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Qual é o melhor método de interpretação

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[TRECHO DE TESE DE DISSERTAÇÃO DE MESTRADO DEFENDIDA EM 2009] 
 
4 QUAL É O MELHOR MÉTODO DE INTERPRETAÇÃO? 
 
 Apesar do que o seu título sugere, o propósito deste capítulo é desaconselhar o teórico da 
interpretação jurídica a investir em tentativas de mostrar que um método de interpretação – 
gramatical, sistemático, teleológico objetivo ou subjetivo – é simplesmente melhor do que os 
demais. Mais precisamente, o propósito do capítulo é desaconselhar o teórico a oferecer uma 
defesa universal e abstrata da superioridade de qualquer um dos referidos métodos. Uma teoria 
normativa universal e abstrata da interpretação jurídica assume, em primeiro lugar, que os 
diferentes sistemas jurídicos (brasileiro, francês, inglês etc.) e os diferentes subsistemas (penal, 
civil, administrativo etc.) que compõem cada sistema jurídico devem todos funcionar sob o 
governo de um mesmo método interpretativo. Em segundo lugar, uma tal teoria assume que 
nenhum problema grave resulta da sua falta de sensibilidade em relação às peculiaridades do 
ambiente histórico, cultural e institucional em que o seu método preferido de interpretação será 
empregado. Pretendo mostrar que uma teoria da interpretação que procede com base nessas 
premissas dificilmente será bem sucedida. 
 Uma das teses desta dissertação consistia na afirmação de que os métodos de interpretação 
distinguem-se, sobretudo, em virtude do seu (maior ou menor) caráter “institucional”. Métodos 
menos institucionais geram um maior número de ocasiões em que o intérprete pode deliberar de 
maneira substantiva (moral, política, social, econômica etc.). Os métodos mais institucionais, por 
outro lado, tendem a limitar a deliberação substantiva, atribuindo maior autoridade aos atos 
formais dos criadores das normas. Os filósofos do direito, conscientes da importância dessa 
distinção, costumam formular suas teses normativas sobre a interpretação jurídica em termos da 
legitimidade política de cada método. É o que mostro a seguir. 
 Aos métodos mais institucionais costumam-se associar as seguintes virtudes políticas. Em 
primeiro lugar, como métodos que atribuem autoridade ao parlamento (em detrimento das cortes 
judiciais)
1
, eles respeitam o princípio da democracia formal. De acordo com esse princípio, as 
 
1
 Está claro que o criador da norma nem sempre é o parlamentar -- agentes administrativos e até mesmo os juízes podem 
eventualmente ser responsáveis por criar normas jurídicas. E também é importante notar que o juiz não é o único a quem 
cabe interpretar normas jurídicas -- legisladores e agentes administrativos (desde o Presidente da República até o guarda de 
trânsito municipal) também têm jurisdição. Mas como as posições de criador e intérprete são paradigmaticamente 
decisões de interesse público devem ser tomadas por órgãos democráticos, isto é, órgãos capazes 
de representar a opinião popular. Os próximos passos do argumento são previsíveis. Ao contrário 
das cortes, o parlamento é composto por autoridades eleitas pelo voto popular e sujeitas a 
mandatos de curta duração. Disso se segue que a transferência de poder (em alguma medida 
autorizada por métodos menos institucionais) do parlamentar para o juiz está em contradição com 
o princípio da democracia formal e, portanto, é ilegítima. Outra virtude comumente associada aos 
métodos mais institucionais pode ser descrita como a sua capacidade de promover valores 
associados ao ideal do estado de direito, como previsibilidade, coordenação e eficiência. A ideia é 
que os atos formais do parlamento são públicos e prospectivos, enquanto a decisão judicial, 
embora pública, é emitida ex post facto. Teme-se que uma sociedade cuja legislação pode ser 
flexibilizada pelas cortes é uma sociedade onde reinarão a insegurança e a ineficiência. 
 Embora os defensores da interpretação institucional concordem quanto à validade geral 
desses argumentos, eles eventualmente divergem sobre o tipo exato de método que melhor 
expressa os valores associados à democracia formal e ao estado de direito. É comum, por exemplo, 
que os defensores da teleologia subjetiva se jactem do fato de que as intenções dos legisladores são 
mais representativas da vontade popular do que o texto normativo. Enquanto isso, os textualistas se 
concentram no argumento de que os estados mentais dos legisladores são menos acessíveis e 
transparentes (e seus efeitos, portanto, menos previsíveis) do que o texto legal. 
 Pelo lado dos defensores dos métodos menos institucionais, os argumentos mais comuns 
fazem referência ao ideal de justiça. O argumento da democracia formal é rebatido com a tese de 
que democracia não é só uma questão de promover a vontade popular por meio de órgãos 
majoritários como o parlamento. Estados democráticos também devem preocupar-se com a justa 
distribuição de liberdades e recursos entre os cidadãos. Mas a justa distribuição de liberdades e 
recursos pode ser ameaçada, quando, por exemplo, o parlamento é dominado por maiorias 
discriminatórias que menosprezam os interesses de minorias. Métodos menos deferentes em 
relação aos atos formais do parlamento serviriam justamente como um instrumento para que o juiz 
pudesse frear, quando necessário, os excessos majoritários do governo. 
 O argumento institucional do estado de direito, por outro lado, é rebatido com o argumento 
de que os mesmos fatores que garantem previsibilidade, coordenação e eficiência são 
 
