitiva objectividade) se proponha a exegética explicitação ou a 
compreensiva determinação da significação dos textos-normas como 
objecto, mas aquela que numa intenção de justiça (de prática justeza 
normativa) vise a obter do direito positivo ou da global normatividade 
jurídica as soluções judicativo-decisórias que melhor realizam o 
sentido axiológico fundamentante que deve ser assumido pelo próprio 
direito, em todos os seus níveis e em todos os seus momentos”4. 
Veja-se, por exemplo, no plano da interpretação dogmática, a discussão referente à 
conseqüência jurídica do dano patrimonial. No dano patrimonial, indeniza-se o patrimônio 
que foi injustamente lesado (justiça comutativa). Um dano ao patrimônio é, pois, suscetível de 
avaliação em dinheiro, sendo mais fortemente sujeito à restituição pelo equivalente e 
plenamente sujeito à avaliaçãopecuniária. A interpretação, nesse caso, pede razoabilidade, 
que tem a ver com uma comutatividade quantitativa (princípio da reparação integral). Aí o 
justo depende de essa comutatividade estar ou não demonstrada (justo como mensuração 
proporcional). Já a interpretação que conduz à eventual possibilidade de extrapolação da 
indenização para tomá-la como uma pena tem ver com danos extra-patrimoniais, que tornam 
indenizáveis prejuízos que violam a esfera existencial da pessoa humana ou a honra objetiva 
das pessoas jurídicas. É nesse terreno que a questão do valor excessivo da indenização pode 
admitir a sua transformação em pena. O justo, nesse caso, tem a ver com o senso de 
razoabilidade do juiz (justo como senso comum). Por isso, afora os parâmetros oferecidos 
 
4
 Cf. CASTANHEIRA NEVES, António. O actual problema metodológico da interpretação jurídica – I. 
Coimbra: Coimbra Editora, 2003, p. 102. 
 
4
pelo Código Civil em certos casos, faz sentido, então, o surgimento de exigência da 
modicidade da indenização, deixando-se ao arbítrio do juiz a avaliação do dano5. 
A conexão entre justiça e retribuição deita fundas raízes na cultura ocidental, 
revelando até traços mitológicos nos seus modelos éticos6. Ora, como as discussões 
filosóficas sobre a noção de justiça estão implicadas, de algum modo, na questão da 
retribuição, como é o caso do problema referente ao caráter justo ou injusto de uma 
indenização que tenha ou não caráter de pena, o que pressupõe alguma noção (zetética) 
implícita ou explicita de justiça, o estudo dos modelos retributivos elaborados pela 
hermenêutica dogmática, a contar da famosa regra de Talião, está na base da discussão da 
própria justiça das retribuições. A concepção aristotélica da justiça como virtude de 
distribuição e comutação com base na igualdade proporcional tem a ver, sem dúvida, com a 
questão da retribuição7. 
A proporcionalidade do valer um pelo outro é, neste sentido, um fator essencial nas 
discussões sobre a justiça. Mesmo quando o termo deixa o estrito campo de uma ética da 
virtude e passa, por exemplo, a uma ética de valores, ou ainda quando é tratado em sentido 
estrutural ou funcional (justiça como instituição, realização social da sociedade justa), o papel 
da proporcionalidade nas equiparações e diferenciações não deixa de ser relevante. Na busca 
dessa proporcionalidade entra em discussão o termo razão. 
Razão (reason, raison, Vernunft, ratio, logos) é um substantivo cuja origem está no 
verbo reri, que em seu sentido primitivo significava “tomar algo por algo”, portanto ligar 
“coisas” entre si, donde estabelecer relações e, daí, calcular, pensar. Quando os romanos 
traduziram por “ratio” a relação matemática pensaram em “logos”, na cultura grega, como 
uma palavra que originariamente significara “juntar”, “unir”, “por em conjunto”, de onde 
surgiu a idéia de ”logos” como “palavra”, isto é, como signo que sintetiza, num som 
(fonema), vários significados. 
A idéia de razão como relacionar presidiu, no desenvolvimento do pensamento 
ocidental, o estabelecimento de diversos princípios, como os do pensamento correto (lógica), 
 
5
 Cf. ASSIS, Araken de. Liquidação do dano. Revista dos Tribunais, São Paulo, v. 88, n. 759, p. 11-23, 1999. 
Aliás, a jurisprudência (ver STJ, RE n. 216.904-DF) fala, nesses casos, de dano moral e de arbitramento da 
indenização, sendo nesse contexto que aparece a exigência de moderação (razoabilidade como comutatividade 
qualitativa). Ou como diz Judith Martins Costa: “A rigor, não é possível falar em ‘indenização’ do dano não-
patrimonial. Nestes casos, a entrega de uma soma em dinheiro tem uma função ao mesmo tempo satisfativa à 
vítima e punitiva do autor do dano”, donde “a denominação do Direito anglo-saxão, ‘punitive dammages’, que 
vem sendo aceita pela jurisprudência brasileira” (MARTINS-COSTA, Judith; TEIXEIRA, Sálvio de Figueiredo 
(Coord.). Comentário ao novo Código Civil. Rio de Janeiro: Forense, 2003, v. 5, t. II, p. 350). 
6
 Cf. EHRENBERG, Victor. Die Rechtsidee im frühen Griechentum, Leipzig, 1921, p. 6 e segs. 
 
5
da pesquisa correta (metodologia), da correta justificação de juízos valorativos (retórica), do 
correto comportamento em face das diversas situações vitais (prudência). Neste sentido, a 
razão, tomada como núcleo essencial da natureza humana (o ser humano como ser racional), 
acaba por tornar-se para o homem uma espécie de valor em si, um valor que incorpora a 
própria dignidade humana, não constituindo um meio para obtenção de outros valores, mas o 
valor que dá sentido aos demais. 
No campo da interpretação jurídica, o tema da racionalidade na identificação do justo, 
chama a atenção para o tema lógica jurídica. 
O tema “lógica jurídica” é normalmente associado entre os operadores do direito a 
cânones interpretativos capazes de revelar a intenção do legislador ou esquemas retóricos de 
interpretação como os argumentos a simili, a contrario, a maiore ad minus, etc. Essa visão 
guarda raízes numa concepção tradicional que vê a lógica jurídica como “interpretação 
lógica”, ao lado da interpretação sistemática, teleológica, histórica, etc. dentro do “método” 
interpretativo cunhado pelo pensamento dogmático alemão do século XIX, a partir da obra de 
Savigny e a escola histórica do direito. 
A escola histórica, na esteira de Savigny, nasceu como uma tentativa de identificação 
e sistematização de normas, uma construção de um método capaz de identificar e organizar 
um ordenamento8. O método de Savigny de identificação dessas regras a partir de “nexos 
histórico-orgânicos” capazes de se aproximar e revelar “o espírito do povo” (Volksgeist) foi 
gradualmente cedendo espaço à ordenação e sistematização de regras pela ciência jurídica, e 
já com Puchta, tais normas começaram a adquirir um status independente de suas raízes 
históricas e sociais, cuja autoridade extraía-se da própria racionalização conferida pela 
dogmática. 
Esse passo significou um rompimento na escola histórica, que evoluiu para a chamada 
“jurisprudência dos conceitos” (Begriffsjurisprudenz) de Gerber, Laband e do primeiro 
Jhering. Circunscrevia-se o direito a uma discussão sobre conceitos e institutos jurídicos 
fundamentais construídos (ou criados) pela ciência, a partir do material jurídico disponível, 
dos quais seria possível extrair de forma unívoca, pela “sistematização” e “dedução lógica”, 
as normas gerais a serem utilizadas para, por subsunção, solucionar casos práticos. 
O significado da “lógica” e da “dedução” no raciocínio jurídico nessa tradição não 
pode ser identificado com a lógica dedutiva clássica (aristotélica) disponível à época, ligando-
 
7
 Sobre Aristóteles, ver FERRAZ JUNIOR, Tercio Sampaio. Estudos de filosofia do direito. São Paulo: Atlas, 
2003, p. 141 e segs. 
8
 Cf. DIAS, Gabriel Nogueira. Rechtstheorie bei Hans Kelsen (1881-1973). Tübingen, 2004. 
 
