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Bioquímica Básica Bioquímica Básica 1ª e di çã o Michel Miranda Bioquímica Básica DIREÇÃO SUPERIOR Chanceler Joaquim de Oliveira Reitora Marlene Salgado de Oliveira Presidente da Mantenedora Wellington Salgado de Oliveira Pró-Reitor de Planejamento e Finanças Wellington Salgado de Oliveira Pró-Reitor de Organização e Desenvolvimento Jefferson Salgado de Oliveira Pró-Reitor Administrativo Wallace Salgado de Oliveira Pró-Reitora Acadêmica Jaina dos Santos Mello Ferreira Pró-Reitor de Extensão Manuel de Souza Esteves DEPARTAMENTO DE ENSINO A DISTÂNCIA Gerência Nacional do EAD Bruno Mello Ferreira Gestor Acadêmico Diogo Pereira da Silva FICHA TÉCNICA Texto: Michel Miranda Revisão Ortográfica: Rafael Dias de Carvalho Moraes Projeto Gráfico e Editoração: Andreza Nacif, Antonia Machado, Eduardo Bordoni, Fabrício Ramos. Supervisão de Materiais Instrucionais: Antonia Machado Ilustração: Eduardo Bordoni e Fabrício Ramos Capa: Eduardo Bordoni e Fabrício Ramos COORDENAÇÃO GERAL: Departamento de Ensino a Distância Rua Marechal Deodoro 217, Centro, Niterói, RJ, CEP 24020-420 www.universo.edu.br Ficha catalográfica elaborada pela Biblioteca Universo – Campus Niterói M623b Miranda, Michel. Bioquímica básica / Michel Miranda ; revisão de Rafael Dias de Carvalho Moraes e Christina Corrêa da Fonseca. – 1. ed. Niterói, RJ: EAD/UNIVERSO, 2014. 288 p. : il. 1. Bioquímica. 2. Proteínas. 3. Carboidratos - Metabolismo. 4. Metabolismo. 5. Ensino à distância. I. Moraes, Rafael Dias de Carvalho. II. Fonseca, Christina Corrêa da. III. Título. CDD 572 Bibliotecária: ELIZABETH FRANCO MARTINS – CRB 7/4990 Informamos que é de única e exclusiva responsabilidade do autor a originalidade desta obra, não se responsabilizando a ASOEC pelo conteúdo do texto formulado. © Departamento de Ensino a Distância - Universidade Salgado de Oliveira Todos os direitos reservados. Nenhuma parte desta publicação pode ser reproduzida, arquivada ou transmitida de nenhuma forma ou por nenhum meio sem permissão expressa e por escrito da Associação Salgado de Oliveira de Educação e Cultura, mantenedora da Universidade Salgado de Oliveira (UNIVERSO). Bioquímica Básica Palavra da Reitora Acompanhando as necessidades de um mundo cada vez mais complexo, exigente e necessitado de aprendizagem contínua, a Universidade Salgado de Oliveira (UNIVERSO) apresenta a UNIVERSO EAD, que reúne os diferentes segmentos do ensino a distância na universidade. Nosso programa foi desenvolvido segundo as diretrizes do MEC e baseado em experiências do gênero bem-sucedidas mundialmente. São inúmeras as vantagens de se estudar a distância e somente por meio dessa modalidade de ensino são sanadas as dificuldades de tempo e espaço presentes nos dias de hoje. O aluno tem a possibilidade de administrar seu próprio tempo e gerenciar seu estudo de acordo com sua disponibilidade, tornando-se responsável pela própria aprendizagem. O ensino a distância complementa os estudos presenciais à medida que permite que alunos e professores, fisicamente distanciados, possam estar a todo momento ligados por ferramentas de interação presentes na Internet através de nossa plataforma. Além disso, nosso material didático foi desenvolvido por professores especializados nessa modalidade de ensino, em que a clareza e objetividade são fundamentais para a perfeita compreensão dos conteúdos. A UNIVERSO tem uma história de sucesso no que diz respeito à educação a distância. Nossa experiência nos remete ao final da década de 80, com o bem- sucedido projeto Novo Saber. Hoje, oferece uma estrutura em constante processo de atualização, ampliando as possibilidades de acesso a cursos de atualização, graduação ou pós-graduação. Reafirmando seu compromisso com a excelência no ensino e compartilhando as novas tendências em educação, a UNIVERSO convida seu alunado a conhecer o programa e usufruir das vantagens que o estudar a distância proporciona. Seja bem-vindo à UNIVERSO EAD! Professora Marlene Salgado de Oliveira Reitora. Bioquímica Básica 4 Bioquímica Básica 5 Sumário Apresentação da disciplina ................................................................................................. 7 Plano da disciplina ................................................................................................................. 9 Unidade 1 – Introdução à Bioquímica ............................................................................. 13 Unidade 2 – Proteínas ........................................................................................................... 37 Unidade 3 – Carboidratos e metabolismo ...................................................................... 89 Unidade 4 – Lipídios e metabolismo ................................................................................ 153 Unidade 5 – Metabolismo de proteínas .......................................................................... 215 Unidade 6 –Integração do metabolismo energético .................................................. 243 Considerações finais .............................................................................................................. 277 Conhecendo o autor ............................................................................................................. 279 Referências ............................................................................................................................... 281 Anexos ....................................................................................................................................... 283 Bioquímica Básica 6 Bioquímica Básica 7 Apresentação da Disciplina Prezado(a) estudante, É com imenso prazer e satisfação que lhes apresento a disciplina Bioquímica básica. A disciplina tem como meta apresentar uma discussão clara e objetiva da bioquímica celular com ênfase nos mamíferos, uma vez que os humanos se incluem neste grupo. A disciplina também se preocupa em relacionar eventos bioquímicos em nível molecular e celular com a fisiologia da célula. A abrangência, a organização e a versatilidade da leitura referente a esta disciplina permite ao estudante compreender os processos bioquímicos que ocorrem em todos os momentos da sua vida incluindo os que estão acontecendo enquanto esta apresentação é lida. Espera-se que ao final desta disciplina o estudante tenha adquirido uma sólida compreensão das informações sobre os sistemas bioquímicos tanto ao nível clássico quanto ao moderno e suas implicações na biologia animal. Além disso, acredita-se que os conhecimentos difundidos ao longo da disciplina possam de alguma forma contribuir no auxílio ao estudante que, em um futuro próximo, utilize conhecimentos biológicos e bioquímicos na sua atuação profissional. O material didático está dividido em seis unidades. A primeira unidade mostra as características gerais e físico-químicas da água e os seus efeitos sobre as biomoléculas celulares. A segunda unidade apresenta uma discussão clara e precisa acerca da estrutura e das funções das moléculas mais fascinantes das células, as proteínas. A terceira unidade introduz o metabolismo e a bioenergética, onde se conhece a estrutura e funções dos carboidratos, sua digestão, absorção e distribuição pelo organismo, suas vias de síntese e degradação e a obtenção de energia. A quarta unidade mostra a estrutura e funções dos lipídios incluindo suas vias de digestão, absorção e transporte, síntese e degradação e obtenção de energia. A quinta unidade mostra a importância do nitrogêniopara os seres vivos, a digestão das proteínas da dieta, a absorção dos aminoácidos e seu metabolismo, incluindo a excreção do nitrogênio e a obtenção de energia. A sexta unidade mostra a interdependência dos processos metabólicos dos principais tecidos do corpo, estes abordados nas unidades anteriores. Cada unidade contém uma bibliografia que serve como ponto de entrada para a pesquisa, assim como um grupo de questões para teste de conhecimentos. Bioquímica Básica 8 Bioquímica Básica 9 Plano da Disciplina A disciplina tem como objetivo apresentar a bioquímica de uma maneira cuidadosa, com uma compreensão equilibrada dos processos químicos e biológicos, enfatizando de forma clara, contextualizada, gradual e lógica os principais temas associados à bioquímica celular e molecular, procurando com tudo isso o principal que é o foco e o interesse do estudante nesta importante área das ciências biológicas e biomédicas. Unidade 1: Introdução à Bioquímica Nesta unidade serão mostradas as características gerais e físico-químicas da água. Além disso, deverão ser estudadas as interações químicas entre a água e as biomoléculas, como a água interfere diretamente nos sistemas biológicos e os diferentes fenômenos associados à água. Objetivos: conhecer as características físico-químicas da água, compreender as interações químicas entre a água e as biomoléculas, saber como a água afeta os sistemas biológicos e definir pH, pK e sistema tampão. Unidade 2: Proteínas Nesta unidade serão mostradas as características gerais dos aminoácidos e das macromoléculas mais abundantes nas células vivas, as proteínas, além das suas estruturas químicas, suas funções celulares e as diferentes técnicas de identificação, separação, purificação e análise destas moléculas. Objetivos: identificar e compreender as propriedades dos aminoácidos, incluindo pK e PI, conhecer as funções das proteínas, estudar os diferentes níveis estruturais das proteínas e conhecer as técnicas de identificação, separação, purificação e análise de proteínas e caracterizar as enzimas. Bioquímica Básica 10 Unidade 3: Carboidratos e metabolismo Nesta unidade serão mostradas as características gerais dos carboidratos, suas estruturas e funções, as vias de digestão, absorção e distribuição dos carboidratos nos diferentes tecidos do organismo, as rotas metabólicas para a obtenção de energia e a síntese e armazenamento dos carboidratos no organismo. Objetivos: conhecer as características gerais dos carboidratos, classificar os carboidratos, descrever a digestão, a absorção e o transporte dos carboidratos para as células, estudar as vias de produção de energia utilizando carboidratos, descrever a síntese e a degradação do glicogênio, compreender a gliconeogênese e a via das pentoses-fosfato. Unidade 4: Lipídios e metabolismo Nesta unidade serão mostradas as características gerais dos lipídios, suas estruturas químicas, suas funções e localizações celulares, as vias de digestão, absorção e transporte, suas rotas metabólicas de síntese, degradação e obtenção de energia. Objetivos: conhecer as estruturas dos principais lipídios, diferenciar os citoplasmáticos dos de membrana celular, estudar a digestão, absorção e transporte de lipídios, caracterizar a obtenção de energia com lipídios e descrever a síntese de ácidos graxos, triglicerídeos e lipídios de membrana. Unidade 5: Metabolismo de proteínas Nesta unidade, será mostrada a digestão das proteínas com consequente absorção e distribuição dos aminoácidos no organismo, o metabolismo do nitrogênio envolvendo as bactérias, plantas e animais e o catabolismo dos aminoácidos para a obtenção de energia e a excreção do nitrogênio. Objetivos: mostrar a importância da fixação do nitrogênio pelas bactérias e sua assimilação pelas plantas, identificar os processos de digestão das proteínas da dieta, mostrar a absorção dos aminoácidos, caracterizar a liberação da amônia na forma de ureia e entender o catabolismo dos aminoácidos Bioquímica Básica 11 Unidade 6: Integração metabólica Nesta unidade será mostrada a interdependência dos processos metabólicos envolvendo os principais tecidos do corpo, de acordo com o estado nutricional e hormonal do organismo. Objetivos: mostrar a relação entre os diferentes tecidos do corpo e a obtenção de energia e estudar a regulação hormonal do metabolismo energético. Bons estudos! Bioquímica Básica 12 Bioquímica Básica 13 1 Introdução à Bioquímica Bioquímica Básica 14 Nesta unidade vamos entender a cerca das características físico-químicas da água e os seus efeitos sobre as biomoléculas e as células. Objetivos da Unidade Conhecer as características físico-químicas da água Compreender as interações químicas entre a água e as biomoléculas Saber como a água afeta os sistemas biológicos Definir pH, pK e sistema tampão Plano da Unidade A água Interação da água com as substâncias polares Ionização da água, ácidos, bases e tampões. Bons Estudos! Bioquímica Básica 15 Os seres vivos são formados por uma extensa variedade de substâncias. Dentre estas, podemos citar as substâncias inorgânicas (ex: água, íons e sais minerais) e substâncias orgânicas (ex: carboidratos, lipídios, proteínas, vitaminas e ácidos nucléicos). A água A água é a substância mais abundante dos seres vivos, perfazendo 70% ou mais da massa da maioria dos organismos. Em alguns seres como águas-vivas, o conteúdo de água pode chegar a 94% do total. O corpo humano tem em média 60% da sua massa de água, cuja distribuição varia conforme o tecido. Enquanto o tecido adiposo praticamente não contém água, os músculos esqueléticos são constituídos por cerca de 73% de água. O plasma sanguíneo chega a ter mais de 90% de água. O conteúdo de água também varia com a idade do organismo, pois quanto mais velho é o ser vivo, menos água corpórea ele terá. O início da vida aconteceu em ambiente aquoso e a maioria das reações químicas ocorre na presença da água. A água é de fundamental importância para todos os seres vivos na natureza pelo fato de muitas reações químicas, tanto no interior quanto no exterior das células serem mediadas pela água. A solubilização e distribuição de substâncias no citoplasma das células dependem da presença da água citoplasmática. A digestão de alimentos no tubo digestivo depende de enzimas que utilizam a água para quebrar as ligações químicas entre as moléculas. O fluxo sanguíneo existe devido ao plasma sanguíneo ser líquido. A evolução da vida na Terra dependeu das características incomuns da água, a começar por sua capacidade de atuar como solvente para inúmeras substâncias. A abundância da água e sua temperatura elevada de fusão e ebulição permitiram o surgimento de grandes oceanos na Terra primitiva onde a vida teve origem. Atualmente, muitas plantas e animais evoluíram para a vida terrestre, no entanto, a dependência da água jamais deixou de existir. Bioquímica Básica 16 A água é conhecida como solvente universal, por dissolver a maioria das substâncias presentes no planeta. A capacidade solvente da água inclui a solubilização dos íons, de muitos açúcares, proteínas e vitaminas e de outras moléculas não relacionadas, como por exemplo, alguns medicamentos. A água é uma molécula formada por três átomos: dois átomos de hidrogênio e um átomo de oxigênio (H2O). Estes três elementos se unem por ligações covalentes criando uma estrutura assimétrica H – O – H com ângulo de ligação de 104,5º e com carga elétrica parcialnegativa no oxigênio e parcial positiva nos hidrogênios, gerando uma estrutura bipolar. O oxigênio, por ser mais eletronegativo que os hidrogênios, adquire a carga parcial negativa ao atrair os dois hidrogênios para si para a formação da água (figura 1). Figura 1: Estrutura da molécula da água. A estrutura bipolar da água é mostrada aqui no modelo bola e bastão. Os átomos de hidrogênio e oxigênio se unem através de ligações covalentes. A carga parcial dos seus átomos é determinada pelo símbolo (δ). O oxigênio, mais eletronegativo que os hidrogênios, apresenta carga parcial negativa e os hidrogênios, cargas parciais positivas. Fonte: Lehninger, princípios de Bioquímica. Bioquímica Básica 17 Vamos lembrar: A união de dois ou mais átomos forma as moléculas. Para formar uma molécula os átomos precisam fazer ligações químicas. Duas ligações químicas são importantes nos sistemas biológicos: a ligação covalente (ocorre através do compartilhamento de elétrons, quando os átomos que formam a molécula apresentam a tendência de ganhar elétrons) e a ligação iônica (ocorre quando o átomo que precisa ganhar elétrons “rouba” um ou mais elétrons do átomo que precisa perder elétrons). A eletronegatividade é a capacidade que um átomo tem de atrair para si outro átomo, para a formação das moléculas. Na escala de eletronegatividade, que vai de 0 à 4,0, o flúor, o oxigênio e o nitrogênio são bastante eletronegativos (valores 4,0, 3,5 e 3,0 respectivamente) (tabela 1). Uma decorrência importante do estudo da eletronegatividade dos elementos é que, em função da diferença de eletronegatividade entre os átomos envolvidos, podemos classificar as ligações em apolares (diferença de eletronegatividade entre os átomos de 0 à 0,5) e polares (diferença maior que 0,5, sendo que quanto maior a diferença, maior é a polaridade da ligação química). Ligações covalentes podem ser apolares (diferença de eletronegatividade entre 0 e 0,5) ou polares (diferença de eletronegatividade entre 0,6 e 1,6) enquanto as ligações iônicas (diferença de eletronegatividade entre 1,7 e 4,0) são sempre polares. Desse modo as moléculas podem ter caráter polar ou apolar. A água por ter seus átomos com diferença de eletronegatividade de 1,4 (tabela 1) é então uma substância polar. Tabela 1: A eletronegatividade de alguns elementos químicos Elemen to *Eletronegativi dade Elemen to Eletronegativi dade Elemen to Eletronegativi dade F 4,0 Se 2,4 Zn 1,6 O 3,5 P 2,1 Mn 1,5 Cl 3,0 H 2,1 Mg 1,2 N 3,0 Cu 1,9 Ca 1,0 BR 2,8 Fe 1,8 Li 1,0 S 2,5 Co 1,8 Na 0,9 C 2,5 Ni 1,8 K 0,8 I 2,5 Mo 1,8 *Quanto mais eletronegatividade, mais o elemento atrai o outro. Bioquímica Básica 18 Interação da água com as substâncias polares A água pode interagir com outras moléculas de água. Ao se aproximarem, o oxigênio de uma molécula de água faz uma interação química com o hidrogênio de outra molécula de água. Esta interação é chamada ponte (ou ligação) de hidrogênio, representada por um tracejado e não por um traço como a ligação covalente (figura 2). Figura 2: A ponte de hidrogênio. Ponte de hidrogênio entre as moléculas de água é uma interação (atração) fraca que ocorre entre o oxigênio de uma água e o hidrogênio de outra água. Fonte: Lehninger, princípios de Bioquímica. Uma molécula de água pode fazer até quatro pontes de hidrogênio com outras moléculas de água (figura 3). Apesar da ponte de hidrogênio ser uma interação considerada fraca nos sistemas biológicos (a energia necessária para romper a ligação é da ordem de 12 à 30 kj/mol), portanto bem mais fraca que as ligações covalentes (a energia necessária para romper a ligação é da ordem de 214 à 930 kj/mol), o alto número de pontes de hidrogênio entre as moléculas de água determina uma alta coesão entre as moléculas. Bioquímica Básica 19 Vamos lembrar: Nos sistemas biológicos, a ponte de hidrogênio é formada entre o hidrogênio de uma molécula e o oxigênio, nitrogênio ou flúor de outra molécula. No entanto o hidrogênio precisa estar ligado a um elemento bem eletronegativo como os três elementos químicos citados anteriormente. Hidrogênios ligados a carbono não fazem pontes de hidrogênio com a água porque o carbono tem eletronegatividade semelhante ao do hidrogênio (tabela 1), determinando uma região apolar, incapaz de fazer tal interação. Figura 3: Pontes de hidrogênio entre moléculas de água. Cada molécula de água forma um máximo de quatro pontes de hidrogênio. Nesta situação a água está na forma de gelo. À medida que as pontes de hidrogênio são rompidas (por exemplo, por aumento de temperatura), a água se torna respectivamente líquida (média de 3,4 pontes de hidrogênio com outras moléculas de água) e gasosa (média de 1,5 pontes de hidrogênio). Fonte: Lehninger, princípios de Bioquímica. Bioquímica Básica 20 As pontes de hidrogênio não se resumem à interação molecular. Os estados físicos da água são determinados pelo número de pontes de hidrogênio entre as moléculas (figura 3). Além disso, a água tem alto ponto de fusão (0oC), alto ponto de ebulição (100oC) e alto calor de vaporização (2.260 j/g) quando comparado com a maioria dos solventes. Estas propriedades são uma consequência da atração das moléculas de água por pontes de hidrogênio, que confere à água uma alta coesão. Outra consequência importante das pontes de hidrogênio existentes na água é a sua alta tensão superficial. As moléculas que estão no interior do líquido atraem e são atraídas por todas as moléculas vizinhas, de tal modo que estas forças se equilibram. Já as moléculas da superfície só são atraídas pelas moléculas “de baixo” e “dos lados”. Consequentemente, estas moléculas se atraem mais fortemente e criam uma película semelhante a uma película elástica na superfície da água. A tensão superficial da água explica vários fenômenos dentre os quais citamos a forma esférica das gotas de água e o fato de alguns insetos poderem caminhar sobre a água. As pontes de hidrogênio não estão somente presentes na água, mas também são responsáveis pela interação da água com outras substâncias. A água dissolve biomoléculas com grupos funcionais polares, porém não carregados eletricamente, por formar pontes de hidrogênio com os solutos. Dentre estes grupos funcionais incluímos as hidroxilas, os aldeídos, as cetonas, os ácidos carboxílicos e grupamentos contendo N – H, como as aminas. Ao se colocar, por exemplo, sacarose (açúcar de cozinha) em água, seja em um suco, cafezinho ou até mesmo na produção do soro caseiro, observa-se que o açúcar em poucos segundos desaparece na água. Na verdade o desaparecimento da sacarose é explicado não pelo fato da água estar quebrando a sacarose, mas pelo fato das moléculas de água estar fazendo pontes de hidrogênio com as hidroxilas das moléculas de sacarose. O etanol se mistura com a água através de pontes de hidrogênio entre o oxigênio da água e a hidroxila (O – H ou mais comumente representado por OH) presente no etanol (figura 4). Bioquímica Básica 21 Figura 4: Interação da água com etanol. O etanol (álcool comercial) se mistura facilmente com a água por fazer pontes de hidrogênio com a água. Fonte: www.ebah.com.br, acesso em 11/10/2014. As pontes de hidrogênio não estão restritas à água. Outros líquidos e macromoléculas importantes das células podem fazer pontes de hidrogênio entre si, sem a necessidade da presença da água. A estrutura tridimensional das proteínas contém várias pontes de hidrogênio entre seus aminoácidos. A amônia e o ácido fluorídrico são líquidos cujas moléculasfazem pontes de hidrogênio entre si (figura 5). Na constituição do DNA, as bases nitrogenadas (adenina e timina assim como citosina e guanina) dos nucleotídeos fazem pontes de hidrogênio para estabilização da dupla fita de DNA (figura 5). Bioquímica Básica 22 Figura 5: Pontes de hidrogênio entre moléculas diferentes da água. O ácido fluorídrico (H – F) e a amônia (NH3) fazem pontes de hidrogênio entre si. O L.H. na figura da amônia significa ligação (ponte) de hidrogênio. A dupla fita de DNA é estabilizada por pontes de hidrogênio entre as bases nitrogenadas dos nucleotídeos que compõem a macromolécula. Adenina (A) e timina (T) fazem duas pontes de hidrogênio enquanto citosina (C) e guanina (G) fazem três pontes de hidrogênio entre si. Fontes: www.portalsaofrancisco.com.br, acesso em 11/10/2014, www.quiprocura.net, acesso em 11/10/2014 e Lehninger, princípios de Bioquímica. Além da interação da água com outras substâncias por pontes de hidrogênio, a água interage também eletrostaticamente com solutos que exibem carga elétrica. Assim como as pontes de hidrogênio, as interações eletrostáticas são interações fracas nos sistemas biológicos (a energia necessária para romper a ligação é da ordem de 4 à 80 kj/mol), mas importantes para a formação de macromoléculas como, por exemplo, as proteínas. A água dissolve sais como o NaCl (cloreto de sódio) hidratando e estabilizando os íons Na+ e Cl-, enfraquecendo as interações eletrostáticas entre as moléculas de NaCl e impedindo que estas moléculas voltem a se agrupar, por fazer interações eletrostáticas com estes átomos (figura 6). È importante observar que na interação da água com o NaCl não é possível a realização de pontes de hidrogênio entre a água e o NaCl pelo fato de não atender as condições explicadas anteriormente para a realização desta interação molecular. Vamos lembrar: A interação eletrostática é uma atração entre cargas opostas de regiões moleculares. Isto pode ocorrer entre água e sais, água e grupos funcionais com carga elétrica das moléculas orgânicas e entre diferentes grupos funcionais com carga elétrica na mesma molécula, como ocorrem entre cargas elétricas de alguns aminoácidos nas proteínas. Desse modo, assim como a ponte de hidrogênio, a interação eletrostática ocorre entre substâncias polares ou regiões polares das moléculas. Bioquímica Básica 23 Figura 6: Solubilidade do NaCl em água. A água dissolve sais como o NaCl por meio da hidratação e estabilização dos átomos que compõe a molécula. À medida que as moléculas de água se agrupam ao redor dos íons Na+ e Cl- a interação (atração) eletrostática necessária para a formação do sal é rompida. Fonte: www.profpc.com.br, acesso em 11/10/2014. Outra interação química importante nos sistemas biológicos, diferente das pontes de hidrogênio e das interações eletrostáticas e a interação hidrofóbica. Esta interação fraca (a energia necessária para romper a ligação é da ordem de 3 a 12 kj/mol) ocorre entre moléculas apolares. Líquidos incapazes de se misturar com a água geralmente possuem moléculas apolares chamadas hidrocarbonetos (contendo carbono e hidrogênio) e são conhecidos como solventes orgânicos, incluindo a gasolina, o hexano, o benzeno, o tolueno e outros. Na formação destes líquidos os hidrocarbonetos se atraem através da interação hidrofóbica. Além das substâncias polares e apolares, algumas substâncias são anfipáticas. Estas contêm uma região polar e outra apolar. A região polar interage com a água enquanto a região apolar não. Os ácidos graxos, os fosfolipídios e o colesterol são exemplos de substâncias anfipáticas que serão estudadas nas próximas unidades. Bioquímica Básica 24 Ionização da água, ácidos, bases e tampões. Nesta unidade, foi visto que a molécula de água é H2O. No entanto, uma pequena proporção de moléculas de água se encontra em uma forma chamada dissociada, criando íons H+ (prótons) e OH-. A ionização da água pode ser medida por sua condutividade elétrica e é expressa por uma constante de equilíbrio. Esta constante (Keq) determinada por condutividade elétrica corresponde à 1,8 x 10-16M (onde M significa molar). Isto se configura um valor extremamente baixo, mas significativo no líquido. Em água pura, a molaridade da água à 25oC (1000 dividido pelo peso molecular da água que é 18) é de 55,5. Com estes valores, uma nova constante para a dissociação da água, o Kw (produto iônico da água) é criado, obtendo-se o valor de 1 x 10-14M2, como mostrado abaixo: H2O H+ + OH- Keq = [H+][OH-]/[H2O] = Keq = [H+][OH-]/55,5M (55,5M) (Keq) = [H+][OH-] = Kw = Kw = [H+][OH-] = 55,5M x 1,8 x 10-16M Kw = 100 x 10-16M2 ou Kw = 1 x 10-14M2 Sendo assim, em água pura, onde as concentrações dos íons H+ e OH- são equivalentes, cada íon equivale a 1 x 10-7M ou 10-7M. Como o produto iônico da água é constante, sempre que [H+] for maior que 10-7M, [OH-] será menor que 10- 7M, ou vice-versa. O produto iônico da água é a base para escala de pH (tabela 2). Existe uma fórmula onde: pH = log/[H+] = pH = log/[10-7] = pH = log107 = pH = 7,0. Ou seja, em água pura, onde as concentrações dos íons H+ e OH- são equivalentes, o pH será sempre 7,0. Este valor significa que a água tem pH neutro. Valores abaixos de 7,0 determinam pH ácido enquanto valores acima de 7,0 determinam pH alcalino (básico) (figura 7). Bioquímica Básica 25 Pelo fato da escala de pH ser logarítmica, se um líquido tem pH 7,0 e outro tem pH 8,0, o segundo tem 10 X mais OH- (ou 10 X menos H+) que o primeiro. Então se compararmos o pH da água do mar (aproximadamente 7,8) com o pH do suco gástrico (aproximadamente 1,8), a diferença na concentração de H+ (e consequentemente de OH-) é de 1 milhão de vezes. Tabela 2. A escala de pH. O pH varia na razão inversa a da concentração de H+. Desse modo o aumento de H+ diminui o pH e vice-versa. pOH é exatamente o inverso do pH. Note que para todos os casos pH + pOH = 14. Figura 7. O pH de alguns líquidos. Fonte: Lehninger, Princípios de Bioquímica. [H+] (M) pH [OH-] (M) pOH 100 0 1014 14 101 1 1013 13 102 2 1012 12 103 3 1011 11 104 4 1010 10 105 5 109 9 106 6 108 8 107 7 107 7 108 8 106 6 109 9 105 5 1010 10 104 4 1011 11 103 3 1012 12 102 2 1013 13 101 1 1014 14 100 0 Bioquímica Básica 26 O pH afeta a estrutura e a função das macromoléculas biológicas. Por exemplo, a atividade das enzimas depende de pH ideal. Mudanças significativas nos valores de pH onde estão as enzimas levam a desnaturação das mesmas e consequentemente a diminuição ou perda da função. O pH sanguíneo normal está entre 7,3 e 7,45. Valores abaixo de 7,3 podem levar a um quadro de acidose, e valores acima de 7,45 podem levar a um quadro de alcalose. Em ambos os casos pode ser fatal. A absorção de alguns medicamentos também é influenciado pelo pH. Enquanto alguns medicamentos são mais bem absorvidos pelo estômago, outros são mais bem absorvidos pelo intestino delgado. A concentração de H+ afeta a maioria dos processos nos sistemas biológicos. Os ácidos e as bases podem alterar o pH. Ácidos são substâncias que entregam H+ e bases são substâncias que entregam OH- (ou roubam H+). Por exemplo, ácido clorídrico (HCl) em água sofre dissociação em H+ e Cl-, assim entregando H+ para a água e acidificando a mesma. Já o hidróxido de sódio (NaOH) em água sofre dissociação em Na+ e OH-, assim entregando OH- para a água e alcalinizando a mesma. O grau de dissociação define osácidos e bases como fortes e fracos. Ácidos e bases fortes são aqueles que se dissociam praticamente todo em água. Alguns exemplos de ácidos fortes incluem o ácido clorídrico, o ácido sulfúrico e o ácido nítrico e alguns exemplos de bases fortes incluem o hidróxido de sódio e o hidróxido de potássio. Os ácidos e bases fracos dissociam pouco em água e são chamados de tampões. Quando ácido acético (CH3COOH), um ácido fraco, é adicionado à água, algumas moléculas se dissociam em CH3COO e H+ enquanto outras se mantêm na forma associada (CH3COOH), estabelecendo um equilíbrio entre as duas formas. Enquanto a forma associada é o ácido conjugado (que doa H+), a forma dissociada é a base conjugada (que pode receber H+). CH3COOH H+ + CH3COO- A regulação do pH nos líquidos biológicos é essencial para a vida dos seres vivos. Pequena mudança nas concentrações de H+ e OH- afeta a estrutura e a função das macromoléculas celulares. A concentração destes íons intra e extracelular é mantida por sistemas tampões que fazem com que o líquido resista á Bioquímica Básica 27 variações de pH quando pequenas quantidades de ácido ou base são adicionadas. Quando um ácido forte é adicionado á água, todo o ácido se dissocia acidificando fortemente a água, mas quando o ácido forte é adicionado a uma solução contendo um ácido fraco em equilíbrio com sua base conjugada, seu pH não se altera tão dramaticamente, pois parte dos H+ adicionados pelo ácido forte são “roubados” pelas moléculas de ácido fraco que estão na forma dissociada (base conjugada). Quando uma base forte é adicionada à água, toda a base se dissocia alcalinizando fortemente a água, mas quando a base forte é adicionada à uma solução contendo um ácido fraco em equilíbrio com sua base conjugada, seu pH não se altera tanto pois parte dos OH- liberados da base recebem H+ das moléculas do ácido fraco que ainda estão na forma associada, gerando H2O. Entretanto isto só ocorre em uma faixa estreita de pH, a faixa tampão. Todo ácido fraco e base fraca têm uma faixa tampão. Para o ácido acético a faixa tampão foi determinada entre pH 3,76 e 5,76. Esta determinação é feita através de uma titulação, onde uma solução contendo o ácido fraco recebe base forte até que o ácido seja todo consumido. A curva de titulação também revela o pK do tampão que corresponde ao meio da faixa tampão e portanto neste caso 4,76. Neste valor de pH o ácido acético está 50% na forma associada e 50% na forma dissociada. Antes do pK o ácido acético está mais associado e depois do pK o ácido acético está cada vez mais dissociado até atingir 100% de dissociação em pH 5,76. A partir daí o tampão perde a sua capacidade tamponante e qualquer base adicionada à solução aumentará muito o pH (figura 8). É importante salientar que na titulação de uma base fraca com ácido forte, a curva obtida terá um perfil oposto ao da titulação do ácido com base, pois a dissociação ocorre no sentido de um pH elevado (solução contendo uma base qualquer) para um pH baixo, ou seja, se titularmos uma base fraca como por exemplo o aminofenol, cujo pK é 6,0, a sua faixa tampão iniciará em pH 7,0 e terminará em pH 5,0, estando a molécula totalmente dissociada em pH 5,0 e mais associada em pHs acima do seu pK. Quanto maior o pK de um ácido, mais fraco é este ácido e quanto menor o pK da base mais fraca é a base. Bioquímica Básica 28 Figura 8: Curva de titulação do ácido acético. Adição de OH- provoca aumento gradativo do pH até que todo o ácido acético (CH3COOH) esteja na forma dissociada (CH3COO-). Antes do inicio da faixa tampão assim como depois da faixa tampão o pH se altera facilmente, mas na faixa tampão existe uma resistência na variação do pH pois nesta faixa de pH, a medida em que OH- são adicionados, a forma associada do ácido tende a se dissociar para “roubar” os íons OH- e formar H2O. Quando se atinge 50% de equivalentes de OH- adicionados, as concentrações do doador (forma associada) e do aceptor (forma dissociada) de H+ são iguais, definindo o pK da substância. Fonte: Lehninger, Princípios de Bioquímica. Bioquímica Básica 29 Muitos medicamentos também se comportam como tampões. O ácido acetil salicílico (encontrado em alguns medicamentos como a aspirina) é um ácido fraco com pK 3,5 (por convenção, se sabemos o pK, admitimos uma faixa tampão com um valor de pH para baixo e um valor de pH para cima em relação ao pK, então a provável faixa tampão do ácido acetil salicílico é entre 2,5 e 3,5). No estômago, cujo pH do suco gástrico é aproximadamente 2,0, o ácido acetil salicílico neste pH está com a maioria das moléculas na forma associada enquanto no intestino cujo suco entérico tem pH próximo de 8,0, o ácido acetil salicílico está neste pH 100% dissociado. Para uma molécula ser bem absorvida ela deve, dentre alguns fatores, não ter carga elétrica. A forma associada do ácido acetil salicílico é neutra enquanto a forma dissociada tem carga negativa, assim o ácido é melhor absorvido pelo estômago. Os dois tampões fisiológicos mais importantes são o tampão bicarbonato e o tampão fosfato. O tampão fosfato consiste de um ácido fraco em equilíbrio com sua base conjugada representada abaixo: H2PO4- H+ + HPO4-- O sistema tampão fosfato, cujo pK é 6,86, age no citoplasma de todas as células evitando variações bruscas no pH intracelular por tamponar o citoplasma na faixa entre pH 5,86 e 7,86. Por isso, nas células o pH intracelular está sempre entre 6,9 e 7,4. O tampão bicarbonato funciona no sangue, consistindo de ácido carbônico (H2CO3) como doador de prótons e bicarbonato (HCO3-) como aceptor de prótons. H2CO3 H+ + HCO3- Quando H+ aumenta no sangue (seja pela produção de lactato no exercício físico intenso, este que ao sair do músculo para o sangue carrega um H+ ou pelo excesso de produção de corpos cetônicos no fígado de diabéticos, que também levam H+ para o sangue), a reação se desloca para a produção de ácido carbônico, com produção de CO2 e liberação deste gás pela respiração. No entanto, se o pH do plasma sanguíneo aumenta (que pode ocorrer pela produção de NH3 durante o Bioquímica Básica 30 metabolismo de proteínas), a reação se desloca para a produção de bicarbonato, provocando uma maior dissolução de CO2 dos pulmões para o plasma sanguíneo. H+ + HCO3- H2CO3 CO2 + H2O Isto significa que o sistema tampão bicarbonato regula o pH do sangue evitando que o mesmo se torne ácido ou alcalino à ponto de afetar a velocidade de algumas reações vitais para o organismo. O controle biológico do pH das células e dos fluidos corporais é, portanto, de importância fundamental em todos os aspectos celulares. Leitura complementar DEVLIN, T. Manual de bioquímica com correlações clínicas. Edgard Blucher, 2007. HARPER, H. A. Bioquímica. Atheneu, 2002. LEHNINGER, A.L. Princípios de Bioquímica. Worth publishers, 2006. STRYER, L. Bioquímica. Guanabara Koogan, 2004. VOET, D., VOET, J.G., PRATT, C.W. Fundamentos de Bioquímica. Artmed, 2002. É HORA DE SE AVALIAR Lembre-se de realizar as atividades desta unidade de estudo. Elas irão ajudá-lo a fixar o conteúdo, além de proporcionar sua autonomia no processo de ensino-aprendizagem. Bioquímica Básica 31 Exercícios - Unidade 1 1. A chuva ácida é a designação dada à chuva que ocorre em regiões onde existem na atmosfera terrestre gases e partículas ricos em enxofre e nitrogênio que, em combinação com aágua, formam ácidos fortes. Isto ocorre pela queima dos combustíveis fósseis e oxidação das impurezas sulfurosas existentes na maior parte dos carvões e petróleos. Ao longo das últimas décadas têm sido reportadas leituras de pH na água de gotas de chuva e em gotículas de nevoeiro, colhidas em regiões industrializadas, com valores próximos de 2,3 (a mesma acidez do vinagre). Na ausência de qualquer contaminante atmosférico, a água precipitada pela chuva é levemente ácida, sendo de esperar um pH de aproximadamente 5,2 a 25ºC. A partir do texto acima, a diferença no nível de acidez entre a água da chuva ácida e a água da chuva normal é de aproximadamente: (0,5 pontos) a) 10X b) 100X c) 3X d) 1000X e) 30X 2. A água é a substância mais abundante da constituição dos mamíferos. É encontrada nos compartimentos extracelulares (líquido intersticial), intracelulares (citoplasma celular) e transcelulares (dentro de órgãos como estômago e intestino). Sobre a água e sua presença nos mamíferos é CORRETO afirmar que: Bioquímica Básica 32 a) A quantidade de água nos seres é invariável b) Com o passar dos anos o conteúdo de água tem o seu percentual aumentado c) É importante fator de regulação térmica dos organismos d) Em tecidos metabolicamente ativos é inexistente e) Poucas reações químicas nos organismos dependem da água 3. Um ser humano adulto tem cerca de 60% de sua massa corpórea constituída por água. A maior parte dessa água encontra-se localizada: a) no meio intracelular b) no líquido linfático c) nas secreções glandulares e intestinais d) na saliva e) no plasma sanguíneo 4. O chefe do laboratório no qual você trabalha recebeu uma amostra de uma enzima purificada a partir de uma espécie de porífero que só é encontrado nos mares antárticos. O chefe lhe confiou então a tarefa de escolher o tampão mais indicado para trabalhar com esta enzima. Na etiqueta do frasco da enzima estava escrito que esta deve ser mantida em pH 8,5. Em seguida você consultou o caderno de reagentes do seu laboratório e observou a seguinte lista de substâncias: Substância pK Ácido acético 4,76 Tris 10,2 Fosfato diácido 6,86 Amônio 9,25 Ácido acetil salicílico 3,5 Bioquímica Básica 33 Dentre as substâncias listadas a indicada para manter o pH dos experimentos com a enzima é a: a) ácido acético b) tris c) fosfato diácido d) amônio e) ácido acetil salicílico 5. De acordo com a questão anterior o ácido considerado mais fraco é o: a) ácido acético b) tris c) fosfato diácido d) amônio e) ácido acetil salicílico 6. A água interage e dissolve moléculas através de dois processos importantes. Estes processos são: a) pontes de hidrogênio e interações hidrofóbicas b) pontes de hidrogênio e ligações covalentes c) interações hidrofóbicas e pontes de hidrogênio d) interações eletrostáticas e ligações covalentes e) interações eletrostáticas e pontes de hidrogênio Bioquímica Básica 34 7. Na água pura, as concentrações dos íons H+ e OH- são iguais e o seu pH é 7,0 a 25ºC. O pH da água do mar é aproximadamente 8,0 à mesma temperatura. O íon em maior concentração no mar, assim como a diferença de concentração deste íon entre a água pura e a água do mar são: a) H+ e 10X b) H+ e 1X c) OH- e 10X d) OH- e 1X e) OH- e 100X 8. Aspirina é um ácido fraco com pK de 3,5, paracetamol é um ácido muito fraco com pK de 9,7 e p-aminofenol é uma base fraca com pK 6,0. As fórmulas neutras das três moléculas estão mostradas abaixo: Bioquímica Básica 35 Estas drogas são absorvidas para o sangue através das células de revestimento do estômago e do intestino delgado. Para uma substância ser absorvida, ela deve atravessar facilmente a membrana celular. A passagem através da membrana celular é determinada principalmente pelo tamanho da molécula e pela sua polaridade, assim, moléculas polares com carga elétrica passam lentamente ou não passam dependendo do grau de polaridade, enquanto as polares neutras ou hidrofóbicas passam mais facilmente. Sabendo-se que o pH do suco gástrico no estômago é aproximadamente 2,0 e o pH do suco entérico no intestino delgado é aproximadamente 8,0, a opção que corresponde a absorção destas moléculas é: a) a aspirina passa bem pelo estômago, mas passa mal pelo intestino delgado. b) o paracetamol passa bem pelo estômago, mas passa mal pelo intestino delgado. c) o p-aminofenol passa bem pelo estômago, mas passa mal pelo intestino delgado. d) a aspirina passa mal pelo estômago, mas passa bem pelo intestino delgado. e) o paracetamol passa mal pelo estômago, mas passa bem pelo intestino delgado. 