ocupadas pelo parlamentar e pelo juiz (respectivamente), vou limitar a discussão do capítulo 4 à análise do desempenho 
desses agentes específicos. 
frequentemente responsáveis pela produção de graves injustiças. As leis de modo geral são 
formuladas em termos gerais e abstratos que muitas vezes não dão conta das peculiaridades de 
casos particulares. Lembre-se da regra que (por proibir qualquer quantidade de álcool no trânsito) 
poderia resultar na punição do motorista que comeu um bombom de rum. A interpretação literal da 
linguagem dessa regra resulta numa punição exagerada sob o ponto de vista da justiça retributiva. 
Considere, ainda, que a mesma regra (ao referir-se apenas à ingestão de “álcool”) mantém impune 
o motorista que fuma uma pedra de crack. 
 “Democracia”, “estado de direito”, “justiça” são, portanto, os termos que costumam adornar 
os debates normativos sobre interpretação jurídica. Por duas razões, esse tipo de debate me parece 
bastante suspeito. Uma primeira suspeita diz respeito à pretensão de se extraírem conclusões sobre 
um tema tão prático e concreto como a interpretação jurídica a partir de conceitos tão abstratos e 
vagos como democracia, estado de direito e justiça. Parece-me que os argumentos mencionados há 
pouco deveriam ser complementados por considerações (menos abstratas) relativas às 
características circunstanciais dos sistemas jurídicos específicos que os argumentos contemplam. 
Além disso, os valores atribuídos a cada método são, em alguns casos, de natureza tão distinta (e.g. 
previsibilidade versus justiça) que é difícil afastar a suspeita de incomensurabilidade. Vamos 
considerar essas duas suspeitas, uma de cada vez. 
 Cass Sunstein e Adrian Vermeule (2002) mostram que as considerações circunstanciais que 
devem complementar os argumentos políticos abstratos às vezes excedem esse propósito e minam 
as próprias bases dos argumentos, inutilizando-os por completo. Considere um exemplo 
provinciano. Há pouco tempo, circulou pela internet um vídeo que mostrava uma sessão da 
Assembléia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro.
2
 As imagens são perturbadoras.O deputado 
que preside a sessão narra o conteúdo dos projetos de lei em pauta com murmúrios ininteligíveis. 
Em seguida, ele convoca os representantes de algumas comissões parlamentares a darem seus 
pareceres, mas antes os orienta, por meio de sussurros, sobre como votar. Dessa forma, obscura e 
sumária, os projetos são rejeitados ou aprovados. Suponha, para fins de argumentação, que o 
vídeo é um retrato fiel do cotidiano do parlamento fluminense. Como é que isso afetaria, por 
exemplo, o argumento da democracia formal (aplicado a normas emanadas da Assembléia 
Legislativa)? É razoável insistir que o parlamento é um órgão mais representativo da vontade 
 