6
se mais a intuições sobre sistematização, tal como a classificação das normas apontando o 
“genus proximum” e a “differentia specifica”9, a preservação de unidade ou consistência. 
Savigny, por exemplo, já enfatizava que a interpretação dogmática não poderia ser reduzida a 
nexos meramente lógicos e mesmo Jhering que, em sua primeira fase, foi um entusiasta de 
uma Logik des Rechts, ressaltava o caráter criativo desta “lógica”, que não se reduzia à pura 
lógica formal e a relações de conseqüência10. 
Uma oposição entre uma lógica jurídica e a lógica formal foi tratada, na década de 50 
do século XX, em termos da chamada lógica del razonable, que ganhou espaço entre os 
juristas, mediante a obra de Recaséns Siches11. 
Não vamos entrar na discussão nos termos deSiches. Seguindo Engisch, podemos 
chamar essa lógica jurídica tradicional de “lógica material”, entendida como um conjunto de 
cânones interpretativos e princípios de argumentação para que se obtenham pautas de 
comportamento a partir de textos ou comunicações normativas12. A essa opõe-se a “lógica 
formal”, que pode ser entendida, de forma simplificada, como o estudo da forma dos 
argumentos dedutivos válidos. 
O estudo da lógica formal aplicada ao direito chamou a atenção dos juristas somente 
mais tarde, com a tentativa dos positivistas de fornecer uma fundamentação epistemológica de 
um conhecimento descritivo das normas válidas de qualquer sistema normativo, o que veio ao 
encontro do ressurgimento da lógica deôntica, pelas mãos de von Wright na década de 50, por 
meio de uma analogia com a lógica modal alética13. A questão já não era identificar qual o 
conteúdo correto ou mais justo dos textos normativos, mas sim se as conseqüências 
normativas de uma norma com conteúdo já fixo poderiam ser consideradas normas válidas, ou 
ainda se normas inconsistentes poderiam ser descritas como normas válidas pertencentes ao 
mesmo ordenamento. Esses mesmos positivistas, em particular, Kelsen e Alf Ross14, viam a 
interpretação como uma atividade desprovida de valor científico e sem fundamento 
epistemológico. 
 
9
 Cf. AARNIO, Aulis. On Legal Reasoning. Turku/Loimaa: Turun Yliopisto, 1977, p. 267. 
10
 Cf. FARIAS, Domenico. Interpretazione e Logica. Milano: Giuffrè, 1990, p. 134-141. 
11
 Cf. SICHES, Luis Recasens. Nueva filosofia de la interpretación del derecho. México: Porrúa, 1956. 
12
 Cf. ENGISCH, Karl. Einführung in das juristische Denken. Stuttgart: Kohlhammer, 1964. 
13
 Ver VON WRIGHT, Georg Henrik. Deontic Logic, Mind, n. 60, p. 1-15, 1951; e, ainda, HILPINEN, Risto; 
FOLLESDAL, Dagfin. Deontic Logic: an introduction. In: HILPINEN, Risto (Ed.). Deontic Logic: Introductory 
and Systematic Readings. Dordrecht: Reidel Publishing Company, 1971, para uma introdução à lógica deôntica. 
14
 Ver KELSEN, Hans. Reine Rechtslehre. 2. ed. Wien: Deuticke, 1960, Cap. XIII; e ROSS, Alf. On Law and 
Justice. London: Stevens, 1958, ou, então, ROSS, Alf. Sobre el Derecho y La Justicia. Buenos Aires: Eudeba, 
1994, Cap. IV. 
 
7
Apesar da importância da dedução e de outros processos formais de inferência para o 
estudo do direito15, vamos nos ater neste artigo ao exame daquela “lógica material” que o 
senso comum jurídico costuma identificar com a verdadeira lógica jurídica ou a “lógica” 
própria dos juristas. Será que essa “lógica material” que guia e permite ao jurista a sacar 
conclusões sobre o conteúdo dos textos normativos é própria do direito, ou também está 
presente no discurso ordinário, nas nossas conversas do dia a dia nas quais procuramos 
encontrar o sentido do que os outros nos dizem? Em suma, essa lógica material seria uma 
lógica do ou no direito? 
A pergunta ganha relevo quando observamos a evolução da teoria geral da 
interpretação da filosofia analítica à filosofia da linguagem ordinária e à pragmática da 
comunicação. Em particular, com Grice16, é desafiada a concepção fregeliana de uma 
linguagem precisa, baseada em uma estrutura formal (cálculo de predicados clássico) 
representativa ou reveladora da estrutura necessária do discurso (descritivo) que refletiria a 
estrutura mais geral da realidade. 
Nesse desafio, Grice procura identificar uma lógica própria da conversação, que não 
se limita à dedução formal, mas na qual certas inferências são justificadas a partir de certas 
máximas de interpretação que instituem o compartilhamento de certos padrões de 
racionalidade entre os comunicantes. Tais máximas aproximam-se bastante dos postulados de 
competência que guiam a construção interpretativa da conhecida figura do legislador racional. 
Assim, tendo em vista que as normas jurídicas são formuladas por meio da linguagem natural, 
a idéia de que a lógica que guia a interpretação jurídica não passa de uma lógica 
conversacional usual é uma hipótese bastante plausível. Aliás, há quem defenda justamente 
essa tese, dando o passo seguinte, ao sustentar que o fato de haver objetividade e possibilidade 
de entendimento nas conversações ordinárias implicaria que também a interpretação jurídica 
seria objetiva17. 
 
15
 Para uma defesa da importância da dedução no raciocínio jurídico, ver PRAKKEN, Henry. Logical Tools for 
Modelling Legal Argument: a study of defeasible reasoning in law. Dordrecht: Kluwer, 1997; MARANHÃO, 
Juliano Souza de Albuquerque. Padrões de racionalidade na sistematização de normas. Tese de Doutorado. 
Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, São Paulo, 2004, Cap. I. Também não vamos discutir se a 
lógica jurídica formal seria uma lógica com postulados próprios ou, ainda, se a lógica deôntica (voltada para o 
discurso moral) deveria ter novos postulados quando aplicada ao discurso jurídico. A respeito desse tema ver 
COSTA, Newton da; MARANHÃO, Juliano Souza de Albuquerque. Lógica deôntica jurídica. In: ZILLES, 
Urbano (Coord.). Miguel Reale – Estudos em homenagem aos seus 90 anos. Porto Alegre: Edipucrs, 2000. 
16
 Cf. GRICE, Paul. Logic and Conversation. In: GRICE, Paul. Studies in the way of words. Cambridge: Harvard 
University Press, 1991. p. 22-41. 
17
 Cf. BARBOSA PINTO, Marcos. Interpretation and Conversation. Legal Theory, Cambridge, v. 9, n. 2, p. 157-
179, jun. 2003. 
 
8
Portanto, se existe uma lógica jurídica própria, ou se a lógica jurídica é uma 
decorrência de padrões de inferência presentes na conversação ordinária, é uma questão que 
será aqui investigada nos marcos do que chamamos, seguindo Engisch, de “lógica material”. 
É justamente essa “lógica” que os juristas apontam como o traço distintivo da interpretação ou 
do raciocínio jurídico. 
A tese a ser defendida é que tal “lógica de interpretação jurídica” não se limita à lógica 
interpretativa da conversação ordinária, na medida em que é organizada em torno do valor 
justiça, ou seja, tem o compromisso de expressar uma escolha capaz de separar o certo do 
errado, o justo do injusto, mediando a relação entre agentes comunicantes numa situação de 
conflito. A inserção do tema da justiça na interpretação jurídica problematiza o sentido das 
normas legais, mostrando que o antigo problema da indeterminação normativa não pode ser 
facilmente superado com referência à possibilidade de entendimento na comunicação 
ordinária. 
O artigo está organizado da seguinte forma. Faremos uma breve discussão da 
interpretação do discurso ordinário e da lógica de conversação de Grice. Em seguida, 
exporemos o modelo de interpretação jurídica baseado na figura do legislador racional, 
identificando suas analogias com a lógica de conversação. Enfrentaremos então a tese de que 
a interpretação jurídica poderia ser reduzida à interpretação da comunicação em geral. A 
resposta negativa decorre da potencial erupção do problema da justiça na interpretação da 
comunicação normativa. Em seguida, investigamos como a dogmática jurídica pode 
racionalizar ou domesticar esse problema, dentro do objetivo de criar condições para a 
decidibilidade dos conflitos. 
 
2. O FALANTE E A LÓGICA DA CONVERSAÇÃO 
Na conversação ordinária estão presentes diversos problemas de indeterminação, 
como a busca pela intenção do emissor, o uso de termos vagos e ambíguos e a incoerência 
dentro do conjunto de afirmações no processo de comunicação. Visto como uma ação ou 
comportamento lingüístico do emissor, o ato de fala, diante de tais problemas, pode trazer 
alternativas de interpretação para a mensagem transmitida pelo emissor, tendo em vista as 
possibilidades de atribuição de intenção, frente à evidência dada pelo texto no qual o discurso 
foi articulado. 
A identificação do sentidode uma sentença articulada em determinada linguagem é 
tomada, desde a semântica de Frege, como um problema de identificação das condições de 
verdade da sentença, dada pelas possíveis combinações de estados de coisas na realidade. Tal 
 