9. De acordo com as pontes de hidrogênio, responda: a) Qual é a sua relação com os estados físicos da água? b) Como esta interação química é produzida? c) Na ausência da água, esta interação química pode ser produzida? Justifique. __________________________________________________________________ __________________________________________________________________ __________________________________________________________________ __________________________________________________________________ Bioquímica Básica 36 __________________________________________________________________ __________________________________________________________________ __________________________________________________________________ __________________________________________________________________ 10. Abaixo podemos observar a curva de titulação de um ácido fraco. Responda: a) Qual é o pK e a faixa tamponante deste ácido? b) Como funciona um sistema tampão? __________________________________________________________________ __________________________________________________________________ __________________________________________________________________ __________________________________________________________________ __________________________________________________________________ __________________________________________________________________ __________________________________________________________________ Bioquímica Básica 37 2 Proteínas Bioquímica Básica 38 Nesta unidade, vamos entender a cerca das características gerais dos aminoácidos e das proteínas, suas estruturas químicas, suas funções celulares e as diferentes técnicas de identificação, separação, purificação e análise destas moléculas. Objetivos da Unidade Identificar e compreender as propriedades dos aminoácidos, incluindo pK e pI Conhecer as funções das proteínas Estudar os diferentes níveis estruturais das proteínas Conhecer as técnicas de identificação, separação, purificação e análise de proteínas. Caracterizar as enzimas Plano da Unidade Os aminoácidos Aminoácidos como ácidos e bases Peptídeos Estrutura e funções das proteínas Desnaturação de proteínas Técnicas de estudo das proteínas Enzimas Bons Estudos! Bioquímica Básica 39 As proteínas (ou também conhecidas como polipeptídeos) são as macromoléculas mais abundantes nas células vivas e com o maior número de funções. São instrumentos moleculares nos quais a informação genética é expressa. Todas as proteínas são formadas por moléculas menores chamadas aminoácidos. A quantidade e a ordem destes aminoácidos provêm uma quantidade enorme de diferentes proteínas celulares. Os aminoácidos Os aminoácidossão as unidades formadoras das proteínas. São mais de 200 tipos de aminoácidos diferentes na natureza, mas somente 20 são encontrados nas proteínas. Estes aminoácidos possuem regiões em comum como um carbono central (α), no qual estão ligados um hidrogênio, uma região amina (NH2), uma região carboxila ou também conhecida como ácido carboxílico (COOH) e uma cadeia lateral (ou grupamento R), com exceção da prolina que é considerado um iminoácido e, portanto não apresenta uma amina. Em pH fisiológico (próximo de 7,0), os aminoácidos estão carregados na forma de íons dipolares (ou zwitterions) tendo a amina como NH3+ e a carboxila como COO-, no entanto, esta característica não interfere nas propriedades químicas dos aminoácidos (figura 1). O carbono central dos aminoácidos formadores das proteínas é então considerado um centro quiral, no qual estão ligadas quatro regiões moleculares diferentes em um arranjo tetraédrico e assimétrico. Estas diferentes regiões podem ocupar duas posições espaciais distintas, sendo estas duas formas chamadas de estereoisômeros (ou enantiômeros). Nas proteínas, os aminoácidos têm sempre a forma L (levógiro), que por convenção, o grupo amino da molécula está na esquerda. No entanto, em peptídeos (pequenas sequências de aminoácidos) encontrados, por exemplo, nas paredes celulares de bactérias Gram+ como as do gênero Estafilococos, e em alguns antibióticos, os aminoácidos estão na forma D (dextrógiro), onde o grupo amino está na direita. Bioquímica Básica 40 Os aminoácidos são diferenciados entre si pelas suas cadeias laterais. As cadeias laterais variam em tamanho, forma, carga elétrica, reatividade química e definem os aminoácidos como polares ou apolares, no entanto esta denominação só funciona quando os aminoácidos estão incorporados nas proteínas, pois todos os aminoácidos livres são, a princípio, solúveis em água. Neste contexto, os aminoácidos glicina, alanina, prolina, valina, leucina, isoleucina, metionina, triptofano e fenilalanina são considerados apolares, enquanto os demais, por ter em suas cadeias laterais regiões capazes de interagir com a água, seja por pontes de hidrogênio ou por interações eletrostáticas, são aminoácidos polares (figura 1). Bioquímica Básica 41 Figura 1: Os aminoácidos formadores das proteínas. As fórmulas acima mostram as formas zwitterion dos aminoácidos (em pH fisiológico). Acido glutâmico e ácido aspártico são aminoácidos comumente referidos respectivamente como glutamato e aspartato. A cadeia lateral da glicina está destacada das demais por ser a mais simples. Fonte: www.infoescola.com, acesso em 18/10/2014, adaptado. Bioquímica Básica 42 Os aminoácidos podem apresentar algumas características funcionais interessantes: o aminoácido mais simples, a glicina, tem este nome por ter gosto doce, assim lembrando o nome glicose, além de ser um neurotransmissor; o glutamato e o triptofano são usados na produção dos neurotransmissores ácidos γ- aminobutírico, serotonina e melatonina; leucina, isoleucina e valina são os aminoácidos conhecidos como BCAA (aminoácidos de cadeia lateral ramificada), muito procurados por praticantes de alguma atividade física, que serão estudados nas próximas unidades; aspartato e fenilalanina são usados na produção do adoçante aspartame; arginina participa do ciclo da uréia (importante via metabólica que ocorre no fígado e que será estudada nas próximas unidades); tirosina é usada na formação do hormônio tiroxina. Além dos 20 aminoácidos descritos anteriormente, algumas raras proteínas podem conter aminoácidos modificados após a sua incorporação na cadeia polipeptídica. Dentre estes podemos incluir a 4-hidroxiprolina e a 5-hidroxilisina, encontradas no colágeno, a 6-N-metillisina, encontrada na miosina, a desmosina, encontrada na elastina e o γ-carboxiglutamato, encontrado na protrombina. Os aminoácidos podem também ser classificados como naturais (não- essenciais) e essenciais. Os naturais são os aminoácidos produzidos pelo organismo. Os essenciais não são produzidos pelo organismo e, portanto precisam ser adquiridos na alimentação. Os vegetais produzem todos os 20 aminoácidos que formam as proteínas e, portanto só possuem aminoácidos naturais. Os humanos produzem somente 11 (alanina, arginina, asparagina, aspartato, cisteina, glicina, glutamato, glutamina, prolina, serina e tirosina) do total de 20 aminoácidos. Deste modo, ao ingerir proteínas, os humanos obtêm os 20 aminoácidos, sendo alguns já produzidos pelo corpo e outros essenciais. É importante ressaltar que para formar as proteínas são necessários todos os 20 aminoácidos. Bioquímica Básica 43 Aminoácidos como ácidos e bases Como os aminoácidos possuem grupamentos amina e carboxila capazes de se ionizar, a forma iônica predominante dos aminoácidos é dependente do pH no qual este aminoácido se encontra. Os aminoácidos podem apresentar 2 ou 3 grupamentos ionizáveis referentes a amina, a carboxila e algumas cadeias laterais, ou seja 2 ou 3 regiões com poder tamponante (tabela 1). Um aminoácido em solução cujo pH é muito ácido (entre 0 e 1), tem seus grupamentos ionizáveis totalmente protonados (com íons H+). À medida que o pH aumenta (com adição de base), os íons H+ são liberados, sempre primeiro os prótons das carboxilas e depois os prótons das aminas. Tabela 1: Valores de pK e pI dos aminoácidos. Aminoácido pK pI Nome Abreviação de três letras Abreviação de uma letra COOH NH3+ Cadeia lateral (grupamento R) Alanina Ala A 2,34 9,69 6,01 Arginina Arg R 2,17 9,04 12,48 10,76 Asparagina Asn N 2,02 8,80 5,41 Aspartato Asp D 1,88 9,60 3,65 2,77 Cisteína Cys (Cis) C 1,96 10,28 8,18 5,07 Fenilalanina Phe (Fen) F 1,83 9,13 5,48 Glicina Gly (Gli) G 2,34 9,60 5,97 Glutamato Glu E 2,19 9,67 4,25 3,22 Glutamina Gln Q 2,17 9,13 5,65 Histidina His H 1,82 9,17 6,00 7,59 Isoleucina Ile I 2,36 9,68 6,02 Leucina Leu L 2,36 9,60 5,98 Lisina Lys (Lis) K 2,18 8,95 10,53 9,74 Metionina Met M 2,28 9,21 5,74 Prolina Pro P 1,99 10,96 6,48 Serina Ser S 2,21 9,15 5,68 Tirosina Tyr (Tir) Y 2,20 9,11 10,07 5,66 Treonina Ter T 2,11 9,62 5,87 Triptofano Trp W 2,38 9,39 5,89 Valina Val V 2,32 9,62 5,97 Bioquímica Básica 44 Duas abreviações de três letras para o mesmo aminoácido significam abreviação adotada no Inglês e no Português respectivamente. As demais são abreviações universais. A titulação da glicina, um exemplo de aminoácido com 2 grupamentos ionizáveis, mostra que em pH muito ácido, a glicina tem ambos amina e carboxila protonadas (NH3+ e COOH respectivamente), iniciando a titulação com carga elétrica líquida +1. À medida que o pH vai aumentando, moléculas de glicina começam a liberar prótons da carboxila até que todas as moléculas estejam com a carboxila sem próton (COO-). Neste momento, a carga elétrica líquida da glicina é zero. À medida que o pH continua a aumentar, as moléculas de glicina perdem mais prótons, desta vez das aminas, até que todas estejam na forma de NH2. Neste momento todas as glicinas estarão com carga elétrica líquida -1 e seguirá assim até o fim da titulação. Entre a carga +1 e a zero, existirá um pK (pK1) onde 50% das moléculas de glicina estarão com a carboxila protonada (COOH) e 50% com a carboxila desprotonada (COO-) e assim a carga elétrica líquida será +0,5 e entre a carga zero e -1, existirá outro pK (pK2), onde 50% das moléculas de glicina estarão com a amina protonada (NH3+) e 50% com a amina desprotonada (NH2) e assim a carga elétrica líquida será -0,5. O somatório dosdois pKs dividido por 2 revelará o pI (ponto isoelétrico do aminoácido), que significa o valor de pH no qual o aminoácido está com carga absolutamente zero (figura 2). A titulação de aminoácidos com três grupamentos ionizáveis como, por exemplo, o glutamato e a histidina mostra uma curva com três pKs. O glutamato, por ter duas carboxilas (incluindo a da cadeia lateral) e uma amina, inicia a sua titulação com carga elétrica líquida +1 e termina a titulação com carga elétrica líquida -2. A histidina por ter uma carboxila e duas regiões positivas (uma amina e um anel imidazol) inicia a titulação com carga elétrica líquida +2 e termina a titulação com carga elétrica líquida -1. Em ambos os casos o pI será a soma dos dois pKs mais próximos, dividido por 2 (figura 2). Bioquímica Básica 45 Se a glicina for colocada em um ambiente com pH definido e submetida a um campo elétrico, esta se moverá para o lado positivo (anodo) em pHs acima do seu pI, pois pHs acima de 5,97 (pI da glicina) fará com que a molécula comece a adquirir carga elétrica líquida negativa. Em pHs abaixo do seu pI, a glicina, por adquirir carga elétrica líquida positiva, migrará para o lado negativo (catodo). Em pH 12,0 por exemplo ela migrará para o lado positivo com uma velocidade maior que em pH 9,6 pois em pH 12,0 a glicina está com carga elétrica líquida -1 e em pH 9,6 (valor referente ao seu pK2) a glicina estará com carga elétrica líquida -0,5. Em pH 5,97 (valor referente ao seu pI), a glicina não se deslocará no campo elétrico. Se glicina, histidina e glutamato forem submetidos a um campo elétrico em pH 5,97, a glicina não se deslocará, mas o glutamato, por ter pI 3,22 estará com carga negativa neste pH e migrará para o lado positivo. Já a histidina, por ter pI 7,59 estará com carga positiva neste pH e assim se deslocará para o lado negativo. Assim, diferentes aminoácidos podem ser separados em um campo elétrico com um pH definido, de acordo com seus pIs (esta técnica chamada de eletroforese será explicada ainda nesta unidade). Em resumo, pHs abaixo do pI do aminoácido fazem o aminoácido migrar para o lado negativo, pHs acima do pI fazem o aminoácido migrar para o lado negativo e pH igual ao pI não permite que o aminoácido se mova no campo elétrico. Bioquímica Básica 46 Figura 2: Curvas de titulação dos aminoácidos glicina, glutamato e histidina. O primeiro tem 2 grupamentos ionizáveis e os outros dois tem 3 grupamentos ionizáveis. As fórmulas predominantes ao longo da titulação são mostradas acima dos gráficos. Na curva de titulação da glicina os retângulos sombreados em vermelho indicam as duas regiões de tamponamento. Fonte: Lehninger, Princípios de Bioquímica. Bioquímica Básica 47 Os aminoácidos se unem para formar proteínas através da ligação peptídica. Esta ligação covalente é formada a partir de uma reação entre o grupamento amina de um aminoácido e o grupamento carboxila do outro aminoácido, resultando na saída de uma molécula de água (figura 3). Esta reação química ocorre somente no citoplasma ou nas membranas do retículo endoplasmático rugoso das células, dentro de uma estrutura chamada ribossomo. Figura 3: A ligação peptídica. Esta ligação (representada com um traço em vermelho) é formada a partir de uma reação de condensação entre o grupamento amina de um aminoácido e o grupamento carboxila do outro aminoácido. Fonte: www.colegiovascodagama.com, acesso em 18/10/2014. Peptídeos Os peptídeos são biomoléculas com uma quantidade pequena de aminoácidos. Diversos autores citam peptídeos como moléculas contendo 2 aminoácidos (dipeptídeos) ou de 3 até um máximo de 50 aminoácidos (oligopeptídeos). Acima de 50 aminoácidos a molécula já é considerada uma proteína. Peptídeos, apesar de pequenos, apresentam funções biológicas importantes: a ocitocina (com 9 aminoácidos), secretada pela hipófise, é responsável pelas contrações musculares do útero no parto e na produção de leite Bioquímica Básica 48 pelas glândulas mamárias; a bradicinina (com 9 aminoácidos) inibe inflamação nos tecidos; o glucagom (com 29 aminoácidos) é produzido pelo pâncreas em situações de hipoglicemia sanguínea; a glutationa (com 3 aminoácidos) atua como agente redutor e protege as células dos efeitos oxidantes de algumas substâncias como a água oxigenada; o hormônio antidiurético (com 9 aminoácidos) é sintetizado pelo hipotálamo e estimula os rins a reter água. Estrutura e função das proteínas Como descrito anteriormente, as proteínas são macromoléculas formadas por aminoácidos através de ligações peptídicas. As proteínas diferem quanto à quantidade e a sequência de aminoácidos que possuem. Por exemplo, duas proteínas contendo o mesmo número de aminoácidos não são necessariamente idênticas porque podem ter diferentes sequências de aminoácidos. O tamanho das proteínas varia desde moléculas pequenas como a insulina (com 51 aminoácidos de tamanho) até moléculas bem grandes como a hemoglobina (com 574 aminoácidos de tamanho). As proteínas podem ser encontradas tanto intracelulares quando extracelularmente e apresentam diversas funções, incluindo hormonal (ex: insulina, produzida pelo pâncreas e GH produzido na hipófise), nutricional (ex: caseína, a principal proteína do leite e ovalbumina, a principal proteína da clara do ovo), imunológica (ex: imunoglobulinas), contração (ex: actina e miosina, as principais proteínas de contração muscular), motilidade (ex: tubulina, encontrada no flagelo dos espermatozóides e cílios de protozoários), transporte (ex: hemoglobina, encontrada nas hemácias e albumina, transportadora de lipídios no plasma sanguíneo), estrutural (ex: colágeno e queratina) e enzimática (será detalhada no final desta unidade). Bioquímica Básica 49 Baseada em sua composição as proteínas podem ser simples ou conjugadas. As simples apresentam somente aminoácidos na sua estrutura. As conjugadas apresentam, além de aminoácidos, outros componentes como íons (ex: ferro, zinco, cobre nas metaloproteínas) ou moléculas (ex: lipídios nas lipoproteínas, oligossacarídeos nas glicoproteínas e fosfato nas fosfoproteínas). A estrutura das proteínas é bastante complexa. Distinguem-se quatro níveis de organização nas proteínas: estrutura primária, secundária, terciária e quaternária. A estrutura primária é a forma da proteína que acaba de ser sintetizada na célula. Esta forma contém aminoácidos unidos por ligações peptídicas e em algumas proteínas, também por pontes (ligações) dissulfeto. Esta ligação covalente (em alguns casos referidos também como interação química) ocorre através de uma reação química entre os grupamentos sulfidrila (SH) das cadeias laterais dos aminoácidos cisteína que estão próximos na cadeia polipeptídica, criando uma ligação covalente entre dois átomos de enxofre (S-S). Cada estrutura primária é formada de acordo com a informação genética contida nos genes do organismo. Atualmente, é conhecida a estrutura primária de centenas de proteínas. A primeira a ter a sua estrutura elucidada foi à insulina, com duas cadeias peptídicas, uma com 21 e outra com 30 aminoácidos, contendo três pontes dissulfeto. A forma primária de uma proteína ainda não tem função. Para ter função esta forma deverá assumir uma conformação final: secundária, terciária ou quaternária. Abaixo um modelo de dobramento de uma proteína sem forma definida e consequentemente sem função (estrutura primária) para uma forma terciária (figura 4). Bioquímica Básica 50 Figura 4: Dobramento (enovelamento) de uma proteína. A estruturaprimária (proteína recém-sintetizada na célula) assumindo a forma final terciária. Esta figura é representada como modelo em fita. Fonte: www.dc205.4shared.com, acesso em 18/10/2014. A estrutura secundária pode se apresentar como dois modelos: a α-hélice e a folha-β (ou β-pregueada). Em ambos os modelos à estrutura secundária é estabilizada por pontes de hidrogênio. Na estrutura α-hélice, as pontes de hidrogênio ocorrem entre o oxigênio da região C=O da ligação peptídica de um aminoácido e o hidrogênio da região N-H da ligação peptídica de outro aminoácido, distantes quatro aminoácidos entre si, criando uma forma helicoidal, daí o nome hélice (figura 5). Além disso, nesta conformação costumam ocorrer com freqüência interações eletrostáticas entre cadeias laterais de cargas opostas e interações hidrofóbicas entre cadeias laterais apolares dos aminoácidos, pois em ambos os casos estas cadeias laterais estão distantes três ou quatro aminoácidos, fazendo com que estas interações possam ocorrer e assim contribuir para a configuração da hélice. A folha-β é bem diferente da alfa hélice, pois é quase totalmente distendida ao invés de enrolada. A folha-β é estabilizada por pontes de hidrogênio entre grupos N-H e C=O de 2 ou mais moléculas polipeptídicas adjacentes, estas que podem estar paralelas (no mesmo sentido) ou antiparalelas (sentidos opostos), enquanto que nas α-hélices as pontes de hidrogênio entre grupos N-H e C=O são na mesma molécula (figura 5). Bioquímica Básica 51 As formas secundárias, também conhecidas como estruturas fibrosas, são conhecidamente insolúveis em água. A explicação se baseia no fato destas proteínas apresentarem muitos aminoácidos com cadeias laterais apolares, tanto no interior quanto na superfície da proteína assim como a maioria das cadeias laterais polares dos aminoácidos estarem no interior da proteína, escondidas da água, dificultando ainda mais a interação da água com a proteína. A B Figura 5: As conformações secundárias das proteínas. Na conformação A, encontra-se a α-hélice e na conformação B encontra-se a folha-β no modelo antiparalelo. Ambas as formas são estabilizadas por pontes de hidrogênio. As regiões R representam as cadeias laterais dos aminoácidos. Fonte: www.bioquimica.faculdade.zip.net, acesso em 19/10/2014. Bioquímica Básica 52 O colágeno, proteína mais abundante dos vertebrados (representa mais de 30% do total de proteínas), encontrado na pele, dentina, córnea, tendões, cartilagens e ossos é uma proteína fibrosa. O colágeno é classificado em 12 tipos (I, II, III, IV, V, VI, VII, VIII, IX, X, XI e XII), sendo o tipo I o mais comum, amplamente distribuído pelo corpo. Cada molécula de colágeno pode se apresentar como uma estrutura em hélice simples ou conter três cadeias polipeptídicas (tripla hélice) enroladas uma em torno da outra, criando uma estrutura chamada super-hélice (também referida como estrutura quaternária do colágeno), bastante resistente, estabilizadas por pontes de hidrogênio e algumas ligações covalentes cruzadas (figura 6). Analisando a sua composição química, encontram-se muitos aminoácidos com cadeia lateral apolar, incluindo 35% de glicina, 11% de alanina e 21% de prolina/4-hidroxiprolina, o que, em parte, explica sua insolubilidade em água. No corpo humano, o colágeno desempenha várias funções como, por exemplo, unir e fortalecer tecidos. A deficiência de colágeno no organismo leva a um quadro de colagenose, gerando má formação óssea, rigidez muscular, inflamação de juntas ósseas etc. Na formação do colágeno é necessária a participação da vitamina C. Sob a deficiência desta vitamina, pode ocorrer o escorbuto, uma doença cujos sintomas vão desde hemorragias na gengiva, fragilidade dos vasos sanguíneos até a morte. Mutações nos genes relacionados ao colágeno levam a produção de proteínas anormais. A osteogênese imperfeita é uma doença rara (1:25.000 nascimentos) relacionada a um defeito na síntese de colágeno tipo I, que leva a uma formação óssea anormal em bebês, com conseqüentes fraturas e deformidades ósseas. Já a doença Ehlers-Danlos (1:3.000.000 nascimentos) se caracteriza por um defeito na síntese de colágeno tipo I, III ou IV, levando a frouxidão em ligamentos, hipotonia muscular, desvios de coluna etc. Bioquímica Básica 53 Figura 6: Estrutura do colágeno. Em A, está o colágeno evidenciando os seus principais aminoácidos. Em B, está à representação das três moléculas adjacentes de colágeno e em C a união das três moléculas, criando a super-hélice. Fonte: www.bifi.es, acesso em 19/10/2014. A queratina, outra proteína fibrosa, é encontrada nos animais na pele, cabelos, unhas, garras, chifres, cascos e penas. Sua composição de aminoácidos revela um alto número dos aminoácidos hidrofóbicos alanina, valina, leucina, isoleucina, fenilalanina e metionina. A queratina apresenta duas cadeias polipeptídicas enroladas em espiral, contendo ligações covalentes cruzadas através de um grande número de pontes dissulfeto, conferindo à molécula alta resistência. A elastina é uma proteína fibrosa encontrada em vários locais do corpo dos animais vertebrados como no pavilhão auditivo, na epiglote, em algumas cartilagens e nas artérias elásticas. Tal como o colageno, ela é produzida pelos fibroblastos do tecido conectivo (derme). A elastina se caracteriza por formar fibras mais finas que aquelas formadas pelo colágeno. Essas fibras cedem bastante à tração, mas retornam à forma original quando é cessada a força, portanto a elastina Bioquímica Básica 54 confere a estas fibras elasticidade e resistência. Assim como o colágeno e a queratina, a elastina é uma proteína composta na sua maioria por aminoácidos com cadeia lateral apolar (glicina, valina, alanina e prolina). A estrutura terciária das proteínas é conhecida como estrutura globular ou enovelada. As proteínas terciárias são solúveis em água por apresentarem a maioria das cadeias laterais de aminoácidos hidrofóbicos voltados para o interior da proteína, enquanto a maioria das cadeias laterais polares está exposta facilitando a interação da água por pontes de hidrogênio e interações eletrostáticas. Proteínas enoveladas podem conter várias regiões α-hélice, várias regiões folha-β ou uma mistura das duas regiões. Encontramos neste modelo de proteína um alto número de interações entre as cadeias laterais dos aminoácidos, incluindo as pontes dissulfeto, interações hidrofóbicas, pontes de hidrogênio e interações eletrostáticas, isto porque os aminoácidos que estão distantes na proteína podem interagir nesta forma terciária devido ao enovelamento poder aproximar aminoácidos muito distantes, até mesmo o primeiro e o último aminoácido da cadeia polipeptídica. A mioglobina, uma proteína pequena, com 153 aminoácidos e um grupo heme (consiste de uma estrutura orgânica cíclica, a protoporfirina, no qual se encontra um átomo de ferro no estado ferroso, Fe++, capaz de se ligar reversivelmente ao oxigênio) é um exemplo de estrutura terciária (figura 7). Sua estrutura molecular mostra 78% de regiões α-hélice e sem regiões folha-β. Presente no citoplasma das células musculares, a mioglobina é uma proteína transportadora e armazenadora de oxigênio nos músculos estriados do corpo (músculos esqueléticos e cardíacos). O interior da molécula é bastante apolar, contendo muitos aminoácidos leucina, valina, metionina e fenilalanina; já o exterior da molécula é bastante polar. Esta proteína não contém pontes dissulfeto, porém apresenta várias interações hidrofóbicas, interações eletrostáticas e pontes de hidrogênio. O citocromo C,uma proteína de 104 aminoácidos, é também uma proteína terciária contendo heme. A proteína está relacionada com a cadeia respiratória mitocondrial e funciona como uma transportadora de elétrons (esta função será estudada nas próximas unidades). Apenas cerca de 40% da proteína é Bioquímica Básica 55 formada por α-hélice; o restante da proteína não contém folhas-β, no entanto é composta por segmentos enovelados irregularmente e estendidos. Diferente do observado na mioglobina e no citocromo C, a lisozima, uma proteína terciária de 129 aminoácidos, contém tanto regiões α-hélice quanto folhas-β. Enquanto as regiões α-hélice são representadas por espirais, as regiões folhas-β são representadas por setas (figura 7). Esta proteína está presente na saliva, lágrima e na clara do ovo e atua como bactericida, quebrando ligações químicas de moléculas chamadas peptidoglicano, presentes na parede celular de bactérias Gram+, como por exemplo, bactérias dos gêneros Estafilococos e Estreptococos. A estrutura quaternária das proteínas se refere à união de duas ou mais cadeias polipeptídicas terciárias, podendo chegar a centenas de cadeias polipeptídicas terciárias agrupadas. Sendo assim, a estrutura quaternária é também chamada de globular, enovelada ou solúvel e possui as mesmas interações químicas encontradas na estrutura terciária. A primeira proteína quaternária a ter a sua estrutura decifrada foi a hemoglobina. Esta proteína, de 574 aminoácidos, presente nas hemácias, contém quatro cadeias terciárias, sendo duas de 141 aminoácidos (cadeias α) e duas de 146 aminoácidos (cadeias β), estabilizadas por pontes de hidrogênio e interações eletrostáticas (figura 7). Apesar das cadeias terem estas denominações, em nada se refere às estruturas secundárias estudadas anteriormente, pois a hemoglobina não apresenta regiões folha-β, mas somente regiões α-hélice. Cada cadeia polipeptídica contém um grupamento heme, capaz de ligar ao oxigênio. Sua função é a de transportar oxigênio dos pulmões para os tecidos e gás carbônico dos tecidos para os pulmões para liberação pela respiração. Enquanto a mioglobina apresenta alta afinidade pelo oxigênio, a hemoglobina apresenta afinidade que aumenta à medida que o primeiro oxigênio se liga, facilitando a ligação dos outros oxigênios. De modo inverso, a saída do primeiro oxigênio da hemoglobina para os tecidos facilita a liberação dos demais. A ligação dos oxigênios à hemoglobina é afetada por vários fatores: assim que o sangue atinge os tecidos, moléculas de CO2 se difundem para as hemácias, causando redução do pH nos tecidos. Esta redução do pH favorece a liberação do oxigênio da hemoglobina. Quando as hemácias chegam aos pulmões, o CO2 liberado aumenta o pH e consequentemente aumenta Bioquímica Básica 56 a ligação de novas moléculas de O2 à hemoglobina. Este efeito do pH e da concentração de CO2 sobre a ligação e liberação de O2 pela hemoglobina é chamada de efeito Bohr; o 2,3-BPG (2,3-bifosfoglicerato, produzido à partir do 1,3- bifosfoglicerato, que será estudado nas próximas unidades) regula a ligação do oxigênio à hemoglobina. Nas hemácias o 2,3-BPG diminui a afinidade do oxigênio à hemoglobina por se ligar a hemoglobina desoxigenada, mas não à hemoglobina já com oxigênio. Ao nível do mar, nos pulmões, a quantidade de O2 liberada nos tecidos está em 40% do máximo que pode ser transportada pelo sangue. Em grandes altitudes, a entrega de O2 diminui, entretanto um aumento na concentração de 2,3-BPG diminui a afinidade da hemoglobina pelo O2, facilitando a entrega do O2 da hemoglobina para os tecidos e melhorando a respiração no ambiente com pouco oxigênio. Figura 7: As estruturas moleculares da mioglobina, lisozima e hemoglobina (representação em fita). A mioglobina (A) e a lisozima (B) são proteínas terciárias por serem somente formadas por uma única proteína enovelada. Já a hemoglobina (C) é uma proteína quaternária por ser formada por mais de uma proteína terciária (neste caso, formada por quatro proteínas terciárias representadas por cores diferentes). A estrutura heme da mioglobina e as cadeias laterais dos aminoácidos no local de ligação da lisozima à parede celular das bactérias Gram+ estão mostradas em vermelho. As regiões α-hélice são representadas por espirais enquanto as regiões folhas-β são representadas por setas. Fonte: Lehninger, Princípios de Bioquímica. Várias enfermidades são associadas a problemas relacionados à hemoglobina e são conhecidas como hemoglobinopatias: na anemia falciforme, uma mutação nos genes para as cadeias β da hemoglobina (localizados no cromossomo 11) faz com que estas cadeias apresentem uma modificação de ácido glutâmico (aminoácido com cadeia lateral polar) para valina (aminoácido com cadeia lateral Bioquímica Básica 57 apolar) no 6º aminoácido das duas cadeias β da hemoglobina. Em condições de baixa tensão de oxigênio as moléculas de hemoglobina agregam-se levando à formação de polímeros fibrosos de hemoglobina com precipitação destas moléculas e conseqüente deformação das hemácias para uma forma de foice, provocando isquemia local, hemólise acentuada, coágulos, acidentes vasculares cerebrais dentre outros problemas, levando em alguns casos a morte. Já as talassemias são doenças relacionadas à hemoglobina por serem caracterizadas pela redução ou ausência da síntese das cadeias α ou β da hemoglobina, levando a quadros de anemia desde leve até profunda, hepatomegalia, esplenomegalia e outros problemas também potencialmente fatais. Desnaturação de proteínas As proteínas podem sofrer desnaturação. A desnaturação é a perda da estrutura da proteína (através do rompimento de suas interações químicas, com exceção das ligações peptídicas) com conseqüente perda parcial ou total da sua função biológica. O aquecimento do ovo revela um modelo de desnaturação. A ovalbumina da clara do ovo é um exemplo de proteína que ao sofrer desnaturação não renatura mais. A clara do ovo antes de ser submetida à alta temperatura é líquida e incolor, mas ao ser aquecida, se torna branca e sólida, evidenciando a desnaturação da proteína, no entanto ao resfriarmos o ovo, a clara não volta mais a ser líquida e transparente. A febre alta pode causar uma leve desnaturação de algumas proteínas do corpo. Vários agentes químicos e físicos podem causar desnaturação em uma proteína. Dentre eles, podemos citar: a) alteração no pH: rompe interações eletrostáticas e pontes de hidrogênio na proteína; b) alta temperatura: rompe interações eletrostáticas, interações hidrofóbicas e pontes de hidrogênio na proteína; Bioquímica Básica 58 c) detergentes: rompem interações hidrofóbicas na proteína; d) solventes orgânicos: rompem interações hidrofóbicas na proteína; e) redutores: rompem pontes dissulfeto na proteína; f) metais pesados: rompem interações eletrostáticas na proteína; g) radiações: dependendo da radiação (U.V, X, gama) pode romper qualquer interação química na proteína. A modelagem do cabelo em um salão de beleza é um processo que envolve desnaturação. O cabelo é submetido a um agente redutor (geralmente tioglicolato, guanidina, formol etc) e também à alta temperatura (com auxílio de touca térmica). Deste modo, rompem-se todas as interações (interações eletrostáticas, interações hidrofóbicas, pontes dissulfeto e pontes de hidrogênio) da queratina. Após certo tempo, remove-se o agente redutor, aplica-se um agente oxidante e resfria-se o cabelo, restaurando a conformação em α-hélice da queratina, mas com pontes dissulfeto em locais diferentes do usual na queratina,por isso consegue-se moldar o fio do jeito que se deseja. Algumas proteínas podem, ao ser removido o agente redutor, sofrer renaturação, recuperando a sua forma nativa e consequentemente a sua função biológica. A ribonuclease, uma proteína terciária secretada pelo pâncreas e liberada no intestino delgado para a quebra de RNAs oriundos da dieta é um exemplo de proteína que consegue se renaturar. Bioquímica Básica 59 Técnicas de estudo das proteínas Uma célula bacteriana, como a Escherichia coli, contém cerca de 3.000 proteínas diferentes. Uma célula humana produz mais de 50.000 proteínas. Como uma delas pode ser purificada e identificada no meio de tantas outras? Atualmente, várias técnicas de separação e purificação de proteínas são usadas rotineiramente em laboratórios que trabalham com proteínas. Para isolar uma proteína, é necessária uma fonte desta molécula, que pode ser um microorganismo como uma bactéria, protozoário ou fungo, tecidos vegetais ou animais ou até mesmo alimentos como leite. O primeiro passo é o rompimento das células para a obtenção do extrato bruto ou também referido como extrato total. Com o extrato, pode-se fazer uma separação inicial por diferenças de solubilidade através da técnica de “salting out” onde a adição de sal (geralmente sulfato de amônio) pode precipitar algumas proteínas enquanto outras permanecerão solúveis. No leite, por exemplo, não há a necessidade da etapa de obtenção do extrato bruto pelo fato de não haver células para serem rompidas, sendo assim o leite já é o extrato total. Os métodos mais comuns utilizados em laboratórios para a separação e purificação de proteínas são a cromatografia em coluna e a eletroforese. Na cromatografia, uma resina (material sólido e poroso) é colocada em uma coluna contendo uma solução tampão. Uma solução de proteínas é adicionada no topo da coluna e migrada ao longo desta. Logo abaixo existem tubos para coletar frações de proteínas. As proteínas migram mais lentamente ou mais rapidamente na coluna dependendo das características das proteínas e do material contido na coluna, assim as proteínas podem se prender ou são liberadas da coluna (eluídas) em momentos distintos (figura 