2
 Disponível em: <http://kibeloco.com.br/kibeloco/?s=alerj>. 
popular do que as cortes judiciais mesmo sabendo-se que os parlamentares votam projetos de lei 
daquela maneira? 
 Alguém poderia objetar, naturalmente, que o caso da Assembléia Legislativa é uma 
aberração – e talvez isso seja verdade. Mas não só as aberrações são capazes de ameaçar a 
plausibilidade de argumentos políticos abstratos. Considere um exemplo relativo a uma 
peculiaridade do sistema jurídico brasileiro, algo que está longe de ser uma aberração, e que pode 
ser visto até mesmo como uma característica positiva do nosso sistema. No Brasil, o ingresso na 
magistratura se dá normalmente por meio de um concurso público muito competitivo e altamente 
técnico. O rigor do concurso é tal que só alcançam sucesso as pessoas que podem dedicar-se ao 
estudo do direito em tempo integral -- normalmente jovens há pouco egressos da faculdade e ainda 
não plenamente inseridos no mercado de trabalho. O juiz brasileiro, portanto, tende a ser cada vez 
mais jovem e especializado; ele nunca teve outra profissão e tem conhecimentos escassos em 
outras áreas, fora do que se convencionou chamar “dogmática jurídica”. Se esses fatos não 
derrubam o argumento da justiça, eles devem pelo menos revelar a sua fragilidade (quando 
aplicado ao sistema jurídico brasileiro). Métodos menos institucionais exigem dos juízes o exame 
frequente de questões substantivas (políticas, sociais, econômicas etc.) que não são discutidas na 
faculdade de direito. O caso dos juízes brasileiros, na verdade, é apenas uma instância de uma tese 
mais geral: a capacidade dos agentes políticos reais para lidar com as exigências epistêmicas do 
método interpretativo cujo emprego se advoga é uma questão crucial. 
 Esses dois exemplos – da Assembléia Legislativa e dos juízes brasileiros – têm um traço 
importante em comum. Ambos pretendem mostrar como a plausibilidade de argumentos políticos 
abstratos é afetada por considerações relativas ao comportamento e às habilidades dos agentes 
políticos, sejam eles os criadores ou os intérpretes das normas jurídicas. Mas há outra categoria de 
considerações que também desafiam o debate abstrato, embora nada tenham a ver com o elemento 
humano dos sistemas jurídicos. Os sistemas jurídicos são compostos por uma série de subsistemas 
que diferem em função do tema. Independentemente da capacitação dos agentes que operam tais 
subsistemas, a própria natureza do seu tema implica que certos métodos interpretativos são mais 
adequados do que outros. O direito penal, por exemplo, na medida em que é constituído de normas 
punitivas cuja aplicação tem efeitos graves sobre as liberdades básicas dos infratores, costuma ser 
um terreno pouco propício para o emprego de métodos pouco institucionais. O direito penal 
brasileiro, por exemplo, faz referência a cânones de interpretação como aquele que proíbe a 
analogia usada para prejudicar o réu. A ideia é que só puna o autor de uma ação que cai 
rigorosamente sob o alcance da categoria legal presente na regra penal pertinente. O mais 
importante é notar como o rigor legalista que costuma ser bem-vindo no terreno do direito penal 
não é recomendável em outros subsistemas, como o subsistema do direito do trabalho ou o 
subsistema do direito administrativo.
3
 