9
tarefa, diante dos problemas de indeterminação levantados acima pode trazer difíceis questões 
metafísicas sobre o que é a interpretação e mesmo sobre a sua possibilidade, i.e. a existência 
ou acessibilidade a fatos, ou a um estado mental opaco do falante, ou regras de uso na 
comunidade linguística, que possam tornar verdadeiro o sentido atribuído à expressão. Para 
contornar essas questões que fogem ao escopo do presente artigo, pode-se assumir que o 
entendimento, apesar dessas dificuldades de indeterminação, é possível, dado que, de fato, os 
agentes se comunicam e usam a linguagem como um instrumento hábil para suas relações (as 
pessoas normalmente entendem o que os outros falam e acreditam que os outros entendem o 
que estão falando). Ou seja, a questão não é propriamente se é possível o entendimento 
“verdadeiro”, mas como o entendimento é possível dado que os agentes de fato se comunicam 
de forma suficiente. 
Nessa perspectiva pragmática, Davidson18, no que chama de interpretação radical, vê a 
interpretação não somente como uma atividade semântica de identificação do sentido de uma 
sentença mas como um esforço de compreensão da relação de comunicação, que envolve a 
identificação do que o emissor quis dizer ou no que acredita ao emitir a sentença. Pressupõe-
se que o sentido da sentença pode ser dado por determinadas regras semânticas 
convencionadas, o que não é suficiente para explicar comunicações bem sucedidas em que o 
sentido convencionado para a sentença é bastante distinto do que se quis dizer; por exemplo 
com afirmações do tipo “Mãe é mãe!” (que certamente não quer comunicar uma tautologia). 
A teoria de interpretação radical de Davidson diz pouco sobre como ir além da 
semântica da sentença, fornecendo de maneira vaga, como guia, o princípio de caridade: 
escolher condições de verdade que façam o melhor possível para tornar verdadeiras as 
afirmações do emissor19. A idéia é que o esforço interpretativo resista o quanto possível a 
uma atribuição de um sem sentido, buscando-se fazer com o que a fala do outro faça sentido. 
Isso envolve uma conceptualização do emissor, a partir do compartilhamento de determinados 
padrões de racionalidade (além das regras semânticas convencionadas na comunidade 
linguística). A ausência desses padrões mínimos simplesmente mina a capacidade de 
entendimento20, ou pode mesmo significar o descarte da mensagem como algo a ser 
 
18
 Cf. DAVIDSON, Donald. Radical Interpretation. In: DAVIDSON, Donald. Inquiries into truth and 
interpretation. Oxford: Clarendon Press, 1984; e, ainda, DAVIDSON, Donald. Belief and the basis of meaning. 
In: DAVIDSON, Donald. Inquiries into truth and interpretation. Oxford: Clarendon Press, 1984. 
19
 Id., ibid., p. 152. 
20
 Id., ibid., p. 153: “The point is that widespread agreement is the only possible background against which 
disputes [about meaning] and mistakes can be interpreted. Making sense of utterances and behaviour of others, 
even their most aberrant behavior, requires us to find a great deal of reason and truth in them. To see to much 
unreason on the part of others is simply to undermine our ability to understand what it is they are so 
unreasonable about”. 
 
10 
interpretado ou algo relevante para nossas ações. Incumbe ao intérprete, diante de textos 
vagos, ou aparentemente incoerentes ou irrelevantes, entender o que o agente “quis dizer” 
(comunicar) muito embora isso não esteja claramente articulado no que ele “disse” (i.e. no 
significado da sentença). 
Essa mudança de foco, passando do que foi dito na sentença para o que o agente quis 
dizer na comunicação é o ponto de partida para a análise pragmática de Grice sobre o que 
seria uma lógica da conversação21. Para Grice o acesso ao que se quis dizer a partir do que se 
disse consiste em um processo de inferência, não dedutiva, que é chamada de implicatura. 
Para exemplificar a diferença entre inferência dedutiva e a implicatura, suponha que 
alguém afirme “Sou um doutor”. A partir dessa premissa pode-se deduzir que o emissor tem 
um título de pós-graduação. Porém, em um contexto no qual um indivíduo se acidenta, a 
afirmação feita em resposta à pergunta “há um doutor nesta sala?” nos leva a conclusões 
adicionais ou mesmo diversas. Nesse caso, assumimos normalmente que o emissor não quis 
afirmar que tem um título de doutorado em direito, ou em engenharia, ou em qualquer outra 
área, mas sim, que é um médico (com doutorado ou não) e que pode atender a vítima do 
acidente. Isso é assim, pois no contexto daquela conversação, a mera afirmação de um título 
de pós-graduação não é relevante e se supõe que o emissor esteja nela engajado, contribuindo 
para o propósito daquela relação comunicativa. 
Outro exemplo, se A pergunta a B “C tem uma namorada?” e recebe como resposta “C 
tem viajado muito a Buenos Aires”, pode-se deduzir que “C tem viajado muito à Argentina”, 
mas a expressão pode ter implicaturas adicionais. A não ser que B não tenha prestado atenção 
à pergunta, o que se exclui por hipótese, pode querer dizer que C tem uma namorada em 
Buenos Aires, ou então, que por conta de suas viagens, não tem tempo para namorar. 
Assim, assumindo o que Grice chama de princípio de cooperação (faça com que sua 
fala contribua, no estágio em que ocorrer, com o propósito estabelecido para a comunicação 
no qual voce está engajado)22, é possível sacar conclusões mais amplas sobre o ato de fala do 
emissor, a partir do contexto comunicativo. O processo de implicatura nada mais é do que o 
levantamento de hipóteses ou da melhor hipótese sobre o que o emissor quis dizer, tratando-se 
de um raciocínio ampliativo, em particular, de uma forma de abdução, que não se limita à 
 
21
 Cf. GRICE, Logic and Conversation, op. cit.; e GRICE, Paul. Further notes on logic and conversation. In: 
GRICE, Paul. Studies in the way of words. Cambridge: Harvard University Press, 1991. p. 41-57. 
22
 Ver GRICE, Logic and Conversation, op. cit., p. 26: “Make your conversational contribution such as is 
required at the stage at which it occurs, by the accepted purpose or direction of the talk exchange in which you 
are engaged”. 
 
11 
preservação da verdade das premissas na conclusão (dedução), mas que busca novas 
informações a partir das premissas, com base em certos parâmetros de coerência23. 
Grice propõe que o princípio de cooperação que guia essa busca desdobra-se e 
caracteriza-se a partir de certas máximas atribuídas ao emissor. Máximas de quantidade: (a) a 
contribuição não é menos informativa do que se requer na conversação, (b) a contribuição não 
é mais informativa do que se requer; máximas de qualidade (o emissor é sincero): (a) não diz 
o que acredita ser falso, (b) não afirma algo do qual não tenha evidência suficiente; máxima 
de relação: o emissor afirma algo relevante para a discussão; máximas de forma (o emissor é 
perspicaz): (a) evita obscuridade; (b) evita a ambiguidade; (c) é conciso; (d) é organizado ou 
sistemático na fala. 
Tais máximas podem colapsar. Por exemplo, A pergunta a B “onde C mora?” e recebe 
como resposta “em algum lugar no sul de São Paulo”. O emissor B não foi suficientemente 
informativo, porém pode tê-lo feito para preservar a máxima de qualidade, pois desconhece o 
local com exatidão. Assim, as máximas devem ser ponderadas e permitem que se levantem 
hipóteses acerca do comportamento do agente interpretado, tendo em vista o propósito da 
comunicação. A melhor hipótese depende do contexto, i.e., outros fatores permitem ao 
intérprete concluir que B não sabeo local preciso e não quer deixar de informar o quanto 
sabe, ou sabe o local preciso e quer dizer que não é desejável que A visite C. 
A noção de uma lógica ou relação de implicatura a partir de uma conceptualização do 
agente interpretado guarda paralelos próximos com a atividade de interpretação jurídica, nos 
moldes da dogmática alemã do séc. XIX, como forma de se ampliar a base de informações 
disponíveis acerca do sentido da lei. A estipulação de determiadas máximas de competência 
do emissor faz lembrar a figura do legislador racional, que constitui um instrumento 
interpretativo à disposição da dogmática jurídica, como veremos a seguir. 
 
3. O LEGISLADOR RACIONAL E A LÓGICA JURÍDICA MATERIAL 
No processo interpretativo dos textos legais, formulados em linguagem ordinária, o 
jurista enfrenta uma série de problemas de indeterminação: problemas de indeterminação 
semântica, decorrente da dificuldade de atribuição de sentido a termos vagos e ambíguos 
empregados na lei, das possibilidades de atribuição de intenções ou propósitos de uma 
 
23
 Cf. HARTSHORNE, Charles; WEIS, Paul (Eds.). Collected Papers of Charles Sanders Peirce. Cambridge: 
Harvard University Press, 1931-1958. Para competentes análises da lógica abdutiva de Peirce, ver HILPINEN, 
Risto. Peirce’s Logic. In: GABBAY, D. M.; WOODS, John. Handbook of the History of Logic. The Roise of Modern 
Logic: From Leibniz to Frege. Amsterdam: Elsevier, 2004. v. 3. p. 611-658; e, ainda, KAPITAN, Tomis. Peirce and 
 