8). Bioquímica Básica 60 Várias cromatografias são conhecidas: a cromatografia de troca iônica contém na coluna uma resina com um polímero sintético carregado negativamente (resina aniônica) ou positivamente (resina catiônica). Se uma solução de proteínas for migrada em uma resina aniônica, as proteínas de carga positiva (contendo muitas cadeias laterais dos aminoácidos lisina, arginina e histidina) ficarão presas na matriz porosa enquanto as negativas (contendo muitas cadeias laterais dos aminoácidos glutamato e aspartato) migrarão mais facilmente e serão eluídas primeiro. Deste modo a cromatografia de troca iônica separa proteínas por carga elétrica; a cromatografia de gel filtração separa as proteínas pelo tamanho, onde a matriz da coluna contém poros por onde as proteínas menores entram e ficam mais tempo retidas e as proteínas maiores, por não entrar nestes poros passam mais facilmente, sendo então eluídas primeiro; a cromatografia de fase reversa separa proteínas pela sua hidrofobicidade, onde as mais hidrofóbicas ficam presas na resina da coluna e as mais hidrofílicas saem facilmente; a cromatografia de afinidade separa proteínas pelas suas especificidades de ligação, onde as proteínas retidas na coluna estão presas a um ligante (referido como anticorpo) para a proteína de interesse e as demais são liberadas da coluna. Deste modo esta cromatografia é a mais específica de todas, mas infelizmente não existem muitos anticorpos disponíveis para ligar às diferentes proteínas conhecidas. Bioquímica Básica 61 Bioquímica Básica 62 Bioquímica Básica 63 Bioquímica Básica 64 Figura 8: Modelos de cromatografias em coluna. Aqui estão mostrados três tipos comuns de cromatografias. Em A, a cromatografia de troca iônica, em B, a cromatografia de gel-filtração e em C, a cromatografia de afinidade. Fonte: Lehninger, Princípios de Bioquímica. A eletroforese se baseia na migração de proteínas carregadas em um campo elétrico. A eletroforese pode atuar sozinha ou em conjunto com a cromatografia no sentido de revelar o número de proteínas e o grau de pureza em uma amostra. Além disso, os diferentes tipos de eletroforese fornecem o tamanho e o pI de uma proteína (figura 9). A eletroforese simples é geralmente executada em um gel de poliacrilamida, um polímero capaz de separar proteínas pelo tamanho. Na preparação do gel utiliza-se um detergente, o dodecil sulfato de sódio (SDS) que se liga por interações hidrofóbicas às proteínas e, conferem às mesmas, carga negativa, independente dos aminoácidos que a proteína possua assim todas as proteínas inseridas no gel terá a mesma carga. Além disso, pelo fato do SDS ser um detergente, ele desnatura as proteínas que serão aplicadas no gel, facilitando a migração das mesmas. Uma corrente elétrica faz as proteínas irem em direção ao pólo positivo, onde as proteínas menores migram mais rapidamente e as maiores migram mais lentamente formando “bandas” que são reveladas após coloração do gel com um corante chamado azul Coomassie que cora proteínas, mas não cora o gel. Proteínas secundárias e terciárias formam apenas uma banda no gel, mas proteínas quaternárias formam um número de bandas que é dependente do tamanho e número de suas cadeias polipeptídicas. Se duas ou mais proteínas apresentam o mesmo tamanho ou tamanho muito aproximado, estas estarão praticamente na mesma localização no gel, criando uma banda mais forte. Para facilitar a determinação do tamanho de uma proteína de interesse, utiliza-se um padrão de peso molecular que é na verdade uma solução contendo proteínas conhecidas e com tamanhos definidos, esta que é aplicada no gel junto com a amostra de proteínas a ser identificada. É comum após a obtenção de um extrato bruto ou de uma cromatografia realizar uma eletroforese para saber o número de proteínas na amostra e verificar se este número diminui após as purificações. Bioquímica Básica 65 A eletroforese bidimensional separa proteínas pelo tamanho e pI da proteína, sendo então mais eficiente na separação das proteínas que a eletroforese convencional, porém mais trabalhosa. Um gradiente de pH é criado através da adição de ácidos e bases sob ação de um campo elétrico ao longo de um gel. Quando proteínas são aplicadas, cada uma irá migrar até a região de pH idêntico ao seu pI. Em seguida as proteínas são migradas para separação por tamanho. Como as proteínas tem tamanhos e pIs diferentes, a separação é maior. Neste gel as proteínas não são vistas como bandas, mas como pontos (spots), onde cada ponto é referente a uma ou poucas proteínas. O pI de uma proteína é dependente dos valores de pK de todos os grupamentos ionizáveis dos aminoácidos. A maioria das proteínas apresenta pI na faixa de 4,0 à 7,0 mas algumas proteínas podem apresentar pIs muito baixos ou muito altos. Por exemplo, a pepsina, uma proteína estomacal tem pI aproximado de 1,5 por conter muitos aminoácidos ácidos (glutamato e aspartato) enquanto citocromo C apresenta pI próximo de 10,0 por apresentar muitos aminoácidos básicos (lisina, arginina e histidina). Bioquímica Básica 66 Figura 9: A eletroforese. Em A, uma simulação de uma eletroforese simples onde um padrão de peso molecular e uma proteína, com tamanho desconhecido, são migradas em gel depoliacrilamida na presença de SDS. Em B, gel de eletroforese simples mostrando etapas da purificação da enzima RNA polimerase de Escherichia coli, onde a primeira faixa com proteína mostra o extrato total e as faixas sucessivas (da esquerda para a direita) mostram as proteínas restantes a cada passo de purificação. Na última faixa a proteína já está purificada, mas como a RNA polimerase tem 4 subunidades, é possível a visualização de 4 bandas, duas muito próximas de maior tamanho e duas mais afastadas. Em C, eletroforese bidimensional de proteínas intracelulares do fungo Cryptococcus neoformans. As proteínas foram separadas em um gradiente de pH entre 4,0 e 10,0 para depois serem separadas por tamanho. O padrão de peso molecular foi aplicado somente no segundo gel. Fontes: Lehninger, Princípios de Bioquímica e www.ufrgs.br, acesso em 19/10/2014. Bioquímica Básica 67 Enzimas As enzimas são moléculas capazes de acelerar reações químicas, catalisando reações tanto dentro quanto fora das células (por exemplo, em lúmen de órgãos). Com exceção de alguns RNAs com atividade catalítica, todas as enzimas são proteínas. As enzimas podem acelerar uma reação química no mínimo 106 vezes em relação à mesma reação não catalisada, sendo que algumas enzimas aceleram a reação na ordem de 1017 vezes. Alguns aspectos importantes sobre as enzimas incluem: 1. Alto grau de especificidade; 2. Catálise de reações de síntese e degradação de moléculas; 3. Conservação e transformação de energia química; 4. Algumas doenças são o resultado da ausência de uma ou mais enzimas e outras pelo excesso da atividade de uma determinada enzima; 5. Muitos medicamentos e toxinas exercem seu efeito biológico através da interação com enzimas; 6. Algumas enzimas são utilizadas no diagnóstico de doenças através da medida da sua atividade; 7. São ferramentas importantes na indústria química, no processamento de alimentos e na agricultura; 8. Possuem mecanismo de renovação, desempenhando a mesma função consecutivamente, sem serem consumidas no processo. Cada organismo vivo produz centenas de enzimas em pequenas quantidades. Os microorganismos podem produzir enzimas em quantidades muito altas e as excretar no ambiente como mecanismo de digestão extracelular. As enzimas são classificadas de acordo com as reações que catalisam em seis classes (tabela 2). Uma classe bastante conhecida é a das hidrolases. Estas enzimas utilizam a água para a quebra de ligações químicas. No tubo digestivo, praticamente todas as enzimas são hidrolases, quebrando, com o auxílio da água, proteínas, triglicerídeos, fosfolipídios, oligossacarídeos, polissacarídeos e outras moléculas. Nos lisossomos das células, existe cerca de 50 tipos diferentes de hidrolases, por isso esta organela tem a função primordial de digestão intracelular. Bioquímica Básica 68 Tabela 2: Classes de enzimas Classes Subclasses Óxido-redutases desidrogenases, oxidases, peroxidases, catalase, oxigenases, hidroxilases Transferases transaldolases e transcetolases, acil, metil, glicosil e fosforiltransferases, quinases, fosfomutases Hidrolases esterases, glicosidases, peptidases, fosfatases tiolases, fosfolipases, amidases, desamidases ribonucleases Liases descarboxilases, aldolases, hidratases, desidratases sintases, liases Isomerases racemases, epimerases, isomerases, mutases Ligases sintetases, carboxilases As óxido-redutases catalisam reações de oxidação e redução entre moléculas; as transferases transferem grupos funcionais entre doadores e aceptores, sendo os grupos amino, acil, fosfato, carbono e glicosil, os principais resíduos transferidos; as hidrolases usam a água para a clivagem hidrolítica de ligações C-O, C-N, O-P e C-S; as liases adicionam ou removem os elementos da água, de amônia ou de dióxido de carbono para a formação ou rompimento de ligações duplas; as isomerases catalisam isomerizações de vários tipos, entre elas as interconversões cis-trans e aldose-cetose e as ligases estão envolvidas em reações de síntese, nas quais duas moléculas são unidas, às custas do ATP. Como as enzimas funcionam? As enzimas atuam em moléculas específicas chamadas substratos. Devido à alta especificidade das enzimas, a maioria reage com apenas um substrato, no entanto algumas enzimas podem ter mais de um substrato. Durante a reação, os substratos se convertem em produtos. A ligação do substrato na enzima ocorre em uma região da enzima chamada sítio ativo (ou centro ativo), contendo várias cadeias laterais de aminoácidos capazes de ligação ao substrato por interações eletrostáticas, interações hidrofóbicas ou pontes de hidrogênio (figura 10). Bioquímica Básica 69 A reação enzimática é esquematizada como se segue: onde E = enzima, S = substrato e P = produto. A enzima não se altera durante o curso da reação, somente o substrato, este que se torna produto. Figura 10: Interação enzima-substrato. Na figura acima, o substrato se liga na enzima em um local chamado sítio ativo, formando o complexo ES. Em seguida ocorre a catálise, formando um produto da reação que é liberado do sítio ativo da enzima. Fonte: www.biologiaufsj.blogspot.com, acesso em 20/10/2014. Existem dois modelos de interação enzima substrato: o modelo chave- fechadura e o modelo do ajuste induzido. No primeiro modelo, o substrato se encaixa perfeitamente no sítio ativo da enzima; no segundo modelo o substrato induz uma pequena alteração conformacional na enzima, promovendo o reposicionamento dos aminoácidos do sítio ativo para que o substrato se encaixe na enzima (figura 11). Bioquímica Básica 70 Figura 11: Modelos de interação enzima-substrato. Fonte: www.docentes.esalq.usp.br, acesso em 19/10/2014. Algumas enzimas são designadas pela incorporação do sufixo “ase” ao nome do substrato no qual elas atuam. Por exemplo, a enzima maltase atua quebrando a maltose, a amilase quebra o amido, a β-galactosidase (lactase) quebra a lactose etc. Em outros casos a designação é devido a reação que catalisa, por exemplo, glicose 6-fosfatase remove o fosfato do carbono 6 da glicose. Para uma enzima atuar são necessários alguns requerimentos: pH ideal, temperatura ideal, substrato disponível e em alguns casos a presença de um cofator, uma coenzima ou ambos. O pH e a temperatura ideais são necessários devido ao fato de alterações nestes parâmetros levarem a quebra de interações da proteína (desnaturação) e conseqüente perda da atividade enzimática. Enzimas humanas têm sua atividade ótima em temperaturas entre 36,5 e 37,5. Com relação ao pH, algumas enzimas como a pepsina tem atividade ótima em pH próximo de 2,0 enquanto tripsina (uma proteína do suco entérico) tem atividade ótima em pH próximo de 8,0. Deste modo, a influência da temperatura e do pH na atividade das enzimas pode ser vista em gráficos onde a atividade ótima de uma enzima ocorre em temperatura e pH ideais (figura 12). Bioquímica Básica 71 Figura 12: Influência da temperatura e do pH na atividade das enzimas. As enzimas são testadas em diferentes temperaturas e pHs, fornecendo gráficos onde as curvas mostram atividade ótima das enzimas em temperatura e pH específicos. Fora do ponto ótimo as enzimas vão perdendo a atividade por estarem sofrendo desnaturação. Fonte: www.dc347.4shared.com, acesso em 20/10/2014. Os cofatores são íons importantes para o funcionamento de algumas enzimas (tabela 3). Estes íons alteram o sítio ativo da enzima ou finalizam o encaixe correto do substrato na enzima. Tabela 3: Algumas enzimas e seus cofatoresEnzimas Cofatores (elementos inorgânicos) citocromo oxidase Cu+2 catalase, peroxidase Fe+2 ou Fe+3 piruvato quinase K+ hexoquinase Mg+2 arginase Mn+2 urease Ni+2 Álcool desidrogenase Zn+2 As coenzimas são moléculas derivadas de vitaminas (daí a importância de muitas vitaminas na nossa dieta). As coenzimas, seus precursores e as reações nas quais estão envolvidas se encontram na tabela abaixo: Bioquímica Básica 72 Tabela 4: Algumas enzimas e suas coenzimas Enzimas Coenzimas Precursores dietéticos Grupos químicos transferidos Piruvato Desidrogenase Tiamina Pirofosfato (TTP) Tiamina (vitamina B1) Aldeídos Isocitrato Desidrogenase Nicotinamida Adenina Dinucleotideo (NAD) Niacina (vitamina PP) Íon hidreto (:H-) Acetil CoA Carboxilase Coenzima A Ácido Pantotênico (vitamina B5) Acilas Piruvato Carboxilase Biocitina Biotina (vitamina H) CO2 Succinato Desidrogenase Flavina Adenina Dinucleotideo (FAD) Riboflavina (vitamina B2) Elétrons e prótons Glicogênio Fosforilase Piridoxal Fosfato Piridoxina (vitamina B6) Grupos amino Timidilato Sintase Tetrahidrofolato Ácido fólico (vitamina B9) Grupos de 1 C De acordo com a termodinâmica, as enzimas aceleram as reações químicas convertendo substrato em produto através da diminuição da energia de ativação das reações químicas. Esta está relacionada com quanta barreira existe para o substrato se converter em produto. Mudança na energia de ativação (ou energia livre de ativação, representada por ΔG‡) acontece quando a enzima interage com substrato, estabilizando o substrato em uma forma que permitirá a formação de produto. Este é chamado estado de transição. Quanto mais estável é o estado de transição, menos energia será necessária para a conversão de substrato em produto e mais rápida será a reação. A velocidade de uma reação é então inversamente proporcional ao valor de sua energia livre de ativação: quanto maior o valor de ΔG‡, menor será a velocidade da reação (figura 13). Bioquímica Básica 73 Figura 13: Diagrama de uma reação catalítica, mostrando o nível de energia em cada etapa da reação. Normalmente, o substrato necessita de uma quantidade elevada de energia para conseguir chegar ao estado de transição, decaindo depois até a um produto final. A enzima estabiliza o estado de transição, diminuindo a energia de ativação, assim reduzindo o valor de energia necessário para que se formem os produtos. ΔG'º: energia livre padrão na bioquímica; ΔG‡: energia de ativação Fonte: www.lookfordiagnosis.com, acesso em 20/10/2014. A cinética enzimática (estudo da atividade de uma reação enzimática) mostra indiretamente a especificidade das enzimas, o mecanismo de ação, os fatores que podem afetar a velocidade das reações, a concentração de substrato ideal para a dosagem de uma enzima etc. A relação entre a velocidade de uma reação enzimática (conversão de substrato em produto por tempo) e a concentração do seu substrato foi definida por Leonor Michaelis e Maud Menten. Em experimentos cinéticos, se mede a velocidade inicial (Vo) da reação em função do aumento do substrato. Em concentrações baixas de substrato, a Vo aumenta com o aumento do substrato até que a reação tenha uma quantidade de substrato na qual a enzima não consegue ser mais veloz na formação de produto, atingindo assim a velocidade máxima (Vmax) da reação (figura 14). Bioquímica Básica 74 A Vmax é a velocidade máxima de uma reação catalisada por uma enzima e reflete o momento em que todas as enzimas estão ocupadas com substrato (estão na forma ES) e a velocidade da reação não aumenta com a introdução de novos substratos. Existindo substrato em excesso na reação, a Vmax aumenta com a introdução de mais enzima, assim a velocidade inicial da reação enzimática (Vo) é diretamente proporcional à concentração de enzima em condições de excesso de substrato. Saber a Vmax das reações enzimáticas é importante na dosagem de enzimas principalmente na clínica, onde se escolhe uma concentração de substrato necessária para a enzima trabalhar na Vmax e assim garantir uma condição ótima para a dosagem da enzima. Outro parâmetro, o Km, é a concentração de substrato necessária para a enzima trabalhar na metade da velocidade máxima (figura 14). A concentração da enzima não afeta o Km da reação, pois a afinidade da enzima pelo substrato será a mesma. Um baixo Km significa uma alta afinidade da enzima pelo substrato, onde a Vmax será atingida com pouca concentração de substrato. Um alto Km significa baixa afinidade da enzima pelo substrato. Na cinética, uma curva mais “em pé” terá um baixo Km assim como uma curva mais “deitada” terá um maior Km. Desse modo os dois parâmetros (Vmax e Km) são essenciais para determinar a atividade de uma enzima. Os Km de algumas reações enzimáticas estão exemplificados abaixo (tabela 5). Tabela 5: Valor de Km para algumas reações enzimáticas Enzima Substrato Km (mM) Hexoquinase ATP D-glicose D-frutose 0.4 0.15 1.5 Anidrase Carbônica HCO3- 8 Treonina Desaminase L-treonina 5 Bioquímica Básica 75 Enzimas com mais de um substrato apresentam diferentes velocidades e afinidades, refletindo em mudanças na cinética (figura 14, tabela 5). Cada enzima tem uma Vmax e um Km específicos, levando-se em consideração as condições de temperatura e pH ideais. Figura 14: Cinética enzimática. Em A, o efeito da concentração do substrato na velocidade inicial catalisada por uma enzima é mostrada em uma curva onde à medida que se aumenta o substrato, a velocidade da reação aumenta até que em um dado momento todas as enzimas estarão ocupadas com substrato (saturadas), atingindo assim a Vmax. O Km é a concentração de substrato necessária para a enzima trabalhar na metade da Vmax e reflete a afinidade da enzima pelo seu substrato. Um baixo Km significa uma alta afinidade da enzima pelo substrato e vice-versa. Em B, cinética da enzima hexoquinase com dois substratos: glicose e frutose. O Km para glicose é de 0,15 mM e para frutose é de 1,5mM (ambos não mostrados). Isso significa que é necessária uma concentração de 0,15mM de glicose para que metade da enzima disponível encontre-se ligada a glicose, formando o complexo ES, no entanto é necessária uma concentração de frutose 10 vezes maior, ou seja, 1,5mM. A hexoquinase tem, portanto, afinidade muito maior pela glicose do que pela frutose. Fontes: www.dc349.4shared.com e www.ebah.com.br, acessos em 20/10/2014. Bioquímica Básica 76 As enzimas intracelulares e extracelulares costumam trabalhar com concentrações baixas de substrato, ou seja, nunca estão saturadas de substrato. O Kcat (constante catalítica) avalia a eficiência catalítica de uma enzima, representando o número de moléculas de substrato convertidas em produto por segundo, por enzima. A constante catalítica de uma enzima pode ser desde muito baixa (Kcat S-1 = 299 para a enzima citidina desaminase) até muito alta (Kcat S-1 = 1.000.000 para a enzima anidrase carbônica). A relação Kcat/Km (constante de especificidade) relaciona a eficiência catalítica da enzima com a sua afinidade pelo substrato. Se Kcat S-1 for alto e o Km for baixo, o resultado será uma alta eficiência catalítica da enzima pelo seu substrato. Por exemplo, a enzima anidrase carbônica, tem valor de Kcat/Km alto (8,3 x 107), portanto alta eficiência, enquanto a urease tem valor de Kcat/Km baixo (4,5 x 105), portanto baixa eficiência. As enzimas podem ser inibidas. Inibidores são substâncias que reduzem ouinibem completamente a atividade de uma enzima. Alguns medicamentos como analgésicos, antimicrobianos, antivirais, redutores de colesterol, assim como algumas moléculas encontradas em venenos de serpentes, cobras, escorpiões e plantas são conhecidamente inibidoras de enzimas. Os inibidores enzimáticos podem atuar como inibidores reversíveis e irreversíveis. A inibição reversível ocorre através de ligações não covalentes entre o inibidor e a enzima. As duas inibições reversíveis mais comuns são a competitiva e a não competitiva (figura 15). Na inibição competitiva o inibidor é semelhante ao substrato e por isso compete com este pelo sitio ativo da enzima. Comparado com uma reação sem inibidor, a cinética na presença do inibidor competitivo mostra aumento de Km (figura 15), pois como o inibidor e o substrato competem pelo sítio ativo da enzima, mais substrato será necessário para atingir o Km. Assim, aumento de substrato é a medida a ser adotada para diminuir os efeitos da inibição competitiva. Esta inibição não altera a Vmax, mesmo quando a concentração de substrato é aumentada. O metotrexato é uma molécula com estrutura semelhante ao ácido fólico (figura 15). A enzima dihidrofolato redutase converte o ácido fólico (dihidrofólico) em ácido tetrahidrofólico, importante para a posterior formação de nucleotídeos. A inibição desta reação pela ligação do metotrexato à enzima inibe a síntese de DNA e consequentemente a divisão celular, por isso o metotrexato é Bioquímica Básica 77 usado como medicamento anticâncer. O problema é que assim como o metotrexato, vários outros quimioterápicos também afetam células sadias e por isso provocam os diversos sintomas indesejáveis da quimioterapia; o malonato é semelhante ao succinato e assim inibe competitivamente a enzima succinato desidrogenase. Esta enzima converte succinato em fumarato, importante passo na via metabólica, conhecido como ciclo de Krebs (será estudada nas próximas unidades). Na inibição não competitiva, o inibidor não se assemelha ao substrato, portanto não se liga ao sitio ativo da enzima, porem ao se ligar em outro local da enzima, provoca uma distorção no sitio ativo da enzima, inativando-a. Este inibidor pode-se ligar tanto a enzima livre quanto ao complexo ES. Deste modo, o aumento da quantidade de substrato não reverte os efeitos desta inibição. Comparado com uma reação sem inibidor, a cinética tem diminuição de Vmax (provoca mais rapidamente a formação dom complexo ES) sem alterar o Km (figura 15). Os medicamentos anti-HIV efavirenz e nevirapina são dois inibidores não competitivos que atuam inibindo a enzima transcriptase reversa do HIV causando a ruptura do sítio catalítico da enzima. Bioquímica Básica 78 Bioquímica Básica 79 Figura 15: Inibição reversível. Em A, esquemas de ligação do substrato à enzima na presença e na ausência de um inibidor. Em B, similaridade entre o quimioterápico metotrexato e o ácido fólico. Em C, cinéticas enzimáticas na ausência (azul) e na presença do inibidor competitivo (vermelho). Em D, cinéticas enzimáticas na ausência (azul) e na presença do inibidor não competitivo (vermelho). Fontes: www.docentes.esalq.usp.br, www.essenciadavida- julianacorreia.blogspot.com e www.info-farmacia.com, acessos em 20/10/2014. Na inibição irreversível, o inibidor se liga tão fortemente a enzima (ligação covalente) que bloqueia permanentemente a atividade enzimática. Envolve modificações químicas na enzima levando a uma inativação definitiva. O ácido acetil salicílico, molécula com propriedade analgésica e antitérmica, encontrada em muitos medicamentos, incluindo a aspirina, inibe permanentemente a enzima ciclooxigenase por modificação covalente da enzima, resultante do ataque nucleofílico da hidroxila do aminoácido serina530 da enzima ao grupamento acetila presente no ácido acetil salicílico. O resultado é a redução da síntese de prostaglandinas, moléculas envolvidas com processos de inflamação e dor (figura 16). A penicilina, um antibacteriano, inibe, por modificação covalente, a atividade da enzima transpeptidase bacteriana, inpedindo a síntese da parede celular bacteriana e levando a bactéria a morte. Outros inibidores irreversíveis de enzimas incluem o paration (inseticida), o sarin (gas), etc. Bioquímica Básica 80 Figura 16: Mecanismo de inibição irreversível da COX pelo ácido acetil salicílico. O ácido acetil-salicílico apresenta propriedades antiinflamatórias e analgésicas decorrentes do bloqueio da biossíntese de prostaglandinas, devido à inibição da enzima cíclooxigenase (COX). Esta interação é de natureza irreversível em função da formação de uma ligação covalente resultante do ataque nucleofílico da hidroxila do aminoácido serina530 ao grupamento acetila presente no ácido acetil salicílico. Fonte: http://qnint.sbq.org.br adaptado, acesso em 20/10/2014. Algumas enzimas podem ter suas atividades reguladas, atuando assim como reguladoras do metabolismo celular. Esta regulação (reversível) é essencial na coordenação dos inúmeros processos metabólicos celulares. Existem 2 modelos de regulação enzimática: a regulação covalente ocorre quando há modificação covalente da enzima, com conversão entre formas ativa e inativa. As modificações covalentes mais comuns são a fosforilação, adenilação, metilação, uridilação e ADP- ribosilação. A enzima glicogênio fosforilase (será estudada nas próximas unidades), que catalisa a quebra do glicogênio é ativada quando fosforilada por uma enzima quinase e inativada quando desfosforilada por uma enzima fosfatase; a regulação alostérica ocorre nas enzimas que possuem dois sítios: um sítio ativo e, outro sitio de regulação (sitio alostérico), onde uma molécula se liga de forma não covalente, podendo atuar como reguladora positiva (aumenta a afinidade da enzima pelo substrato e assim a velocidade da reação enzimática) ou negativa (diminui a afinidade da enzima pelo substrato e assim a velocidade da reação enzimática). A ligação do regulador induz modificações conformacionais na enzima, promovendo as tais mudanças na sua afinidade com o substrato. Um modelo comum de regulação alostérica é a retroalimentação (feed-back), onde o próprio produto da reação enzimática inibe momentaneamente a enzima. Bioquímica Básica 81 Leitura complementar DEVLIN, T. Manual de bioquímica com correlações clínicas. Edgard Blucher, 2007. HARPER, H. A. Bioquímica. Atheneu, 2002. LEHNINGER, A.L. Princípios de Bioquímica. Worth publishers, 2006. STRYER, L. Bioquímica. Guanabara Koogan, 2004. VOET, D., VOET, J.G., PRATT, C.W. Fundamentos de Bioquímica. Artmed, 2002. É HORA DE SE AVALIAR Lembre-se de realizar as atividades desta unidade de estudo. Elas irão ajudá-lo a fixar o conteúdo, além de proporcionar sua autonomia no processo de ensino-aprendizagem. Bioquímica Básica 82 Exercícios – Unidade 2 1. A glicoquinase e a hexoquinase são duas enzimas que reagem com o mesmo substrato, a glicose. Ambas são enzimas intracelulares que convertem a glicose em glicose 6–fosfato, primeiro passo para a obtenção de energia na célula ou para a síntese de glicogênio. Qual é a afirmativa correta: a) A hexoquinase tem maior afinidade pela glicose porque seu Km é maior que o da glicoquinase b) A hexoquinase tem menor afinidade pela glicose porque seu Km é maior que o da glicoquinase c) Ambas apresentam a mesma afinidade pela glicose porque seus Km são similares d) Ambas apresentam a mesma afinidade pela glicose porque suas Vmax são similares e) a glicoquinasetem menor afinidade pela glicose porque seu Km é maior que o da hexoquinase Bioquímica Básica 83 2. Recentemente, houve grande interesse por parte dos obesos quanto ao início da comercialização do medicamento Xenical no Brasil. Esse medicamento impede a metabolização de um terço da gordura consumida pela pessoa. Assim, pode-se concluir que o Xenical inibe a ação da enzima: a) Maltase b) Protease c) Lipase d) Amilase e) Sacaridase 3. As enzimas são proteínas com capacidade de acelerar reações químicas nas células e foram necessárias na atividade metabólica e na formação das primeiras células. Dentre as opções abaixo a única que NÃO é um requerimento para a atividade de uma enzima é: a) Substrato b) PH ideal c) Temperatura ideal d) Ambiente aquoso e) Solvente orgânico 4. Modificar a queratina e assim alterar a forma do cabelo é bioquímica pura!!! Na queratina existe um número grande de aminoácidos cisteína. Estes quando próximos uns dos outros interagem através do elemento enxofre de suas cadeias laterais. Para modificar a forma do cabelo, é necessário o rompimento destas interações para depois refazê-las de modo diferente ao anterior. Este tipo de interação entre os aminoácidos cisteína é chamada: Bioquímica Básica 84 a) Ligação peptídica b) Ponte de hidrogênio c) Ponte dissulfeto d) Interação eletrostática e) Interação hidrofóbica 5. As proteínas são formadas pela união de moléculas de aminoácidos e desempenham diversos papéis no organismo, como função estrutural, enzimática, imunológica, dentre outras. De acordo com os seus conhecimentos sobre as proteínas, marque a alternativa errada. a) As proteínas podem diferir uma das outras nos seguintes aspectos: quantidade de aminoácidos na cadeia polipeptídica; tipos de aminoácidos presentes na cadeia polipeptídica e sequência de aminoácidos na cadeia polipeptídica b) Os aminoácidos essenciais são aqueles que um organismo não consegue produzir c) A ligação entre dois aminoácidos vizinhos em uma molécula de proteína é chamada de ligação peptídica e se estabelece sempre entre um grupo amina de um aminoácido e o grupo carboxila do outro aminoácido Bioquímica Básica 85 d) Todas as enzimas são proteínas, sendo que muitas são proteínas simples e outras conjugadas. e) No final da reação, a molécula do produto se separa da enzima, que é descartada pelo organismo. 6. Consideram-se aminoácidos essenciais para um determinado organismo, aqueles: a) De que ele necessita e sintetiza a partir de vitaminas b) De que ele necessita, mas não consegue sintetizar, tendo que recebê-los em sua dieta c) De que ele necessita apenas na infância d) Resultantes da degradação de suas próprias proteínas e) Desnecessários para a produção das proteínas 7. As proteínas, formadas pela união de aminoácidos, são componentes químicos fundamentais na fisiologia e na estrutura celular dos organismos. Em relação às proteínas, assinale a proposição correta. a) O colágeno é a proteína menos abundante no corpo humano apresentando forma enovelada (globular) como a maioria das proteínas b) A ligação peptídica entre dois aminoácidos acontece pela reação do grupo carboxila de um aminoácido com o grupo amino de outro aminoácido c) A ptialina (amilase salivar), enzima produzida pelas glândulas salivares, atua na digestão de proteínas. d) A insulina, envolvida no metabolismo da glicose, é um exemplo de hormônio lipídico. e) As proteínas caseína e ovalbumina são encontradas na carne e na clara do ovo, respectivamente. Bioquímica Básica 86 8. Considere as afirmações abaixo relativas a enzimas: I. São proteínas com função catalisadora; II. Todas as enzimas atuam quimicamente em diferentes substratos; III. Continuam quimicamente intactas após a reação; IV. Não se alteram com as modificações da temperatura e do pH do meio. São verdadeiras: a) I e III apenas b) II e IV apenas c) I, III e IV apenas d) II, III e IV apenas e) I, II, III e IV 9. Aminoácidos provenientes da hidrólise de proteínas podem ser analisados por eletroforese. Sabendo-se que os dois aminoácidos abaixo possuem 03 grupamentos ionizáveis cujos pKs estão descritos abaixo, para que pólo migrariam esses aminoácidos em pH 7,0? Justifique. pKCOOH pKNH3+ pK R lisina 2,18 8,95 10,53 arginina 1,82 8,99 12,48 __________________________________________________________________ __________________________________________________________________ __________________________________________________________________ __________________________________________________________________ __________________________________________________________________ __________________________________________________________________ __________________________________________________________________ Bioquímica Básica 87 10. As proteínas citoplasmáticas abaixo apresentam as seguintes características: Pergunta-se: a) Qual seria o padrão de bandeamento destas proteínas em uma eletroforese de proteínas simples? __________________________________________________________________ __________________________________________________________________ __________________________________________________________________ b) Qual seria a ordem de eluição (saída da coluna) destas proteínas em uma coluna de gel filtração? __________________________________________________________________ __________________________________________________________________ __________________________________________________________________ PROTEÍNA PESO MOLECULAR (PM) PONTO ISOELÉTRICO (pI) X 48.000 7,1 Y 126.000 3,8 Z 31.500 10,0 Bioquímica Básica 88 Bioquímica Básica 89 Carboidratos e metabolismo 3 Bioquímica Básica 90 Nesta unidade, vamos entender a cerca das características gerais dos carboidratos, suas estruturas e funções, as vias metabólicas para a obtenção de energia, a partir destas moléculas, e a síntese e armazenamento dos carboidratos no organismo. Objetivos da Unidade Conhecer as características gerais dos carboidratos Classificar os carboidratos Descrever a digestão, a absorção e o transporte dos carboidratos para as células Estudar as vias de produção de energia utilizando carboidratos Descrever a síntese e a degradação do glicogênio Compreender a gliconeogênese Plano da Unidade Carboidratos Digestão e absorção de carboidratos Obtenção de energia com carboidratos Glicogênese Glicogenólise Gliconeogênese Via das pentoses-fosfato Bons Estudos! Bioquímica Básica 91 Carboidratos Os carboidratos (também conhecidos como oses, osídeos, glicídios ou simplesmente açúcares) são moléculas com inúmeras funções celulares. Além de serem utilizados como fonte de energia, podem atuar como estruturas de reconhecimento celular, como lubrificantes de junções esqueléticas, como polímeros insolúveis na superfície de alguns organismos, etc. Os carboidratos podem estar associados a outras moléculas formando os chamados glicoconjugados (glicoproteínas e glicolipídios). Os carboidratos são classificados de acordo com o seu tamanho em monossacarídeos, oligossacarídeos e polissacarídeos. Os monossacarídeos são os açúcares mais simples,contendo de 3 a 7 carbonos. Os monossacarídeos de 3 carbonos são chamados de trioses, os de 4 carbonos, tetroses, os de 5 carbonos, pentoses etc. Além de carbono, todos contêm oxigênio e hidrogênio, onde suas estruturas moleculares apresentam várias hidroxilas e um grupamento químico aldeído ou cetona, ou seja, são conhecidos como polihidroxialdeídos ou aldoses (ex: glicose) e polihidroxicetonas ou cetoses (ex: frutose) com a fórmula geral (CH2O)n. Enquanto o aldeído está sempre no carbono 1, a cetona está sempre no carbono 2. No entanto alguns monossacarídeos apresentam outros elementos químicos como nitrogênio, formando aminas (ex: N-acetilglicosamina) e fósforo, formando fosfatos (ex: glicose 6-fosfato). Sendo assim, os monossacarídeos são distinguíveis pelo seu tamanho, por ter aldeído ou cetona, pela posição das suas hidroxilas e pela presença de outros grupamentos químicos diferentes da hidroxila, aldeído e cetona (figura 1). Bioquímica Básica 92 Figura 1: Alguns monossacarídeos de ocorrência natural. Os monossacarídeos são aldoses (A) ou cetoses (B) contendo de 3 à 7 carbonos (os monossacarídeos de 7 carbonos não estão representados na figura). Em C, alguns monossacarídeos contendo outros grupamentos químicos diferentes da hidroxila, aldeído e cetona. Note que os monossacarídeos em A e B estão na forma linear, enquanto os em C estão na forma cíclica (esta diferença será explicada ao longo da unidade). Fonte: Lehninger, Princípios de Bioquímica. Bioquímica Básica 93 Todos os monossacarídeos, exceto a dihidroxiacetona, contêm um ou mais carbonos assimétricos, apresentando assim formas isoméricas opticamente ativas. Quando a hidroxila do penúltimo carbono da molécula está no lado direito da molécula, o açúcar é o D-isômero, mas quando a hidroxila do penúltimo carbono da molécula está no lado esquerdo, o açúcar é o L-isômero. Quase 100% dos carboidratos na natureza estão na forma D (figura 1). Dois açúcares que diferem na posição da hidroxila em um único carbono são chamados de epímeros, como na comparação entre glicose e galactose ou entre glicose e manose. Manose e galactose não são epímeros por apresentarem diferenças na posição das hidroxilas em 2 carbonos (figura 1). Na natureza, os monossacarídeos de 3 e 4 carbonos são estruturas lineares, mas os de 5, 6 e 7 carbonos se apresentam como estruturas cíclicas (em forma de anéis). Por exemplo, para aldoses formarem anéis, o aldeído no carbono 1 destas aldoses reage com a hidroxila do carbono 4 (na pentose), do carbono 5 (na hexose) e do carbono 6 (na heptose), produzindo uma estrutura fechada. Na glicose (uma hexose do tipo aldose), a reação cria dois isômeros, os chamados anômeros α e o β, que diferem na posição da hidroxila do carbono 1 após o fechamento da molécula (no anômero α, a hidroxila é representada “para baixo” e no anômero β, a hidroxila é representada “para cima”) (figura 2). Anéis hexagonais são chamados de piranos (ex: glicose cíclica) e pentagonais são chamados de furanos (ex: frutose cíclica) (figura 3). Bioquímica Básica 94 Figura 2: Estrutura cíclica da glicose. A reação entre o aldeído do carbono 1 e a hidroxila do carbono 5 gera dois isômeros, o α (hidroxila representada “para baixo”) e o β (hidroxila representada “para cima”). Fonte: Lehninger, Princípios de Bioquímica. Bioquímica Básica 95 Figura 3: Formas piranosídicas da glicose e furanosídicas da frutose. Fonte: Lehninger, Princípios de Bioquímica. Dentre as funções dos monossacarídeos destaca-se a nutricional (muitos estão na dieta, como a glicose, frutose, sorbose, manose etc), a estrutural (a desoxirribose e a ribose são pentoses presentes na constituição do DNA e do RNA