 Além do comportamento dos agentes políticos e das peculiaridades dos subsistemas legais, 
há um terceiro fator relevante para o desenvolvimento de teorias normativas da interpretação: as 
circunstâncias históricas em que a teoria será aplicada. É bem conhecida, por exemplo, a crítica de 
Gustav Radbruch (2006) ao legalismo dos juízes alemães durante o regime nazista.
4
 Pode haver 
alguma divergência quanto à tese empírica de que os juízes alemães sob o nazismo de fato 
julgavam de maneira legalista, mas isso não retira a plausibilidade do tipo de argumento que 
Radbruch tinha em mente. A sua ideia era orientar os juízes a flexibilizarem normas cujo conteúdo 
é grosseiramente imoral. A correção moral das normas com que os juízes trabalham, portanto, é 
um fator relevante para a determinação da postura interpretativa que eles devem assumir. Em 
síntese, métodos institucionais tendem a ser menos recomendáveis em sistemas ilegítimos do que 
em sistemas legítimos. 
 Outro exemplo de como as circunstâncias históricas influenciam o debate normativo sobre 
interpretação diz respeito à maturidade e à estabilidade do regime político em questão. Períodos de 
instabilidade política, por exemplo, normalmente convidam posturas menos inovadoras e 
polêmicas por parte dos juízes do que períodos de segurança e estabilidade política. Compare 
democracias jovens, recém-instituídas depois de períodos autoritários, a democracias maduras e 
bem estabelecidas. No primeiro caso, previsibilidade, coordenação e eficiência -- valores 
associados aos métodos institucionais -- parecem muito mais urgentes do que no segundo. Afinal, 
 
3
 José Juan Moreso (2001) diria, talvez, que nem mesmo um subsistema particular do sistema jurídico é suficientemente 
homogêneo para funcionar adequadamente sob o domínio de um único método de interpretação. Moreso tem bons 
argumentos para mostrar, por exemplo, que as normas penais que definem crimes devem ser interpretadas estritamente, 
enquanto as normas penais que estabelecem causas de justificação devem ser interpretadas de maneira mais flexível. 
4
 Radbruch critica, na verdade, o “positivismo” dos juízes alemães. Eu substituo esse termo por “legalismo” porque 
Radbruch atribuía ao primeiro um sentido muito diferente daquele que eu atribuo aqui. Positivismo, para mim, é uma 
teoria analítica do direito; para Radbruch, tratava-se de uma teoria normativa (ou pelo menos de uma postura judicial) 
sobre como decidir casos concretos. Na academia brasileira ainda prevalece o sentido preferido por Radbruch; mas entre os 
filósofos contemporâneos do direito, inclusive entre aqueles que se autodenominam “positivistas” (e.g. Coleman, Gardner, 
Leiter, Marmor, Moreso, Raz, Shapiro, Waluchow), prevalece o outro sentido. (Rodrigo Tavares (2008) oferece um artigo 
que ajuda a esclarecer essa confusão terminológica.) 
são justamente essas as características que faltam a democracias jovens, mas abundam nas 
maduras. 
 De forma resumida, discussões abstratas sobre a legitimidade de um dado método de 
interpretação devem ser complementadas – quando não forem simplesmente solapadas – por 
considerações relativas às peculiaridades do sistema jurídico contemplado. As capacidades reais 
dos agentes políticos, a variabilidade temática do direito e as circunstâncias históricas em que o 
sistema jurídico está imerso são os exemplos mais claros (embora provavelmente não sejam os 
únicos exemplos) de fatores que precisam ser levados em consideração por teorias normativas da 
interpretação jurídica. 
 Algumas páginas atrás, eu disse que discussões normativas abstratas sobre a interpretação 
são suspeitas por dois motivos principais. Em primeirolugar, elas são simplesmente muito 
abstratas. Qualquer inferência rápida sobre como os juízes devem decidir casos concretos a partir 
de teses gerais sobre a legitimidade política de certos procedimentos interpretativos corre grande 
risco de passar por cima de informações circunstanciais extremamente importantes. Em segundo 
lugar, os debates abstratos costumam fazer referência a valores cuja comensurabilidade não é certa. 
Acredito que o primeiro problema pode ser adequadamente resolvido desde que os teóricos do 
direito acatem as minhas admoestações (que, na verdade, não são minhas, pois autores como 
Sunstein e Vermeule já as divulgam há anos). Por outro lado, não creio que, até aqui, tenham sido 
fornecidos elementos suficientes para que o segundo problema seja inteiramente debelado. 
 
 [Trecho excluído; o “segundo problema” não será discutido em IEDII.] 
 