12 
regulação (com o sentido preliminarmente identificado), das propriedades consideradas 
relevantes dentro de um caso hipotético a ser solucionado; problemas de indeterminação 
pragmática, como a apreciação das possíveis conseqüências, justas ou injustas, de 
determinadas atribuições de sentido; e problemas de indeterminação sintática, como a 
ausência de uma solução para determinado caso considerado relevante (lacunas), a existência 
de comandos conflitantes para um mesmo caso relevante (inconsistências), ou ainda a escolha 
de resultados possíveis de um processo de revisão ou refinamento do sistema normativo24. 
Tais problemas, embora possam levar a uma postura cética no âmbito da especulação 
filosófica, trazem uma dificuldade prática para a interpretação doutrinária a ser, de alguma 
forma, superada, tendo em vista a decidibilidade de conflitos. A questão, para a dogmática, 
não é propriamente a possibilidade de uma interpretação correta ou objetivamente verdadeira, 
mas sim qual aquela que está melhor ou suficientemente justificada, diante das evidências 
dadas pelos textos normativos cujos sentidos estão inter-relacionados. 
Uma questão jurídica doutrinária diz respeito a uma solução normativa (dever, 
permissão ou proibição) de uma determinada conduta em um caso hipotético. Tal solução é 
identificada com respeito à presença ou ausência de determinadas propriedades ou condições 
consideradas relevantes25. Assim, a resposta sobre uma ação particular para um caso, com 
determinada propriedade, deve ser coerente com a solução encontrada para aquela mesma 
ação na hipótese de ausência daquela propriedade, ou ainda, coerente com a solução 
encontrada para outras ações análogas ou relacionadas com aquela primeira ação considerada. 
Isso leva o intérprete doutrinário a uma reconstrução de um sistema normativo com soluções 
coerentes para casos hipotéticos relevantes. 
A exigência de sistematização e coerência das soluções identificadas pelo intérprete 
impõe uma racionalização do material normativo nesse processo construtivo de interpretação. 
Evidentemente, como as leis são de fato originadas de fontes diversas e não necessariamente 
orientadas para um mesmo e consistente propósito, a interpretação é levada a cabo a partir da 
 
the Structure of Abductive Inference. In: HOUSER, N.; ROBERTS, D. D.; EVRA, J. V. Studies in the Logic of 
Charles Peirce. Bloomington and Indianapolis: Indiana University Press, 1997. p. 477-496. 
24
 Para uma análise formal da operação de revisão de sistemas normativos ver ALCHOURRÓN, Carlos; 
MAKINSON, David. Hierarchies of regulation and their logic. In HILPINEN, Risto (Ed.). New Studies in deontic 
logic. Dordrecht: Reidel, 1981. p 125-148. Para a lógica de refinamento de sistemas normativos, ver 
MARANHÃO, Juliano Souza de Albuquerque. Some operators for Refinement of Normative Systems. In: 
VERHEIJ, Bart; LODDER, Arno R.; LOUI, Ronald P.; MUNTJEWERFF, Antoinette J. (Eds.). Legal 
Knowledge and Information Systems, Frontiers in Artificial Intelligence and Applications. Amsterdam: IOS 
Press, 2001. p. 103-115. 
25
 Cf. ALCHOURRÓN, Carlos; BULYGIN, Eugenio. Normative Systems. Wien: Springer, 1971; ou, então, 
ALCHOURRÓN, Carlos; BULYGIN, Eugenio. Introducción a la Metodologia de las Ciencias Juridicas y 
Sociales. Buenos Aires: Astrea. 1975. 
 
13 
ficção de unidade na vontade do legislador, que é, então, idealmente conceptualizado na 
figura do chamado “legislador racional”. 
Não obstante tratar-se de um instrumental retórico a serviço da ideologia de separação 
de poderes (ver próxima seção), conforme apontam Nowak e Ziembinski26, a figura do 
legislador racional fornece a base para a fundamentação da atividade de interpretação 
dogmática. Ao reconstruir o ordenamento, o intérprete pressupõe determinados padrões de 
racionalidade e postulados acerca do comportamento do legislador, que organizam e lhe 
permitem conceptualizar o conjunto de normas como decorrente de um sistema unitário e 
racional de conhecimentos e preferências. Assim, se não for possível um método que nos 
permita apontar um sentido correto ou verdadeiro para as normas, na linha de autores céticos 
como Kelsen e Alf Ross, ao menos seria possível identificar interpretações justificadas ou não 
justificadas a partir de certos postulados de competência ou máximas de racionalidade 
retiradas da própria finalidade da atividade de legislação e de resolução de conflitos por meio 
do direito. 
Nessa conceptualização de uma vontade unitária e racional por detrás dos textos legais 
ressalte-se, dentre seus atributos, os seguintes postulados de competência, desenvolvidos pela 
dogmática alemã do séc. XIX: (a) o legislador não cria normas impossíveis de serem 
executadas, daí por que não se pode desejar que alguém realize e deixe de realizar o mesmo 
ato; (b) o legislador não cria normas sem algum propósito (c) as condutas exigidas ou 
permitidas nas normas são aptas a levar os sujeitos normativos à consecução dos propósitos 
da regulação (coerência entre meios e fins); (d) a vontade do legislador é unitária, de forma 
que as regras estão sistematicamente relacionadas; (e) a vontade do legislador é completa, no 
sentido de que soluciona todos os casos por ele reputados como relevantes; (f) o legislador é 
rigorosamente preciso e não cria normas inócuas ou redundantes27. 
A partir desses postulados, o intérprete realiza inferências acerca dos propósitos por 
trás das normas legais, o que lhe permite definir sentidos dentre várias atribuições possíveis e 
sistematizar o conjunto de normas em um todo coerente. Observando a conceptualização do 
 
26
 Cf. NOWAK, L. De la rationalité du législateur comme élément de l’interprétation juridique. Logique et 
Analyse, Bruxelles, n. 12, p. 65-86, 1969; ZIEMBINSKI, Zygmunt. La notion de rationalité du législateur. 
Archives de philosophie du Droit: Formes de rationalité en droit, Paris, n. XXIII, p. 175-187, 1978; e 
ZIEMBINSKI, Zygmunt. Two Concepts of Rationality in Legislation. In: ARNAUD, André-Jean; HILPINEN, 
Risto; WRÓBLEWSKI Jerzy (Hrsg.). Rechtstheorie – Juristische logik, Rationalität und Irrationalität im Recht / 
Juristiclogic, Rationality and Irrationality in Law, Berlin, n. 8, p. 139-150, 1985. 
27
 Para a elaboração histórica desses postulados, consutar WIEACKER, Franz. Privatrechtsgeschichte der 
Neuzeit. Göttingen: Vandenhoeck & Ruprecht, 1967. 
 
14 
legislador racional como a de um emissor comunicativo em geral, nota-se uma 
correspondência com a lógica de conversação de Grice. 
Tomada como uma relação de conversação, o propósito da comunicação entre 
legislador e sujeito normativo seria guiar a conduta dos últimos para a consecução de 
determinadas políticas públicas ou de satisfação de determinadas pautas morais prevalecentes 
na comunidade. Dado que, para atingir seu ideal político e moral vislumbrado, o legislador 
não pode exigir dos sujeitos normativos, ao mesmo tempo e na mesma circunstância, uma 
conduta e permitir a sua omissão, o postulado “a”, de consistência, retira o seu conteúdo do 
próprio princípio de cooperação, pois ditar normas consistentes contribui ao propósito dessa 
conversação. Os postulados de quantidade se aproximam das máximas “e” e “f” de 
completude e não redundância, enquanto a máxima da forma liga-se ao caráter sistemático e 
ordenado do legislador do qual fala o item “d”. O postulado “b” tem a ver com a máxima de 
sinceridade na conversação; assim como em uma conversação espera-se que se fale a verdade, 
espera-se do legislador que não seja leviano, i.e. que não dite normas despropositadas. Por 
fim, o item “c” constitui a tradução normativa da máxima de relevância de Grice. 
Dada essa correspondência, é plausível levantar a hipótese de que a interpretação 
jurídica e a “lógica material” da dogmática interpretativa nada mais seriam do que aplicações 
particulares da interpretação da conversação ordinária e da lógica de implicatura. Se esse for o 
caso, então a interpretação jurídica não deveria trazer dificuldades adicionais quanto ao 
sentido das normas. Se é possível o entendimento na comunicação ordinária de forma 
suficiente para nossas relações, então esse também seria perfeitamente possível na 
interpretação das normas para a resolução dos conflitos jurídicos. Da mesma forma, os 
problemas de indeterminação das normas não seriam mais graves do que os problemas de 
indeterminação em uma conversação ordinária e poderiam ser superados pelos mesmos 
mecanismos linguísticos aplicados a esta última. 
 