respectivamente), a energética (a maioria dos monossacarídeos da dieta são utilizados na produção de energia) e a redutora. Nas estruturas cíclicas, os átomos de carbono anoméricos (carbono 1 nas aldoses e carbono 2 nas cetoses) podem ser oxidados caso estes açucares estejam em ambiente contendo agentes oxidantes, como metais (ex: cobre e ferro). Neste caso, os monossacarídeos atuam como agentes redutores. Por muito tempo, esta característica redutora foi à base para a detecção dos açúcares no sangue e na urina, principalmente no diagnóstico e monitoramento de pacientes diabéticos, mas atualmente, existem kits de detecção de glicose empregando as enzimas glicose oxidase e peroxidase presentes nos kits. A reação envolve a redução do oxigênio, produzindo água oxigenada a partir da oxidação da glicose pela enzima glicose oxidase e em seguida a formação de um composto colorido pela reação da água oxigenada com a peroxidase, que será quantificado pela técnica de espectrofotometria, fornecendo um resultado mais confiável, por ser um ensaio enzimático. Bioquímica Básica 96 Os monossacarídeos nas formas fechadas podem se unir formando açúcares maiores (oligossacarídeos e polissacarídeos). A ligação entre dois monossacarídeos se chama ligação glicosídica. Esta ligação covalente é uma reação química que ocorre entre a hidroxila do carbono 1 de um monossacarídeo e a hidroxila de qualquer carbono do outro monossacarídeo, com a saída de uma molécula de água, sendo as ligações glicosídicas mais comuns entre C1-C4 e C1-C6 (figura 4). Figura 4: A ligação glicosídica. Esta ligação é uma reação química que ocorre entre a hidroxila do carbono 1 de um monossacarídeo e a hidroxila de qualquer carbono do outro monossacarídeo, com a saída de uma molécula de água. Na formação da sacarose (um oligossacarídeo) a ligação glicosídica envolve o carbono 1 da glicose e o carbono 2 da frutose. Alguns hidrogênios da glicose e da frutose não estão representados na figura para evidenciar a reação entre hidroxilas dos monossacarídeos. Fonte: www.brasilescola.com, acesso em 26/10/2014. Bioquímica Básica 97 Os oligossacarídeos são açúcares formados pela união de dois até vinte monossacarídeos. Os oligossacarídeos mais conhecidos são os dissacarídeos (formados pela união de dois monossacarídeos). Dentre estes podemos citar a sacarose (açúcar da cana, formado por glicose + frutose unidos por ligação glicosídica C1-C2), a maltose (açúcar do malte, presente nas cervejas, formado por glicose + glicose unidos por ligação glicosídica C1-C4), a trealose (presente nos cogumelos, formado por glicose + glicose unidos por ligação glicosídica C1-C1), a isomaltose (açúcar também encontrado no malte, formado por glicose + glicose unidos por ligação glicosídica C1-C6), e a lactose (açúcar do leite, formado por galactose + glicose unidos por ligação glicosídica C1-C4) (figura 5). Ambos fazem parte da dieta da maioria dos humanos e precisam ter suas ligações glicosídicas quebradas por enzimas hidrolases do intestino delgado para que seus monossacarídeos sejam absorvidos. Porém, nem todos os oligossacarídeos da dieta são totalmente quebrados. A rafinose, trissacarídeo formado por galactose, glicose e frutose unidas por ligações glicosídicas C1-C6 e C1-C2, está na dieta (encontrado no feijão, repolho, brócolis, grãos integrais e outros alimentos), mas os humanos conseguem somente quebra-la em frutose e melibiose (galactose + glicose), não hidrolisando totalmente a rafinose (figura 5). Deste modo a frutose é absorvida, mas a melibiose não. No intestino grosso, a rafinose e a melibiose podem ser degradadas enzimaticamente por bactérias, produzindo CO2, metano e/ou hidrogênio, provocando flatulência associada à ingestão de feijão e outros legumes. Bioquímica Básica 98 Figura 5:Alguns oligossacarídeos de ocorrência natural. Em A, os dissacarídeos maltose (glicose + glicose), lactose (galactose + glicose) e sacarose (glicose + frutose). Em B, o trissacarídeo rafinose (galactose + glicose + frutose), onde B1 mostra a rafinose inteira e após digestão com a enzima invertase (a mesma que hidrolisa sacarose em glicose e frutose), os produtos de digestão melibiose (B2) e frutose (B3). Fontes: Lehninger, Princípios de Bioquímica e www.braukaiser.com, acesso em 26/10/2014. Bioquímica Básica 99 Outros oligossacarídeos maiores, encontrados na membrana das células, estão associados a proteínas (glicoproteínas) e a lipídios (glicolipídios) e formam o glicocálix (figura 6), importante região de membrana responsável pelo reconhecimento celular: a GP120 é uma glicoproteína do vírus H.I.V, capaz de reconhecer e se ligar simultaneamente à glicoproteína receptora de membrana CD4 e à proteína CCR5 de linfócitos T auxiliares, para iniciar o processo de infecção e multiplicação viral; glicolipídios na superfície das hemácias são importantes determinantes dos grupos sanguíneos humanos, podendo, em transfusões equivocadas, serem reconhecidos por anticorpos plasmáticos e provocar aglutinação (agrupamento de hemácias, o que pode entupir vasos sanguíneos e comprometer a circulação do sangue no organismo, levando à morte do indivíduo); o receptor de manose é uma glicoproteína presente na superfície dos macrófagos e outras células que reconhece os monossacarídeos manose, fucose e N-acetilglicosamina de glicoproteínas na superfície de bactérias, protozoários e fungos para a fagocitose destes microorganismos. As funções dos oligossacarídeos são as mesmas dos monossacarídeos: estrutural, nutricional, energética etc. Os oligossacarídeos podem ser ou não redutores: se algum carbono anomérico do oligossacarídeo estiver livre para ser oxidado, o oligossacarídeo será redutor (ex: maltose e lactose), mas se todos os carbonos anoméricos do oligossacarídeo estiverem sendo usados nas ligações glicosídicas, o açúcar é considerado não redutor (ex: sacarose e trealose). Os polissacarídeos são açúcares contendo desde várias dezenas até milhares de monossacarídeos. Os polissacarídeos podem ser homopolissacarídeos (contendo sempre o mesmo tipo de monossacarídeo), incluindo o amido, o glicogênio, a celulose e a quitina ou heteropolissacarídeos (contendo dois ou mais tipos de monossacarídeos ao longo da molécula), incluindo o peptidoglicano e os glicosaminoglicanos. As principais funções dos polissacarídeos são a reserva de energia e a estrutural. Além disso, os polissacarídeos tem uma extremidade redutora (geralmente é o carbono 1 anomérico livre) e uma extremidade não redutora (geralmente é o carbono 4, que corresponde ao último carbono da cadeia de monossacarídeos). Bioquímica Básica 100 O amido é um polissacarídeo de reserva energética encontrado principalmente nos tubérculos (ex: batatas) e sementes (ex: grão de milho) dos vegetais, formado por milhares de moléculas de glicose. Pode se apresentar em duas formas: a amilose, contendo somente ligações glicosídicas C1-C4 entre as moléculas de glicose (chamada de forma linear do amido) e a amilopectina, contendo ligações glicosídicas C1-C4, porém também ligações C1-C6 (ponto de ramificação) a cada 24 – 30 moléculas de glicose (chamada de forma ramificada do amido) (figura 6). O glicogênio, assim como o amido, é um polissacarídeo de reserva energética muito grande encontrado em seres animais e fungos. As fontes de glicogênio na dieta são peixes e carnes vermelhas e brancas. Todas as células humanas são capazes de produzir glicogênio, mas os hepatócitos (células do fígado) e os miócitos (células musculares) são os maiores produtores de glicogênio. O glicogênio é semelhante à amilopectina por ter várias moléculas de glicose unidas por ligações glicosídicas C1-C6 (um ponto de ramificação a cada 8 – 12 moléculas de glicose) (figura 6). Ambos amido e glicogênio são solúveis porque apresentam várias hidroxilas expostas para fazer pontes de hidrogênio com a água. A celulose, outra molécula de origem vegetal formada por moléculas de glicose, não tem função energética, mas sim estrutural, estando presente na parede celular das células vegetais (figura 6). A celulose tem importante aplicação industrial, sendo usada na fabricação de papel, papelão, celofane etc. Pelo fato dos seres humanos não terem a enzima celulase, capaz de hidrolisar a celulose, não podemos aproveitar as glicoses da celulose, sendo assim, a celulose funciona como uma fibra na dieta, saindo inteira nas fezes. Já para a digestão do amido e do glicogênio da dieta os humanos têm enzimas amilases na boca e no intestino delgado. Na celulose, as moléculas de glicose (10.000 a 15.000) são unidas por ligações glicosídicas C1-C4, porém diferente do observado no amido e glicogênio, suas ligações glicosídicas são do tipo β1-4 enquanto as do amido e glicogênio são do tipo α1-4. Isso promove uma conformação diferenciada que permite às moléculas de glicose fazer muitas pontes de hidrogênio inter e intracadeia, o que desfavorece a interação da água com a celulose por pontes de hidrogênio, fazendo com que a molécula seja insolúvel em água. Bioquímica Básica 101 A quitina, um polissacarídeo estrutural encontrado na superfície dos artrópodes e dos fungos, é formada por milhares de moléculas de N- acetilglicosamina unidos por ligações β1-4 (figura 6), sendo também um polissacarídeo insolúvel em água. É o segundo polissacarídeo mais abundante do planeta depois da celulose. Pessoas que se alimentam de crustáceos como siri, caranguejo, camarão e lagosta ou de alguns cogumelos têm a quitina na dieta, mas como não temos enzimas capazes de digeri-la, a quitina também se comporta como fibra. A partir da desacetilação dos monossacarídeos N-acetilglicosamina que formam a quitina se produz a quitosana, uma molécula muito consumida por pessoas que desejam emagrecer e reduzir o colesterol sanguíneo, pois a quitosana diminui expressivamente a absorção de triglicerídeos e colesterol da dieta. O peptidoglicano é uma molécula insolúvel encontrada na parede celular de bactérias Gram+ e no espaço periplásmico (entre a parede celular e a membrana celular) de bactérias Gram-. Sua estrutura molecular contém peptídeos formados por glicina, alanina, glutamato e lisina, ligados covalentemente à dissacarídeos repetidos de ácido N-acetilmurâmico e N-acetilglicosamina unidos por ligações β1- 4 (figura 6). A lisozima, encontrada na lágrima e na saliva mata bactérias por atuar hidrolisando as ligações glicosídicas entre os monossacarídeos do peptidoglicano. Os glicosaminoglicanos são moléculas componentes da matriz extracelular, formadas por milhares de unidades repetidas de dissacarídeos, sendo um dos monossacarídeos o N-acetilglicosamina ou N-acetilgalactosamina e o outro o ácido D-glucurônico ou ácido L-idurônico. O ácido hialurônico, um glicosaminoglicano, funciona como lubrificante nas articulações e confere resistência e elasticidade da cartilagem e dos tendões. Os glicosaminoglicanos estão ligados covalentemente ou não-covalentemente a proteínas de membrana ou proteínas extracelulares para formar os proteoglicanos, muito abundantes nos tecidos conectivos, como o tecido conjuntivo propriamente dito, o tecido cartilaginoso, o tecido ósseo e os vasos sanguíneos. Estes glicoconjugados dão rigidez à matriz, regulam a passagem de moléculas através da matriz extracelular, bloqueiam e estimulam ou guiam a migração e dispersão celular através da matriz, além de contribuir para um ambiente bastante hidratado.Bioquímica Básica 102 Bioquímica Básica 103 Figura 6. Alguns polissacarídeos de ocorrência natural. Em A, pequeno segmento das duas formas do amido, a forma linear amilose, mostrando somente ligações C1-C4 (esquerda) e a forma ramificada amilopectina, mostrando ligações C1-C4 e C1-C6 (direita). Em B, pequeno segmento do glicogênio mostrando ligações C1-C4 e C1-C6. Em C, segmento curto da celulose (esquerda) e da quitina (direita). Em D, pequeno segmento do peptidoglicano, evidenciando os dissacarídeos repetidos de N-acetilglicosamina (também observado na quitina) e N-acetilmurâmico ligados aos aminoácidos glicina, alanina (Ala), glutamato (Glu) e lisina (Lys); Fontes: Lehninger, Princípios de Bioquímica, www.biologia.edu.ar, www.homepage.ufp.pt, www.bifi.es, www.ebah.com.br e www.carboidratos.farmfametro.blogspot.com, acessos em 26/10/2014. Bioquímica Básica 104 Digestão e absorção de carboidratos Como descrito anteriormente, muitos carboidratos são obtidos na dieta. Destes, a maioria são oligossacarídeos (ex: sacarose, lactose, maltose, trealose e rafinose) e polissacarídeos (ex: amido, glicogênio, celulose e quitina), mas alguns monossacarídeos livres (ex: glicose, frutose e sorbose) também podem ser obtidos. O uso de suplementos alimentares aumentou a lista de açúcares ingeridos (ex: quitosana, um polissacarídeo descrito anteriormente e maltodextrina, um oligossacarídeo contendo em média 8 unidades de glicose com algumas ligações C1-C6). Os humanos absorvem somente monossacarídeos, portanto, faz-se necessário a hidrólise dos oligossacarídeos e polissacarídeos. Para isso, o tubo digestivo deve contar com um arsenal de enzimas digestivas para estes açúcares maiores a fim de liberar os monossacarídeos. O ser humano não possui todas as enzimas necessárias para a digestão de todos os açúcares ingeridos, então os que não são digeridos ou são apenas parcialmente digeridos acabam atuando como fibras, incluindo a quitina, a quitosana, a celulose e outros não citados nesta unidade, mas que também fazem parte da dieta, como as hemiceluloses, (polissacarídeos contendo xilose, manose, arabinose, glicose, ácido glucurônico, ácido galacturônico, fucose e galactose em várias combinações) as pectinas (polissacarídeos contendo ácido galacturônico, ramnose, arabinose e galactose em várias combinações) e as gomas (polissacarídeos contendo galactose, arabinose, ramnose, ácido glucurônico e glicoproteínas em várias combinações). A amilase salivar é a única enzima digestiva na boca para os açúcares da dieta; as demais enzimas estão no lúmen do intestino delgado (figura 7). Bioquímica Básica 105 Sacarose Sacarose Lactose Maltose Trealose Rafinose Figura 7: Carboidratos da dieta. Os açúcares amido, glicogênio, sacarose, lactose, maltose e rafinose ao serem digeridos liberam os monossacarídeos glicose, frutose e galactose que vão do intestino delgado para o sangue e em seguida para todas as células do corpo. Glicose(n) significa um número indeterminado de moléculas de glicose após a digestão do amido e do glicogênio, por estes terem tamanhos variados. Outro monossacarídeo, a manose, obtida da digestão de alguns polissacarídeos e glicoproteínas celulares presentes na dieta também vai do intestino delgado para as células do corpo. Após a digestão, glicose, galactose e manose são transportados do lúmen intestinal para o epitélio intestinal acoplados a Na+ pela proteína transportadora de membrana SGLT1 e em seguida ambos são levados para o sangue pela proteína transportadora de membrana GLUT2 presente na membrana das células do epitélio intestinal voltada para o sangue. A frutose é transportada do lúmen para o epitélio por outro transportador, o GLUT5, independente do acoplamento com Na+, mas assim como para os outros monossacarídeos, o GLUT2 também transporta a frutose para o sangue. O Na+ é liberado para o sangue trocando com K+ através da proteína de membrana conhecida como bomba de Na+ e K+ (figura 8). Maltose Maltotriose Isomaltose Dextrinas Amilase salivar e pancreática Glicose (n) Amido Glicogênio Maltase Isomaltase Dextrinases Glicose + frutose Invertase (sacaridase) Galactose + glicose β-galactosidase (lactase) Maltase Glicose + glicose Invertase Melibiose + Frutose Trealase Glicose + glicose Bioquímica Básica 106 Do sangue, os monossacarídeos são captados pelas células também por proteínas transportadoras, como a GLUT4 das células musculares esqueléticas e cardíacas e células do tecido adiposo e a GLUT3 dos neurônios. Figura 8: Absorção de monossacarídeos. Os oligossacarídeos e polissacarídeos são hidrolisados e os monossacarídeos são transportados do lúmen para o epitélio intestinal por proteínas transportadoras presentes na membrana das células voltada para o lúmen do órgão e voltada para o sangue. Fonte: www.bloglowcarb.blogspot.com, acesso em 26/10/2014. Bioquímica Básica 107 Obtenção de energia com carboidratos Ao entrar nas células, os monossacarídeos podem ser utilizados para obtenção de energia. Para obter energia são necessárias três etapas: a glicólise, o ciclo de Krebs (ou ciclo do ácido cítrico) e a cadeia respiratória. A glicólise, também chamada de via glicolítica ou via de Embden-Meyerhof- Parnas, é a primeira via metabólica na obtenção de energia. Todas as células vivas, desde bactérias até as células humanas fazem glicólise. Nesta via, que ocorre no citoplasma das células, glicose, frutose, galactose e manose são convertidas em duas moléculas de piruvato através de várias etapas enzimáticas. Durante o processo, parte da energia destes monossacarídeos é conservada na produção líquida de duas moléculas de ATP e de duas moléculas de NADH (também descrita como NADH + H+) (figura 9). Em células oxigenadas, as moléculas de piruvato vão para uma organela da célula chamada mitocôndria, são convertidas em acetilcoenzima A (acetilCoA) e o metabolismo energético prossegue. No entanto, se a célula está com pouco ou nenhum oxigênio ou se a célula não apresenta mitocôndrias ou então apresenta mitocôndrias defeituosas, o metabolismo energético não prossegue e as moléculas de piruvato são convertidas no citoplasma em lactato ou etanol, dependendo da célula na qual está ocorrendo a glicólise. Piruvato pode ainda ser convertido no aminoácido alanina, quando a célula necessita deste para a síntese de proteínas. Bioquímica Básica 108 Figura 9: A via glicolítica. Em A, a via glicolítica resumida, mostrando a glicose sendo convertida em duas moléculas de piruvato com produção líquida de 2 ATP e 2 NADH + 2 H+. Em B, a via glicolítica detalhada evidenciando as estruturas moleculares e as enzimas envolvidas no processo. À partir de gliceraldeído 3- fosfato todas as moléculas estão em dobro, assim como as moléculas de ATP formadas. Várias destas enzimas precisam do cofator Mg++ para suas atividades catalíticas (não mostrado na figura). Fontes: www.profdorival.com.br e www.professorthiagorenno.blogspot.com, acessos em 26/10/2014. Usando a glicose como exemplo, na primeira etapa da glicólise, a glicose é convertida em glicose 6-fosfato (a glicose recebe um fosfato no carbono 6) através da enzima hexoquinase. Este passo é importante porque ao receber o fosfato, a glicose fica presa na célula, pois não existem transportadores de glicose 6-fosfato nas membranas celulares. A reação de formação da glicose 6-fosfato requero ATP, assim o ATP vira ADP e o fosfato liberado é o que se liga à glicose. A segunda etapa Bioquímica Básica 109 envolve a conversão de glicose 6-fosfato em frutose 6-fosfato, catalisada pela enzima fosfohexose (ou fosfoglicose) isomerase. Na terceira etapa a frutose 6- fosfato é fosforilada à frutose 1,6-bifosfato, através da enzima fosfofrutoquinase 1 (PFK-1). Esta fosforilação é dependente de ATP, assim um novo ATP é consumido e o fosfato liberado é inserido no carbono 1 da frutose 6-fosfato. Até o momento, o saldo energético é – 2 ATP. A quarta etapa envolve a clivagem da frutose 1,6- bifosfato pela enzima aldolase, em duas moléculas de três carbonos, o gliceraldeído 3-fosfato e a dihidroxiacetona fosfato, está última, em uma quinta etapa, convertida imediatamente em gliceraldeído 3-fosfato pela enzima triose fosfato isomerase, pois somente o gliceraldeído 3-fosfato pode ser metabolizado nas etapas subseqüentes da glicólise. Na sexta etapa, cada molécula de gliceraldeído 3-fosfato é oxidada à 1,3-bifosfoglicerato à partir da incorporação de um fosfato inorgânico, reação catalisada pela enzima gliceraldeído 3-fosfato desidrogenase (G3PDH). Esta enzima tem o NAD+ como coenzima. Esta molécula é uma aceptora de prótons e elétrons, recebendo dois elétrons e um próton (hidreto) resultante da oxidação do gliceraldeído 3-fosfato na reação enzimática, convertendo o NAD+ em NADH. Como dois prótons e dois elétrons são liberados na reação, mas o NAD+ só pode incorporar um hidreto, a reação é descrita como NADH (NAD+ contendo o hidreto) + H+ (próton livre que não foi incorporado ao NAD+) Este NADH + H+ necessita posteriormente ser reconvertido em NAD+ (será explicado posteriormente nesta unidade) para que a glicólise nunca pare, pois NAD+ existe em quantidades baixas na célula e assim precisa estar disponível para que sempre ocorra a via glicolítica. A sétima etapa revela a formação de ATP. A enzima fosfoglicerato quinase catalisa a transferência do fosfato do carbono 1 do 1,3-bifosfoglicerato para o ADP, formando ATP e 3-fosfoglicerato. A oitava etapa envolve a conversão de 3-fosfoglicerato em 2-fosfoglicerato pela enzima fosfoglicerato mutase. A nona etapa, catalisada pela enolase desidrata o 2- fosfoglicerato, produzindo o fosfoenolpiruvato e finalmente a décima etapa envolve a transferência do fosfato do fosfoenolpiruvato para o ADP, formando ATP e piruvato, reação catalisada pela enzima piruvato quinase. As enzimas hexoquinase, fosfohexose isomerase, fosfofrutoquinase-1, fosfogliceratoquinase, fosfoglicerato mutase e piruvato quinase são dependentes do cofator Mg++ para as suas atividades catalíticas, sendo que piruvato quinase também é dependente do cofator K+. Bioquímica Básica 110 Como foi descrito acima, duas moléculas de gliceraldeído 3-fosfato foram anteriormente produzidas à partir de frutose 1,6-bifosfato, então na verdade, foram produzidas 4 moléculas de ATP, 2 moléculas de NADH + 2 H+ e 2 moléculas de piruvato. No entanto o saldo energético líquido é de 2 ATP porque foram consumidos (gastos) 2 ATP no início da glicólise (durante as reações de glicose até frutose 1,6-bifosfato). A fórmula geral da glicólise é então: Glicose + 2 ADP + 2 NAD+ = 2 piruvato + 2 ATP + 2 NADH + 2 H+ + 2 H2O Vamos lembrar: Energia é derivada da oxidação de combustíveis metabólicos utilizados pelo organismo (carboidratos, lipídios e proteínas). O elo essencial entre as vias de produção e de utilização de energia é o ATP (adenosina trifosfato). Esta molécula é uma D-ribose com uma base nitrogenada adenina ligada por uma ligação glicosídica no carbono 1 e três grupos fosforil (fosfatos) no carbono 5 (figura 10). Reações catabólicas liberam energia, esta que é geralmente armazenada na forma de ATP. Os dois grupos fosforil terminais são ligações ricas em energia, assim quando ocorre hidrolise do ATP, forma-se ADP e energia é liberada para trabalho biológico. Por exemplo, no músculo esquelético, a energia química contida nos fosfatos é convertida em energia mecânica durante a contração muscular. O transporte ativo de substâncias através das membranas celulares, inclusive para a propagação do impulso nervoso e para a síntese de macromoléculas são outros exemplos que envolvem a transferência de energia do ATP. Nas reações oxidativas do catabolismo, enzimas desidrogenases transferem equivalentes de redução, isto é, prótons (H+) e elétrons (e-) para as coenzimas NAD+ (Nicotinamida Adenina Dinucleotídeo), NADP (Nicotinamida Adenina Dinucleotídeo Fosfato) ou FAD (Flavina Adenina Dinucleotídeo) para produzir as formas reduzidas NADH, NADPH e FADH2 (figura 11). Enquanto NAD+ e NADP se reduzem após incorporar um hidreto, FAD se reduz com 2 prótons e 2 elétrons. Estes equivalentes de redução são transferidos para uma cadeia de transporte de elétrons (cadeia respiratória) nas mitocôndrias das células e estes elétrons são entregues ao O2. Estas reações liberam energia que é usada na síntese de ATP. Bioquímica Básica 111 Outras moléculas similares trifosfatadas (GTP, CTP e UTP) também estão envolvidas em transferência de energia em vias biossintéticas. Figura 10: Estrutura do ATP e do ADP. Em A, a estrutura do ATP com os seus três grupamentos fosfato e do ADP após hidrólise do ATP, com consequente liberação de fosfato inorgânico. Em B, o esquema da interconversão ATP-ADP nas células. Fontes: Lubert Stryer, Bioquímica e www.hyperphysics.phy-astr.gsu.edu, acesso em 28/10/2014. Bioquímica Básica 112 Bioquímica Básica 113 Figura 11: Estrutura do NAD+ e do FAD. Em A, a nicotinamida adenina dinucleotídeo na sua forma oxidada (NAD+) e reduzida (NADH); em B, a flavina adenina dinucleotídeo na sua forma oxidada (FAD) e reduzida (FADH2). NADP é diferente do NAD+ por apresentar um fosfato substituindo a hidroxila indicada pela seta. Fontes: www.oocities.org e www.rodolfo.costa.nom.br, acessos em 28/10/2014. Outros monossacarídeos que podem entrar na via glicolítica: a frutose pode ser convertida em frutose 6-fosfato pela ação da enzima hexoquinase (comum no músculo e tecido adiposo) que segue na via glicolítica, ou então, em frutose 1- fosfato pela ação da enzima frutoquinase (no fígado). A frutose 1-fosfato é clivada pela enzima aldolase em dihidroxiacetona fosfato e gliceraldeído. Pela ação da enzima gliceraldeído quinase, o gliceraldeído é fosforilado (usando o fosfato do ATP) gerando gliceraldeído 3-fosfato, que segue na via glicolítica. Já a dihidroxiacetona-fosfato é convertida em gliceraldeído 3-fosfato por ação da enzima triose fosfato isomerase que também segue na via glicolítica; a manose é convertida em manose 6-fosfato pela ação da enzima hexoquinase e em seguida, por ação da enzima fosfomanose isomerase, a manose 6-fosfato é convertida em frutose 6-fosfato que segue na via glicolítica; a galactose é inicialmente convertida em galactose 1-fosfato pela ação da enzima galactoquinase. Em seguida, em uma reação catalisada pela enzima galactose 1-fosfato uridiltransferase a galactose 1- fosfato perde o seu fosfato, recebe UTP (uridina trifosfato) no carbono 1 e com a saída de mais um fosfato, é transformada em UDP-galactose. A UDP-galactose é convertida em UDP-glicose por ação da enzima UDP-galactose epimerase e em seguida em glicose 1-fosfato pela ação da enzima UDP-glicose pirofosforilase. A glicose 1-fosfato pode ser enfim convertida em glicose 6-fosfato pela ação da enzima fosfoglicomutase e seguir na via glicolítica (figura 12). Assim como para a glicose, qualquer monossacarídeo usado na via glicolítica levará a um saldoenergético líquido de 2 ATP. Bioquímica Básica 114 Figura 12: Aproveitamento da galactose (A), manose (B) e frutose (C) para a via glicolítica. Fonte: Walter Motta, Bioquímica. Bioquímica Básica 115 Em condições anaeróbicas, as células não usam a mitocôndria para continuar o processo de produção de energia. Nestas condições, células animais e algumas bactérias (ex: lactobacilos) fazem a chamada fermentação, convertendo piruvato em lactato, em uma reação catalisada pela enzima lactato desidrogenase, com conversão do NADH + H+ (formado na conversão de gliceraldeído 3-fosfato em 1,3- bifosfoglicerato) em NAD+. Músculos muito ativos costumam estar em condições de baixa oxigenação (hipoxia) e assim produzem muito lactato. Nas hemácias, o lactato é o produto final do metabolismo energético pelo fato destas células não terem mitocôndrias, então para cada glicose ou outro monossacarídeo, o saldo energético obtido é sempre 2 ATP. Células cancerígenas também dependem da glicólise como via produtora de energia, por vários motivos incluindo a pouca oxigenação, o número inferior de mitocôndrias e a superprodução de algumas enzimas da via glicolítica. Excesso de lactato é ruim para o corpo porque o lactato produzido no citoplasma das células extra-hepáticas vai para o sangue com destino ao fígado a fim de ser usado na gliconeogênese (esta via será detalhada no final desta unidade), porém levando um H+. Então produção excessiva de lactato significa muito H+ no sangue e consequentemente acidose sanguínea. Além disso, o lactato intramuscular é o responsável pela fadiga muscular. Da mesma forma que piruvato se converte em lactato, a mesma enzima, em ambiente oxigenado, pode fazer o processo inverso, no entanto, somente dentro da célula (o lactato que já está no sangue não pode ser convertido em piruvato) (figura 13). Em fungos submetidos a condições de baixa oxigenação, o piruvato é convertido em acetaldeído (pela ação da enzima piruvato descarboxilase) e em seguida em etanol (pela ação da enzima álcool desidrogenase), com liberação de CO2 e conversão do NADH + H+ em NAD+ (figura 13). Esta estratégia é a base para a produção das bebidas alcoólicas usando açúcares (principalmente da cana de açúcar) e fungos capazes de se manterem vivos na ausência de oxigênio. O fígado dos seres humanos contem a enzima álcool desidrogenase que é capaz de converter o etanol das bebidas alcoólicas em acetaldeído, com produção de NADH + H+ à partir de NAD+. Este vai para a mitocôndria e por ação da enzima aldeído desidrogenase e convertido em acetato, com nova produção de NADH + H+ (figura 13). Por último a enzima mitocondrial acetilCoA sintetase converte o Bioquímica Básica 116 acetato em acetilCoA para prosseguir na via de produção de energia ou então o acetato sai do fígado e vai para outros órgãos (principalmente músculos) para, na mitocôndria destas células ser convertido em acetilCoA. A via metabolica do etanol no fígado dos humanos não é exatamente o reverso da produção de etanol nos fungos porque os humanos não têm uma enzima capaz de converter o acetaldeído em piruvato. Em resumo, o etanol das bebidas pode ser usado na produção de energia hepática e/ou muscular, mas em contraste com esta característica positiva para o metabolismo energético, vários problemas estão associados à ingestão de etanol: sendo um depressor do sistema nervoso central, o etanol diminui a sua atividade, ou seja, facilita a ação do maior neurotransmissor depressor no cérebro (GABA) e inibe a ação do maior neurotransmissor excitatório do cérebro, o glutamato, então, atuando especificamente sobre estes receptores, o etanol abranda o funcionamento do sistema nervoso; além disso, o acetaldeído formado a partir do etanol é cerca de 30 vezes mais tóxico que o etanol e assim que é produzido, sai do fígado e viaja por todo o corpo causando lesões em diversos órgãos até voltar ao fígado e ser convertido em acetato; somando-se a isso, o excesso de NADH formado a partir do metabolismo do etanol inibe a gliconeogênese no fígado, pois esta via contém enzimas dependentes de NAD+; excesso de etanol no fígado e consequentemente da produção de acetilCoA leva a síntese de colesterol e de triglicerídeos (esta via será detalhada na próxima unidade), aumentando o índice de triglicerídeos e colesterol no sangue e gerando o chamado fígado gorduroso; além disso pode ocorrer hepatite e cirrose causadas pelo etanol; o consumo excessivo de álcool é a principal causa da pancreatite crônica, por fatores ainda desconhecidos, mas acredita-se que seja por lesões causadas pelo acetaldeído; o etanol também perturba a função renal por inibir o hormônio antidiurético (ADH): este hormônio atua no rim fazendo com que o mesmo diminua a produção de urina, através da retenção de água, daí a vontade excessiva de urinar dos alcoólatras, podendo levar a desidratação; o etanol pode, em parte, contribuir para a supressão da atividade reprodutora dos machos, por atrofia testicular, disfunção dos órgãos reprodutores acessórios, supressão da espermatogênese e infertilidade; pode também ter influência direta no crescimento e desenvolvimento da criança: a criança pode nascer com Síndrome Fetal Alcoólica (FAS). Bioquímica Básica 117 Figura 13: Destinos do piruvato em condição anaeróbica. Em A, células animais ou algumas bactérias submetidas à condições de pouca ou nenhuma oxigenação convertem piruvato em lactato. Em B, fungos nas mesmas condições citadas, convertem piruvato em etanol. A TPP (tiamina pirofosfato) e o Mg++ são respectivamente coenzima e cofator da enzima piruvato descarboxilase. Em ambos os casos, o NADH + H+ é convertido em NAD+ para ser usado na via glicolítica. Em C, a via de metabolização do etanol no fígado dos seres humanos. ADH: álcool desidrogenase, ALDH: aldeído desidrogenase. Fonte: Lehninger, Princípios de Bioquímica e www.bioquímicadoalcool.blogspot.com, acesso em 26/10/2014. A glicólise pode ser regulada. Três enzimas são reguladas na glicólise: hexoquinase, fosfofrutoquinase e piruvato quinase. Estas enzimas são reguladas por modificação covalente ou efetores alostéricos de acordo com a necessidade da célula em manter a glicólise ativa. Por exemplo, uma célula com muita energia (muito ATP intracelular) costuma inibir a glicólise, regulando negativamente a atividade das três enzimas citadas, no entanto uma célula com pouca energia faz o Bioquímica Básica 118 processo inverso, ativando a glicólise. A hexoquinase é inibida pelo excesso do próprio produto da sua reação (glicose 6-fosfato), mas é ativada pela falta deste produto. Fosfofrutoquinase-1 pode ser inibida por excesso de ATP ou por pH intracelular baixo, mas é ativada por excesso de ADP ou de frutose 2,6-bifosfato. Esta última é produzida a partir de frutose 6-fosfato (um dos intermediários da glicólise) pela enzima fosfofrutoquinase 2, assim, quando se faz necessário a ativação da fosfofrutoquinase-1, a enzima fosfofrutoquinase 2 produz frutose 2,6- bifosfato, que vai ativar a fosfofrutoquinase-1 para que esta converta frutose 6- fosfato em frutose 1,6-bifosfato (explicado anteriormente) e assim prosseguir a glicólise. Piruvato quinase é inibida por excesso de ATP e ativada por excesso de frutose 1,6-bifosfato. A figura 14 mostra as diferenças de cinética enzimática quando a enzima fosfofrutoquinase-1 é positivamente ou negativamente regulada. Figura 14: Regulação da fosfofrutoquinase-1. Em condições de baixa quantidade de ATP (alto conteúdo de ADP) nas células, a enzima fosfofrutoquinase-1 (PFK-1) éativada, mas quando o nível de ATP é alto, a enzima é inibida. Isto se reflete nas cinéticas, onde a curva mais “em pé” (linha preta) terá um pequeno Km assim a afinidade da enzima pelo seu substrato (frutose 6-fosfato) é alta, porém a curva mais “deitada” (linha vermelha) terá Km maior e então a enzima terá menor afinidade pelo substrato. Fonte: Lehninger, Princípios de Bioquímica. Bioquímica Básica 119 Em condições aeróbicas, as moléculas de piruvato vão para a mitocôndria (figura 15). Como a mitocôndria tem duas membranas, proteínas de membrana específicas transportam o piruvato do citoplasma para o interior (matriz) da mitocôndria, como por exemplo, a proteína translocadora de piruvato na membrana mitocondrial interna, que transporta o piruvato que se encontra no espaço entre as duas membranas para a matriz. Figura 15: Diagrama da mitocôndria. A mitocôndria é subdividida em membranna externa, membrana interna e matriz. Entre as membranas encontra-se o espaço intermembrana. A matriz é também conhecida como o interior da mitocôndria. Na matriz encontram-se as várias enzimas incluindo as enzimas do ciclo de Krebs. A membrana interna contém cristas e nelas estão as proteínas da cadeia respiratória. Fonte: Lubert Stryer, Bioquímica. Assim que chega à matriz, o piruvato sofre ação de um complexo contendo 3 enzimas chamado complexo da piruvato desidrogenase. Este complexo multienzimático depende de 5 coenzimas, dentre elas o NAD+ e a coenzima A. O piruvato na presença deste complexo enzimático é primeiramente descarboxilado (um processo irreversível de oxidação na qual o grupo carboxila é removido do Bioquímica Básica 120 piruvato) formando CO2 e um derivado hidroxietil. Em seguida esta molécula sofre desidrogenação, formando acetil e a coenzima A é incorporada ao acetil formando acetilcoenzima A. Por último, elétrons e prótons liberados nas reações são entregues ao NAD+ que é convertido em NADH + H+. A reação resumida se encontra na figura 16. O principal destino metabólico do acetilCoA produzido na mitocôndria das células musculares é a sua entrada no ciclo de Krebs para a produção de energia. Nos adipócitos, hepatócitos e glândulas mamárias de animais em lactação, além da produção de energia, o acetilCoA é bastante usado na síntese de ácidos graxos para a produção de triglicerídeos. Também no fígado o acetilCoA pode ser usado para a produção de colesterol e corpos cetônicos. Com exceção do ciclo de Krebs, todas as outras vias metabólicas citadas serão estudadas na próxima unidade. Figura 16: Produção de acetilcoenzima A. Em A, através de reações enzimáticas catalisadas pelo complexo da piruvato desidrogenase, o piruvato é convertido em acetilcoenzima A (acetilCoA) com produção de CO2 e NADH + H+. Em vermelho está evidenciada a origem do CO2 durante a reação. A coenzima A é também Bioquímica Básica 121 referida como CoA-SH por ter um grupamento sulfidrila ou tiol (SH) usado na reação de formação da acetilCoA. Em B, a estrutura detalhada da coenzima, mostrando em vermelho o ácido pantotênico, vitamina da dieta usada na formação da coenzima A. Fonte: Lehninger, Princípios de Bioquímica. Para iniciar o ciclo do Krebs, o acetilCoA transfere o seu grupo acetil (contendo 2 carbonos) para uma molécula de 4 carbonos, o oxaloacetato, formando citrato, um composto com 6 átomos de carbono. A partir do citrato, uma série de 8 reações regeneram o oxaloacetato com produção líquida de 1 ATP ou GTP, 3 NADH + 3 H+, 1 FADH2 e 2 CO2. Esta via tem este nome em homenagem a Sir Hans Krebs que detalhou a via em 1937 (figura 17). A primeira etapa do ciclo de Krebs envolve a condensação do grupamento acetil do acetilCoA com o oxaloacetato para formar citrato e coenzima A livre, catalisada pela enzima citrato sintase. A segunda etapa envolve a isomerização do citrato em isocitrato, catalisada pela enzima aconitase. Na terceira etapa a enzima isocitrato desidrogenase dependente da coenzima NAD+ oxida e descarboxila o isocitrato formando α-cetoglutarato, com a formação de NADH + H+ e liberação de CO2. A quarta etapa envolve o complexo multienzimático α-cetoglutarato desidrogenase. A enzima, que é dependente de várias coenzimas, incluindo NAD+ e coenzima A, oxida e descarboxila o α-cetoglutarato, formando succinilCoA, NADH + H+ e CO2. A quinta etapa envolve a hidrólise da sucinilCoA para formar succinato e coenzima A livre, catalisada pela enzima succinilCoA sintetase. A energia liberada na reação é conservada em uma molécula de ATP ou de GTP, esta