 Se o capítulo 4 acabasse aqui, alguns leitores poderiam ficar decepcionados. Os debates 
normativos costumam ser os debates filosóficos mais interessantes (talvez pelo fato de serem 
aqueles cujas implicações práticas são mais evidentes) e, no entanto, ofereci apenas contribuições 
indiretas para esses debates. Falei sobre como os teóricos interessados em questões normativas 
devem proceder, mas não desenvolvi a minha própria teoria sobre como os juízes devem proceder 
na prática. Insisto, pelas razões expostas anteriormente, em rejeitar afirmações universais sobre 
como os juízes devem interpretar normas jurídicas. Mas, para não frustrar totalmente os leitores 
ávidos por teses normativas, faço pelo menos uma advertência que parece aplicável à maioria dos 
sistemas jurídicos ocidentais onde existem democracias liberais estáveis. (O Brasil se inclui, 
naturalmente, dentro desse grupo.) 
 Se, por um lado, não é possível dizer que os juízes devem (sempre) usar um método em vez 
de outro, por outro lado, certamente é possível dizer que, seja qual for o método que escolherem, 
os juízes devem aplicá-lo abertamente, honestamente. A deliberação substantiva permitida por 
certos métodos não é um mal em si; mas quando os juízes dissimulam o fato de que se envolvem 
nesse tipo de deliberação, agem de maneira potencialmente nociva à democracia. Analogamente, o 
emprego de métodos institucionais só é capaz de promover os valores a que visa quando não serve 
como instrumento para a implementação sub-reptícia de ideologias conservadoras (MARMOR, 
2005a). 
 A ideia básica é a de que, em sistema jurídicos democráticos, é difícil justificar a falta de 
sinceridade por parte dos juízes. Eles são, normalmente, agentes políticos imunes à remoção por 
meio do voto popular. A única forma de controle democrático sobre a sua atuação consiste na 
possibilidade de analisar suas sentenças e criticar publicamente sua argumentação. Quando os 
juízes ocultam a verdadeira natureza dos seus argumentos ou a verdadeira fonte das suas 
motivações, eles criam um obstáculo significativo ao controle democrático do seu trabalho. 
 
[Trecho excluído.] 
 
5 CONCLUSÃO 
 
 O artigo 2°, parágrafo único, da Lei n° 10.259 de 2001 diz o seguinte: “Consideram-se 
infrações de menor potencial ofensivo, para os fins desta Lei, os crimes a que a Lei comine pena 
máxima não superior a dois anos, ou multa.” Em 2004, o Ministério Público de São Paulo levou ao 
Superior Tribunal de Justiça um recurso que discutia o significado dessa regra (Recurso Especial 
n° 623.617 - SP). Assim pensava o representante do Ministério Público: 
 
Da leitura do artigo supra, percebe-se que o legislador se valeu da conjunção alternativa ou e não da 
aditiva e quando estabeleceu o teto de incidência da nova lei. Por conseguinte, para que uma infração 
penal seja alcançada pela Lei 10.259/01, mister se faz que sua pena em abstrato não ultrapasse o 
máximo de dois anos ou multa. Ficam afastadas, portanto, todas as outras infrações cujas penas 
ultrapassem esse limite – dois anos ou multa -, como é o caso do crime previsto no art. 10 da Lei 
9.437/97, visto que traz em seu preceito secundário a pena máxima de dois anos de detenção e multa. 
Não é preciso grande esforço para verificar que “dois anos e multa” são mais do que “dois anos ou 
multa”. Vê-se, destarte, que referido dispositivo da Lei de Armas ultrapassa o teto fixado pela Lei 
10.259/01, razão por que não pode ser por ela alcançado. (Grifo no orginal.) 
 