4. OBJETIVIDADE DO FALANTE IMPLICA OBJETIVIDADE DO 
LEGISLADOR? 
A hipótese levantada no final da seção anterior, que vê a norma como uma espécie de 
conversação ordinária, toca diretamente no problema da objetividade da interpretação 
jurídica, fundamental dentro da teoria do direito e tomado como ponto central do recente 
 
15 
ataque pelo movimento de Critical Legal Studies à teoria do direito tradicional, de orientação 
analítica28. 
Uma posição frequentemente combatida nesse debate, que podemos chamar de tese da 
herança, defendida entre outros, por Kelsen, assume que a objetividade no direito não é 
possível na medida em que as normas são formuladas em linguagem natural, que seria 
necessariamente indeterminada. Recentemente, Marcos Barbosa Pinto buscou refutar a tese da 
herança exatamente com a hipótese da norma como conversação: 
“If language were always indeterminate, we would not be able to have 
a conversation; if language were indeterminate at all times, you would 
not be able to understand me if I told you loud and clear right now to 
stop reading this article. But we do have conversations; and you would 
understand what I meant if I had told you to stop reading. In fact, our 
language seem to be determinate enough for the purposes of most of 
our daily conversations […] It seems to me that if we knew for sure 
that law was as determinate as our ordinary conversations, the 
question of objectivity would be settled for all practical purposes”29. 
Barbosa Pinto esforça-se, então, para demonstrar que o direito é tão determinado 
quanto a linguagem ordinária, atacando três problemas da interpretação jurídicas usualmente 
tomados como críticos30: (i) vagueza dos termos normativos, (ii) complexidade do sistema 
normativo e (iii) intenção do legislador. A vagueza, como observa o autor, não é característica 
de termos normativos, e a conversação ordinária dispõe de mecanismos para superá-la, como 
estipulações ou definições, que podem e são também empregadas na interpretação jurídica. A 
complexidade, assim entendida a necessidade de coerência do sistema normativo encontra 
paralelo na exigência de coerência do discurso em uma conversação ordinária. Assim, regras 
para resolução de inconsistências aparentes, como tomar em consideração a última 
ponderação feita pelo emissor, refletem-se em princípios dogmáticos como lex posterior, 
superior, specialis. A intenção, por sua vez, traz uma diferença, dado que a lei não é o 
 
28
 SINGER, Joseph William. The Player and the Cards: Nihilism and legal Theory. Yale Law Journal, New 
Haven, v. 94, n. 1, p. 1-70, 1984 é um bom exemplo do movimento de Critical Legal Studies que mistura um 
radical ceticismo quanto à determinação das regras e decisionismo com uma ideologia política de esquerda. Em 
defesa da metodologia juridical tradicional, em particular de orientação analítica, ver COLEMAN, Jules; 
LEITER, Brian. “Determinacy, Objectivity and Authority” In: MARMOR, Andrei (Ed.). Law and Interpretation. 
Oxford: Oxford University Press, 1997. p. 204-277. 
29
 Cf. BARBOSA PINTO, op. cit. p. 157. 
30
 Ver KELSEN, Hans. Zur Theorie der Interpretation. Internationale Zeitschrift für Theorie des Rechts. 
Offizielles Organ des “Institut international de Philosophie du Droit et de Sociologie juridique”, Jahrgang, v. 8, 
 
16 
resultado de uma comunicação de um emissor unívoco. Entretanto, essa é mitigada na medida 
em que a interpretação da intenção na conversação ordinária não exige o acesso a um estado 
mental particular e opaco, mas é desenvolvida a partir do contexto, assunções e de regras de 
comunicação compartilhadas, o mesmo valendo para a busca do legislador conceptualizado 
como racional (aliás, já analisamos esse paralelo quando comparamos as máximas de Grice e 
os postulados interpretativos da dogmática jurídica). 
Assumindo que os problemas de interpretação contidos na linguagem ordinária estão 
presentes na interpretação jurídica e que é possível o entendimento na conversação comum 
com base em técnicas de redução da indeterminação, também disponíveis para a comunicação 
normativa, seria correto concluir que a interpretação jurídica é objetiva, com base na 
objetividade da linguagem ordinária? 
A nosso ver, as premissas assumidas apenas mostram o fato trivial de que as normas 
são formuladas em linguagem ordinária. Porém, com relação à indeterminação na 
comunicação, a pergunta relevante é: a determinação alcançada usualmente na comunicação 
ordinária é suficiente para satisfazer a exigência de objetividade e determinação presente na 
comunicação normativa? Será que a exigência de determinação é a mesma para todos os 
domínios no qual se desenrola a comunicação? 
Considere um exemplo simples em que A afirme a B “Quero um copo de água”. A 
comunicação é perfeitamente compreensível e A pode recusar-se a fornecer ou fornecer uma 
quantia de água que entender suficiente. Suponha agora que A esteja prestes a morrer e 
suplique a B, “Água!” ou ainda que faça o mesmo pedido nos seguintes termos “retribua-me o 
copo de água que lhe servi ontem em minha casa”. Em tais situações comunicativas, um fator 
específico é introduzido, que altera completamente o sentido e as reações admissíveis de B. 
Trata-se da valoração moral da sentença do emissor, que imputa a B também uma valoração, 
colocando questões do tipo “sou obrigado a entregar a B o copo de água?”, “qual quantidade 
seria correto lhe entregar?”, “devo dar toda a águasuficiente para matar a sede do 
moribundo?”, “e se outro moribundo aparecer, terei água suficiente?”, “devo entregar a 
mesma quantidade de água que recebi, ou matar-lhe a sede com o que for necessário assim 
como saciei a sede em sua casa no dia anterior?”. Afinal, B é instado a se perguntar o que 
exatamente A implica ou quer dizer com a súplica ou com retribuição e ademais se tal ato de 
fala é moralmente aceitável. 
 
p. 9-17, 1934; ou, então, KELSEN, Hans. On the Theory of Interpretation. Trad. Bonnie Litschewski Paulson e 
Stanley L. Paulson. Legal Studies, Oxford, v. 10, n. 2, p. 127-135, 1990. 
 
17 
As questões surgidas trazem, em seu bojo, o problema da justiça do conteúdo do ato 
do emissor e da reação demandada ao receptor. Note que o conteúdo comunicado é o mesmo 
na situação ordinária e na situação de conflito moral e as técnicas lingüísticas para a 
determinação são as mesmas. Porém, o tema da justiça inserido traz uma carga maior de 
exigência de adequação e precisão. A exigência de adequação moral e precisão do conteúdo 
dizem respeito à pertinência e razoabilidade do que foi comunicado dentro de determinada 
concepção de justiça31. Nessas hipóteses, a comunicação é pautada pelo dissenso, muito 
embora não afaste o princípio cooperativo, dado que ambos os agentes comunicantes passam 
a contribuir (e.g. via argumentação) para resolução da questão (no caso, fornecer ou não 
fornecer a água e quanto). Todavia, pela natureza dos problemas levantados, o dissenso é 
potencialmente indecidível, justamente porque diferentes concepções subjetivas de justiça 
podem trazer respostas diametralmente opostas. 
Exatamente nesse ponto, como forma de superar ou reduzir o dissenso subjetivo, 
aparece o apelo a regras gerais e abstratas, estabelecidas em decisões passadas, as quais 
ambos os agentes comunicantes aceitam como imparciais, vale dizer, o apelo ao direito. 
Assim, o direito aparece como um terceiro elemento na comunicação, um terceiro 
agente mediador que manifesta uma determinada escolha, supostamente imparcial, dentre as 
preferências e valorações possíveis para os conflitos. É possível, nessa linha, pensar as 
normas jurídicas como comunicações, que instauram uma conversação com o intérprete 
jurídico, porém uma forma peculiar de conversação cujos atos de fala são respostas a 
potenciais dissensos, que têm por base questões de justiça. 
No exemplo considerado, imaginemos que há normas estabelecendo que “é facultado 
a todos fornecer água a quem solicitar” e “caso alguém forneça água ao outro, é obrigatório ao 
outro retribuir o favor ao primeiro”. A escolha manifestada no ato comunicativo que resultou 
na formulação da norma é clara e capaz de resolver uma série de situações nas quais A solicita 
a B um copo de água. Porém, abre-se espaço para casos de penumbra, lacunas ou conflitos 
com outras normas, nos quais as valorações que estão na base dessa escolha podem vir 
novamente à tona e exigir posicionamentos ideológicos pelo intérprete que suscitarão 
questões de justiça aparentemente adormecidas. 
 
4.1. Complexidade 
 
31
 Para a noção de concepção de justiça, ver RAWLS, John. A Theory of Justice. Cambridge: Harvard University 
Press, 1999, Cap. I. 
 