última que, por intermédio da enzima nucleosídio difosfato quinase, é convertida em ATP. A sexta etapa catalisada pela enzima succinato desidrogenase dependente de FAD, oxida o succinato, formando fumarato e FADH2. Esta enzima é a única do ciclo de Krebs que não está na matriz da mitocôndria, mas sim na membrana interna da mitocôndria, atuando não somente no ciclo de Krebs, mas também na cadeia respiratória (será estudada mais à frente). Na sétima etapa, a enzima fumarase hidrata o fumarato, criando malato e na oitava etapa o malato é oxidado, regenerando o oxaloacetato. Esta reação é catalisada pela enzima malato desidrogenase dependente de NAD+, assim na reação se produz mais um NADH + H+. Bioquímica Básica 122 Para cada monossacarídeo são obtidas duas moléculas de piruvato. Os dois piruvatos, ao irem para a mitocôndria são convertidos em duas moléculas de acetilCoA, assim dois ciclos de Krebs ocorrem. Portanto, em dois ciclos de Krebs, obtem-se 2 ATP ou GTP, 6 NADH + 6 H+, 2 FADH2 e 4 CO2. É importante perceber que, na formação de acetilCoA e ao longo do ciclo de Krebs, ocorrem descarboxilação de moléculas e assim são produzidos CO2. São justamente estes CO2 produzidos durante as etapas metabólicas que o organismo expulsa durante a respiração, assim respiração celular e respiração fisiológica atuam simultaneamente. Outro ponto importante é que, a partir destas observações, diferente do que muitos pensam O2 não vira CO2 nas células. Ao longo desta unidade será explicado que o O2 vira H2O na mitocôndria das células. Figura 17: As reações do ciclo de Krebs. Nesta figura estão mostradas as estruturas moleculares e as enzimas envolvidas no processo. Na via são produzidos 1 ATP ou GTP, 3 NADH + 3 H+, 1 FADH2 e 2 CO2. Fonte: www.bioquímicaufal.blogspot.com, acesso em 28/10/2014. Bioquímica Básica 123 Assim como a glicólise, o ciclo de Krebs pode ser regulado. A enzima citrato sintase é inibida por excesso de citrato, succinilCoA, NADH e ATP mas ativada quando a célula está com excesso de ADP. Isocitrato desidrogenase é inibida por excesso de NADH e ATP e ativada por excesso de ADP e NAD+. O complexo multienzimático α-cetoglutarato desidrogenase é inibido por excesso de NADH e succinilCoA e ativado por excesso de Ca++ intramitocondrial. A cadeia respiratória é a última etapa da via de produção de energia. Nesta etapa, os elétrons de todos os NADH e FADH2 produzidos nas duas etapas anteriores (glicólise e ciclo de Krebs) são transferidos, por meio de uma cadeia de transporte de elétrons, para o aceptor final de elétrons que é o O2. Grande parte da energia liberada no sistema é usada para o bombeamento de prótons da matriz (lado N) para o espaço entre as membranas da mitocôndria (lado P) que cria um gradiente eletroquímico. A volta dos prótons para a matriz libera energia para a síntese de ATP a partir de ADP + Pi (fenômeno chamado de fosforilação oxidativa). Os prótons também vão para o O2 e a combinação de oxigênio, elétrons e prótons produz água, caracterizando o consumode oxigênio (figura 18). Os transportadores de elétrons são complexos multienzimáticos conhecidos como complexo I (complexo da NADH desidrogenase ou NADH-coenzima Q oxidoredutase), complexo II (succinato desidrogenase ou succinato-coenzima Q oxidoredutase), complexo III (coenzima Q-citocromo C oxidoredutase ou citocromo bc1) e complexo IV (citocromo C oxidase). Bioquímica Básica 124 Figura 18: As reações da cadeia respiratória. Nesta figura estão mostradas os transportadores de elétrons na membrana mitocondrial interna, o gradiente eletroquímico criado pelo fluxo de prótons, a síntese de ATP e o consumo de oxigênio. Fonte: www.nutrisdoexercicio.wordpress.com, acesso em 29/10/2014. As reações da cadeia respiratória se iniciam com a transferência do hidreto (2 elétrons e 1 próton) do NADH e também de 1 próton da matriz, para um lipídio transportador de elétrons chamado coenzima Q (CoQ). O complexo I catalisa esta reação. Neste complexo existem vários grupos prostéticos incluindo 7 centros ferro-enxofre (Fe-S). Os elétrons e prótons são transferidos primeiro para uma coenzima do complexo multienzimático chamada flavina mononucleotídeo (FMN), e em seguida, para os centros ferro-enxofre a fim de este chegar a CoQ que se transforma em CoQH2. Durante a transferência dos elétrons pelo complexo I, produz-se energia suficiente para o bombeamento de 4 prótons da matriz para o espaço intermembrana da mitocôndria. Os elétrons podem também ser liberados para a CoQ via complexo II. O complexo II contém a enzima succinato desidrogenase que também atua no ciclo de Krebs. Além disso, o complexo II contém FAD e dois complexos ferro enxofre. No ciclo de Krebs foi dito que a succinato desidrogenase converte succinato em fumarato, com produção de FADH2 à partir de FAD. Diferente do NADH + H+ que é Bioquímica Básica 125 liberado após as reações das desidrogenases, o FADH2 não deixa o complexo II, mas assim que é produzido, libera seus elétrons e prótons para os centros ferro- enxofre a fim de este chegar a CoQ. Durante as reações no complexo II não há bombeamento de prótons, devido à quantidade de energia livre liberada na reação ser insuficiente. O complexo III catalisa a transferência de elétrons da CoQH2 para uma proteína transportadora de elétrons chamada citocromo C. O complexo III é formado por várias proteínas incluindo citocromos b, um citocromo c1 e uma proteína ferro-enxofre. Os citocromos são proteínas contendo átomos de ferro que, sem receber elétrons, se apresentam como Fe+++, mas quando recebem um elétron se apresentam como Fe++. Para reoxidar a CoQH2 são necessários dois citocromos b, onde cada um aceita 1 elétron. Os elétrons são então passados para o citocromo c1 e em seguida para o citocromo C usando os átomos de ferro que assim estão sempre alternando entre os estados oxidado (Fe+++) e reduzido (Fe++). Nesta reação de oxidação a CoQ é então restaurada e 4 prótons são bombeados através da membrana mitocondrial interna para o espaço intermembrana (dois da matriz e dois da CoQH2). O complexo IV transfere 2 elétrons do citocromo C (oriundos do NADH ou do FADH2) para o O2 para formar água. O complexo IV contém um citocromo a, um citocromo a3 e dois centros de cobre (CuA e CuB). Durante o processo, cada elétron vai do citocromo C para o CuA e depois para o citocromo a. Em seguida o elétron vai para o citocromo a3 e depois para o CuB e finalmente para o O2 que se encontra ligado ao complexo IV. Desse modo, assim como no complexo III, as reações no complexo IV envolvem reduções e oxidações de átomos de ferro e cobre até os elétrons serem entregues ao O2. Para consumir o oxigênio na formação da água são necessários uma molécula de oxigênio, 4 elétrons (oriundos do NADH e/ou FADH2) e 4 prótons (que estão na matriz), como na fórmula abaixo: 4e- + 4H+ + O2 = 2H2O, sendo a fórmula resumida: 2e- + 2H+ + ½ O2 = H2O A fosforilação oxidativa é o processo no qual a energia liberada durante a transferência de elétrons pelos complexos multienzimáticos da membrana interna Bioquímica Básica 126 da mitocôndria é usada no bombeamento de prótons para a produção de ATP à partir de ADP e Pi. Para cada NADH oxidado à NAD+ iniciado no complexo I, são bombeados 10 prótons para o espaço intermembrana. Estes prótons voltam para a matriz através de uma enzima chamada ATP-sintase. A energia livre liberada pelo potencial eletroquímico no processo é usada na produção de ATP. A ATP-sintase tem duas subunidades a F0 e a F1. A F0 forma um canal para translocação dos prótons através da membrana interna da mitocôndria; a F1 contém os sítios de ligação para ADP e ATP e é onde ocorre a síntese do ATP. Para cada ATP produzido são necessários 4 prótons: 3 passando pela ATP sintase e 1 para carrear Pi para a matriz da mitocôndria. Este último transporte envolve a proteína fosfato-translocase que se localiza na membrana interna da mitocôndria entre o complexo IV e a ATP-sintase. Além disso, também na membrana interna da mitocôndria, entre o complexo IV e a ATP-sintase, existe uma proteína translocase ATP-ADP que transporta ao mesmo tempo um ATP produzido ao nível da ATP sintase no lado da matriz para o espaço intermembrana (que depois consegue sair da mitocôndria para ser usado no citoplasma da célula) e um ADP do espaço intermembrana para a matriz (para ser usado junto com Pi na produção de ATP). Desse modo, como 4 H+ são necessários para se ter a produção de 1 ATP, com os 10 H+ bombeados, são produzidos 2,5 ATP. Como são produzidos na glicólise, na formação de acetilCoA e no ciclo de Krebs um total de 10 NADH + 10 H+, então são produzidos 25 ATP. Para cada FADH2 oxidado à FAD iniciado no complexo II, são bombeados 6 prótons para o espaço intermembrana, que vão propiciar a produção de 1,5 ATP. Como no ciclo de Krebs são produzidos dois FADH2, consegue-se 3 ATP. Então o somatório do número de moléculas de ATP produzidos na cadeia respiratória é de 28 ATP. Sendo assim, se compararmos o nível de energia armazenada na forma de ATP na ausência e na presença de oxigênio, temos 2 ATP no ambiente desoxigenado (oriundos da glicólise) contra 32 ATP (2 ATP na glicólise, 1 ATP em cada um dos dois ciclos de Krebs e 28 ATP na cadeia respiratória), mostrando um aumento de 16 vezes no nível de ATP quando se tem oxigênio nas células. Os dois NADH produzidos no citoplasma durante a glicólise não podem atravessar as membranas da mitocôndria. Para estes NADH serem usados na cadeia respiratória existem dois sistemas na membrana mitocondrial interna: a lançadeira Bioquímica Básica 127 malato-aspartato (usada, por exemplo, nas células hepáticas, renais e cardíacas) e a lançadeira glicerol-fosfato (usada, por exemplo, nas células musculares esqueléticas e cerebrais) (figura 19). No sistema da lançadeira malato-aspartato, oxaloacetato da matriz mitocondrial se converte à aspartato pela ação da enzima glutamato-oxaloacetato transaminase mitocondrial e vai para o citoplasma pelo transportador aspartato-glutamato. Lá o aspartato é reconvertido em oxaloacetato pela ação da enzima glutamato-oxaloacetato transaminase citoplasmática e, através da enzima malato desidrogenase, é reduzido, sendo transformado em malato, com conversão de NADH + H+ em NAD+. Malato sai do citoplasma, entra na matriz da mitocôndria pelo transportador malato-α-cetoglutarato presente na membrana interna e, em seguida é reconvertido à oxaloacetato pela ação da enzima malato desidrogenase mitocôndrial, produzindo NADH que é usado na cadeia respiratória. No sistema da lançadeira glicerol-fosfato, umaenzima glicerol 3-fosfato desidrogenase no citoplasma reduz dihidroxiacetona-fosfato à glicerol 3- fosfato, com conversão de NADH + H+ em NAD+. O glicerol 3-fosfato penetra no espaço intermembrana e sob ação da enzima glicerol 3-fosfato desidrogenase mitocôndrial o glicerol 3-fosfato é re-convertido em dihidroxiacetona-fosfato, mas desta vez, como a enzima contém a coenzima FAD, ao invés de NADH, é formado FADH2 que é usado na cadeia respiratória. Sendo assim, se for usada a lançadeira malato-aspartato, a quantidade de ATP produzida na cadeia respiratória será de 28 ATP, mas se for usada a lançadeira glicerol-fosfato, como são trocados dois NADH por dois FADH2, dois ATP a menos são produzidos, então o saldo energético final (glicólise + ciclo de Krebs + cadeia respiratória) pode ser 30 ou 32 ATP dependendo da lançadeira usada para aproveitar os equivalentes de redução dos 2 NADH produzidos durante a glicólise. Bioquímica Básica 128 Figura 19: Lançadeiras para o transporte de equivalentes de redução do citoplasma para a cadeia respiratória mitocondrial. Em A, a lançadeira malato- aspartato e em B, a lançadeira glicerol-fosfato. Fontes: www.dc583.4shared.com e slideplayer.com.br, acessos em 29/10/2014. Bioquímica Básica 129 A maioria dos mamíferos recém-nascidos, incluindo o homem, depende da atividade de um tipo especial de tecido: o tecido adiposo marrom. Neste tecido, as células apresentam mitocôndrias contendo na membrana interna uma proteína chamada termogenina. Esta proteína na forma ativa proporciona uma via alternativa para a passagem de prótons do espaço intermembrana para a matriz sem passar pela ATP-sintase. Deste modo, a maior parte da energia da transferência de elétrons e fluxo de prótons não é usada na síntese de ATP, mas na produção de calor para manter os recém-nascidos quentinhos. A ativação da termogenina depende do hormônio norepinefrina que estimula a quebra de triglicerídeos no tecido adiposo, liberando ácidos graxos (estes que ativam a termogenina). A oxidação dos ácidos graxos (será estudada na próxima unidade) leva a produção de NADH e FADH2 para a cadeia respiratória e consequentemente para a produção de ATP, mas também para a produção de calor. Animais que hibernam também dependem da termogenina nas mitocôndrias das células do tecido marrom para gerar calor durante a hibernação. Glicogênese Como anteriormente descrito ao longo desta unidade, o glicogênio é um polissacarídeo contendo milhares de moléculas de glicose, sendo a maioria das moléculas unidas por ligações glicosídicas C1-C4 e algumas unidas por ligações glicosídicas C1-C6 (pontos de ramificação). O glicogênio é geralmente formado após as refeições: quando a dieta contém mais glicose que o necessário para as necessidades energéticas do organismo, glicogênio é produzido e serve como um reservatório de glicose. A glicogênese (síntese de glicogênio) ocorre em todas as células do corpo, mas as células que mais produzem glicogênio são as hepáticas e as musculares esqueléticas. A síntese de glicogênio inicia da mesma maneira que a via glicolítica: a glicose é convertida em glicose 6-fosfato por ação da enzima hexoquinase (no músculo e outros tecidos extra-hepáticos) ou glicoquinase (uma forma da hexoquinase) no fígado. O fígado contém tanto hexoquinase quanto glicoquinase. Enquanto a hexoquinase possui Km baixo para a glicose Bioquímica Básica 130 (aproximadamente 0,15 mM), a glicoquinase apresenta Km aproximado de 10 mM (muito maior). Desse modo a afinidade da glicoquinase pela glicose é muito menor e assim para ativar a glicoquinase é necessária uma alta quantidade de glicose nas células hepáticas. Além disso, diferente da hexoquinase que é inibida por excesso de glicose 6-fosfato, a glicoquinase não é inibida por excesso desta molécula, mas sim por frutose 6-fosfato, assim, quando a concentração de glicose sanguínea é muito alta (após uma refeição), as células hepáticas captam muita dessa glicose, independente da quantidade de glicose 6-fosfato intracelular, tornando possível armazenar muita glicose na forma de glicogênio. Se a célula precisa de energia, a glicose 6-fosfato segue na via glicolítica se convertendo em frutose 6-fosfato pela ação da enzima fosfoglicose isomerase (figura 9). No entanto, se o nível de ATP intracelular está alto, a molécula de glicose 6-fosfato sofre ação da enzima fosfoglicomutase se convertendo em glicose 1- fosfato. Em seguida, por ação da enzima UDP-glicose pirofosforilase (glicose 1- fosfato uridiltransferase), a molécula de glicose 1-fosfato perde o seu fosfato, recebe uma molécula de UTP (uridina trifosfato) no carbono 1 e com a saída de mais um fosfato, se converte em UDP-glicose (uma “glicose ativada” à partir do qual glicogênio pode ser sintetizado). Os dois fosfatos saem juntos (na forma de pirofosfato), porém uma enzima, a pirofosfatase inorgânica, hidrolisa a molécula, separando os dois fosfatos, estes que podem ser usados posteriormente em outras reações químicas (figura 20). Bioquímica Básica 131 Figura 20: Produção de UDP-glicose. A reação, cartalisada pela UDP-glicose pirofosforilase envolve a união da glicose 1-fosfato e do UTP com saída de dois fosfatos inorgânicos e produção da forma ativada da glicose, a UDP-glicose. Fonte: Walter Motta, Bioquímica. Bioquímica Básica 132 A enzima capaz de criar ligações glicosídicas C1-C4 entre as moléculas de glicose para a formação do glicogênio é a glicogênio sintase. No entanto a glicogênio síntese não consegue iniciar a cadeia de moléculas de glicose adicionando a primeira molécula, mas necessita de uma sequência de moléculas de glicose previamente montada. A enzima glicogenina faz este passo inicial: primeiro, a enzima, através de uma atividade glicosil transferase, liga o carbono 1 de uma molécula de UDP-glicose a um aminoácido tirosina pertencente a própria enzima (como a UDP está no carbono 1 da glicose, a ligação da glicose à glicogenina promove a saída do UDP); a enzima glicogênio sintase se liga em seguida à glicogenina. Depois, mais seis moléculas de glicose são incorporadas por ligações glicosídicas C1-C4 até atingir sete moléculas de glicose, onde novamente cada ligação entre as moléculas de glicose promove a saída do UDP. A partir daí a glicogênio sintase se dissocia da glicogenina e assume a função catalítica na síntese do glicogênio, transferindo seqüencialmente moléculas de UDP-glicose para o carbono 4 de uma cadeia de glicogênio em crescimento, com saída das moléculas de UDP (figura 21). Cada UDP é reconvertida em UTP a partir da transferência de um fosfato do ATP para o UDP, catalisada pela enzima nucleosídeo difosfato quinase. Assim, para cada molécula de glicose usada na formação do glicogênio, são gastos duas moléculas de ATP (um ATP na conversão de glicose em glicose 6-fosfato e um ATP na formação do UTP). Como visto no inicio da unidade, o glicogênio contém, além das ligações glicosídicas C1-C4, também algumas ligações glicosídicas C1-C6 (figura 6). A glicogênio sintase não pode fazer ligações glicosídicas C1-C6, então, outra enzima, a enzima de ramificação, através de uma atividade glicosil transferase, transfere um fragmento terminal de sete moléculas de glicose, removido de uma sequência de pelo menos 11 moléculas de glicose unidas por ligações glicosídicas C1-C4, para a hidroxila do carbono 6 de uma glicose pertencente a esta mesma cadeia ou a uma outra cadeia de moléculas de glicose, criando ligações glicosídicas C1-C6 (ponto de ramificação). Isto aumenta a quantidade de extremidadesnão redutoras (C4 livre) para a ação da enzima glicogênio sintase. A montagem final do glicogênio depende então da ação catalítica sequencial do glicogênio sintase, criando ligações glicosídicas C1-C4 e da enzima de ramificação, criando ligações glicosídicas C1-C6. A glicogenina se mantém presa ao glicogênio pela ligação covalente a primeira glicose da cadeia de glicogênio (figura 21). Bioquímica Básica 133 Figura 21: Síntese de glicogênio. Em A, alongamento de uma cadeia de glicogênio pela glicogênio sintase. A UDP-glicose é transferida para o carbono 4 de uma cadeia de glicogênio em crescimento, com saída da molécula de UDP. Em B, a enzima de ramificação do glicogênio criando uma ligação glicosídica C1-C6 (ponto de ramificação) durante a síntese do glicogênio. Em C, síntese de glicogênio iniciada pela atividade catalítica da glicogenina e em seguida pelas enzimas glicogênio sintase e enzima de ramificação. Bioquímica Básica 134 Glicogenólise Em um músculo com atividade intensa ou mesmo em repouso, o glicogênio é rapidamente degradado, no entanto o glicogênio hepático é degradado lentamente para manter a glicemia sanguínea e nutrir órgãos que estejam precisando de glicose, prinicipalmente durante um jejum prolongado ao longo do dia como durante o sono. A glicogenólise (degradação do glicogênio) ocorre nas células por ação das enzimas glicogênio fosforilase, enzima de desramificação e fosfoglicomutase. A glicogênio fosforilase quebra ligações glicosídicas C1-C4 das moléculas de glicose, adicionando um grupamento fosfato no carbono 1 da glicose terminal (extremidade não redutora) do glicogênio, liberando glicose 1-fosfato (figura 22). A glicogênio fosforilase vai adicionando fosfato em moléculas de glicose presentes em uma extremidade não redutora até que a cadeia atinja 4 moléculas de glicose, ou seja, esteja à 4 monossacarídeos do ponto de ramificação (ligação glicosídica C1-C6). Então, entra em ação a enzima de desramificação do glicogênio. As moléculas de glicose próximas do ponto de ramificação são removidas da seguinte maneira: a atividade transferase da enzima transfere um bloco de 3 moléculas de glicose para uma ponta não redutora próxima, prendendo estas moléculas por ligações glicosídicas C1-C4. Esta cadeia, assim como todas as outras cadeias de glicose do glicogênio serão substratos para a enzima glicogênio fosforilase. Em seguida a única glicose ligada por ligação glicosídica C1-C6 é liberada como glicose pela ação glicosidase da enzima. Deste modo muitas moléculas de glicose são liberadas do glicogênio como glicose 1-fosfato e algumas são liberadas como glicose (figura 22). As moléculas de glicose 1-fosfato são convertidas em glicose 6- fosfato pela ação da enzima fosfoglicomutase e assim estas moléculas de glicose 6- fosfato, bem como as moléculas de glicose que também foram liberadas do glicogênio podem ser usadas na via glicolítica. Bioquímica Básica 135 No músculo, as moléculas de glicose e de glicose 6-fosfato liberados após degradação do glicogênio seguem exclusivamente a via glicolítica, ou seja, estas moléculas sempre serão usadas para a via de produção de energia. No fígado existe uma enzima chamada glicose 6-fosfatase que remove o fosfato do carbono 6 da glicose, permitindo que a mesma saia da célula e vá para a corrente sanguínea para nutrir outros órgãos. Em outras palavras, o fígado é um regulador da glicemia sanguínea e um doador de glicose para células que estão precisando de açúcares. As vias de síntese e degradação do glicogênio são reguladas ao nível das enzimas glicogênio sintase e glicogênio fosforilase. Estas duas enzimas podem estar nas formas a (ativa) e b (inativa ou pouco ativa). Estas enzimas podem ser inibidas alostéricamente (uma molécula se liga ao sítio regulatório da enzima) ou por modificação covalente através da fosforilação e desfosforilação. No controle alostérico, excesso de ATP e glicose 6-fosfato inibe a glicogênio fosforilase (forma b) e assim inibe a degradação do glicogênio, mas ativa a glicogênio sintase (forma a), assim estimulando a síntese de glicogênio. Já pouco ATP e glicose 6-fosfato ativa a glicogênio fosforilase (forma a) e inibe a glicogênio sintase (forma b). No controle por fosforilação e desfosforilação, a enzima fosforilase-quinase usa o ATP para fosforilar e inativar momentaneamente a enzima glicogênio sintase (forma b). Esta pode ser reconvertida a forma a (ativa) pela ação da enzima fosfoproteína-fosfatase 1. Desse modo, a enzima glicogênio sintase é inativada quando fosforilada, mas está ativa quando não possui fosfato. Na regulação da glicogênio fosforilase, a enzima fosforilase-quinase, através do ATP, fosforila e ativa a enzima glicogênio fosforilase (forma a) enquanto a enzima fosfoproteína-fosfatase 1 remove o fosfato e inativa momentaneamente a enzima (forma b). Bioquímica Básica 136 Bioquímica Básica 137 Figura 22: Degradação do glicogênio. Em A, a remoção sequencial de moléculas de glicose unidas por ligações glicosídicas C1-C4 é catalisada pela enzima glicogênio fosforilase. Quatro moléculas de glicose restantes em uma cadeia são alvo da enzima de desramificação, onde a atividade transferase da enzima remove as três últimas moléculas de glicose em bloco para uma cadeia próxima e a glicose que restou é removida do glicogênio pela atividade glicosidase da enzima. Em B, a reação detalhada catalisada pela enzima glicogênio fosforilase. Fontes: Lehninger, Princípios de Bioquímica e Walter Motta, Bioquímica. Bioquímica Básica 138 Gliconeogênese A gliconeogênese (produção de novas moléculas de glicose) ocorre no fígado a partir de fontes não glicídicas, como lactato, alanina, oxaloacetato e glicerol. Quando os níveis de glicose sanguínea e glicogênio hepático e muscular estão muito baixos, a gliconeogênese é uma alternativa para aumentar a glicemia tanto sanguínea quanto dos órgãos. Lactato é obtido geralmente de hemácias (que não possuem mitocôndrias e, portanto produzem intensamente lactato) e de células musculares em intensa atividade. O lactato migra das células para o sangue e em seguida para o fígado, onde através da enzima lactato desidrogenase, é convertido em piruvato para seguir na gliconeogênese. A alanina é obtida da degradação de proteínas musculares durante períodos de jejum prolongado. Ao chegar ao fígado a alanina perde o grupamento amina e é convertida em piruvato para a gliconeogênese. O oxaloacetato (um intermediário do ciclo de Krebs) é obtido do próprio fígado. Ao invés de ser usado pela enzima citrato sintase para a formação de citrato, a molécula é desviada para a formação de glicose na gliconeogênese. O glicerol é obtido após digestão enzimática dos triglicerídeos no tecido adiposo. No fígado o glicerol é fosforilado e convertido em glicerol 3-fosfato pela ação da enzima glicerol quinase. O glicerol 3-fosfato é em seguida convertido em dihidroxiacetona fosfato pela ação da enzima glicerol 3-fosfato desidrogenase para seguir na gliconeogênese (figura 23). Após piruvato ter sido produzido à partir de lactato e alanina na mitocôndria das células hepáticas, este se transforma em oxaloacetato, porém o restante da via de produção de glicose ocorre no citoplasma. Como a membrana interna da mitocôndria é impermeável ao oxaloacetato, este é convertido em malato pela ação da enzima malato desidrogenase mitocôndrial, com conversão de NADH + H+ em NAD+. Após o malato atravessar as membranas mitocondriais, ocorre reação inversa por ação de uma enzima malato desidrogenasecitoplasmática, para regenerar o oxaloacetato e NADH + H+ e assim dar continuidade a gliconeogênese. Bioquímica Básica 139 A gliconeogênese parece ser o reverso da glicólise pelo fato da maioria dos intermediários e das enzimas das duas vias serem as mesmas, uma vez que 7 passos da via glicolítica são reversíveis ou seja as mesmas enzimas que catalisam as reações no sentido da conversão de glicose em piruvato, catalisam as reações no sentido da conversão de piruvato em glicose. No entanto, na glicólise as reações catalisadas pelas enzimas hexoquinase, fosfofrutoquinase 1 e piruvato quinase são irreversíveis. Para contornar isto, quatro enzimas, exclusivas da gliconeogênese são requeridas: a piruvato carboxilase, a fosfoenolpiruvato carboxiquinase, a frutose 1,6-bifosfatase e a glicose 6-fosfatase. Para produzir glicose são necessários o consumo de 2, 4 ou 6 ATP, dependendo da molécula usada para iniciar a gliconeogênese (figura 23). Bioquímica Básica 140 Bioquímica Básica 141 Figura 22: As reações da gliconeogênese. Apesar de parecer ser o inverso da glicólise, a gliconeogênese tem suas particularidades como a etapa na qual piruvato é convertido a oxaloacetato (um intermediário do ciclo de Krebs) antes de se converter em fosfoenolpiruvato. Além disso, quatro enzimas são exclusivas da gliconeogênese: a piruvato carboxilase, a fosfoenolpiruvato carboxiquinase, a frutose 1,6-bifosfatase e a glicose 6-fosfatase. Fonte: Walter Motta, Bioquímica. Via das pentoses-fosfato Além da produção de energia e da síntese de glicogênio, a glicose pode servir para a via de síntese das pentoses fosfato. Esta via, também conhecida como a via do fosfogliconato produz NADPH e ribose 5-fosfato. Praticamente todas as células podem fazer a via das pentoses-fosfato, mas a via é muito mais ativa em tecidos que sintetizam constantemente ácidos graxos e esteróides, como o fígado e o tecido adiposo, pois o NADPH é essencial na síntese destes lipídios (estas reações metabólicas serão vistas na próxima unidade), sendo pouco ativa, por exemplo, no músculo esquelético e no cérebro, uma vez que estas células sintetizam poucos lipídios (geralmente fosfolipídios para as membranas). Já a ribose 5-fosfato é empregada na síntese de D-ribose, monossacarídeo constituinte do ATP, do NAD+, do NADP+, do FADH2, da coenzima A e dos nucleotídeos que compõem o ácido ribonucléico (RNA). A primeira etapa da via é semelhante à glicólise e a glicogênese e envolve a conversão da glicose em glicose 6-fosfato catalisada pela enzima hexoquinase, com gasto de 1 ATP. Em seguida a enzima glicose 6-fosfato desidrogenase dependente de NADP+, converte glicose 6-fosfato em 6-fosfogliconolactona, com produção de NADPH + H+. Esta é convertida em 6-fosfogliconato por ação da enzima 6-fosfoglicono lactonase. Em seguida o 6-fosfogliconato é desidrogenado e descarboxilado pela enzima 6-fosfogliconato desidrogenase dependente de NADP+, gerando D-ribulose 5-fosfato, NADPH + H+ e CO2 e finalmente a enzima fosfopentose isomerase converte a D-ribulose 5-fosfato em ribose 5-fosfato (figura 23). Bioquímica Básica 142 O NADPH também tem papel importante na proteção das células contra danos causados por agentes oxidativos, como água oxigenada e superóxidos, principalmente em hemácias, que são células muito sujeitas ao dano oxidativo (oxidação de ácidos nucléicos e de proteínas, peroxidação lipídica, dentre outros efeitos lesivos causando destruição celular). Por isso, pessoas que não produzem a enzima glicose 6-fosfato desidrogenase, não são capazes de fazer a via das pentoses-fosfato, levando a diminuição da produção de NADPH (não cessa a produção de NADPH pelo fato desta molécula poder ser criada em outras vias metabólicas) e aumento do dano oxidativo. Uma das moléculas importantes na proteção contra oxidação celular, a enzima glutationa peroxidase, usa a glutationa reduzida (GSH) para converter água oxigenada em água, diminuindo o efeito lesivo celular, mas durante o processo, a glutationa fica oxidada (GS-SG). Esta forma da glutationa depende do NADPH para voltar a forma reduzida e assim iniciar novamente o ciclo de proteção celular. Desse modo, nas células que dependem muito de NADPH não somente para a síntese acentuada de lipídios, mas também para proteção contra danos oxidativos, é comum boa parte da D-ribose 5-fosfato ser novamente convertida em glicose 6-fosfato (a via não será detalhada) para que a via das pentoses-fosfato ocorra novamente, com mais produção de NADPH. Bioquímica Básica 143 Bioquímica Básica 144 Figura 23: As reações da via das pentoses-fosfato. Nesta via, através de cinco reações enzimáticas (a conversão de glicose em glicose 6-fosfato catalisada pela enzima hexoquinase não está mostrada na figura) a glicose é convertida em D- ribose 5-fosfato, com produção de duas moléculas de NADPH + H+. Fonte: Lehninger, Princípios de Bioquímica. Leitura complementar DEVLIN, T. Manual de bioquímica com correlações clínicas. Edgard Blucher, 2007. HARPER, H. A. Bioquímica. Atheneu, 2002. LEHNINGER, A.L. Princípios de Bioquímica. Worth publishers, 2006. STRYER, L. Bioquímica. Guanabara Koogan, 2004. VOET, D., VOET, J.G., PRATT, C.W. Fundamentos de Bioquímica. Artmed, 2002. É HORA DE SE AVALIAR Lembre-se de realizar as atividades desta unidade de estudo. Elas irão ajudá-lo a fixar o conteúdo, além de proporcionar sua autonomia no processo de ensino-aprendizagem. Bioquímica Básica 145 Exercícios – Unidade 3 1. As reações oxidativas da via das pentoses fosfato, a partir de glicose 6- fosfato conduzem a formação de: a) Frutose 6-fosfato b) Galactose 1-fosfato c) Glicose 1-fosfato d) Maltose 5-fosfato e) Ribose 5-fosfato 2. No gráfico a seguir observa-se a produção de CO2 e de lactato no músculo de um atleta em atividade física. Sobre a variação da produção de CO2 e lactato em A e B, analise as seguintes afirmativas: I. A partir de T1 o suprimento de O2 no músculo é insuficiente para o músculo realizar respiração aeróbica. II. O CO2 produzido em A, é um dos produtos da respiração aeróbica, durante o processo de produção de ATP pelas células musculares. Bioquímica Básica 146 III. Em A as células musculares estão realizando respiração aeróbica e em B um tipo de fermentação. IV. A partir de T1 a produção de ATP pelas células musculares deverá aumentar. Das afirmativas acima, são corretas: a) Apenas I e II b) Apenas III e IV c) Apenas I, II e III d) Apenas I, II e IV e) Apenas II, III e IV 3. Assinale com V (verdadeiro) ou F (falso) as afirmações referentes à respiração celular. ( ) O metabolismo energético de carboidratos é constituído por três rotas: a glicólise, o ciclo de Krebs e a via das pentoses-fosfato. ( ) Durante o bombeamento de prótons ao longo da cadeia respiratória, há liberação de elétrons que vão sendo captados por transportadores como a coenzima Q e os citocromos. ( ) No ciclo de Krebs, ocorre uma maior produção de ATP do que durante a fase de glicólise. ( ) Nos eucariontes, a fase de glicólise ocorre no interior das mitocôndrias e na ausência de oxigênio. Bioquímica Básica 147 A sequência correta de preenchimento dos parênteses, de cima para baixo, é: a) F - F - F - V b) F - V - F - F c) V - V - V - F d) V - F - V - V e) F- V - V - F 4. O cianeto atua inibindo o complexo IV da cadeia respiratória.Quanto ao que pode acontecer com a célula, em consequência desta inibição, é CORRETO afirmar que: a) Não há interrupção na cadeia transportadora de elétrons e a produção de ATP não é alterada b) Toda a cadeia respiratória se interrompe, inclusive a produção de ATP e o consumo de oxigênio. c) Não há interrupção na cadeia transportadora de elétrons e sim um aumento compensatório na produção de ATP d) A célula torna-se dependente da fermentação cujo rendimento energético é superior ao da respiração aeróbica e) Não há interrupção da cadeia respiratória, somente a produção de ATP é alterada Bioquímica Básica 148 5. Os carboidratos, também conhecidos como glicídios ou açúcares, são as macromoléculas mais abundantes na natureza. As seguintes afirmativas se referem a alguns destes carboidratos. I. Os mais simples, chamados de monossacarídeos, podem ter de 3 a 7 átomos de carbono, e os mais conhecidos, glicose, frutose e galactose, têm 6. II. O amido e a celulose são polissacarídeos formados pelo mesmo número de moléculas de glicose, que se diferenciam pela presença de ramificações na estrutura do amido. III. A quitina é um importante polissacarídeo que constitui o exoesqueleto de fungos e artrópodes. IV. A glicose é armazenada nos mamíferos sob a forma de glicogênio. As seguintes afirmativas estão corretas: a) I, II e IV b) II e III c) I, III e IV d) II e IV e) III e IV Bioquímica Básica 149 6. O esquema a seguir resume as etapas de síntese e degradação do glicogênio no fígado, órgão responsável pela regulação da glicemia sanguínea. As enzimas representadas pelos números são: (1) Glicoquinase (2) Glicose 6-fosfatase (3) Fosfoglicomutase (4) UDP glicose pirofosforilase (5) Glicogênio sintase (6) Glicogênio fosforilase Um paciente portador de um defeito genético apresenta hipoglicemia nos intervalos entre as refeições, embora a taxa de glicogênio hepático permaneça elevada. No paciente, as enzimas que provavelmente estão apresentando atividade deficiente são: a) Glicoquinase e fosfoglicomutase b) Fosfoglicomutase e glicogênio sintase c) Glicose 6-fosfatase e UDP glicose pirofosforilase d) Glicogênio fosforilase e glicose 6-fosfatase e) Glicoquinase e glicogênio sintase Bioquímica Básica 150 7. O beribéri é uma doença nutricional causada pela falta de vitamina B1 (tiamina) no organismo, resulta em fraqueza muscular, problemas gastro- intestinais e dificuldades respiratórias. A tiamina na forma de tiamina pirofosfato (TPP) é importante para a produção de acetilcoenzima A na mitocôndria das células. Pessoas com beribéri apresentam constantemente níveis elevados de: a) Piruvato e oxaloacetato b) Lactato e citrato c) Succinil CoA e etanol d) Isocitrato e malato e) Succinato e fumarato 8. O destino das moléculas de celulose presente em alguns alimentos de origem vegetal ingerida por uma pessoa é: a) Entrar nas células e ser oxidada nas mitocôndrias, liberando energia para o organismo b) Ser metabolizada extracelularmente tanto no tubo digestivo quanto no sangue c) Entrar nas células e ser utilizada para a síntese de proteínas d) Ser eliminada pelas fezes, sem sofrer alteração no tubo digestivo e) Servir de matéria-prima para a síntese de glicogênio Bioquímica Básica 151 9. Os esquemas representam três rotas metabólicas possíveis, pelas quais a glicose é utilizada como fonte de energia. a) Quais rotas ocorrem em ambiente totalmente anaeróbico? b) Qual rota é inexistente na espécie humana? c) Qual é o saldo energético obtido na rota C? Bioquímica Básica 152 10. Células de um maratonista foram extraídas e cultivadas em dois tubos de ensaio à 37oC (tubo A e tubo B) contendo glicose como fonte de energia. Após 24 horas foram avaliados o consumo de glicose e a formação de ATP em cada tubo obtendo-se os seguintes resultados: Para cada célula observada nos tubos Consumo de Glicose (Moléculas de glicose consumidas) Formação de ATP (Moleculas de ATP formadas) Tubo A 1 32 Tubo B 16 32 A análise de cada tubo também mostrou que no tubo B acumulava-se lactato enquanto que no tubo A, observa-se o acúmulo imediato de bolhas. a) Explique bioquimicamente o acúmulo de lactato no tubo B e as bolhas do tubo A. __________________________________________________________________ __________________________________________________________________ __________________________________________________________________ __________________________________________________________________ b) Porque o consumo de glicose é maior no meio B embora a quantidade de ATP produzida seja a mesma? __________________________________________________________________ __________________________________________________________________ __________________________________________________________________ __________________________________________________________________ Bioquímica Básica 153 4 Lipídios e metabolismo Bioquímica Básica 154 Nesta unidade, vamos entender a cerca das características gerais dos lipídios, suas estruturas químicas, suas funções e localizações celulares. Objetivos da Unidade Conhecer as estruturas dos principais lipídios. Diferenciar os lipídios citoplasmáticos dos lipídios de membrana celular. Estudar a digestão, absorção e transporte de lipídios. Caracterizar a obtenção de energia com lipídios. Descrever a síntese de ácidos graxos, triglicerídeos e lipídios de membrana. Plano da Unidade Ácidos graxos e triglicerídeos Lipídios de membrana celular