 Ao argumento do apelante, o Ministro Paulo Medina opôs o seguinte argumento: “O fato de, 
ao crime, ser cominada pena máxima não superior a dois anos E multa, não altera a competência 
para o julgamento, devendo o aplicador do direito ater-se a mens legis do caso, e não ao celeuma 
em torno das partículas ou ou e, irrelevantes.” (Grifo no original.) A divergência entre o apelante e 
o magistrado é uma instância do que vem sendo descrito como o conflito entre interpretações mais 
e menos institucionais de dispositivos jurídicos -- o apelante usa um argumento textualista, 
enquanto o magistrado usa um argumento (aparentemente) teleológico objetivo.
5
 
 O dispositivo sob análise no caso da Lei de Armas determina que se trate como infração de 
menor potencial ofensivo o crime associado a “pena máxima não superior a dois anos, ou multa”. 
O significado desse dispositivo, gramaticalmente, não é indeterminado em relação a um crime 
associado a pena de dois anos e multa -- o crime está fora do alcance da norma. Também há 
motivo para crer que, interpretada à maneira da teleologia subjetiva, a norma não inclui crimes 
associados a pena de dois anos e multa. Um argumento interessante a favor dessa última afirmação 
dependeria de uma análise mais cuidadosa daqueles materiais que costumam fornecer evidências 
quanto aos estados mentais dos legisladores ao tempo da promulgação da norma (e.g. exposição de 
motivos da lei em questão, debates legislativos etc.). Mas o fato de que o legislador disse “ou” em 
vez de “e” nos dá pelo menos uma razão prima facie para crer que ele pensou ou em vez de e. 
 Sob a ótica da teleologia objetiva, a história é outra. Não me parece plausível atribuir a essa 
norma um outro fim razoável que não o de tratar com menor rigor crimes menos graves. Acredito, 
ainda, que o propósito da norma, assim formulado, também não é indeterminado em relação ao 
caso da Lei de Armas. O fato de que um crime está associado a uma pena de dois anos e multa não 
o torna significativamente mais grave do que um crime associado apenas a uma pena de dois anos. 
Aliás, o rigor da sanção jurídica que se atribui a uma infração não é sequer um critério confiável 
para a aferição da gravidade moral dessa infração. A atribuição de uma sanção jurídica é resultado 
 
5
 Na verdade, Medina não deixa perfeitamente claro o que entende por mens legis. O magistrado eventualmente faz 
referência aos fins do legislador, mas essas referências parecerem vazias diante do que é dito noutros momentos. Por 
exemplo, citando Luiz Flávio Gomes, Medina diz que o“ jurista (e também o estudante) do terceiro milênio está muito 
mais preocupado com a justiça das soluções […] que com o cumprimento cego, irracional e asséptico da […] letra da lei”. 
de uma escolha de agentes políticos (e.g. dos autores de uma lei penal). O fato de que os referidos 
agentes escolheram sancionar um crime X com a pena P, e um crime Y com a pena P+ (sendo P+ 
mais rigorosa que P) não implica que Y é moralmente mais grave que X. (Os agentes políticos 
baseiam suas escolhas em juízos morais, é claro, mas não há razão para tratá-los como grandes 
autoridades no assunto.) 
 Qual método deve ser utilizado? Essa não é uma pergunta trivial. Por um lado, há o 
argumento (aparentemente endossado por Medina) de que a interpretaçãoliteral gera um resultado 
inadmissível. De acordo com esse argumento, não há como justificar, à luz de considerações sobre 
a justiça, que se tratem de maneiras diferentes (no que diz respeito ao rigor punitivo) condutas 
ilegais que diferem apenas ligeiramente no que diz respeito às penas que as acompanham. Afinal, 
não há uma diferença moralmente relevante entre um réu sujeito a pena de 2 anos e um réu sujeito 
a pena de dois anos e multa. Além disso, para complementar o argumento de Medina, cabe dizer 
que a diferença quanto à pena diz respeito apenas ao rigor da pena máxima cominada para cada 
crime. É possível que, uma vez condenados os réus, eles não recebam as penas máximas admitidas 
por lei. O réu processado por crime cuja pena máxima é de dois anos pode vir a ser condenado a 
cumprir pena de apenas um ano. Mas o réu processado por crime cuja pena máxima é de dois anos 
e multa também pode ser condenado a pena de um ano simplesmente. 
 Considere, agora, uma possível réplica ao argumento de Medina. É claro que a diferença 
entre uma pena máxima de dois anos e uma pena máxima de dois anos e multa é, a princípio, 
moralmente irrelevante. Mas, à luz de certas considerações institucionais, uma distinção arbitrária 
como essa pode se mostrar moralmente justificada. Afinal, considerando um caso análogo, por que 
é que consideramos inimputáveis os menores de 18 anos? Há mesmo uma diferença moralmente 
relevante entre um jovem prestes a completar os 18 anos e outro que já os completou? Essa 
distinção parece arbitrária, e, no entanto, é pouco provável que Medina a questionasse. É claro que 
ele poderia dizer, como de fato muitos têm dito, que 18 não é o melhor número, pois, no mundo 
moderno, aos 16 anos já se tem consciência dos efeitos lesivos de certos atos. Mas o debate acerca 
do número exato não tem importância. O importante é notar que poucos negariam a necessidade de 
se fixar alguma idade (qualquer que seja ela) abaixo da qual não há imputabilidade. 
 Isso não prova que o argumento de Medina está errado, mas mostra a plausibilidade da ideia 
contrária de que distinções moralmente arbitrárias são indispensáveis em qualquer sistema 
jurídico. Elas garantem previsibilidade e uniformidade decisória, e impedem que os juízes tenham 
discricionariedade para lidar com problemas cuja complexidade pode ultrapassar os limites das 
suas competências. E não se fala aqui apenas de distinções no campo do direito penal. É o mesmo 
tipo de preocupação institucional que motiva os legisladores a determinar que jovens com menos 
de 18 não podem dirigir; que jovens com menos de 16 não podem votar; que apenas os maiores de 
60 são considerados idosos etc. 
 Não sei dizer quem é que tem o melhor argumento nesse debate. Eu me inclino a pensar que 
a aplicação literal do “ou” de fato é injusta, mas não estou certo de que se trata de uma injustiça 
grave o suficiente para justificar a decisão de Medina. Apesar da incerteza, o caso é útil para 
ilustrar a tese de que, no Brasil, os debates judiciais sobre interpretação às vezes não fazem justiça 
à complexidade do tema. A tensão entre métodos interpretativos e a existência de argumentos 
plausíveis a favor do emprego de cada método são fatos simplesmente ignorados por Medina na 
sua decisão. Ele mesmo resume sua argumentação ao que está dito no seguinte parágrafo: 
 