18 
Assim, por exemplo, a hipótese de um moribundo sedento, não mencionada 
explicitamente pela regulação sugerida acima, pode ser suscitada como um caso relevante. O 
intérprete pode apontar para uma terceira norma do sistema que estabelece que “todos têm a 
obrigação de ajudar os necessitados”, levantando uma questão de coerência. Tal norma 
conflita com a mera faculdade de se fornecer água para o moribundo, surgindo a 
indeterminação. A partir de então, pode-se interpretar que a intenção do legislador (racional) 
ao estipular a faculdade em fornecer, garantiu o direito de propriedade, dentro de determinada 
concepção sobre a organização da produção e distribuição de bens na comunidade; afinal não 
poderia cada um ser obrigado a satisfazer todas as necessidades dos outros. Em oposição, 
pode-se também interpretar, em nome do legislador racional, que haveria uma lacuna na 
formulação da norma que não considera o caso de um moribundo, a não ser que se considere a 
vontade implícita do legislador que, nesse caso, impõe que a água deve ser fornecida, em 
nome do direito fundamental de todos à vida. 
Problema semelhante pode ser visto, para tomar um exemplo mais realista, na 
discussão dogmática acerca do uso remunerado das margens de rodovias. Uma concessionária 
de rodovias pode cobrar de todos pelo uso das margens de rodovias? A resposta dada pelo art. 
11 da Lei de Concessões é afirmativa, pois confere às concessionárias o direito de explorar 
receitas alternativas à tarifa de pedágio. Todavia, as concessionárias de energia elétrica, por 
força do art. 151 do Código de Águas, têm o direito de usar terrenos de domínio público para 
suas instalações. No caso das concessionárias de energia elétrica surge, portanto, o conflito. 
Uma possível construção vê aqui um problema de articulação de políticas públicas e 
busca demonstrar que, no balanço total, seria mais vantajoso ao usuário desses serviços, o uso 
gratuito de forma a viabilizar tarifas mais moderadas na média em ambos os serviços 
(claramente, um viés utilitarista do justo na linha da proporcionalidade na distribuição dos 
benefícios). Sustenta-se assim, dogmaticamente, que o art. 151 do Código de Águas seria lex 
specialis, prevalecendo sobre o art. 11 da Lei de Concessões nesse caso. 
Outra possível construção dogmática vê, aqui, um direito fundamental de propriedade 
dos estados da Federação, que não pode ser violado, em nome do federalismo, por um antigo 
Decreto da União garantindo antigos privilégios, incompatíveis com a concepção de serviço 
público na CF 88 e seu reforçado princípio de federalismo (já aqui uma outra concepção de 
justiça; formal, reflexa na separação e autonomia e material em termos de direitos 
fundamentais ou o senso do justo). Dogmaticamente, para evitar o conflito, ou se interpreta o 
direito das concessionárias de energia elétrica como um direito de uso, ao qual as 
concessionárias não podem se opor (não podem proibir), mas não um direito de uso gratuito, 
 
19 
ou ainda, caso se atribua um direito de uso gratuito, entende-se que esse foi derrogado pela lex 
posterior (Art. 11 da Lei de Concessões) e ou ainda, pela própria CF 88 (lex superior) em sua 
nova concepção da Administração pautada pelo princípio de eficiência e gestão empresarial 
do serviço público32. 
Nesse exemplo, está em jogo a dificuldade em se estabelecer critérios dogmáticos para 
a resolução definitiva de conflitos normativos, haja vista a possibilidade de conflitos entre os 
próprios critérios de resolução. Tentativamente, aparecem meta-critérios como lex posterior 
generalis non derrogat lex speciali. Entretanto um meta-critério como esse não é isento de 
polêmica. Na clássica abordagem de Norberto Bobbio,33 por exemplo, lê-se: 
“Também foi aqui transmitida uma regra geral que soa assim: Lex 
posterior generalis non derrogat priori speciali: a lei geral sucessiva 
não tira do caminho a lei especial precedente [...] Essa regra, por outro 
lado, deve ser tomada com certa cautela, e tem um valor menos 
decisivo que o da regra anterior. Dir-se-ia que a lex specialis é menos 
forte que a lex superior, e que, portanto, a sua vitória sobre a lex 
posterior é mais contrastada. Para fazer afirmações mais precisas 
nesse campo, seria necessário dispor de uma ampla casuística”34. 
Ferraz Junior, por sua vez, destaca que o referido meta-critério tem “aplicação restrita 
à experiência” e é “de difícil generalização”35. Essa hesitação é também percebidano campo 
dogmático, que descarta a aplicação do critério como se absoluto fosse, quando praticamente 
se retorna à estaca zero, ao se afirmar que só há a derrogação quando de fato, no caso, 
verifica-se a incompatibilidade. Nesse impasse, retorna-se à verificação do que seria mais 
justo, no caso, ou o que estaria mais de acordo com “a vontade do legislador”. Assim, dentre 
os civilistas, Roberto de Ruggiero chega a afirmar que o brocardo lex posterior generalis vs 
lex priori specialis “é falso pelo seu absolutismo”36, pois se trata de matéria interpretativa. 
Ou ainda, como afirma Serpa Lopes, citando De Ruggiero e Ennecerus-Kipp-Wolf que nesse 
caso de conflito entre critérios “a solução deve ser buscada na pesquisa dos objetivos da lei 
 
32
 Para aprofundar essa discussão, ver FERRAZ JUNIOR, Tercio Sampaio; MARANHÃO, Juliano Souza de 
Albuquerque. O princípio de eficiência e a gestão empresarial na prestação de serviços públicos: a exploração 
econômica das margens de rodovias. Revista de Direito Público da Economia – RDPE, Belo Horizonte, n. 17, 
abr. 2007. Contra, ver o artigo de Floriano Marques Neto a ser publicado no mesmo volume. 
33
 Cf. BOBBIO, Norberto. Teoria do ordenamento jurídico. 6. ed. Brasília: UnB, 1995. 
34
 Id., ibid., 108, ênfase nossa. 
35
 Cf. FERRAZ JUNIOR, Introdução ao estudo do direito, op. cit., p. 211. 
36
 Cf. RUGGIERO, Roberto de. Instituições de direito civil. Campinas: Bookseller, 1999, v. 1, p. 168. 
 
20 
ou da vontade do legislador, sem se ater, como um axioma, aos pressupostos exarados nos 
brocardos em foco”37. 
 
4.2. Vagueza 
Olhando para o caso de vagueza semântica, voltemos ao exemplo ingênuo do copo de 
água, para enfrentar a questão com relação ao quantum, na qual A pede a B uma retribuição 
do favor anteriormente prestado. A regra estipulada é vaga e não deixa claro se, para retribuir 
o favor, deve-se saciar a sede e fornecer o quanto A exigir para tanto, ou se deve fornecer 
exatamente a mesma quantia de água anteriormente recebida. Novamente, podem ser 
construídas duas teorias interpretativas conflitantes, em nome do legislador racional, aptas a 
solucionar a questão. De um lado pode-se considerar que a igualdade na retribuição refere-se 
à quantidade fornecida (justiça no sentido de justeza). Porém, tomada no sentido de equidade, 
a retribuição exata pode ser vista como injusta se anteriormente B recebeu uma pequena 
quantia (mas suficiente na ocasião) de água, porém A está sedento. Assim retribuir o favor 
significa, materialmente, realizar um bem, uma caridade no caso, matar a sede, o que 
novamente traz o caso para uma discussão do senso material do justo (em particular uma 
concepção de justiça de raízes católicas que enfatiza a solidariedade e o amor ao próximo). 
Dificuldades como essa surgem, por exemplo, nas normas de defesa da concorrência, 
quando são punidas condutas que possam trazer o efeito de “eliminação de parcela substancial 
da concorrência”. O mesmo parâmetro é empregado na análise de concentrações econômicas. 
Qual parcela exatamente deve ser considerada substancial? Na discussão dogmática aparecem 
soluções conflitantes a partir de concepções diversas de justiça. Assim, a chamada “escola de 
Chicago”, pautada em uma concepção de raiz utilitarista, tende a aceitar concentrações mais 
elevadas, na medida em que possam trazer eficiências econômicas, i.e. um saldo positivo, em 
valor, entre perdas decorrentes da redução de concorrência e ganhos econômicos, em termos 
de ganhos de escala, aumento de produtividade, etc., que sejam revertidos em benefícios aos 
consumidores (maior qualidade e menores preços). Já a chamada “escola de Harvard” tende a 
aceitar índices menos elevados de concentração, com a tese de que estruturas concentradas 
definem, por sua racionalidade econômica, condutas abusivas que reduzem a eficiência 
alocativa de recursos na economia. Pauta-se, aqui, por uma concepção voltada para a garantia 
de liberdades mínimas fundamentais, no caso, a garantia de livre iniciativa empresarial 
(portanto, de justiça como senso do justo). 
 