Eicosanóides Vitaminas lipossolúveis Digestão, absorção e transporte de lipídios Oxidação de ácidos graxos e obtenção de energia Corpos cetônicos Síntese de ácidos graxos e de triglicerídeos Degradação de triglicerídeos Síntese de lipídios de membrana Bons estudos! Bioquímica Básica 155 Os lipídios são moléculas com uma característica comum: são moléculas hidrofóbicas, isto é, insolúveis em água, porém solúveis nos chamados solventes orgânicos (benzeno, éter, tolueno, hexano, clorofórmio etc). São moléculas apolares ou anfipáticas com várias funções celulares incluindo armazenamento de energia, estrutural na formação das membranas celulares, mensageiros intracelulares, transportadores de elétrons, pigmentos absorvedores de luz, emulsionantes, coenzimas e hormônios. Ácidos graxos e triglicerídeos A maioria dos lipídios contém ou é originado de ácidos graxos. Os ácidos graxos são moléculas contendo um ácido carboxílico e uma cadeia de carbonos e hidrogênios (hidrocarboneto) que pode variar de 3 à 36 carbonos. Na dieta dos seres humanos, os ácidos graxos costumam conter de 4 à 24 carbonos. Geralmente os ácidos graxos de cadeia curta são os contendo até 5 carbonos, os de cadeia média, de 6 à 11 carbonos, os de cadeia longa, de 12 à 18 carbonos e os de cadeia muito longa, acima de 18 carbonos. Os ácidos graxos são exemplos de moléculas anfipáticas, pois contém uma região capaz de interagir com a água (o ácido carboxílico) e outra região incapaz de interagir com a água (o hidrocarboneto). Os ácidos graxos podem ser saturados, quando a cadeia de carbonos contém somente ligações simples, ou insaturados, quando contém ligações duplas entre carbonos (figura 1), sendo monoinsaturados os ácidos graxos com uma única ligação dupla ao longo da cadeia de carbonos e poliinsaturados os ácidos graxoscom duas ou mais ligações duplas. Bioquímica Básica 156 Figura 1: Estrutura geral dos ácidos graxos. Os ácidos graxos possuem um ácido carboxílico e uma cadeia de carbonos e hidrogênios. O ácido graxo saturado tem uma cadeia de carbonos contendo somente ligações simples. Já o ácido graxo insaturado tem pelo menos uma ligação dupla (monoinsaturado) ou mais de uma ligação dupla (poliinsaturado) entre carbonos. Em A, representação mais comum dos ácidos graxos, mostrando carbonos, hidrogênios e as ligações químicas simples e duplas. Em B, representação dos ácidos graxos em ziguezague, onde cada ponta do ziguezague representa um carbono e o duplo traço representa a ligação dupla. Se nos carbonos que contém a ligação dupla os hidrogênios estiverem para o mesmo lado, como na figura A, a configuração é chamada cis, mas se os hidrogênios estiverem opostos um em relação ao outro a configuração é trans. Á título de observação, enquanto o ácido graxo saturado na figura A tem 8 carbonos, o ácido graxo saturado na figura B tem 10 carbonos. Fontes: www.brasilescola.com e www.wikimonsa.wikispaces.com, acessos em 07/11/2014. Bioquímica Básica 157 Para designar um ácido graxo, usa-se o número que corresponde ao tamanho do ácido graxo e números que correspondem à quantidade e a localização das ligações duplas na molécula. Um ácido graxo de dezoito carbonos saturado é designado 18:0, mas um ácido graxo de dezoito carbonos monoinsaturado, sendo esta insaturação no carbono nove, é designado 18:1Δ9. Se um ácido graxo de dezoito carbonos for poliinsaturado com ligações duplas nos carbonos nove, doze e quinze, então a designação será 18:3Δ9,12,15. A tabela 1 mostra alguns ácidos graxos e suas designações. Tabela 1: Ácidos graxos de ocorrência natural *Designação Estrutura Nome comum 4:0 CH3(CH2)2COOH Ácido butírico 12:0 CH3(CH2)10COOH Ácido láurico 14:0 CH3(CH2)12COOH Ácido mirístico 16:0 CH3(CH2)14COOH Ácido palmítico 16:1Δ9 CH3(CH2)5CH=CH(CH2)7COOH Ácido palmitoleico 18:0 CH3(CH2)16COOH Ácido esteárico 18:1Δ9 CH3(CH2)7CH=CH(CH2)7COOH Ácido oleico 18:1Δ9,12 CH3(CH2)4CH=CH(CH2)CH=CH(CH2)7C OOH Ácido linoleico 18:1Δ9,12,15 CH3CH2CH=CHCH2CH=CHCH2CH=CH( CH2)7COOH Ácido α-linolênico 20:0 CH3(CH2)18COOH Ácido eicosanóico 20:4Δ5,8,11,14 CH3(CH2)4CH=CHCH2CH=CHCH2CH=C HCH2CH=CH(CH2)3COOH Ácido araquidônico 24:0 CH3(CH2)22COOH Ácido lignocérico *A designação se refere ao número de carbonos e quantidade e localização das ligações duplas no ácido graxo. Bioquímica Básica 158 As propriedades físico-químicas dos ácidos graxos são determinadas pelo tamanho e grau de saturação dos ácidos graxos: quanto maior o ácido graxo, menor a sua solubilidade em água e vice-versa; substâncias contendo ácidos graxos saturados apresentam consistência sólida e quanto maior forem os ácidos graxos, mais sólidos será o composto; no entanto, quanto mais insaturados forem os ácidos graxos que compõem a substância, mais líquido será o composto. Além disso, o grau de saturação dos ácidos graxos influência na saúde do ser humano: por mecanismos ainda não totalmente esclarecidos, ácidos graxos insaturados são mais saudáveis que ácidos graxos saturados por reduzir a pressão arterial, melhorar a coagulação sanguínea e prevenir doenças ligadas ao coração. Já os ácidos graxos saturados têm relação direta com a elevação de triglicerídeos e colesterol sanguíneo. No entanto, não se devem retirar os ácidos graxos saturados da dieta, apenas reduzi-los a cerca de 30%, pois além de ser uma fonte rica de energia, estes são necessários na formação das membranas e alguns são antimicrobianos. Apesar do ser humano conseguir produzir ácidos graxos saturados e monoinsaturados, é incapaz de produzir ácidos graxos poliinsaturados, sendo assim, estes precisam obrigatoriamente ser adquiridos na dieta. O calor influência na saturação dos ácidos graxos: à medida que um ácido graxo é aquecido, suas ligações duplas são convertidas em ligações simples, fazendo com que o ácido graxo insaturado se torne saturado. Deste modo, o aquecimento prolongado de um alimento contendo ácidos graxos é prejudicial para a saúde. Os principais ácidos graxos saturados na dieta são: ácido palmítico (16:0), ácido esteárico (18:0) e ácido eicosanóico (20:0). Há também pequenas quantidades de ácido láurico (12:0) e ácido mirístico (14:0). As principais fontes alimentares de ácidos graxos saturados são os produtos lácteos e sorvetes, biscoitos, carnes (especialmente as processadas) e produtos gordurosos. Os principais ácidos graxos insaturados na dieta são o ácido palmitoleico (16:1Δ9), o ácido oleico (18:1Δ9), o ácido α-linolênico (18:1Δ9,12,15) e o ácido linoleico (18:1Δ9,12). As principais fontes alimentares de ácidos graxos insaturados são os vegetais e seus óleos, azeites, óleos de peixe, cereais, sementes e grãos. Na maioria dos casos, os ácidos graxos são referidos como o sal do ácido ou o ácido graxo ionizado. Por exemplo, ácido palmítico é referido como palmitato, ácido esteárico, como estearato, ácido láurico como laurato etc. A figura 2 compara três destes alimentos de acordo com o tipo de ácidos graxos. Bioquímica Básica 159 Figura 2: Tipos de ácidos graxos de três alimentos. Ambos os óleo de oliva, manteiga e gordura de carne de boi contém triglicerídeos com ácidos graxos de diferentes tamanhos e graus de saturação. O óleo por conter um percentual maior de ácidos graxos insaturados em seus triglicerídeos, inclusive de cadeia longa, é líquido à temperatura ambiente. Já a manteiga contém muitos ácidos graxos saturados de cadeia longa e alguns ácidos graxos saturados de cadeia curta, por isso é um sólido à temperatura ambiente, porém mole por conter também uma quantidade moderada de ácidos graxos insaturados de cadeia longa. Por último, a gordura da carne do boi é bem sólida à temperatura ambiente por conter grande quantidade de ácidos graxos saturados de cadeia longa. È importante observar que ambas as manteigas e gorduras apresentam maior percentual de ácidos graxos saturados em relação aos insaturados em seus triglicerídeos. Fonte: Lehninger, Princípios de Bioquímica. Bioquímica Básica 160 Os ácidos graxos α-linolênico e linoleico são exemplos de ácidos graxos conhecidos respectivamente como ômega-3 e ômega-6. Estes são ácidos graxos poliinsaturados, por isso são essenciais, e precisam estar na dieta. Para ser considerado ômega-3, a última ligação dupla precisa estar a 3 carbonos do fim da molécula enquanto no ômega-6 a última ligação dupla está à 6 carbonos do fim da molécula. A partir destes dois ácidos graxos são produzidos outros ácidos graxos poliinsaturados muito importantes (será detalhado ao longo da unidade). Um problema comum relacionado aos ácidos graxos poliinsaturados é o seu alto poder de oxidação: o oxigênio reage com as duplas ligações danificando a estrutura destes ácidos graxos (peroxidação lipídica) e gerando radicais livres, principais causadores do envelhecimento e morte celular, assim o seu consumo deve estar associado à ingestão de vitaminas A, C e E e outros anti-oxidantes. Os ácidos graxos monoinsaturados, por ter somente uma ligação dupla são mais resistentes ao ataque das moléculas de oxigênio. Outros ácidos graxos do tipo ômega (ômega-7 e ômega-9) são ácidos graxos saturados e monoinsaturados e, portanto, apesar de estarem na dieta, também são produzidos pelo organismo. A tabela 2 mostra o conteúdo de ácidos graxos saturados, monoinsaturados e poliinsaturados em alguns alimentos. Bioquímica Básica 161 Tabela 2: Teor de ácidos graxos (g) em 100 g dos alimentosAlimentos Ácidos graxos (g) Saturados Monoinsaturados Poliinsaturados Abacate 2,5 16,5 2 Azeite de oliva 14 70 11 Azeitona 1 6 1 Bacalhau fresco 0,15 0 0,25 Bacon 32,5 36 6 Carne de boi 5 5 0,5 Carne de frango (sem pele) 11,5 2 0,5 Carne de peru (sem pele) 0,5 0,5 1 Carne suína 12,5 14 2,5 Castanha-do-Pará 15,5 20 23 Creme de leite 12,5 6,5 0,5 Leite integral 2,2 1,2 0,1 Leite condensado 5,5 3 0,2 Manteiga 49 26 2,2 Margarina 30 38 9,5 Óleo de soja 14 24 56,5 Óleo de milho 16,5 29,5 50 Óleo de canola 5 64 25 Óleo de girassol 13 32 50 Ovo 3,5 14,2 1,2 Queijo parmesão 17,5 9,5 1 Queijo cottage 2,4 1,3 0,1 Sardinha 3 3 3,5 Salmão 3 4,5 3 Os triglicerídeos (ou triacilgliceróis) são moléculas formadas pela união de 3 ácidos graxos (geralmente dois ou os três ácidos graxos são diferentes entre sí) ligados a um glicerol cujas três hidroxilas do glicerol reagem com os ácidos carboxílicos dos ácidos graxos através da saída de três moléculas de água (figura 3). Os triglicerídeos são compostos essencialmente apolares, pois as regiões polares do glicerol e dos ácidos graxos desapareceram na formação das ligações do tipo éster. Por isso, constituem moléculas muito hidrofóbicas. Os representantes dos Bioquímica Básica 162 triglicerídeos são as gorduras e os óleos. Enquanto as gorduras contêm triglicerídeos com a maioria dos ácidos graxos saturados (por isso as gorduras são sólidas à temperatura ambiente), os óleos contêm triglicerídeos com a maioria dos ácidos graxos insaturados (por isso os óleos são líquidos à temperatura ambiente). Figura 3: Estrutura do triglicerídeo. Em A, a formação do triglicerídeo através da união de três ácidos graxos com um glicerol. Na reação saem três moléculas de água. Os “R” nos ácidos graxos representam cadeias de carbonos sem tamanho e grau de saturação definidos. Em B, representação do triglicerídeo onde, de cima para baixo, a primeira cadeia de carbonos é saturada, a segunda cadeia de carbonos é monoinsaturada e a terceira cadeia de carbonos é poliinsaturada. Nesta última estão mostrados os carbonos onde ocorrem as ligações duplas. Fontes: www.especialista24.com e www.duplat.blogspot.com, acessos em 07/11/2014. Bioquímica Básica 163 Os triglicerídeos costumar estar no citoplasma das células humanas principalmente nas células do tecido adiposo e do fígado e são uma forma de armazenamento de energia mais interessante que glicogênio, pois um triglicerídeo fornece bem mais energia por grama que o glicogênio. Além disso, enquanto o corpo humano armazena gramas de glicose na forma de glicogênio, são armazenados quilos de gordura no tecido adiposo. Além da função de armazenamento de energia, os triglicerídeos são eficientes isolantes térmicos contra baixas temperaturas: não é a toa que animais de clima frio, como focas, ursos polares, pingüins e leões marinhos apresentam grande quantidade de triglicerídeo corporal seja na forma de gordura ou óleo. Os triglicerídeos podem ser hidrolisados, liberando com isso, ácidos graxos e glicerol (será detalhado ao longo da unidade). Se esta hidrólise é feita em meio alcalino, por exemplo, pela adição de uma base forte como o hidróxido de sódio (soda cáustica) e sob a alta temperatura, formam-se sais de ácidos graxos, os sabões, e o processo é chamado de saponificação (figura 4). Figura 4: O processo da saponificação. Na produção do sabão, os triglicerídeos são misturados a uma base forte em alta temperatura, liberando os sais de ácidos graxos (sabões) e o glicerol. Fonte: www.quimicasemsegredos.com, acesso em 07/11/2014. Bioquímica Básica 164 Sendo assim, o sabão é um sal de ácido carboxílico contendo uma longa cadeia de carbonos em sua estrutura molecular, com capacidade de interagir tanto com estruturas polares quanto apolares (estrutura anfipática). Desse modo, ao lavarmos uma panela suja de óleo ou gordura, formam-se as micelas, gotículas microscópicas de gordura envolvidas por moléculas de sabão, orientadas com as cadeias apolares direcionadas para dentro (interagindo com o óleo ou gordura) e as extremidades polares para fora (interagindo com a água). A água usada para enxaguar a panela interage com a parte externa das micelas, que é constituída pelas extremidades polares das moléculas de sabão. Assim, as micelas são dispersas na água e levadas por ela no enxágüe da panela, o que torna fácil remover, com auxílio do sabão, substâncias apolares (figura 5). O processo de formação de micelas é denominado emulsificação. Dizemos que o sabão atua como emulsificante ou emulsionante, ou seja, ele tem a propriedade de fazer com que o óleo se disperse na água, na forma de micelas. Figura 5: Comportamento do óleo e sabão em presença de água. Na presença de água, o sabão e o óleo formam micelas, com regiões polares do sabão voltadas para fora da mistura (para contato com água) e regiões apolares da mistura voltadas para dentro (onde ocorre a interação do óleo com o sabão), assim o sabão atua como emulsificante ou emulsionante, fazendo com que o óleo se disperse na água, na forma de micelas. Fonte: www.negacrazy.blogspot.com, acesso em 08/11/2014. Bioquímica Básica 165 Lipídios de membrana celular As membranas biológicas são formadas por uma bicamada de lipídios contendo proteínas. Nos eucariontes encontram-se também carboidratos. Estes lipídios são anfipáticos, pois a região polar da molécula está voltada para o espaço extracelular ou para o citoplasma da célula (estas áreas são geralmente aquosas), enquanto a parte apolar está escondida no meio da bicamada lipídica, sem acesso à água interna ou externa. Os lipídios das membranas são os fosfolipídios (subdivididos em glicerofosfolipídios e esfingolipídios) e os esteróis (figura 6). Figura 6: Arquitetura da membrana plasmática. Na figura estão mostrados a bicamada de fosfolipídios, comum nas membranas das células procariontes (bactérias) e eucariontes (demais tipos celulares), contendo proteínas, carboidratos e esteróis (o esterol na figura é o colesterol), sendo os dois últimos ausentes nos procariontes. Fonte: www.infoescola.com, acesso em 07/11/2014. Bioquímica Básica 166 Glicerofosfolipídios são as principais classes de lipídios nas membranas, estando presente na membrana plasmática de procariontes e eucariontes e nas membranas das organelas do citoplasma de eucariontes. Estes lipídios contêm dois ácidos graxos e um grupamento fosfato ligados a um glicerol. O fosfato é a parte polar da molécula e assim é a que fica voltado tanto para o interior, quanto para o exterior das membranas e o restante é a parte apolar. Um dos ácidos graxos é sempre saturado contendo 16 ou 18 carbonos e o outro é insaturado contendo 18, 20 ou 22 carbonos. Além disso, várias moléculas diferentes podem estar ligadas ao fosfato, criando os diferentes glicerofosfolipídios (figura 7). Bioquímica Básica 167 Figura 6: Estrutura molecular do glicerofosfolipídio e suas variantes. Glicerofosfolipídios são lipídios anfipáticos contendo dois ácidos graxos e um grupamento fosfato ligados a glicerol. Em A, a estrutura geral do glicerofosfolipídio, com ácido graxo saturado na posição 1 e o ácido graxo insaturado na posição 2. Em B, os diferentes tipos de glicerofosfolipídios nas membranas celulares. Fonte: Lehninger, Princípios de Bioquímica. Os esfingolipídios são a segunda classe mais abundante de lipídios nas membranas. Encontrados somente em eucariontes, são compostos de uma parte apolar contendo um ácido graxo de cadeia longa e uma esfingosina(um aminoálcool) no lugar do segundo ácido graxo e do glicerol e uma parte polar variável como nos glicerofosfolipídios, criando os diferentes esfingolipídios (figura 7). Bioquímica Básica 168 Figura 7: Estrutura molecular do esfingolipídio e suas variantes. Esfingolipídios são lipídios anfipáticos contendo um ácido graxo de cadeia muito longa, uma esfingosina (um aminoálcool) e uma parte polar variável como nos glicerofosfolipídios. Em A, a estrutura geral do esfingolipídio. Em B, os diferentes tipos de esfingolipídios nas membranas celulares. Fonte: Lehninger, Princípios de Bioquímica. Muitos esfingolipídios são glicolipídios (figura 7), estando à porção carboidrato sempre voltada para fora da célula formando o glicocálix. Os esfingolipídios são abundante na membrana plasmática de neurônios, formando a bainha de mielina para a transmissão do impulso nervoso e são sítios de reconhecimento celular, principalmente nas hemácias, determinando os grupos sanguíneos humanos. Além disso, podem atuar como receptores para toxinas liberadas por bactérias e serem reconhecidos por células bacterianas e vírus para o início da infecção. Os esteróis são a terceira classe de lipídios nas membranas. Sua estrutura anfipática contém uma região polar (geralmente uma hidroxila no carbono 3) e uma região apolar composta por 4 anéis de carbonos, sendo 3 de seis carbonos e 1 de cinco carbonos (núcleo esteróide) e uma cadeia hidrocarboneto não cíclica (figura 8). O esterol das células animais é o colesterol. As células dos outros seres vivos (exceto procariontes) também apresentam esteróis nas membranas: fitoesteróis nas células vegetais, ergosterol nos fungos etc. Os fitoesteróis na dieta tem a capacidade de reduzir a absorção do colesterol total, através de um mecanismo de competição que ocorre no intestino delgado, onde pelo fato de ambos fitoesteróis e colesterol serem muito semelhantes (figura 8), ocorre inibição da absorção do colesterol pelos fitoesteróis, reduzindo o conteúdo de colesterol plasmático. O colesterol é sintetizado no fígado ou obtido na dieta. Seu esqueleto serve para a formação de várias moléculas, incluindo a vitamina D, os sais biliares e hormônios esteróides como a progesterona, a testosterona e o estradiol (o metabolismo do colesterol será visto ao longo da unidade). Bioquímica Básica 169 Figura 8: O colesterol. Em A, a estrutura detalhada do colesterol, evidenciando a numeração dos carbonos da molécula no núcleo esteróide e na cadeia de carbonos externa aos anéis. Em B, comparação entre o colesterol e três fitoesteróis da dieta, evidenciando a pequena diferença entre os quatro esteróis através de círculos coloridos nos carbonos 22 e 24 das moléculas. Fontes: Lehninger, Princípios de Bioquímica e www.biobiocolesterol.blogspot.com.br, acesso em 08/11/2014. Bioquímica Básica 170 Eicosanóides Eicosanóides são moléculas lipídicas anfipáticas derivadas de um ácido graxo de 20 carbonos chamado ácido araquidônico (20:4Δ5,8,11,14) (figura 9). Esse ácido graxo pode ser obtido diretamente na dieta ou ser produzido através do ácido linoléico (18:1Δ9,12), um ômega-6. Praticamente todo ácido araquidônico está em fosfolipídios, assim, é necessária uma reação enzimática catalisada por uma fosfolipase para remoção do ácido araquidônico do fosfolipídio e seu uso na produção dos eicosanóides (figura 9). Os eicosanóides se comportam como mensageiros químicos um pouco diferente dos hormônios, pelo fato de não serem distribuídos pela corrente sanguínea para diferentes órgãos, mas sim atuarem no tecido onde foi produzido. Existem 3 classes de eicosanóides: as prostaglandinas, os leucotrienos e as tromboxanas. Enzimas ciclooxigenases (COX) são responsáveis pela conversão de ácido araquidônico em prostaglandinas. As prostaglandinas (figura 9) são produzidas por quase todas as células, geralmente em locais de dano tecidual ou infecção. São moléculas capazes de elevar a temperatura do corpo, causar inflamação e dor, aumentar a perrmeabilidade capilar e a quimiotaxia, atraindo células como macrófagos especializados na fagocitose de restos celulares durante o processo inflamatório. A inibição das ciclooxigenases por analgésicos e anti-inflamatórios (drogas não esteroidais anti-inflamatórias ou NSAIDs) como aspirina, ibuprofeno e paracetamol, implica na diminuição da síntese de prostaglandinas e consequentemente da dor e febre. Além disso, as prostaglandinas estão responsáveis pelo estímulo das contrações uterinas durante a menstruação e o parto, pela vasodilatação, pelo aumento da secreção de muco no estômago etc. Bioquímica Básica 171 Tromboxanos (nomeados em referência à sua capacidade de formar trombos) são produzidos nas plaquetas também a partir de reação catalisada por ciclooxigenases. São moléculas vasoconstritores na circulação sanguínea e vasodilatadores na circulação pulmonar e potentes agentes hipertensivos, além de facilitarem a agregação plaquetária: o tromboxano A2 (figura 9), produzido por plaquetas ativadas, estimula a ativação de outras plaquetas, aumentando a agregação plaquetária. Medicamentos inibidores de ciclooxigenases afetam a produção de tromboxanos, levando ao aparecimento de hemorragias com maior freqüência. Duas isoformas da COX (COX-1 e COX-2) têm sido extensivamente estudadas. Ambas estão envolvidas tanto em eventos fisiológicos, quanto patológicos. A primeira, expressa constitutivamente, é responsável pela formação de prostaglandinas associadas com eventos fisiológicos como a integridade da mucosa gástrica e funcionamento normal dos rins regulando o tônus vascular e o fluxo sanguíneo renal, enquanto que COX-2 está relacionada aos eventos da resposta inflamatória. No entanto, parece que a COX-1 também está relacionada com a resposta inflamatória. Além disso, COX-2 está envolvida com a formação de trombos. Assim, faz-se necessário o uso controlado de medicamentos inibidores de COX. Estudos revelaram um papel protetor da COX-2 no estômago, rim, coração, vasos e sistema reprodutor. Distúrbios cardiovasculares graves e trombóticos, irritações gastrointestinais e disfunção renal são alguns dos eventos observados no uso exagerado de inibidores de COX. Leucotrienos (figura 9) são moléculas produzidas por células inflamatórias como leucócitos polimorfonucleares, macrófagos ativados e mastócitos através de reação catalisada pela enzima lipooxigenase (LOX). Os leucotrienos são mediadores lipídicos que apresentam papel relevante na resposta inflamatória tecidual aumentando a permeabilidade vascular, induzindo a inflamação, ativando células para função efetora ou inibindo a função de células. São também extremamente potentes na vasoconstrição e broncoconstrição, levando a contração da musculatura lisa dos vasos sanguíneos e a passagem de ar nos pulmões no edema, levando a perda de líquidos dos vasos sanguíneos. Leucotrienos também estimulam a síntese de colágeno e quimiotaxia de fibroblastos. A superprodução de leucotrienos causa asma e muitas drogas antiasmáticas atuam bloqueando a enzima lipooxigenase. Bioquímica Básica 172 Figura 9: O ácido araquidônico e os eicosanóides. Em A, o ácido araquidônico no fosfolipídio é liberado por ação da enzima fosfolipase A2, uma das diferentes fosfolipases atuantes nos fosfolipídios. Em B, dependendo do tipo celular, o ácido araquidônico, por intermédio de enzimas COX ou LOX, é convertido em prostaglandinas, tromboxanos e leucotrienos, onde cada eicosanóide responderá por uma ou muitas funções celulares no tecido onde foi sintetizado. NSAIDs são potentes bloqueadores da produção de prostaglandinase tromboxanos, afetando diversos processos fisiológicos. Fonte: Lehninger, Princípios de Bioquímica. Bioquímica Básica 173 Vitaminas lipossolúveis São quatro as vitaminas de natureza lipídica: A, D, E e K. Estas moléculas são anfipáticas com inúmeras funções celulares. A vitamina A (figura 10) é produzida a partir de uma molécula chamada β- caroteno. O β-caroteno é uma molécula da família dos carotenóides. Os carotenóides são compostos abundantemente encontrados na natureza, sendo os responsáveis pela cor da maioria dos frutos e vegetais, a qual pode variar desde o amarelo até o vermelho vivo. Dos mais de 600 carotenoides conhecidos, aproximadamente 50 são precursores da vitamina A. Entre os carotenoides, o β- caroteno é o mais abundante em alimentos e o que apresenta a maior atividade de pró-vitamina A. A principal via de produção da vitamina A é a clivagem central catalisada pela enzima 15-15’β-caroteno oxigenase. Ela cliva o β-caroteno em sua ligação dupla central, obtendo retinol (vitamina A), que pode ser, no corpo humano, convertido reversivelmente em 11-cis-retinal ou irreversivelmente em acido retinóico. A vitamina A é encontrada em muitos alimentos, como vegetais, ovos, fígado, manteiga etc. O 11-cis-retinal é de vital importância no ciclo visual, atuando nos bastonetes, células que funcionam com baixa intensidade de luz, insensíveis às cores. O ácido retinóico é encontrado no interior das células, onde desempenha funções relacionadas ao ciclo celular. A modulação da expressão gênica pelo ácido retinóico é mediada pela ativação dos receptores nucleares para hormônios esteróides/tiroideanos/vitamina D. A ligação do ácido retinóico a estes receptores promove ativação gênica, transcrição, tradução e acúmulo de novas proteínas. A vitamina A também está relacionada com o desenvolvimento dos ossos, ação protetora na pele e mucosa, possui função essencial na capacidade funcional dos órgãos do trato reprodutivo, participa do fortalecimento do sistema imunológico, está relacionada com o desenvolvimento e manutenção do tecido epitelial, contribui para o desenvolvimento normal dos dentes, para a conservação do esmalte dentário, manutenção do bom estado do cabelo e na prevenção da oxidação celular. A deficiência de vitamina A, acarreta xeroftalmia. A xeroftalmia é o nome genérico dado aos diversos sinais e sintomas oculares da carência de Bioquímica Básica 174 vitamina A. A forma clínica mais precoce da xeroftalmia é a cegueira noturna onde não se consegue boa adaptação visual em ambientes pouco iluminados, podendo evoluir para um quadro de ceratomalacia, uma cegueira irreversível causada por ulceração progressiva da córnea levando à necrose e destruição do globo ocular. A vitamina D é também conhecida como colecalciferol (figura 10). A principal ação da vitamina D é aumentar o transporte de cálcio e fósforo do meio extracelular para o intracelular e mobilizar cálcio dos estoques intracelulares. Além disso, possui papel mediador em processos inflamatórios e auto imunitários. A deficiência de Vitamina D pode ser observada em indivíduos que tenham pouca exposição ao sol, e naqueles que tenham problemas na absorção de lipídios ou problemas na dieta. Em crianças, a deficiência de vitamina D pode resultar no raquitismo, doença decorrente da inadequada mineralização do osso durante o crescimento com consequentes anormalidades ósseas, entretanto, isso é raro nos dias atuais, devido, sobretudo à fortificação dos alimentos. A deficiência grave em adultos leva à osteomalácia, condição caracterizada pela falha na mineralização da matriz orgânica do osso, resultando em ossos fracos, sensíveis à pressão, fraqueza nos músculos proximais e frequência de fraturas aumentada, além de ter efeitos importantes no desenvolvimento da osteoporose. Em idosos, a deficiência de vitamina D é decorrente das alterações fisiológicas e mudanças no hábito de vida decorrente deste grupo, como por exemplo, a diminuição da exposição ao sol e mudanças na dieta. As fontes de vitamina D da dieta são os óleos de fígado de peixes e alimentos derivados do leite, como manteiga e queijos gordurosos. Além disso, a exposição do corpo aos raios do sol leva à síntese desta vitamina pelo organismo: a vitamina D é formada na pele á partir de uma forma modificada do colesterol, o 7-desidrocolesterol em uma reação fotoquímica catalisada pelos raios UV do sol (por isso é importante o “banho de sol” no início da manhã em crianças recém-nascidas e a exposição, pelo menos leve, ao sol ao longo da vida). A vitamina D é no fígado convertida em 25-hidroxicolecalciferol e depois no rim em 1,25-dihidroxicolecalciferol, o hormônio ativo, responsável pelo metabolismo de cálcio e fósforo. Bioquímica Básica 175 A vitamina E (figura 10) é uma vitamina lipossolúvel, representada por um grupo de oito compostos estruturalmente relacionados, os tocoferóis e tocotrienóis, sendo o α -tocoferol com maior atividade biológica antioxidante, apresentando um papel fundamental na proteção do organismo contra os efeitos prejudiciais (danos oxidativos) dos radicais livres. O anel aromático da molécula reage com os radicais livres e os destrói, desse modo protegendo proteínas, ácidos nucléicos e as ligações duplas dos ácidos graxos dos fosfolipídios da oxidação. A vitamina E é encontrada em alimentos de origem vegetal, principalmente nos vegetais verde-escuros, nas sementes oleaginosas, nos óleos vegetais e no germe de trigo, além de estar presente também em alimentos de origem animal, como gema de ovo e fígado. A baixa ingestão de vitamina E causa agregação plaquetária, anemia hemolítica, degeneração neuronal (pois causa lesão na bainha de mielina), lesões musculares e esqueléticas e alterações hepáticas. A vitamina K é uma vitamina anti-hemorragica (figura 10). A molécula é usada na produção da pró-trombina, uma proteína do plasma sanguíneo essencial para a formação do coágulo. A filoquinona é a forma predominante de vitamina K em alimentos. Outra forma da vitamina K, a menaquinona é formada por bactérias no intestino. Vegetais verdes folhosos, óleos vegetais, gorduras, frutas e hortaliças são as principais fontes desta vitamina. A deficiência clínica da vitamina tem sido classicamente descrita como hipoprotrombinemia e está associada ao retardo na coagulação do sangue, que pode ser fatal. Bioquímica Básica 176 Figura 10: Estrutura química das vitaminas lipossolúveis. Fontes: www.as- vitaminas.blogspot.com.br, www.quimicanocotidiano2013.blogspot.com.br, www.infoescola.com e www.laboratóriocentralmm.com.br, acessos em 09/11/2014. Digestão, absorção e transporte de lipídios Os lipídios da dieta são triglicerídeos, ácidos graxos livres, fosfolipídios (geralmente glicerofosfolipídios), colesterol livre, ésteres de colesterol, fitoesteróis e vitaminas lipossolúveis. Alguns destes lipídios, por serem grandes demais para serem absorvidos, precisam ser digeridos por enzimas encontradas no intestino delgado. Como os lipídios são moléculas insolúveis no lúmen do intestino, para as enzimas atuarem, é necessário que estes lipídios se encontrem solúveis. Para isso, a vesícula biliar envia sais biliares para o intestino delgado. Estas moléculas anfipáticas, sintetizadas no fígado a partir do colesterol (descrito anteriormente) e armazenados na vesícula biliar, atuam como detergentes, emulsionando os Bioquímica Básica 177 lipídios, formando micelas e facilitando a ação das enzimas lípases. Como o suco entérico não contém todas as enzimas necessárias para a digestão doslipídios grandes, o pâncreas envia para o intestino delgado o suco pancreático, contendo algumas lípases. Os triglicerídeos são hidrolisados por lípases liberando os ácidos graxos dos carbonos 1 e 3 e a molécula 2-monoacilglicerol. Alguns 2- monoacilgliceróis podem ser hidrolisados por uma esterase separando o ácido graxo restante, do glicerol. Os fosfolipídios sofrem ação da enzima fosfolipase A2, liberando o ácido graxo do carbono 2 e 1-acillisofosfolipídio. Ésteres de colesterol e ésteres de vitamina A são hidrolisados por esterases específicas liberando o colesterol e a vitamina A dos ácidos graxos. As digestões enzimáticas dos lipídios da dieta estão resumidas abaixo: Triglicerídeos 2-monoacilglicerol Fosfolipídios Éster de colesterol Éster de vitamina A Lípases entérica e pancreática 2 ácidos graxos 2-monoacilglicerol Fosfolipase A2 Ácido graxo 1-acillisofosfolipídio Colesterol-esterase Ácido graxo Colesterol Ácido graxo Vitamina A Retinil-esterase Ácido graxo Glicerol Monoacilglicerol-esterase Bioquímica Básica 178 Terminada a digestão, os ácidos graxos, 2-monoacilgliceróis, 1- acillisofosfolipídios, vitaminas A, D, E e K além do colesterol nas micelas são enviados do lúmen para o interior das células do epitélio intestinal. Fitoesteróis, apesar de estarem na dieta, não são praticamente absorvidos e atrapalham a absorção do colesterol, atuando como fibras (descrito anteriormente). Do interior das células do epitélio intestinal, os ácidos graxos de cadeia curta e média vão para a corrente sanguínea em direção ao fígado sendo transportados pela albumina plasmática. Os ácidos graxos maiores são usados na remontagem dos triglicerídeos, fosfolipídios, ésteres de colesterol e ésteres de vitamina A, que, juntamente com as outras vitaminas lipossolúveis, colesterol livre e proteínas específicas (apoproteínas), formam lipoproteínas chamadas quilomícrons. Os quilomícrons viajam pelos vasos linfáticos intestinais antes de ir para o sangue e chegar ao fígado. Durante o trajeto, músculos e tecido adiposo (tecidos extra-hepáticos) captam ácidos graxos: a enzima lipoproteína-lipase sintetizada por músculos e tecido adiposo e ligada à superfície endotelial dos capilares sanguíneos destes órgãos hidrolisa os triglicerídeos, os convertendo em ácidos graxos e glicerol. A apoproteína C-II (ApoC-II) presente na superfície dos quilomícrons ativa a lipoproteína-lípase destes tecidos. Por ação desta enzima, parte da vitamina E nos quilomícrons também é captada por estes tecidos extra-hepáticos. Os ácidos graxos captados pelos músculos são primariamente usados para obtenção de energia, mas também podem ser usados pra a síntese de membranas. Os ácidos graxos e glicerol captados pelo tecido adiposo são primariamente usados na formação de triglicerídeos para armazenamento, mas síntese de membranas também ocorre. Boa parte do glicerol resultante da hidrólise dos triglicerídeos dos quilomícrons vai do sangue para o fígado onde podem ser usados na glicólise, na produção de triglicerídeos, na produção de fosfolipídios ou na gliconeogênese. Os quilomícrons contém também a apoproteína E (ApoE), que é reconhecida por receptores presentes nas células hepáticas. Os quilomícrons remanescentes que chegam ao fígado são endocitados pelas células hepáticas, encaminhados aos lisossomos, degradados e suas moléculas (aminoácidos, glicerol, ácidos graxos, fosfolipídios, colesterol, vitaminas lipossolúveis etc) aproveitadas pelo fígado (figura 10). Bioquímica Básica 179 O próprio fígado é um grande produtor de triglicerídeos e colesterol. Se a ingestão de triglicerídeos e colesterol ultrapassar as necessidades do indivíduo, a digestão dos quilomícrons remanescentes no fígado irá liberar muitos ácidos graxos e colesterol. Isso fará com que o fígado use todo este colesterol e triglicerídeos (produzidos no próprio fígado e da dieta) para a criação de lipoproteínas chamadas VLDLs (lipoproteínas de muito baixa densidade). A maior parte da vitamina E, e praticamente toda vitamina K assim como a forma da vitamina D, 25-hidroxicolecalciferol (explicado anteriormente), também são incorporadas em VLDLs. Estas lipoproteínas, ricas em triglicerídeos e colesterol e contendo dentre várias apoproteínas, a ApoB-100, são liberadas para o sangue. Em paralelo, o fígado produz outra lipoproteína, a HDL (lipoproteínas de alta densidade) que contém triglicerídeos, um pouco de colesterol, várias apoproteínas, dentre elas ApoA-I, ApoE e ApoC-II e a enzima LCAT (lecitina:colesterol acil transferase). No sangue, os HDLs entregam ApoE e ApoC-II para VLDLs e quilomícrons, a fim de que estes sejam reconhecidos por lipoproteínas-lipases e por receptores celulares para internalização (figura 10). Diferente das demais vitaminas lipossolúveis, as reservas de vitamina A esterificada no fígado são hidrolisadas enzimaticamente em retinol livre e não são transportadas em VLDLs, mas por um complexo proteico ligante de retinol, para vários tecidos do organismo, onde existirem necessidades metabólicas. À medida que ácidos graxos são captados dos VLDLs por tecidos periféricos (principalmente músculos e tecido adiposo), estas lipoproteínas se tornam IDLs (lipoproteínas de densidade intermediária) e com a saída de mais ácidos graxos se tornam LDLs (lipoproteínas de baixa densidade, pobres em triglicerídeos, mas ricas em colesterol). Os LDLs devem ser removidos da corrente sanguínea, pois são responsáveis por entupimento de vasos sanguíneos. Para isso, algumas células como as hepáticas, endoteliais e os macrófagos podem endocitar LDLs por um mecanismo de endocitose mediada por receptor, onde as ApoB-100 das LDLs são reconhecidas pelos receptores celulares para a endocitose. Além disso, os HDLs também participam da remoção do excesso de colesterol do plasma e dos tecidos extra-hepáticos transportando-as para o fígado (figura 10). A transferência de colesterol das membranas das células periféricas para HDL envolve interação das Bioquímica Básica 180 HDLs com receptores de superfície celular, acionando um transporte passivo do excesso de colesterol das células para HDLs. Outra maneira envolve a interação da apoproteína ApoA-I das HDLs com um transportador de membrana chamado ABCA-1 em uma célula rica em colesterol, onde a ABCA-1 transfere colesterol para HDLs. As HDLs conseguem captar também colesterol e fosfatidilcolina (um