Por todo o exposto, por não acreditar que a cumulatividade das penas gera agravamento do crime em 
apreço, deslocando, destarte, a competência do juizado para o juízo criminal, meu voto é no sentido 
de que os crimes de porte e disparo de arma de fogo, constantes do art. 10 da Lei 9.437/97, por 
apresentarem pena privativa de liberdade máxima não superior a 2 (dois) anos, subsumem-se ao 
disposto na legislação federal que trata dos juizados especiais criminais, sendo da competência destes, 
o julgamento. 
 
 “Por todo o exposto” refere-se, na verdade, a uma longa citação da obra de Luiz Flávio 
Gomes, citação essa que sequer trata da questão crucial, isto é, a questão sobre como interpretar o 
artigo 2° da Lei n° 10.259. Seria, naturalmente, um exagero dizer que, a Medina, falta 
“sinceridade” (termo que usei no capítulo 4 quando fazia críticas a certos aspectos do 
comportamento judicial); mas não seria exagero dizer que ele apresenta uma questão complexa e 
controvertida como se fosse simples o suficiente para caber em um parágrafo. 
 Os defeitos da decisão de Medina não são peculiares a esse magistrado, mas aparecem 
constantemente nas decisões das cortes brasileiras de forma geral.
6
 Eu digo que são defeitos 
porque tratam como óbvia uma solução que, além de não ser óbvia, é objeto de controvérsia 
 
6
 Pode parecer que estou fazendo de Medina uma espécie de réu no meu tribunal filosófico particular, mas não é esse o 
meu objetivo. Escolhi analisar (e criticar) sua decisão apenas porque ela me pareceu bastante concisa e interessante. Os 
problemas que encontro na sua decisão são, na verdade, comuns a muitos outros magistrados. 
profunda, e porque não dão a devida ênfase à delibração substantiva ocasionada pela escolha de m 
determinado método de interpretação jurídica. Em síntese, são defeitos porque não estão de acordo 
com o ideal de transparência deliberativa que está na base do ideário democrático moderno.

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