37
 Cf. SERPA LOPES, Miguel Maria. Comentários à Lei de Introdução ao Código Civil. Rio de Janeiro: Freitas 
 
21 
A técnica de definição estipulativa surge então para demarcar, quando um ato de 
concentração traz riscos e deve ser notificada à autoridade concorrencial (concentrações que 
alcancem 20% do mercado, art. 54 da Lei 8884/94) e aparecem índices, como a concentração 
das 4 maiores empresas, ou índices mais sofisticados, como Herfindal-Hirshman, para indicar 
quando uma concentração reduz substancialmente a competição. Todavia, tais definições 
sucumbem e são problematizados pela jurisprudência. Por exemplo, quando se questiona: 
20% de qual mercado relevante de produto? Mercado de bebidas em geral, ou somente de 
bebidas não alcoólicas? Mercado nacional, ou internacional? Ou ainda quando se questiona se 
índices desenvolvidos pela doutrina dos E.U.A podem se aplicar à realidade do mercado 
nacional. A lei de concorrência brasileira contém ditames para que as eficiências econômicas 
sejam consideradas para aprovação da concentração, porém, desde que, novamente, “não 
reduzam substancialmente a concorrência”, ou cujos “benefícios sejam compartilhados entre o 
empresário e os consumidores”. Assim, o esforço de resolução da vagueza por definições, traz 
novos problemas que ressuscitam as mesmas concepções rivais de justiça na base das normas 
antitruste. Qual seria o patamar substancial de redução de concorrência que chega a impedir 
uma análise de eficiências? Como deve ser medido o compartilhamento? A divisão deve ser 
meio a meio? O consumidor considerado precisa ser o consumidor final, pessoa física? 
O questionamento a definições estipulativas para solução de vagueza pode aparecer 
mesmo em campos jurídicos de maior rigor e exigência de literalidade, como por exemplo, no 
direito penal. 
O Código Penal Brasileiro pune o estupro (art. 214) nos seguintes termos 
“Constranger mulher à conjunção carnal, mediante violência ou grave ameaça”. Há aqui 
uma indefinição sobre o que se considera violência ou grave ameaça. Todavia, com relação a 
crianças é estipulada uma presunção absoluta, com precisão numérica (art. 224): “Presume-se 
a violência, se a vítima não é maior de 14 (catorze) anos”. 
Não obstante o aparente nível de determinação alcançado a partir dos recursos 
disponíveis na linguagem ordinária na qual a norma foi formulada “sexo com mulheres menos 
de 14 anos é punido com reclusão”, o Supremo Tribunal Federal no Hábeas Corpus HC 
73.662-9 MG, garantiu a liberdade a réu que havia mantido relação com menina de 12 anos, 
nos seguintes termos do Ministro Relator: 
“Nos nossos dias não há crianças, mas moças de doze anos. 
Precocemente amadurecidas, a maioria delas já conta com 
 
Bastos, 1959, v. 1, p. 57. 
 
22 
discernimento bastante para reagir ante eventuais adversidades, ainda 
que não possuam escala de valores definida a ponto de vislumbrarem 
toda a sorte de conseqüências que lhes pode advir [...] Ora, enrijecida 
a legislação – que, ao invés de obnubilar a evolução dos costumes, 
deveria acompanhá-la, dessa forma protegendo-a – cabe ao intérprete 
da lei o papel de arrefecer tanta austeridade, flexibilizando, sob o 
ângulo literal, o texto normativo, tornando-o, destarte, adequado e 
oportuno”. 
Aqui, o Supremo, ao interpretar a presunção legal absoluta acerca do momento em que 
crianças não podem consentir, tenta mostrar que há crianças que, nesse momento, não são 
crianças, mas moças capazes de consentir. Embora haja aqui praticamente um descarte do 
texto normativo, o mesmo éapresentado como uma interpretação mais flexível do que a 
literal, necessária para tornar a norma adequada ao senso de justiça do tribunal. 
 
4.3. Intenção 
Com relação à busca da intenção, na atividade de interpretação que se instaura na 
relação comunicativa normativa, o intérprete jurídico enfrenta também uma tensão entre a 
concepção de justiça formal e justiça material envolvido no próprio propósito da 
comunicação, presente no sempre latente conflito entre o sentido da norma (texto normativo) 
e o propósito do (ou melhor, atribuído pelo intérprete ao) legislador. 
Frederick Schauer38 traz uma abordagem esclarecedora desse tipo de conflito. As 
prescrições teriam por base generalizações acerca de um mal ou um bem que a ação regulada, 
categoricamente ou em determina condição, pode causar. Voltando ao exemplo ingênuo do 
copo de água, imagine uma norma determinando que “é obrigatório fornecer água ao 
moribundo sedento”. Aqui, a opção do legislador foi proteger a vida do necessitado, 
manifestando uma concepção de justiça calcada no senso do justo e expressa pela garantia do 
direito fundamental à vida. Promover esse bem (proteção à vida) constitui o objetivo e, 
portanto o fundamento da norma, que Schauer chama de justificação da regra. 
Conflitos entre a regra (água para os moribundos sedentos) e sua justificação (proteção 
da vida), que possuem sentidos distintos, aparecem por ser a regra necessariamente sobre- ou 
sub-inclusiva com relação a sua justificação. Isto é, a generalização que a fundamenta pode 
incluir casos nos quais a ação em questão impede o objetivo desejado ou pode deixar de 
 
23 
incluir casos relevantes, nos quais a ação promove aquele objetivo. No caso em que A pede 
água a B, mas B tem razões para acreditar que a água está contaminada, há uma sobre-
inclusão. Se o objetivo é proteger a vida, então atender o sentido do texto normativo, no qual 
está incluído o caso de contaminação, vai contra o próprio propósito do legislador. Questões 
sobre a reação mais justa ou injusta de B reaparecem como: a contaminação realmente põe a 
vida do sedento em risco? A contaminação pode ser curada? Se o sedento já iria morrer de 
qualquer forma, mas a causa mortis foi a contaminação, B deve ser responsável? Por outro 
lado, a regra pode ser sub-inclusiva, por exemplo, quando B não dispõe de água, mas dispõe 
de suco ou comida, casos nos quais, pela justificação da regra, também deveria estar obrigado 
a fornecê-los. 
Esses conflitos entre regra e sua justificação, chamados por Schauer de “experiências 
recalcitrantes”, podem ser resolvidos por meio de novas generalizações que especificam 
melhor as condições de aplicação das regras. Por exemplo, “a não ser que a água esteja 
contaminada, é obrigatório oferece-la ao moribundo sedento”. Tais qualificações, entretanto, 
têm limites. A nova condição introduzida deve ser relevante com relação à justificação da 
regra. A qualificação de uma propriedade ou condição como relevante, por exemplo, uma 
decisão sobre ser ou não a cor da pele do moribundo relevante para a justificação da 
obrigação de fornecer água é complexa e envolve uma série de valorações e tomadas de 
posição ideológica do intérprete que vão depender de suas preferências, crenças e seu senso 
do que é justo. 
Para nos aproximarmos da prática jurídica, o direito antitruste norte-americano contém 
um ilustrativo exemplo de conflito entre regra e justificação39. A Seção 2 do Sherman Act 
proíbe qualquer ato que constitua uma “tentativa de monopolização”. Um estatuto posterior, o 
Clayton Act, proíbe, na Seção 7, qualquer aquisição de empresa que possa “reduzir 
substancialmente a competição” ou “tender a criar um monopólio”. O propósito ou motivo 
dessa regulação é proteger a competição no mercado, que, por sua vez, serve propósitos 
ulteriores com eficiência produtiva e o bem estar dos consumidores. 
Suponha então que exista um mercado com apenas dois agentes que pretendem se 
fundir e que a firma a ser adquirida está em processo de falência, de forma que encerrará suas 
 
38
 Cf. SCHAUER, Frederick. Playing by the Rules: A Philosophical Examination of Rule Based Decision-
Making in Law and in Life. Oxford: Clarendon Press, 1991. 
39
 O exemplo é tratado com mais detalhe como aplicação da lógica de refinamento de sistemas normativos para 
solução de conflitos entre regra e justificação da regra em um modelo de inteligência artificial para o direito em 
MARANHÃO, Some operators for Refinement of Normative Systems, op. cit. 
 
24 
atividades se não for adquirida. Essa aquisição pode ou não pode ser levada a cabo de acordo 
com a regulação acima? 
Nos termos da regra se a aquisição leva ao monopólio então é proibida e não é 
relevante se a firma adquirida está em falência ou não. Todavia, a teoria econômica mostra 
que se a firma está falindo, sua aquisição não prejudica a concorrência, pelo contrário, 
beneficia a eficiência produtiva do mercado, mantendo ativos produtivos que, caso contrário, 
seriam perdidos. Então, o intérprete enfrenta um conflito entre preferir a ação que é necessária 
para satisfazer explicitamente o estatuto, mas que frustra o propósito da lei antitruste (omitir a 
aquisição) e a ação que parece atender aos propósitos da legislação antitruste (adquirir a firma 
falida). 
Esse conflito entre leis e política antitruste de fato ocorreu e foi solucionado pelas 
cortes norte-americanas pelo que ficou conhecido como a doutrina da firma falida (failing 
firm doctrine). A primeira decisão inovadora foi exarada no caso International Shoe Co. 
versus FTC40, quando a Suprema Corte norte-americana sustentou que a aquisição de uma 
firma em falência não viola a Seção 7 do Clayton Act41, o que significa que “se a firma 
adquirida está em falência, uma aquisição que tenda a criar monopólio é permitida”. Essa 
interpretação seguida pelas cortes motivou a emenda Celler-Kefauver, de 1950. 
Posteriormente, seguindo a interpretação da Suprema Corte no caso Citizen Publishing Co. 
versus United States42, novas propriedades ou condições relevantes foram adicionadas pela 
jurisprudência, tais como “a habilidade da firma em falência de se reorganizar com sucesso” 
e “a existência de um comprador alternativo viável com menos risco anticompetitivo”, que 
agora são exceções à solução fornecida pela doutrina da firma falida. 
Nota-se, nesses casos de conflito entre regra e sua justificação, que não há 
propriamente uma dificuldade com relação à linguagem na qual a regra foi formulada. O caso 
de falência está claramente solucionado, pois o legislador não o considerou relevante para a 
proibição do monopólio. A questão é que a regra é vista como injusta, para uma determinada 
atribuição de intenção ao legislador e para uma determinada análise econômica das 
conseqüências da aquisição. Em seguida, a própria generalização que reforma a regra na 
emenda Celler-Kefauver sofre exceções, porque também é vista como inadequada para 
determinados casos. Tais hipóteses não podem ser eliminadas, independentemente da precisão 
em que a linguagem é formulada ou do grau de determinação da solução normativa oferecida, 
 
40
 280 U.S.291,302-303, 1930. 
41
 ABA, Antitrust Law Developments 4th ed., 1997, p.338. 
42
 394 U.S., 131, 138-139, 1969. 
 