fosfolipídio) dos quilomícrons remanescentes e VLDLs. Na superfície das HDLs a enzima LCAT esterifica o colesterol com a fosfatidilcolina. Todo o colesterol vai para o fígado nas HDLs e em seguida é convertido em sais biliares. Estes são enviados à vesícula biliar para reiniciar o ciclo. Desse modo, o LDL é conhecido popularmente como colesterol ruim, pois sua presença no plasma aumenta o risco de doenças cardiovasculares, enquanto o HDL é conhecido popularmente como colesterol bom, pois contribui para diminuir os níveis de LDL plasmático. As características das lipoproteínas estão mostradas na tabela 3. Tabela 3: Composição das lipoproteínas plasmáticas humanas Moléculas Lipoproteínas Quilomicron VLDL LDL HDL Colesterol livre (%) 2 5-8 13 6 Colesterol esterificado (%) 5 11-14 39 13 Fosfolipídios (%) 7 20-23 17 28 Triglicerídeos (%) 85 44-60 10 4 Proteínas (%) 2 4-11 20 50 Apoproteínas ApoA-I, ApoA-II, ApoA-IV, ApoB- 48, ApoC-I, ApoC-II, ApoC- III, ApoE ApoB-100, ApoC-I, ApoC-II, ApoC-III, ApoE ApoB-100 ApoA-I, ApoA-II, ApoA-IV, ApoC- I, ApoC-II, ApoC- III, ApoD, ApoEBioquímica Básica 181 Figura 10: Órgãos e vias envolvidas no transporte de lipídios da dieta. Na figura estão mostradas a produção de lipoproteínas no intestino delgado e no fígado e a dinâmica de captação de ácidos graxos e colesterol livres ou em lipoproteínas remanescentes. FA (ácido graxo), TG (triglicerídeo), MG (2-monoacilglicerol). Fonte: Devlin, manual de Bioquímica com correlações clínicas. Bioquímica Básica 182 Oxidação de ácidos graxos e obtenção de energia Ácidos graxos captados da circulação sanguínea são primariamente usados para a obtenção de energia. O tecido adiposo e o fígado são exceções: os ácidos graxos em quilomícrons e VLDLs captados pelo adiposo são na maioria usados para a síntese de triglicerídeos, assim como os ácidos graxos captados pelo fígado a partir da endocitose de quilomícrons remanescentes (será detalhado ao longo da unidade). A produção de energia pelos ácidos graxos ocorre exclusivamente na mitocôndria, onde o ácido graxo é oxidado (a oxidação do ácido graxo é referido também como β-oxidação) e o esqueleto de carbonos destas moléculas são usadas para a produção de vários acetilCoA e equivalentes de redução na forma de NADH + H+ e FADH2. O uso de ácidos graxos para obter energia depende do estado metabólico do organismo. Por exemplo, após uma refeição rica em açúcares, o uso de ácidos graxos para gerar energia será praticamente nulo, porém em ambos os jejum ou exercício físicos prolongados, o uso de ácidos graxos para gerar energia é significativamente alto. O primeiro passo na oxidação de um ácido graxo é a sua conversão em acilCoA (ativação do ácido graxo), em reação catalisada pela enzima acilCoA sintetase localizada na membrana externa da mitocôndria ou no retículo endoplasmático (figura 11). O processo envolve a conversão de ATP em AMP (adenosina monofosfato) e PPi (pirofosfato inorgânico) ao invés de ADP e Pi. Como em seguida uma enzima pirofosfatase inorgânica hidrolisa o PPi gerando dois fosfatos livres, diz-se que na reação foram consumidas duas ligações fosfato de alta energia (uma da quebra do ATP e outro da quebra do PPi), então a oxidação de um ácido graxo começa energeticamente desfavorável, com saldo negativo de -2 ATP. Acil é um termo usado para uma cadeia de carbonos indefinida, uma vez que o ácido graxo pode ter tamanhos variados. Bioquímica Básica 183 Em seguida, os ácidos graxos de cadeia longa e muito longa são transportados para a matriz da mitocôndria pela carnitina (os de cadeia curta e média vão para a matriz mitocondrial independente de carnitina). Esta molécula é produzida à partir do aminoácido lisina ou obtida na dieta à partir da ingestão de carnes (figura 11). Uma enzima na membrana externa da mitocôndria, a CPT-I (carnitina palmitoil transferase I) transfere o acil da CoA para a carnitina, com a CoA retornando ao citoplasma. A molécula acilcarnitina é levada para a matriz por uma proteína translocase na membrana interna da mitocôndria. Uma enzima ligada à translocase, a CPT-II, transfere o acil para uma CoA que já está na matriz, restaurada o acilCoA e a carnitina volta para o espaço intermembranas para um novo ciclo (figura 11). O malonilCoA, uma molécula produzida para a síntese de ácidos graxos é inibidora desse processo (será detalhado ao longo da unidade). A carnitina é usada como suplemento alimentar por muitas pessoas que desejam emagrecer. A idéia é a aceleração da mobilização de ácidos graxos para a matriz da mitocôndria para a geração de energia, que, de algum modo, estimularia o tecido adiposo a quebrar mais triglicerídeos, assim diminuindo a gordura corporal. No entanto ainda não se tem estudos conclusivos sobre o uso da carnitina como emagrecedor. Bioquímica Básica 184 Figura 11: Estrutura e função da carnitina. A carnitina é uma transportadora de acilas do espaço intermembrana para a matriz da mitocôndria para oxidação e produção de energia. Em A, a estrutura molecular da carnitina. Em B, as reações enzimáticas que usam a carnitina como a molécula transportadora de acilas. Fontes: Devlin, manual de Bioquímica com correlações clínicas e www.supermusculo.com, acesso em 12/11/2014. Na matriz da mitocôndria o acilCoA sofrerá encurtamento através da remoção sucessiva de moléculas de dois carbonos na forma de acetilCoA, sendo este encurtamento iniciando na extremidade ácido carboxílico do ácido graxo. Para liberar um acetilCoA, é necessário uma sequencia de 4 reações enzimáticas: na primeira reação a enzima acilCoA desidrogenase dependente da coenzima FAD atua nos 3 primeiros carbonos da molécula criando uma ligação dupla entre os carbonos 2 e 3. Isso leva a formação de enoilCoA com liberação de 2 prótons e 2 elétrons e conseqüente formação de FADH2; na segunda reação a enzima enoilCoA hidratase adiciona água à ligação dupla, criando 3-hidroxiacilCoA; na terceira reação a enzima β-hidroxiacilCoA desidrogenase dependente de NAD+ desidrogena a 3-hidroxiacilCoA, criando a β-cetoacilCoA com formação de NADH + H+; por último, a enzima β-cetoacilCoA tiolase promove a reação da β-cetoacilCoA com uma coenzimaA para clivar a β-cetoacilCoA no segundo carbono, liberando acetilCoA e um acilCoA reduzido em dois carbonos (figura 12). O ciclo recomeça até que todo o ácido graxo seja transformado em moléculas de acetilCoA. Para o palmitato (na forma de palmitoilCoA), com 16 carbonos, são necessários 7 ciclos destas 4 reações enzimáticas, onde um total de 8 moléculas de acetilCoA são produzidas. Bioquímica Básica 185 Figura 12: Inicio da oxidação de ácidos graxos. Uma molécula de 16 carbonos, ativada com coenzimaA (palmitoilCoA) sofre ação de 4 enzimas para a remoção de um acetilCoA (em vermelho). Seis outras sequências destas reações liberam as outras sete moléculas de acetilCoA. Fonte: Lehninger, princípios de Bioquímica. Bioquímica Básica 186 Cada ciclo de oxidação do acilCoA gera 1 NADH, 1 FADH2 (ambos para a cadeia respiratória) e 1 acetilCoA (para ciclo de Krebs), no entanto o último ciclo gera 2 acetilCoA (o que é liberado do acilCoA após as 4 reações enzimáticas e o que sobra, que é outro acetilCoA). Usando novamente o palmitoilCoA como exemplo, os 7 NADH e 7 FADH2 produzidos conferem, na cadeia respiratória um total de 28 ATP. Com os 8 acetilCoA, são realizados 8 cíclos de Krebs, com produção de 8 ATP e liberação de 24 NADH e 8 FADH2. Estes NADH e FADH2 na cadeia respiratória conferem um total de 72 ATP. Somando todos estes ATP tem-se um total de 108 ATP, porém, como para ativar o ácido graxo, dois equivalentes de ATP foram utilizados, então o saldo energético obtido na oxidação completa do palmitoilCoA em CO2 e H2O é de 106 ATP. A oxidação de ácidos graxos pode ocorrer também em outra organela da célula, o peroxissomo. Nesta organela os ácidos graxos não são quebrados até o fim, mas somente até octanoilCoA (8C). Este então sai do peroxissomo com destino a mitocôndria para o término da oxidação. Outra diferença é que, na primeira etapa da sequencia de 4 reações enzimáticas para liberar acetilCoA, a enzima acilCoA desidrogenase dependente de FAD é substituída por uma enzima acilCoA oxidase, também dependente de FAD, porém os elétrons e prótons neste caso não são entregues em uma cadeia respiratória, mas sim para o O2, criando H2O2 (água oxigenada) que em seguida é rapidamente degradada à H2O e O2 pela enzima catalase, presente no próprio peroxissomo. Comparandoo saldo energético de um palmitoilCoA, que foi totalmente oxidado na mitocôndria, com um palmitoilCoA que foi encurtado até octanoilCoA no peroxissomo para depois terminar a oxidação na mitocôndria, obtém-se 6 ATP à menos quando o peroxissomo atua na oxidação, pois 4 FADH2 deixarão de entregar elétrons e prótons na cadeia respiratória. Bioquímica Básica 187 O palmitato, assim como a maioria dos ácidos graxos da dieta, contém número par de carbonos, no entanto, alguns ácidos graxos podem apresentam número impar de carbonos. Nesse caso, a última sequencia de 4 reações enzimáticas libera 1 acetilCoA e uma molécula de 3 carbonos, o propionilCoA ao invés de dois acetilCoA, como descrito para o palmitoilCoA de 16 carbonos. O propionil entra no ciclo de Krebs primeiro se convertendo em D-metilmalonilCoA pela ação da enzima propionilCoA carboxilase dependente de ATP e da coenzima biotina, em seguida esta molécula, por ação de duas enzimas (metilmalonilCoA epimerase e metilmalonilCoA mutase dependente da coenzima B12) se converte em succinilCoA (um intermediário do ciclo de Krebs) (figura 13). Deste modo, como este último ciclo de Krebs não se iniciou com a formação de citrato a partir de oxaloacetato e acetilCoA, as moléculas isocitrato e α-cetoglutarato também não foram produzidas, assim, 2 NADH deixaram de ser produzidos para a cadeia respiratória. Comparando o saldo energético de um ácido graxo de 16 carbonos com um ácido graxo de 17 carbonos, obtém-se 6 ATP à menos com o ácido graxo de cadeia impar (5 ATP à menos devido a não produção de 2 NADH e 1 ATP gasto na conversão de propionilCoA à succinilCoA) em relação ao ácido graxo de cadeia par. Figura 13: Entrada do propionilCoA no ciclo de Krebs. Fonte: www.datuopinion.com, acesso em 12/11/2014. Bioquímica Básica 188 Alguns ácidos graxos da dieta são insaturados, possuindo uma ou mais ligações duplas. A oxidação destes é semelhante ao observado para os ácidos graxos saturados até chegar à ligação dupla. Usando o ácido oleico (18:1Δ9) na forma de oleilCoA como exemplo, 3 ciclos das 4 reações enzimáticas liberam duas moléculas de acetilCoA e a molécula dodecanoilCoA (12C) com a ligação dupla no carbono 3. A partir daí, nesta sequencia de 4 reações enzimáticas para liberar o quarto acetilCoA, a enzima acilCoA desidrogenase dependente de FAD não atua e a enzima enoilCoA isomerase atua no lugar da segunda enzima da sequência enzimática (enoilCoA hidratase), reposicionando a dupla ligação da molécula em uma configuração que permita a continuidade do processo enzimático com a enoilCoA hidratase e as demais enzimas (figura 14). Á partir daí, outros 4 ciclos de reações enzimáticas produzem os cinco acetilCoA que faltam. Bioquímica Básica 189 Figura 14: Oxidação do oleilCoA. Enquanto a oxidação está acontecendo nas regiões saturadas da molécula, as reações às mesmas das ocorridas nos ácidos graxos saturados. Quando atinge a ligação dupla, é necessário a ação da enzima enoilCoA isomerase, reposicionando a dupla ligação da molécula em uma configuração que permita a continuidade do processo enzimático com a enoilCoA hidratase e as demais enzimas para a liberação de acetilCoA. Fonte: Lehninger, princípios de Bioquímica. No caso dos ácidos graxos poliinsaturados, deve haver a combinação de duas enzimas (enoilCoA isomerase e dienoilCoA redutase dependente de NADPH) para a continuidade do processo. A primeira reposicionando duplas ligações e a segunda, convertendo algumas duplas ligações em ligações simples (figura 14). È importante observar que quando a dupla ligação estiver presente, a primeira enzima da sequência de 4 reações (acilCoA desidrogenase dependente de FAD) não estará presente, deste modo 1 FADH2 deixará de ser produzido para a cadeia respiratória. Assim, a oxidação de ácidos graxos insaturados produz menos energia que a oxidação de ácidos graxos saturados, sendo a redução no nível de ATP dependente do número de insaturações presentes no ácido graxo. Corpos cetônicos Em condições normais, onde o organismo contém açúcares para oxidação, a velocidade de oxidação de ácidos graxos é muito baixa. Quando o nível de glicose do sangue assim como o de glicogênio hepático e muscular está baixo, a velocidade de oxidação dos ácidos graxos no músculo e fígado aumenta. Em certas condições como diabetes mal controlada, dieta mal elaborada ou jejum muito longo, onde o nível de açúcar é normalmente muito baixo, ocorre aumento na quebra de triglicerídeos no tecido adiposo (será detalhado ao longo da unidade) com posterior mobilização de ácidos graxos para o sangue com destino aos músculos para obtenção de energia. Da mesma forma, a velocidade de oxidação de ácidos graxos no fígado também aumenta. Tudo isso é extremamente controlado e coordenado de modo que enquanto ácidos graxos vão nutrindo músculos, glicerol Bioquímica Básica 190 (oriundo da quebra dos triglicerídeos) migra do tecido adiposo para o fígado e é usado na gliconeogênese a fim de se tentar restabelecer a glicemia. Oxaloacetato no fígado também pode ser usado na gliconeogênese, ficando indisponível para ciclo de Krebs e assim o excesso de acetilCoA produzido no fígado à partir da oxidação de ácidos graxos é usado na formação de moléculas chamadas corpos cetônicos. Os corpos cetônicos são formados em mitocôndrias de fígado e rim e são uma imprescindível fonte de energia para músculos e cérebro. Na ausência de açúcar, a fonte de energia para o cérebro é basicamente corpo cetônico, uma vez que muito pouco ácido graxo chega neste órgão devido à barreira hematoencefálica. A síntese de corpos cetônicos ocorre na matriz da mitocôndria e se inicia com a união de duas moléculas de acetil-CoA formando acetoacetil-CoA em reação catalisada pela enzima β-cetotiolase. Em seguida o acetoacetilCoA é condensado com outro acetilCoA formando hidroximetilglutarilCoA (HMG-CoA) pela ação da enzima HMG-CoA sintase. O HMG-CoA então sofre clivagem através da enzima HMG-CoA liase, liberando um acetilCoA e acetoacetato (corpo cetônico). Uma fração do acetoacetato é espontaneamente descarboxilado e convertido em acetona (corpo cetônico) que é liberada pelas vias aéreas na expiração e faz parte da halitose característica de pessoas em jejum longo como, por exemplo, mendigos além de ser útil no diagnóstico da diabetes. Outra fração é reduzida à β- hidroxibutirato (corpo cetônico) em ação catalisada pela enzima β-hidroxibutirato desidrogenase (figura 15). Até 25% do NADH produzido durante a oxidação de ácidos graxos é usado na produção de β-hidroxibutirato. Ambos acetoacetato e β-hidroxibutirato saem do fígado e rim para uso em outros tecidos, principalmente cérebro que já começa a usar corpos cetônicos a partir do segundo dia de jejum. Músculos (principalmente cardíaco) consomem ácidos graxos e corpos cetônicos no inicio do jejum, mas à medida que o jejum prossegue, diminuem o consumo de consumir corpos cetônicos para que estes sejam metabolizados somente no cérebro. Bioquímica Básica 191 O consumo se dá seguinte maneira: o β-hidroxibutirato a chegar aos tecidos é convertido em acetoacetato pela mesma enzima que faz o passo inverso (a β- hidroxibutirato desidrogenase). Todo acetoacetato então é convertido em acetoacetilCoA por ação da enzima tioforase, que transfere a coenzimaA da succinilCoA (um intermediário do ciclo de Krebs) liberando succinato. Por último a enzima cetotiolase transfere uma coenzimaA para o acetoacetilCoA a convertendo em 2 acetilCoA que entram no ciclo de Krebs (figura 15). A enzimatioforase não está presente no fígado, assim, os corpos cetônicos produzidos não podem ser usados pelo próprio órgão. Bioquímica Básica 192 Figura 15: Formação e utilização de corpos cetônicos. Em A, a formação dos corpos cetônicos acetona, acetoacetato e β-hidroxibutirato no fígado a partir do excesso de acetilCoA. Em B, a utilização de acetoacetato e β-hidroxibutirato como combustível principalmente em músculos e cérebro. Fonte: Lehninger, princípios de Bioquímica. A oxidação de ácidos graxos no fígado depende da concentração de CoenzimaA livre na matriz das mitocôndrias hepáticas. Como existe uma quantidade limitada de coenzimaA, a formação de corpos cetônicos é importante não só como combustível energético, mas também para liberar a coenzimaA e obrigar o fígado a continuar oxidando ácidos graxos. O uso dos corpos cetônicos como combustível energético parece ser uma solução para o jejum severo ou a diabetes, mas o aumento de corpos cetônicos no sangue leva a um quadro de acidose (o corpo cetônico ao sair do fígado leva um H+) que pode ser fatal, assim faz-se necessário o restabelecimento da glicemia, seja pela gliconeogênese ou através da alimentação. Síntese de ácidos graxos e de triglicerídeos Os ácidos graxos são sintetizados em diferentes tecidos, mas principalmente em fígado, tecido adiposo e glândulas mamárias em lactação, a partir do excesso de acetilCoA proveniente da glicose ingerida acima da necessária para a produção de energia e para a síntese do glicogênio. Como a maioria dos ácidos graxos sintetizados vão para a síntese de triglicerídeos, existe uma relação direta entre consumo excessivo de açúcar e obesidade. Os ácidos graxos podem também ser usados para a síntese de fosfolipídios e para esterificar colesterol. Para iniciar a síntese de ácidos graxos no citoplasma é necessário converter um acetilCoA em malonilCoA (figura 16). Como acetilCoA formado na mitocôndria não consegue ir para o citoplasma, primeiro o acetilCoA se une ao oxaloacetato, formando citrato (início do ciclo de Krebs) e em seguida o citrato é transportado Bioquímica Básica 193 para o citoplasma. Lá, uma enzima citrato liase restaura oxaloacetato e acetilCoA. Oxaloacetato é posteriormente convertido em piruvato por ação das enzimas malato desidrogenase e enzima málica dependente de NADP+ e assim o piruvato entra na mitocôndria e pode restaurar o oxaloacetato por ação da enzima piruvato carboxilase ou virar acetilCoA (mecanismo explicado anteriormente). A formação de malonilCoA, catalisada pela enzima acetilCoA carboxilase é dependente de ATP e HCO3-, onde CO2 é transferido para o acetilCoA para formar o malonilCoA. O malonilCoA é um inibidor da enzima CPT-I, assim a célula que está sintetizando ácidos graxos não está, ao mesmo tempo, transportando ácidos graxos para a matriz da mitocôndria para oxidação. Um complexo multienzimático contendo seis enzimas (ácido graxo sintase) contém duas moléculas importantes: a enzima β-cetoacil-ACP sintase e a proteína carregadora de acil (ACP) que contém uma molécula parecida com a coenzimaA (4- fosfopanteteína). O primeiro passo é a ligação de um acetil na região sulfidrila (SH) de um aminoácido cisteína da β-cetoacil-ACP sintase. A segunda reação liga malonil à região SH da ACP. Em ambas as reações a coenzimaA é liberada e as enzimas que catalisam estas ligações já estão no complexo multienzimático da ácido graxo sintase. Em seguida acetil se une ao malonil com saída de CO2 (o mesmo CO2 que formou o malonil à partir do acetil), criando acetoacetil. Este sofre ação de três enzimas do complexo multienzimático onde uma reação envolve desidratação e duas envolvem redução dependente de NADPH + H+ como doador de elétrons, para criar o butiril (uma molécula de 4 carbonos) (figura 16). O butiril é transferido para a região SH da β-cetoacil-ACP sintase liberando a região SH da ACP. Em seguida acontece tudo de novo: um novo malonil é produzido, este vai para a região SH da ACP, o butiril se liga ao malonil com saída de CO2 e após três reações enzimáticas (as mesmas reações que converteram acetoacetil em butiril) é produzido o hexanoil. Isso continua até que o palmitoil seja criado (figura 16). Neste age uma enzima tioesterase (que não está no complexo multienzimático), para liberar o palmitato da ácido graxo sintase. Bioquímica Básica 194 Bioquímica Básica 195 Figura 16: As reações das enzimas acetilCoA carboxilase e ácido graxo sintase. Em A, a formação do malonilCoA pela ação da enzima acetilCoA carboxilase. Em B, a sequência enzimática na união de acetil e malonil para a formação do butiril. Nesta figura, não está sendo mostrado o butiril sendo transferido para a região SH da β-cetoacil-ACP sintase, onde estava inicialmente o acetil, para que a região SH da ACP fique livre para um novo malonil poder se ligar e reiniciar o ciclo. Em C, o processo resumido na síntese do palmitato. Estão mostrados na figura os elétrons e prótons doados por NADPH e as saídas de CO2, das moléculas de malonil após união com as moléculas de acetil. Em amarelo, o primeiro acetil da cadeia nascente do palmitato, em vermelho, dois carbonos do primeiro malonil e em azul os carbonos das outras moléculas de malonil usadas na síntese do palmitato. Fonte: Lehninger, princípios de Bioquímica. É importante observar que para formar ácido palmítico foram necessários um gasto de 7 ATP (para formar os 7 malonilCoA) e 14 NADPH (estes são oriundos da reação enzimática que converte oxaloacetato em piruvato, catalisada pela enzima málica, ou da via das pentoses-fosfato que ocorre em maior grau quando há excesso de glicose na dieta). Bioquímica Básica 196 O palmitato é o precursor de outros ácidos graxos. Este aumento no comprimento do palmitato ocorre principalmente no retículo endoplasmático, mas pode ocorrer também na mitocôndria. No retículo, as reações de alongamento do palmitato ocorrem de maneira semelhante ao observado no ácido graxo sintase, onde malonilCoA é a fonte de carbonos e NADPH é o redutor. Na mitocôndria a fonte de carbonos é o acetilCoA e os redutores são tanto o NADH quanto o NADPH. Apesar de palmitato ser basicamente convertido em estearato nos tecidos (18:0), ácidos graxos maiores (20 à 24 carbonos) podem ser criados nos neurônios principalmente para a formação da bainha de mielina. Glândula mamária produz ácidos graxos menores que palmitato (8 à 10 carbonos) pelo fato de conter enzimas tioesterases que separam o ácido graxo em crescimento da ácido graxo sintase, antes de chegar a palmitato. Palmitato e estearato podem ser usados na formação de ácidos graxos insaturados, gerando respectivamente palmitoleato (16:1Δ9) e oleato (18:1Δ9). Uma enzima desaturase no retículo endoplasmático cria a ligação dupla. Isto é importante para a fluidez de triglicerídeos e de fosfolipídios, além de serem usados na produção de ésteres de colesterol no fígado. Como os humanos e todos os mamíferos só criam ligação dupla no carbono 9 dos ácidos graxos saturados, os ácidos graxos poliinsaturados não podem ser produzidos, sendo chamados de ácidos graxos essenciais. Os ácidos graxos α-linolenato (18:1Δ9,12,15) e o linoleato (18:1Δ9,12) são muito importantes na dieta e à partir deles são criados vários outros ácidos poliinsaturados, através de etapas de alongamento e desaturação no retículo endoplasmático (figura 17). Dentre eles, o ácido araquidônico (20:4Δ5,8,11,14) é o usado na formação dos eicosanóides (descrito anteriormente) e os ácidos graxos eicosapentaenóico(20:5Δ5,8,11,14,17) e docosahexaenóico (22:6Δ4,7,10,13,16,19), conhecidos respectivamente como EPA e DHA apresentam funções no organismo semelhantes às descritas para o α-linolenato, sendo que EPA e DHA são mais eficientes. Os benefícios destes ácidos graxos ômega-3 e ômega-6 na dieta incluem diminuição de triglicerídeos e colesterol plasmáticos, melhora do sistema imune e prevenção de alguns tipos de câncer. Somando-se a isso, nas gestantes e lactantes, a dieta contendo grandes concentrações de ômega-3 e ômega-6 favorece o desenvolvimento do cérebro e da retina do feto e do recém-nascido nos primeiros Bioquímica Básica 197 meses de vida. Muitos suplementos alimentares contêm o ômega-3 ácido α- linolênico, mas somente alguns contêm EPA e/ou DHA. Os suplementos contendo estes dois últimos oferecem resultados mais rápidos na redução de triglicerídeos e colesterol além de outros benefícios quando comparado com suplementos contendo somente ácido α-linolênico. Figura 17: Metabolismo dos ácidos graxos α-linolenato (18:1Δ9,12,15) e o ácido linoleato (18:1Δ9,12). Estes ácidos graxos são obtidos na dieta e usados na produção de outros ácidos graxos poliinsaturados. n-3 e n-6 significam respectivamente ômega-3 e ômega-6. Fontes: www.revista.hupe.uerj.br, acesso em 12/11/2014. Bioquímica Básica 198 Os triglicerídeos são produzidos no citoplasma das células do tecido adiposo e fígado. Ácidos graxos para a síntese dos triglicerídeos nestes órgãos podem vir de quilomícrons ou da síntese de ácidos graxos à partir do excesso de acetilCoA como explicado anteriormente. Glicerol para a síntese de triglicerídeos nestes órgãos pode vir de quilomícrons, da glicólise ou da gliceroneogênese. VLDLs também fornecem ácidos graxos e glicerol para tecido adiposo. Em ambos os casos o glicerol precisa ser convertido em glicerol 3-fosfato para dar início à síntese do triglicerídeo. No fígado e no tecido adiposo, existe uma enzima glicerol quinase que converte o glicerol em glicerol 3-fosfato com gasto de 1 ATP. Na gliceroneogênese, o malato (um intermediário do ciclo de Krebs) deixa a matriz da mitocôndria e é convertido no citoplasma em oxaloacetato por ação da enzima malato desidrogenase dependente de NAD+. A enzima fosfoenolpiruvato carboxiquinase converte o oxaloacetato em fosfoenolpiruvato. Esta molécula, em um reverso da via glicolítica, e usando as mesmas enzimas da via, é convertida em dihidroxiacetona fosfato e posteriormente convertido em glicerol 3-fosfato por ação da enzima glicerol 3-fosfato desidrogenase para então ser usado na síntese do triglicerídeo. A dihidroxiacetona fosfato proveniente da glicólise também pode, por ação da mesma enzima ser convertida em glicerol 3-fosfato. Com o glicerol 3-fosfato criado no citoplasma da célula, o próximo passo é encaixar 3 ácidos graxos na molécula. Estes ácidos graxos precisam estar ativados com coenzimaA (explicado anteriormente), para a montagem dos triglicerídeos, assim 6 ligações fosfatos de alta energia (2 para cada ácido graxo ativado) são consumidos. Inicialmente, uma enzima aciltransferase transfere sequencialmente 2 acilCoA para os carbonos 1 e 2 do glicerol 3-fosfato, criando o ácido fosfatídico. CoenzimaA é liberada após cada ligação do ácido graxo no glicerol 3-fosfato. Em seguida, por ação da enzima fosfatase, o glicerol 3-fosfato tem o seu fosfato do carbono 3 removido (criando o diacilglicerol ou diglicerídeo) e em seguida a enzima aciltransferase transfere um terceiro acil para o termino da montagem do triglicerídeo (figura 18). Como as aciltransferases são específicas para cada ácido graxo, no carbono 1 do glicerol costumam ser colocados ácidos graxos saturados e nos carbonos 2 e 3, ácidos graxos insaturados. No tecido adiposo este triglicerídeo será armazenado para uso futuro. No fígado este triglicerídeo será empacotado em VLDL (explicado anteriormente). Bioquímica Básica 199 Figura 18: Síntese de triglicerídeos. Os triglicerídeos são formados à partir de glicerol 3-fosfato e três acilCoA. Fonte: Devlin, manual de Bioquímica com correlações clínicas. Bioquímica Básica 200 Degradação de triglicerídeos A fonte de triglicerídeos é o tecido adiposo. A degradação de triglicerídeos é mediada por lípases que vão liberando sequencialmente os três ácidos graxos de cada triglicerídeo (figura 19). Estes ácidos graxos vão então para o sangue, se ligam à proteína albumina (pois precisam ser transportados na forma de lipoproteínas) e são transportados principalmente para músculos e córtex renal para serem usados na produção de energia. O glicerol resultante da quebra do triglicerídeo pode, no próprio adiposo, ser fosforilado a glicerol 3-fosfato pela enzima glicerol quinase. Em seguida, por ação das enzimas glicerol 3-fosfato desidrogenase dependente de NAD+ e triose fosfato isomerase, o glicerol 3-fosfato se converte em gliceraldeído 3-fosfato com produção de NADH + H+. O gliceraldeído entra na via glicolítica para produção de energia. Como explicado anteriormente, o glicerol pode também ir para o sangue com destino ao fígado para ser usado na gliconeogênese. Figura 19: Hidrólise de triglicerídeos. Lípases removem sequencialmente os ácidos graxos dos triglicerídeos os separando do glicerol. Fonte: www.scielo.br, acesso em 12/11/2014. Bioquímica Básica 201 Síntese de lipídios de membrana Os lipídios de membrana são os fosfolipídios (glicerofosfolipídios e esfingolipídios) e esteróis. Os glicerofosfolipídios sintetizados são a fosfatidiletanolamina, a fosfatidilcolina, a fosfatidilserina, o fosfatidilinositol, o fosfatidilglicerol e a cardiolipina. Os esfingolipídios sintetizados são a esfingomielina, os cerebrosídeos, os globosídeos e os gangliosídeos. Com exceção de hemácias maduras, todas as células humanas sintetizam fosfolipídios e esteróis, inclusive todos os seres vivos do planeta. Já a síntese de esteróis ocorre somente nos eucariontes. A síntese de glicerofosfolipídios ocorre nas membranas do retículo endoplasmático e depende da produção inicial de ácido fosfatídico e em seguida do diacilglicerol (figura 18). Este, além de ser usado na síntese de triglicerídeos (explicado anteriormente), também pode ser usado na síntese de fosfolipídios. Fosfatidilcolina é formada a partir de colina (uma vitamina) que é fosforilada à fosfocolina por ação da enzima colina quinase e ativada com CDP (citidina difosfato), por ação da enzima fosfocolina citidiltransferase (ou CTP-colina citidil transferase), formando CDP-fosfocolina. A colina assim é transferida para o diacilglicerol, por ação da colina fosfotransferase, formando a fosfatidilcolina (figura 20). A fosfatidiletanolamina é formada similarmente: é fosforilada e ativada com CDP, formando CDP-etanolamina que é transferida à diacilglicerol formando fosfatidiletanolamina. As enzimas possuem nomes similares (etanolamina quinase, fosfoetanolamina citidiltransferase e etanolamina fosfotransferase). A própria fosfatidiletanolamina pode ser, no fígado, convertida em fosfatidilcolina através de 3 metilações seqüenciais catalisada pela enzima fosfatidiletanolamina-N- metiltransferase (figura 20). Bioquímica Básica 202 Figura 20: Estruturas da fosfatidiletanolamina e fosfatidilcolina e via de produção da fosfatidilcolina. Em A, a estrutura molecular da fosfatidiletanolamina e em B a via de produção da fosfatidilcolina, que inclusive, pode ser produzida diretamente pela fosfatidiletanolamina. A via de produção da fosfatidiletanolamina não estámostrada pelo fato de ser idêntica a da fosfatidilcolina. Fonte: Lehninger, princípios de Bioquímica. Bioquímica Básica 203 O fosfatidilinositol segue uma via um pouco diferente da formação da fosfatidiletanolamina e fosfatidilcolina: neste caso não é o inositol (uma vitamina) que é fosforilado e ativado com CDP, mas sim o próprio diacilglicerol, que em seguida recebe o inositol por ação da fosfatidilinositol sintase, formando o fosfatidilinositol (figura 21). Fosfatidilinositol quinases específicas convertem fosfatidilinositol em seus derivados fosforilados como o fosfatidilinositol 4,5- bifosfato (figura 6). Fosfatidilglicerol e cardiolipina seguem via semelhante: o diacilglicerol ativado com CDP recebe glicerol 3-fosfato por ação da enzima fosfatidilglicerol 3-fosfato sintase e se converte em diacilglicerol 3-fosfato. Uma fosfatase remove o fosfato para finalizar o fosfatidilglicerol. Uma enzima cardiolipina sintase pode promover a condensação de um fosfatidilglicerol com CDP-diacilglicerol para formar a cardiolipina (figura 21). Figura 21: As reações na produção de fosfatidilinositol, fosfatidilglicerol e cardiolipina. Fonte: Lehninger, princípios de Bioquímica. Bioquímica Básica 204 A fosfatidilserina é produzida por substituição da etanolamina na fosfatidiletanolamina pelo aminoácido serina. É importante lembrar que ambos etanolamina, colina, serina, inositol e glicerol são inseridos na posição 3 do diacilglicerol pois as outras duas posições já estão ocupadas com ácidos graxos. A síntese de esfingolipídios ocorre também no retículo endoplasmático, com abundância em neurônios e hemácias jovens e depende da formação inicial da ceramida, derivada da esfingosina, um aminoálcool de cadeia longa (figura 7). A ceramida é produzida pela união de palmitoilCoA com serina formando β- cetoesfinganina por ação da enzima β-cetoesfinganina sintase. Redução da β- cetoesfinganina com NADPH resulta em esfinganina, um aminoálcool de 18 carbonos. A esfinganina recebe um acil proveniente de um acilCoA e sofre oxidação dependente de FAD, formando FADH2 e ceramida (figura 22). A esfingomielina, um importante componente da bainha de mielina é formado quando ceramida reage com a fosfatidilcolina ou com CDP-colina. Se a ceramida reagir com UDP-glicose ou UDP-galactose, os esfingolipídios formados são o glicocerebrosídio (ou glicosilcerebrosídeo) e o galactocerebrosídio respectivamente (figura 22). Bioquímica Básica 205 Figura 22: As reações na produção de alguns esfingolipídios. Fonte: Lehninger, princípios de Bioquímica. Bioquímica Básica 206 Globosídeos são cerebrosídeos contendo dois ou mais monossacarídeos, geralmente galactose, glicose e/ou N-acetilglicosamina. Lactosilceramida na membrana das hemácias contém o dissacarídeo lactose. Outros globosídeos nas hemácias contendo oligossacarídeos maiores (5 a 6 monossacarídeos) determinam os grupos sanguíneos humanos. Gangliosídeos são esfingolipídios contendo oligossacarídeos e ácido siálico, muito comum em células ganglionares do sistema nervoso central, em particular nas terminações nervosas. Colesterol, o esterol das células animais é produzido por praticamente todas as células humanas, com exceção das hemácias, mas a sua produção é muito maior no fígado, intestino e tecidos reprodutores como ovários, testículos e placenta. Para produzir colesterol, é necessário acetilCoA. Este pode vir do piruvato, da oxidação de ácidos graxos, da oxidação de alguns aminoácidos (será detalhado na próxima unidade) ou a partir de acetato. Assim como na via que produz corpos cetônicos, são necessárias duas moléculas de acetilCoA se condensando para criar o acetoacetilCoA e uma terceira acetilCoA para formar HMG-CoA. Se HMG-CoA sofrer ação da enzima HMG-CoA liase, a via segue para corpos cetônicos (explicado anteriormente). Mas se HMG-CoA sofrer ação da enzima HMG-CoA redutase dependente de NADPH, forma-se mevalonato e a via segue para a síntese de colesterol. Como a síntese de corpos cetônicos ocorre na mitocôndria e a síntese de colesterol ocorre no retículo endoplasmático, estas duas enzimas (HMG-CoA liase e HMG-CoA redutase) estão em compartimentos diferentes, havendo então enzimas similares para a produção de HMG-CoA tanto na mitocôndria quanto no retículo endoplasmático. Em uma série de reações enzimáticas, o mevalonato é convertido em farnesil- pirofosfato. Duas moléculas de farnesil-pirofosfato são condensadas, em reação catalisada pela enzima farnesil-transferase (ou esqualeno sintase) dependente de NADPH formando esqualeno e finalmente a ciclização do esqualeno produz o colesterol: a enzima esqualeno monooxigenase acrescenta um O2 na extremidade do esqualeno formando o epóxido e outra enzima (esqualeno-epóxido lanosterol sintase) produz o lanosterol. Transformação de lanosterol em colesterol envolve cerca de 20 etapas enzimáticas, onde várias envolvem reduções dependentes de NADPH. A via de síntese de colesterol está resumida na figura 23. Bioquímica Básica 207 Figura 23: Resumo das etapas da síntese de colesterol. Fonte: www.painel- colesterol.blogspot.com, acesso em 12/11/2014. O colesterol pode ser esterificado para armazenamento no fígado (geralmente é esterificado com ácidos graxos insaturados) ou para transporte em VLDLs, pode ser convertido em sais biliares, vitamina D e hormônios esteróides. Bioquímica Básica 208 Leitura complementar DEVLIN, T. Manual de bioquímica com correlações clínicas. Edgard Blucher, 2007. HARPER, H. A. Bioquímica. Atheneu, 2002. LEHNINGER, A.L. Princípios de Bioquímica. Worth publishers, 2006. STRYER, L. Bioquímica. Guanabara Koogan, 2004. VOET, D., VOET, J.G., PRATT, C.W. Fundamentos de Bioquímica. Artmed, 2002. É HORA DE SE AVALIAR! Lembre-se de realizar as atividades desta unidade de estudo. Elas irão ajudá-lo a fixar o conteúdo, além de proporcionar sua autonomia no processo de ensino-aprendizagem. Bioquímica Básica 209 Exercícios – Unidade 4 1. Os lipídios são: a) Os compostos energéticos consumidos preferencialmente pelo organismo b) Mais abundantes na composição química dos vegetais do que na dos animais c) Substâncias insolúveis na água, mas solúveis nos chamados solventes orgânicos (álcool, éter, benzeno) d) Presentes como fosfolipídios no interior da célula, mas nunca na estrutura da membrana plasmática e) Moléculas bem diferentes de hidrocarbonetos 2. O excesso de corpos cetônicos em presença de baixa glicose sanguínea é comum, principalmente em hipoglicemia induzida por jejum. Além disso, os corpos cetônicos: a) São formados pelo excesso de propionilCoA obtido dos ácidos graxos de cadeia impar b) São sintetizados no tecido muscular c) São escassos em pessoas diabéticas d) São sintetizados quando a degradação de ácidos graxos é interrompida e) São sintetizados no fígado e enviados para o cérebro para servir de alimento, substituindo temporariamente a glicose Bioquímica Básica 210 3. Um rapaz jovem chega a um consultório para uma indicação dietética com o seguinte histórico médico: cansaço intenso, dificuldade em realizar exercícios, ganho de peso contínuo e uma biopsia revelando um elevado depósito de triglicerídeos nas células musculares. O diagnóstico é que ele apresenta uma diminuição exagerada na quantidade de carnitina intramuscular. Sendo assim, este paciente apresenta: a) Dificuldade de sintetizar e degradar glicogênio muscular b) Excesso de creatina nas células muscularesc) Excesso de corpos cetônicos nas células musculares d) Dificuldade de produzir glicose pela gliconeogênese e) Dificuldade de transporte de ácidos graxos de cadeia longa para dentro da mitocôndria das células musculares 4. Um laboratório de Bioquímica recebeu uma amostra de ácido graxo, no entanto identificado como (18:4 Δ3,9,12,15). Apesar de não estar nomeado, pela informação no parênteses, podemos dizer que este ácido graxo é: a) Monoinsaturado e ômega-3 b) Monoinsaturado e ômega-6 c) Poliinsaturado e ômega-3 d) Poliinsaturado e ômega-6 e) Poliinsaturado e ômega-9 Bioquímica Básica 211 5. Um dos mecanismos abaixo NÃO contribui para a redução dos níveis de colesterol no sangue. a) Dieta com altos níveis de ácidos graxos insaturados b) Dieta com altos níveis de ácidos graxos saturados c) Dieta com altos níveis de fibras d) Dieta com altos níveis de fitoesteróis e) Drogas da família das vastatinas 6. A revista Veja - edição 1858 - ano 37 - nº 24, de 16 de junho de 2004, em sua matéria de capa, destaca: "Um santo remédio? Eficazes para baixar o colesterol, as estatinas já são as drogas mais vendidas no mundo". No conteúdo da matéria, as articulistas Anna Paula Buchalla e Paula Neiva discorrem sobre os efeitos desta nova droga no combate seguro aos altos níveis de colesterol. Sobre o colesterol, analise as proposições abaixo: I. O colesterol é um dos mais importantes esteróis animais, produzido pelo fígado ou obtido na dieta. II. O colesterol participa da composição química da membrana das células animais, além de atuar como precursor de hormônios, como a testosterona e a progesterona. III. Quando atinge baixos níveis no sangue, o colesterol contribui para a formação de placas de ateroma nas artérias, provocando-lhes um estreitamento. IV. Há dois tipos de colesterol: O LDL e o HDL. O primeiro é o "colesterol bom", que remove o excesso de gordura da circulação sangüínea. Bioquímica Básica 212 Assinale a alternativa correta: a) Apenas as proposições I e III são corretas b) Apenas as proposições II e IV são corretas c) Apenas as proposições I e II são corretas d) Apenas as proposições I, III e IV são corretas. e) Todas as proposições são corretas 7. Defende-se que a inclusão da carne bovina na dieta é importante por ser uma excelente fonte de proteínas. Por outro lado, pesquisas apontam efeitos prejudiciais que a carne bovina traz à saúde, como o risco de doenças cardiovasculares. Devido aos teores de colesterol e de gordura, há quem decida substituí-la por outros tipos de carne, como a de frango e a suína. O quadro abaixo apresenta a quantidade de colesterol em diversos tipos de carne crua e cozida. Alimento Colesterol (mg/100g) cru cozido Carne de frango (branca) sem pele 58 75 Carne de frango (escura) sem pele 80 124 Pele de frango 104 139 Carne suína (bisteca) 49 97 Carne suína (toucinho) 54 56 Carne bovina (contrafilé)) 51 66 Carne bovina (músculo) 52 67 Revista PRO TESTE, N.