25 
ainda que se faça um elenco com dezenas de condições consideradas relevantes. Ou seja, as 
experiências recalcitrantes não podem ser superadas. 
A indeterminação surge em função de uma apreciação da justiça da norma jurídica. 
Exatamente porque a intenção do legislador não é um estado mental particular que possa ser 
investigado objetivamente, mas é, antes, uma criação ou reconstrução do interprete a partirde 
regras de uso e pautas morais ou de políticas públicas compartilhadas na comunidade, que lhe 
permite realizar inferências (não dedutivas) sobre o que seria mais coerente admitir como 
propóstio da lei, a indeterminação tem a ver, antes, com uma avaliação do intérprete sobre a 
justiça da solução normativa oferecida pela rega. 
Por essa razão, Zitelman chama de lacunas espúrias os casos em que o intérprete 
aponta uma condição supostamente relevante que não teria sido prevista expressamente pelo 
legislador. Da mesma forma, Alchourrón e Bulygin, chamam tais lacunas de axiológicas, pois 
o caso está, de fato, solucionado normativamente e a lacuna somente apareceria em uma 
descrição de qual deveria ser a solução mais justa e não em uma descrição de qual foi, de fato, 
a solução estipulada pelo legislador43. 
 
4.4. Não 
Os exemplos analisados acima trazem casos de complexidade, vagueza e adequação à 
intenção com relação à comunicação normativa. Exemplos semelhantes de indeterminação 
lingüística também são encontrados na comunicação ordinária e são satisfatoriamente 
resolvidos. Porém o que significa uma solução satisfatória para uma questão de justiça? O 
problema não diz respeito ao conteúdo do ato de fala, mas ao propósito da comunicação. Ou 
seja, mesmo que se empreguem recursos lingüísticos para reduzir a indeterminação, como 
vimos no caso de definição estipulativa para eliminar vagueza e no caso de conflito entre 
sentença e intenção, aquilo que no discurso ordinário poderia ser considerado uma 
comunicação objetiva, é potencialmente indeterminada em uma comunicação normativa. 
Isso porque a fonte de indeterminação não é propriamente uma insuficiência da 
linguagem no qual a regra é articulada, mas o dissenso (insolúvel do ponto de vista zetético, 
mas tratável do ponto de vista dogmático) sobre o que é certo ou errado, justo ou injusto que o 
ato de comunicação normativa busca resolver, mas que pode vir novamente à tona em 
 
43
 A distinção entre lacuna autêntica (echte), i.e. a situação de ausência de uma solução a partir do conjunto de 
normas vigentes e lacuna espúria (unechte), i.e. presença de uma solução normativa considerada falsa ou 
insatisfatória foi introduzida por Zitelman (Lücken im Recht, Leipzig, 1903). Essa noção foi refinada em 
ALCHOURRÓN; BULYGIN, op. cit. 
 
26 
determinados casos. Por essa razão, a interpretação jurídica não pode ser considerada objetiva, 
a não ser que se resolva com objetividade a questão sobre o que é a justiça. 
Nesse quadro, não defendemos que as normas jurídicas são sempre indeterminadas 
(tese difícil de sustentar tendo em vista que o direito em grande parte dos casos cumpre com 
sucesso sua função de regular a conduta humana), mas que são potencialmente 
indeterminadas, naqueles casos em que questões de justiça são suscitadas ou ressuscitadas. A 
existência de uma solução correta para a indeterminação é uma outra questão, que pressupõe a 
ausência de objetividade, e que não será objeto da presente discussão. Pode-se assumir, 
todavia, que propostas de interpretação podem estar mais ou menos justificadas e ser 
racionalmente avaliadas em termos de sua coerência ou estrutura de argumentação44. 
 
5. A RACIONALIZAÇÃO DA NOÇÃO DE JUSTIÇA NA INTERPRETAÇÃO 
Vimos acima como a especulação sobre o justo e o injusto irrompem na atividade de 
interpretação dogmática, diante de problemas como vagueza, complexidade e conflito entre 
regra expressa e a intenção do legislador. Examinemos a seguir como essa dificuldade, que 
pode induzir uma especulação filosófica interminável, é racionalizada e tratada pela 
dogmática jurídica, tendo em vista a decidibilidade de conflitos. 
Nas teorias jurídicas e políticas, dominantes na atualidade, a justiça costuma ser 
tratada nos termos seguintes. No seu aspecto formal, é concebida como um valor ético-social 
positivo, em conformidade com o qual, em situações bilaterais normativamente reguladas, se 
atribui à uma pessoa aquilo que lhe é devido. O conceito de justiça formal, assim, é um 
instrumento para a comunicação entre os homens, o qual permite que os problemas do 
relacionamento social sejam discutidos racionalmente. Trata-se da idéia clássica do suum 
cuique tribuere que exige, porém, um conteúdo concreto, a determinação, através de critérios, 
daquilo que é devido. A conformidade ou desconformidade com os critérios para determinar 
aquilo que é devido e a quem é problema que se refere ao aspecto material da justiça. 
 
44
 Também não se assume aqui qualquer postura sobre a concepção do que é o direito: as pautas morais podem 
ser consideradas parte necessária (jusnaturalismo), ou contingente (positivismo inclusivista) do sistema 
normativo, ou como exercício de discricionariedade do intérprete (positivismo exclusivista). Sobre a discussão, 
ver COLEMAN, Jules. The Practice of Principle: in defence of a pragmatist approach to legal theory. Oxford: 
Oxford University Press, 2001; e os ensaios de FINNIS, John. Natural Law: The Classical Tradition. In: 
COLEMAN, Jules; SHAPIRO, Scott. The Oxford Handbook of Jurisprudence and Philosophy of Law. Oxford: 
Oxford University Press, 2002; MARMOR, Andrei. Exclusive Legal Positivism. In: COLEMAN, Jules; 
SHAPIRO, Scott. The Oxford Handbook of Jurisprudence and Philosophy of Law. Oxford: Oxford University 
Press, 2002; e 
HIMMA, Kenneth Eimar. Inclusive Legal Positivism. In: COLEMAN, Jules; SHAPIRO, Scott. The Oxford 
Handbook of Jurisprudence and Philosophy of Law. Oxford: Oxford University Press, 2002. 
 
27 
Os critérios, de acordo com os quais é decidido sobre aquilo que é devido a alguém, 
são freqüentemente formulados com base em concepções metafísicas. Ora, isto nos 
conduziria, ao tratarmos da questão da justiça material, a um exame daqueles critérios e das 
suas diversas formulações, bem como da pretensão de se encontrar um critério, senão único, 
ao menos determinante dos demais. Não é este, porém, o caminho que desejamos seguir. 
Interessa-nos o papel, mais ou menos relevante, desempenhado, na comunicação normativa, 
pela justiça material e de seus critérios em face da justiça formal. 
Na tradição da cultura ocidental, desde a antiguidade, observa-se, nas discussões sobre 
a justiça, uma disposição em reconhecer-se que os conteúdos justos são difíceis de serem 
determinados, provocando o desalento dos relativismos e o desencontro das disputas 
infindáveis. Assim, por exemplo, Aristóteles, embora acreditasse na possibilidade de 
esclarecer o que era a justiça, não negava a grande dificuldade que sentia em determinar, a 
partir de premissas gerais, o justo concreto45. 
No livro V da Ética a Nicômaco, ele cuida da justiça, ressaltando seus aspectos 
formais. Sendo a virtude da proporcionalidade, a noção de justiça é tratada conforme a 
proporção aritmética e geométrica. Nestes termos, a distinção divulgada pela escolástica entre 
justiça comutativa e distributiva fez escola e marcou profundamente as concepções 
posteriores. A igualdade parecer ser, nestes termos, o cerne da justiça. As disputas em torno 
dos conteúdos − quem e o que deve ser igual a quem e a que − não diminuem jamais esta 
crença inabalável no equilíbrio proporcional como um princípio de racionalização dos 
conflitos. Esta relação entre justiça e racionalidade é importante. Afinal, é inegável que, na 
tradição cultural do Ocidente, os princípios de justiça, tanto formais quanto materiais, foram, 
via de regra, considerados como encarnações da razão. 
Os princípios de justiça material no chamado direito natural racional (jusnaturalismo) 
são uma explicitação patente desta idéia. A razão é para a justiça o seu princípio regulador (e 
não constitutivo, para usar a terminologia kantiana), pois o homem é assumido como um ser 
racional não no sentido de que

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