º54, dez./2006 (com adaptações) Bioquímica Básica 213 Com base nessas informações, avalie as afirmativas a seguir. I. O risco de ocorrerem doenças cardiovasculares por ingestões habituais da mesma quantidade de carne é menor se esta for carne branca de frango do que se for toucinho. II. Uma porção de contrafilé cru possui, aproximadamente, 50% de sua massa constituída de colesterol. III. A retirada da pele de uma porção cozida de carne escura de frango altera a quantidade de colesterol a ser ingerida. IV. A bisteca é a carne mais alterada percentualmente no teor de colesterol após o cozimento. É correto apenas o que se afirma em: a) I e II b) I e III c) II e III d) II e IV e) III e IV 8. O ácido oleico (18C) é um dos ácidos graxos mais abundantes da dieta, sendo consumido principalmente á partir de óleos e azeites. O saldo energético total obtido à partir da oxidação deste ácido graxo é: a) 106 ATP b) 120 ATP c) 134 ATP d) 150 ATP e) 166 ATP Bioquímica Básica 214 9. A tabela abaixo expressa a composição em ácidos graxos de dois tipos de triglicerídeos alimentares. Percentagem de ácidos graxos Triglicerídeo Saturados Monoinsaturados Polinsaturados A 60 36 4 B 14 24 62 Faça uma previsão do estado físico de cada tipo de triglicerídeo à temperatura ambiente, de acordo com a composição de seus ácidos graxos, justificando sua escolha. __________________________________________________________________ __________________________________________________________________ __________________________________________________________________ __________________________________________________________________ 10. Pode-se afirmar que a utilização dos ácidos graxos como combustíveis gera equivalentes de redução para a cadeia respiratória em dois momentos metabólicos distintos. Que momentos são estes? __________________________________________________________________ __________________________________________________________________ __________________________________________________________________ __________________________________________________________________ Bioquímica Básica 215 5 Metabolismo de proteínas Bioquímica Básica 216 Nesta unidade vamos entender acerca do metabolismo das proteínas, a utilização dos aminoácidos na produção de energia e a excreção de compostos nitrogenados. Objetivos da Unidade Mostrar a importância da fixação do nitrogênio pelas bactérias e sua assimilação pelas plantas; Identificar os processos de digestão das proteínas da dieta; Mostrar a absorção dos aminoácidos; Caracterizar a liberação da amônia na forma de ureia; Entender o catabolismo dos aminoácidos. Plano da Unidade Fixação do nitrogênio. Digestão de proteínas e absorção de aminoácidos. Catabolismo de aminoácidos. Ciclo da ureia. Catabolismo de aminoácidos individuais Bons estudos! Bioquímica Básica 217 Fixação do nitrogênio Já foi explicado em outra unidade que as proteínas são as macromoléculas com o maior número de funções celulares. As proteínas contêm um elemento essencial para os seres vivos: o nitrogênio. Além das proteínas, encontramos nitrogênio em alguns lipídios de membrana, em nucleotídeos no DNA e no RNA etc., por isso a aquisição do nitrogênio é muito importante. Na respiração, os seres animais conseguem inspirar nitrogênio atmosférico (N2), mas todo o nitrogênio inspirado é em seguida expirado. Desse modo, os seres animais obtêm o nitrogênio diretamente na dieta. Já as plantas conseguem sintetizar compostos nitrogenados, como aminoácidos e bases nitrogenadas a partir de nitratos (NO3-). Mas para que isto aconteça, é necessária a participação prévia de bactérias responsáveis pelo ciclo do nitrogênio. O ciclo do nitrogênio se inicia com a fixação biológica do nitrogênio através da amonificação, ou seja, a conversão de N2 em amônia (NH4+). Esta etapa é realizada por bactérias do solo ou em simbiose com raízes de leguminosas, chamadas de bactérias fixadoras de nitrogênio, incluindo espécies de cianobactérias, bactérias verdes e púrpuras, Azotobacter, Clostridium, Rhizobium e outras. A reação, que envolve um complexo enzimático chamado nitrogenase, utiliza a energia do ATP e processo redutor para converter um N2 em duas aminas (NH3). Em seguida, no solo, as aminas se combinam com água, formam o hidróxido de amônio (NH4OH) para depois liberar a amôniae hidroxila. A amina, em condições fisiológicas, também pode simplesmente captar um H+ e se converte em NH4+. Bactérias nitrificantes, incluindo as do gênero Nitrosomonas, Nitrosococcus e Nitrobacter, pelo processo de nitrificação, convertem as NH4+ em nitritos (NO2-) e em seguida em NO3-, onde em ambos os processos ocorre liberação de energia. Esta energia é utilizada por estas bactérias para a produção de glicose e O2, através de CO2 e H2O (quimiossíntese) uma vez que estas bactérias são autotróficas. As reações químicas se encontram abaixo: Bioquímica Básica 218 Amonificação: (passo 1) N2 + 8 H+ + 8 e- + 16 ATP + 16 H2O 2 NH3 + H2 + 16 ADP (passo 2) NH3 + H2O NH4OH + NH4+ + OH- Nitrificação: (passo 1): 2 NH4+ + 3 O2 2 NO2- + 2 H2O + 4H+ + energia (passo 2): 2 NO2- + O2 2 NO3- + energia Quimiossíntese 6 CO2 + 12 H2O C6H12O6 + 6 H2O + 6 O2 Os nitratos formados pelo processo de nitrificação são absorvidos pelas plantas e transformados em compostos carbonados para produzir aminoácidos e outros compostos de nitrogênio, como bases nitrogenadas. Através dos aminoácidos as plantas produzem as proteínas e através das bases nitrogenadas, os nucleotídeos para a produção do DNA e do RNA. Os seres animais então conseguem o nitrogênio consumindo vegetais ou outros animais que obviamente comem vegetais. A desnitrificação é o processo pelo qual o nitrogênio volta à atmosfera. Este processo ocorre através das bactérias desnitrificantes, incluindo espécies de Pseudomonas, Bacillus, Paracoccus e Clostridium, que, em ambiente anaeróbico, convertem uma parte do NO3- produzida em N2. A desnitrificação é necessária porque, se não ocorresse, a concentração de nitratos no solo aumentaria de maneira desastrosa. O nitrogênio pode ser também devolvido para a atmosfera através da decomposição da matéria orgânica morta, seja vegetal ou animal, através de algumas bactérias e também fungos decompositores. O resumo do ciclo do nitrogênio está representado na figura 1. Bioquímica Básica 219 Figura 1: O ciclo do nitrogênio. A fixação do nitrogênio pode ser física, provocada por relâmpagos, química, através da atividade vulcânica ou de processos industriais na produção de fertilizantes e biológica, realizada por bactérias no solo ou em raízes de leguminosas. Fonte: <www.profwladimir.blogspot.com>. Acesso em: 19 de novembro de 2014. Digestão de proteínas e absorção de aminoácidos As proteínas são quebradas por enzimas presentes no estômago e intestino delgado. Quando proteínas da dieta chegam ao estômago, células da mucosa estomacal secretam o hormônio gastrina, que por sua vez estimula a produção de ácido clorídrico (HCl) e o pepsinogênio (a forma inativa da enzima pepsina) por outras células estomacais. O HCl é um desnaturante, desestruturando as proteínas. O pepsinogênio, por ação autocatalítica, se converte em pepsina e inicia a hidrólise das proteínas nas ligações peptídicas do lado amino dos aminoácidos tirosina, triptofano e fenilalanina. Como a pepsina reconhece somente estes três aminoácidos, as proteínas são quebradas em peptídios que vão em seguida para o intestino delgado. Bioquímica Básica 220 No intestino delgado, existe uma enzima aminopeptidase que reconhece ligações peptídicas no lado amino destes peptídios. No entanto, como a aminopeptidase não é suficiente para converter os peptídios em aminoácidos livres, esses peptídios, assim que chegam ao intestino delgado, estimulam algumas células intestinais a liberar o hormônio colecistoquinina, que estimula o pâncreas a liberar várias enzimas digestivas para o intestino (existe uma conexão intestino- pâncreas chamada duto pancreático). As enzimas são liberadas do pâncreas na forma inativa (quimiotripsinogênio, tripsinogênio, pró-carboxipeptidase A, pró- carboxipeptidase B e pró-elastase) que, no intestino delgado se convertem na forma ativa (quimiotripsina, tripsina, carboxipeptidase A, carboxipeptidase B e elastase). Assim como a pepsina, cada uma destas enzimas reconhece ligações peptídicas de aminoácidos específicos, seja no lado amino seja no lado carbonila dos aminoácidos, assim os peptídios resultantes da quebra parcial das proteínas no estômago são finalmente convertidos em aminoácidos livres. Assim como foi descrito para a absorção dos monossacarídeos, os aminoácidos também são levados do lúmen para o epitélio intestinal acoplado a sódio e em seguida liberados para o sangue por proteínas transportadoras de aminoácidos. Para cada aminoácido existe um transportador específico tanto na superfície do epitélio intestinal voltada para o lúmen quanto na superfície voltada para o sangue. Como descrito em outra unidade, os aminoácidos podem também ser classificados como naturais (não essenciais) e essenciais, onde os naturais são os aminoácidos produzidos pelo organismo e os essenciais não são produzidos pelo organismo, portanto precisam ser adquiridos na alimentação. A partir do NO3 os vegetais produzem todos os 20 tipos de aminoácidos que formam as proteínas. Os humanos produzem somente 11 (alanina, arginina, asparagina, aspartato, cisteina, glicina, glutamato, glutamina, prolina, serina e tirosina) do total de 20 aminoácidos. Assim, muitos dos aminoácidos obtidos da dieta já são naturalmente produzidos no corpo humano. Esta unidade não tem como objetivo apresentar as rotas enzimáticas para a biossíntese de aminoácidos nos animais, a não ser em algumas vias metabólicas onde, durante o catabolismo, um aminoácido pode ser convertido em outro. Bioquímica Básica 221 Catabolismo de aminoácidos Os aminoácidos na corrente sanguínea chegam a todos os tecidos, principalmente músculos e fígado. Nestes órgãos a principal utilização dos aminoácidos é para a síntese de proteínas, uma vez que as células dependem da produção de diferentes tipos de proteínas (estruturais, transportadoras, imunológicas, contráteis, enzimas, hormônios etc.). No entanto, se a ingestão de aminoácidos for superior às necessidades do organismo, o excesso de aminoácidos é oxidado para a produção de energia (catabolismo de aminoácidos). Na degradação normal das proteínas, alguns aminoácidos liberados podem também sofrer oxidação, assim como em diversas situações, incluindo exercício físico intenso, jejum prolongado e no diabetes, no qual oxidação de aminoácidos normalmente ocorre. No jejum e no diabetes, como o nível de açúcar está baixo, gliconeogênese e produção de corpos cetônicos no fígado acabam ocorrendo em paralelo ao uso dos aminoácidos como combustível energético. Quando os aminoácidos chegam às células hepáticas, uma maior parte é então utilizada na síntese de proteínas. Outra fração de aminoácidos sofre remoção de grupos amino (desaminação) gerando os chamados α-cetoácidos que podem sofrer oxidação na mitocôndria para a produção de energia. Esta reação, catalisada por enzimas aminotransferases (ou transaminases) transfere o grupamento amino do aminoácido para uma molécula, o α-cetoglutarato (um cetoácido e um intermediário do ciclo de Krebs), gerando glutamato e o α-cetoácido correspondente ao aminoácido que perdeu a amina (figura 2). As aminotransferases são específicas para cada aminoácido, ou seja, existe uma alanina aminotransferase que transfere a amina da alanina para o α- cetoglutarato, uma tirosina aminotransferase que transfere a amina da tirosina para o α-cetoglutarato etc. Além disso, as aminotransferases possuem uma coenzima, o piridoxalfosfato (PLP), produzido a partir da vitamina piridoxina (B6), que atua ligada no sítio ativo, doando a amina do aminoácido para o α-cetoácido. A formação de um aminoácido a partir de um α-cetoácido em detrimento de outro α- cetoácido se tornar um aminoácido pode ser também chamado de transaminação. Bioquímica Básica 222 A transaminação é a reação mais comum envolvendo aminoácidos, mas poucos aminoácidos, como serina, treonina e lisina não participam de reações de aminotransferases. Além disso, a arginina, glutamina e asparagina participam indiretamente em processos de transaminação, quando liberam suas aminas e se convertem respectivamente em ornitina, glutamato e aspartato, estes que então podem participar em processos de transaminação. Figura 2: Metabolismo dos grupos amino. Os grupamentos amino dos aminoácidos são transferidos, por ação das aminotransferases, para o α- cetoglutarato formando glutamato. O aminoácido que perde o amino se transforma no α-cetoácido correspondente. Fonte: Lehninger, princípios de Bioquímica. Bioquímica Básica 223 Esta reação, que ocorre no citoplasma das células, tem o objetivo de coletar os grupamentos amino dos diferentes aminoácidos para formar o glutamato. O glutamato migra para o interior da mitocôndria, onde é novamente convertido em α-cetoglutarato (seu α-cetoácido) por ação da enzima glutamato desidrogenase dependente de NAD+ ou NADP+, liberando amônia (figura 3). O α-cetoglutarato pode entrar no ciclo de Krebs ou ser usado na gliconeogênese. A amônia é convertida em ureia parta ser excretada pelo rim na urina (será detalhada ao longo desta unidade). O glutamato, ao se tornar α-cetoglutarato pode também entregar sua amina para o oxaloacetato, onde este se transforma em aspartato. Neste caso, uma aminotransferase, ao invés da glutamato desidrogenase é requerida e isto é importante pelo fato do aspartato ser essencial no ciclo da ureia, uma vez que o aspartato da dieta não consegue entrar na mitocôndria para ser usado na produção da ureia. Figura 3: A reação catalisada pela enzima glutamato desidrogenase. Fonte: LEHNINGER, A.L. Princípios de Bioquímica. New York: Worth publishers, 2006. Bioquímica Básica 224 Quando os aminoácidos chegam às células dos tecidos extra-hepáticos, o objetivo é o mesmo do observado no fígado, onde a maioria dos aminoácidos é usada na síntese de proteínas e uma pequena fração sofre remoção de grupos amino, por aminotransferases, gerando α-cetoácidos para oxidação na mitocôndria. O aceptor dos grupamentos amino é também o α-cetoglutarato formando glutamato. Como somente o fígado usa as aminas na produção de ureia, as aminas removidas dos aminoácidos e entregues ao α-cetoglutarato precisam chegar ao fígado. Assim, o glutamato é convertido em glutamina por ação da enzima glutamina sintetase dependente de ATP, que, em dois passos, produz um intermediário fosforilado (γ-glutamilfosfato) e depois combina uma amônia a este intermediário, formando a glutamina (figura 4). Esta amônia pode vir de vários processos, como por exemplo, degradação de nucleotídeos. A glutamina vai para o sangue com destino as mitocôndrias das células hepáticas e lá, por ação da enzima glutaminase, volta a ser glutamato, liberando amônia para a síntese de ureia (figura 4). O rim também tem na mitocôndria das suas células uma glutaminase. Esta atua nas glutaminas que, do sangue, entram nas células renais, gerando glutamato e amônia. Isto explica a excreção de amônia pelo rim juntamente com a ureia na urina, estando o aumento de amônia na urina diretamente relacionado com o excesso de glutamina na dieta. Em situações de acidose sanguínea, a glutamina liberada de tecidos extra-hepáticos vai mais para o rim do que para o fígado. Isto ocorre porque a formação de ureia usando a amônia liberada da glutamina requer bicarbonato (será detalhada ao longo da unidade), assim o bicarbonato, ao invés de ser usado na síntese de ureia, é usado para corrigir o pH sanguíneo. Em compensação, este desvio de rota aumenta o nível de amônia na urina, uma vez que o rim não consegue produzir ureia com estas amônias. Apesar da pequena excreção de amônia, os mamíferos, incluindo os seres humanos são considerados ureotélicos (cuja produção e excreta nitrogenada são a ureia). Outros animais como a maioria dos peixes e anfíbios jovens são amoniotélicos (cuja excreta nitrogenada é a amônia) e répteis e aves são uricotélicos (cuja excreta nitrogenada é o ácido úrico). Bioquímica Básica 225 Por mecanismos ainda não esclarecidos, a amônia é extremamente tóxica para os animais, por isto precisa ser excretada diretamente pelo rim, ou convertida em ureia no fígado. Parece que o excesso de amônia leva a uma drástica diminuição no nível de ATP principalmente no cérebro, pela redução no ciclo de Krebs, comprometendo diversos processos incluindo a transmissão do impulso nervoso. Os mamíferos também podem excretar pela urina, mesmo que em pequenas quantidades, ácido úrico. A formação de ácido úrico ocorre durante o metabolismo de nucleotídeos. O cérebro é o principal órgão afetado pelo excesso da produção de amônia e ácido úrico, no entanto o rim também é bastante afetado pelo excesso de ácido úrico que se deposita nos túbulos renais e provoca inflamação, além de cálculos renais. Figura 4: A reação catalisada pela enzima glutamina sintetase. Fonte: LEHNINGER, A.L. Princípios de Bioquímica. New York: Worth publishers, 2006. Bioquímica Básica 226 Além da glutamina, os tecidos extra-hepáticos, principalmente os músculos, usam também outro aminoácido, a alanina, para o transporte de aminas do sangue para o fígado. Neste caso, o glutamato, ao invés de formar glutamina, entrega sua amina para o piruvato e este se torna alanina. A alanina, ao chegar ao fígado, volta a ser piruvato (seu α-cetoácido), através da transferência da sua amina para o α- cetoglutarato, formando glutamato, que pode entrar na mitocôndria e, por ação da enzima glutamato desidrogenase, liberar a amina na forma de amônia para a formação de ureia. O piruvato pode ser usado na gliconeogênese. O resumo do catabolismo de aminoácidos para a produção de energia e para a síntese de ureia, interligando fígado e tecidos extra-hepáticos, encontra-se na figura 5. Figura 5: Interligação do catabolismo de aminoácidos no fígado e em tecidos extra-hepáticos. Fonte: LEHNINGER, A.L. Princípios de Bioquímica. New York: Worth publishers, 2006. Bioquímica Básica 227 Ciclo da ureia O ciclo da ureia é o mecanismo de excreção de nitrogênio adotado por algumas células animais, incluindo os seres humanos. A síntese da ureia ocorre somente nas células hepáticas e se inicia na matriz da mitocôndria com a união de amônia e bicarbonato para formar o carbamil fosfato em reação catalisada pela enzima carbamil fosfato sintetase I, com gasto de 2 ATP. Em seguida, o grupo carbamil do carbamil fosfato se condensa com a molécula ornitina, gerando a citrulina em reação catalisada pela enzima ornitina transcarbamilase. A citrulina vai para o citoplasma e, por ação da enzima argininosuccinato sintase, recebe uma amina do aspartato (formada por transaminação do glutamato, descrita anteriormente), se convertendo em argininosuccinato. A reação envolve a conversão de ATP em AMP + PPi, o que equivale a hidrólise de duas moléculas de ATP. Clivagem de argininosuccinato pela enzima argininosuccinato liase produz fumarato (intermediário do ciclo de Krebs) e arginina. Por último, a arginina é hidrolisada pelaenzima arginase, produzindo ornitina e ureia (figura 6). O cíclo da ureia requer então energia, com gasto equivalente de quatro moléculas de ATP. Bioquímica Básica 228 Figura 6: O ciclo da ureia. Os passos 1 e 2, catalisados respectivamente pelas enzimas carbamil fosfato sintetase I e ornitina transcarbamilase ocorrem na mitocôndria. Os três passos seguintes, catalisados respectivamente pelas enzimas argininosuccinato sintase, argininosuccinato liase e arginase ocorrem no citoplasma e terminam a síntese da ureia. Proteínas transportadoras na membrana interna da mitocôndria funcionam transportando a citrulina da mitocôndria para o citoplasma e a ornitina do citoplasma para a matriz da mitocôndria. Fonte: www.desenvolvimentovirtual.com, acesso em 19/11/2014. Bioquímica Básica 229 A ureia é liberada do fígado com destino ao rim. A maior parte da ureia chega ao rim, mas uma pequena fração difunde-se do fígado ao intestino onde sofre ação de bactérias que clivam a ureia em CO2 e NH4+. Esta amônia pode ser reabsorvida ou fazer parte das fezes. A ornitina volta para a matriz da mitocôndria para reiniciar um novo ciclo da ureia. O fumarato produzido anteriormente pode ser convertido tanto no citoplasma quanto na mitocôndria em malato e em seguida em oxaloacetato, uma vez que as enzimas que catalisam as reações (fumarase e malato desidrogenase) ocorrem nos dois compartimentos celulares. O oxaloacetato pode ser novamente convertido em aspartato para um novo ciclo da ureia, ou então ser usado na gliconeogênese. Assim o ciclo de Krebs e o ciclo da ureia estão interligados, sendo referido como bicicleta de Krebs (figura 7). Na verdade, o mesmo pesquisador que decifrou o ciclo de Krebs (Sir Hans Krebs), também decifrou o ciclo da ureia. Figura 7: Interligação entre o ciclo de Krebs e o ciclo da ureia. Fonte: LEHNINGER, A.L. Princípios de Bioquímica. New York: Worth publishers, 2006. Bioquímica Básica 230 Catabolismo de aminoácidos individuais A maioria dos aminoácidos, que são convertidos nos seus cetoácidos correspondentes, assim como os poucos que não participam das reações de transaminação, converge para formar cinco produtos, entrando no ciclo de Krebs. A partir daí podem ser usados na gliconeogênese, na formação de corpos cetônicos ou serem oxidados para a produção de energia. Os aminoácidos utilizados na síntese de glicose são chamados de glicogênicos e os usados na formação dos corpos cetônicos são chamados de cetogênicos. Seis aminoácidos (triptofano, lisina, leucina, isoleucina, fenilalanina e tirosina) são convertidos em acetilCoA e/ou acetoacetilCoA (figura 9), seis aminoácidos (alanina, serina, glicina, cisteína, treonina e triptofano) são convertidos em piruvato (figura 10), cinco aminoácidos (arginina, histidina, glutamato, glutamina e prolina) são convertidos em α-cetoglutarato (figura 11), quatro aminoácidos (metionina, isoleucina, treonina e valina) são convertidos em succinilCoA (figura 12) e dois aminoácidos (asparagina e aspartato) são convertidos em oxaloacetato (figura 13). É importante observar que os aminoácidos triptofano, isoleucina e treonina são catabolisados e convertidos em dois produtos diferentes. Um resumo do metabolismo de todos os 20 aminoácidos, mostrando a entrada no ciclo de Krebs além dos envolvidos na formação de corpos cetônicos e na gliconeogênese se encontra na figura 14. O catabolismo dos aminoácidos leucina, isoleucina e valina (também conhecidos como BCAAs ou aminoácidos de cadeia lateral ramificada) é diferente dos demais pelo fato destes aminoácidos serem preferencialmente catabolizados nos músculos ao invés do fígado. A atividade das enzimas aminotransferases para estes três aminoácidos é muito maior no músculo que no fígado. Vários NADH e FADH2 são produzidos durante o catabolismo destes três aminoácidos até a formação de acetilCoA ou succinilCoA o que os tornam excelentes fontes de energia para o músculo. Desse modo, estes três aminoácidos ao entrar no fígado são usados para a síntese de proteínas, porém o excesso, por não ser praticamente catabolizado, sai do fígado e ao ser captado por músculos são catabolizados para a geração de energia. Bioquímica Básica 231 Os aminoácidos convertidos em acetilCoA e/ou acetoacetilCoA são cetogênicos porque acetoacetilCoA pode ser convertido nos corpos cetônicos acetona e β-hidroxibutirato. Os aminoácidos capazes de serem convertidos em piruvato, α-cetoglutarato, succinilCoA, fumarato e oxaloacetato podem ser usados para a gliconeogênese e, portanto, são glicogênicos. Porém, quatro aminoácidos (triptofano, fenilalanina, tirosina e isoleucina) são ao mesmo tempo cetogênicos e glicogênicos. Em muitas destas reações, as enzimas dependem de uma ou mais coenzimas, como a piridoxal fosfato, o tetrahidrofolato (H4 folato), a tetrahidrobiopterina, o N5,N10-metilenotetrahidrofolato, além das já conhecidas NAD+, NADP+, FAD e coenzimaA. Enquanto algumas atuam na transferência de unidades monocarbônicas, outras atuam na transferência de grupos amino e outras atuam em reações biológicas de oxidação e redução. Algumas destas coenzimas estão na figura 8. Figura 8: Estrutura química das coenzimas H4 folato, tetrahidrobiopterina e piridoxal fosfato. O grupo químico funcional do piridoxal fosfato está marcado em vermelho. Fonte: LEHNINGER, A.L. Princípios de Bioquímica. New York: Worth publishers, 2006. Bioquímica Básica 232 Como as vias do catabolismo para vários aminoácido são muito complicadas, com o envolvimento de várias enzimas e coenzimas, estas reações serão apenas mostradas nas figuras a seguir, de uma forma resumida, sem detalhar a quantidade de energia obtida de cada aminoácido. Em algumas vias o número de reações é tão grande que vários passos enzimáticos são omitidos. De um modo geral, o nível de ATP obtido por cada aminoácido varia de aproximadamente 10 a 20 ATP, portanto a contribuição dos aminoácidos para a energia do organismo existe, mas não é tão grande quando comparado com a energia fornecida por monossacarídeos ou ácidos graxos. Figura 9: Resumo do catabolismo dos aminoácidos triptofano, lisina, leucina, isoleucina, fenilalanina e tirosina. Em A, a formação de acetilCoA e/ou acetoacetilCoA a partir destes aminoácidos. Para todos os aminoácidos, a maioria das etapas enzimáticas está omitida, inclusive a formação dos α-cetoácidos correspondentes, a partir da entrega das aminas para o α-cetoglutarato. Lisina não participa de reações envolvendo aminotransferases. Em B, a primeira das várias reações do catabolismo da tirosina, na qual ocorre a produção do p- hidroxifenilpiruvato, seu α-cetoácido, em reação catalisada por uma Bioquímica Básica 233 aminotransferase específica, onde a amina é entregue ao α-cetoglutarato formando glutamato. Fonte: LEHNINGER, A.L. Princípios de Bioquímica. New York: Worth publishers, 2006. Figura 10: Resumo do catabolismo dos aminoácidos alanina, serina, glicina, cisteína, treonina e triptofano. A maioria das etapas enzimáticas do catabolismo do triptofano e da cisteína está omitida. No catabolismo da alanina, esta se converte em piruvato, seu α-cetoácido, a partir de reação catalisada por uma aminotransferase específica, onde a amina é entregue ao α-cetoglutarato formando glutamato. Além desta rota, o triptofano pode seguir outra via enzimática levando a formação de acetoacetilCoA. Serina e treonina não participam de reações envolvendo aminotransferases. Fonte: LEHNINGER, A.L. Princípios de Bioquímica. New York: Worth publishers, 2006. Bioquímica Básica 234 Figura 11: Resumo do catabolismo dos aminoácidosarginina, histidina, glutamato, glutamina e prolina. As reações da arginase, glutaminase e glutamato desidrogenase já foram descritas anteriormente. Com exceção do catabolismo da histidina, onde algumas etapas estão omitidas, as outras vias mostram todas as reações enzimáticas que levam a formação de α-cetoglutarato. Fonte: LEHNINGER, A.L. Princípios de Bioquímica. New York: Worth publishers, 2006. Bioquímica Básica 235 Figura 12: Resumo do catabolismo dos aminoácidos metionina, isoleucina, treonina e valina. Para todos os aminoácidos, a maioria das etapas enzimáticas está omitida, inclusive a formação dos α-cetoácidos correspondentes, a partir da entrega das aminas para o α-cetoglutarato. A isoleucina e treonina são catabolizadas para acetilCoA (ver figuras 9 e 10) ou succinilCoA. Fonte: LEHNINGER, A.L. Princípios de Bioquímica. New York: Worth publishers, 2006. Bioquímica Básica 236 Figura 13: Resumo do catabolismo dos aminoácidos asparagina e aspartato. O esqueleto de carbonos da asparagina e aspartato entra no ciclo de Krebs através do oxaloacetato. Fonte: LEHNINGER, A.L. Princípios de Bioquímica. New York: Worth publishers, 2006. Bioquímica Básica 237 Figura 14: Resumo do metabolismo de aminoácidos. A figura mostra os pontos de entrada dos aminoácidos no ciclo de Krebs. Os aminoácidos em azul são os cetogênicos, cujos produtos do catabolismo podem ser usados na formação dos corpos cetônicos. Os aminoácidos em vermelho são os glicogênicos cujos produtos do catabolismo podem ser usados na gliconeogênese. Quatro aminoácidos (fenilalanina, isoleucina, triptofano e tirosina) são tanto glicogênicos quanto cetogênicos. Leucina e lisina são exclusivamente cetogênicos. Fonte: LEHNINGER, A.L. Princípios de Bioquímica. New York: Worth publishers, 2006. Bioquímica Básica 238 LEITURA COMPLEMENTAR: DEVLIN, T. M. (Coord.). Manual de Bioquímica com Correlações Clínicas. Trad. da 6. ed. americana. São Paulo: Edgard Blücher, 2007. HARPER, H. A. Bioquímica. São Paulo: Atheneu, 2002. LEHNINGER, A.L. Princípios de Bioquímica. New York: Worth publishers, 2006. STRYER, L. Bioquímica. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2004. VOET, D., VOET, J.G., PRATT, C.W. Fundamentos de Bioquímica. Porto Alegre: Artmed, 2002. É HORA DE SE AVALIAR! Lembre-se de realizar as atividades desta unidade de estudo. Elas irão ajudá- lo a fixar o conteúdo, além de proporcionar sua autonomia no processo de ensino- aprendizagem. Bioquímica Básica 239 Exercícios – Unidade 5 1. Os aminoácidos alanina e leucina se convertem em acetilCoA para entrar no ciclo de Krebs, através dos intermediários: a) piruvato e malonilCoA b) piruvato e acetoacetilCoA c) propionil e enoilCoA d) aspartato e lactato e) 2-fosfoglicerato e fosfoenolpiruvato 2. A maioria dos tecidos é capaz de degradar os aminoácidos, mas só o fígado é capaz de produzir ureia. O nitrogênio proveniente dos aminoácidos degradados chega até o fígado através dos aminoácidos: a) serina e glicina b) metionina e serina c) glutamina e alanina d) metionina e glicina e) glutamina e glicina 3. Os cetoácidos produzidos a partir das transaminações dos aminoácidos aspartato, glutamato e alanina são respectivamente: a) oxaloacetato, -cetoglutarato e piruvato b) oxaloacetato, piruvato e -cetoglutarato c) piruvato, oxaloacetato e -cetoglutarato d) piruvato, -cetoglutarato e oxaloacetato e) -cetoglutarato, oxaloacetato e piruvato Bioquímica Básica 240 4. Todas as seguintes afirmativas são verdadeiras sobre aminoácidos de cadeia lateral ramificada (BCAA), exceto: a) são metabolizados primariamente nos músculos b) estes aminoácidos são a leucina, a lisina e a valina c) um deles é glicogênico, um é cetogênico e outro é classificado como ambos d) são essenciais na dieta e) entram no ciclo de Krebs através da acetilCoA e succinilCoA 5. Na formação da ureia a partir de amônia, todas as alternativas estão corretas exceto: a) aspartato fornece uma das aminas para a formação da ureia b) o ciclo da ureia consome ATP c) o ciclo da ureia está conectado ao ciclo de Krebs através do fumarato d) duas etapas são citoplasmáticas e três etapas são mitocôndriais e) a ureia é produzida no fígado e no rim 6. No catabolismo de aminoácidos, a entrada no ciclo de Krebs pode ocorrer em vários pontos do ciclo, incluindo: a) succinilCoA b) citrato c) malato d) succinato e) isocitrato Bioquímica Básica 241 7. A amonificação é um dos processos envolvidos na fixação do nitrogênio por bactérias e sua posterior assimilação pelas plantas. A amonificação significa: a) a conversão de NO2- em NO3- b) a conversão de N2 em NH4+ c) a conversão de NH4+ em CO2 d) a conversão de CO2 em C6H12O6 e) a conversão de NO3- em N2 8. Aminoácidos glicogênicos são aqueles utilizados para a: a) síntese de glicogênio b) degradação do glicogênio c) glicólise d) síntese de glicose pela gliconeogênese e) síntese de qualquer glicídio 9. O esquema abaixo representa uma típica reação de transferência de grupo amino, catalizada por enzimas denominadas transaminases: aminoácido X + -cetoácido 1 -cetoácido 2 + aminoácido Y O -cetoácido 1 é frequentemente o -cetoglutarato, que gera glutamato (aminoácido Y) ao receber o grupo amino retirado do aminoácido transaminado. Responda, baseando-se em seus conhecimentos do catabolismo de aminoácidos: Bioquímica Básica 242 a) qual o destino do glutamato formado nas reações de transaminação no fígado? __________________________________________________________________ __________________________________________________________________ __________________________________________________________________ b) Dê um nome para o aminoácido X e para o -cetoácido 2. __________________________________________________________________ __________________________________________________________________ __________________________________________________________________ 10. O plasma sanguíneo contém todos os aminoácidos necessários para a síntese protéica das proteínas corporais. Entretanto, estes não se apresentam em concentrações equivalentes, predominando alanina e glutamina. Sugira a razão para isso. __________________________________________________________________ __________________________________________________________________ __________________________________________________________________ __________________________________________________________________ __________________________________________________________________ __________________________________________________________________ Bioquímica Básica 243 6Integração do metabolismo energético Bioquímica Básica 244 Nesta unidade, vamos entender acerca da integração do metabolismo energético do organismo, com ênfase nos mamíferos, incluindo os seres humanos, a distribuição dos nutrientes nos diferentes órgãos e a participação dos hormônios no metabolismo. Objetivos da Unidade Compreender as estratégias de integração do metabolismo energético; Estudar o efeito dos hormônios hidrofílicos e hidrofóbicos no metabolismo; Identificar os órgãos atuantes no metabolismo integrado; Relacionar as três classes de nutrientes capazes de serem usadospara obtenção de energia (carboidratos, lipídios e proteínas); Comparar o metabolismo nos estados de jejum e alimentado. Plano da Unidade Integração metabólica e o fígado Integração metabólica e o tecido muscular Integração metabólica e o tecido adiposo Integração metabólica e o cérebro Integração metabólica e o eritrócito Hormônios peptídeos, proteínas, derivados de aminoácidos e o metabolismo energético Hormônios de natureza lipídica e o metabolismo energético Como os hormônios do metabolismo energético funcionam? Ciclo jejum-alimentação Bons estudos! Bioquímica Básica 245 Integração metabólica e o fígado O fígado é o órgão que praticamente inicia toda a integração do metabolismo energético do organismo. A maioria dos monossacarídeos e aminoácidos da dieta, obtidos da digestão na boca, estômago e intestino delgado de moléculas maiores (oligossacarídeos, polissacarídeos e proteínas) chegam primariamente, via veia porta, ao fígado. Poucos monossacarídeos e aminoácidos vão diretamente da veia porta para a circulação sanguínea geral e então diretamente para tecidos como o muscular e renal, No caso dos ácidos graxos, estes, em lipoproteínas, chegam a sua maioria, diretamente do sistema linfático aos tecidos muscular e adiposo. A glicose, assim como outros monossacarídeos (frutose, galactose e manose) é transportada para dentro das células hepáticas pela proteína transportadora de membrana GLUT2, de modo independente de insulina. Estes monossacarídeos que chegam do intestino ao fígado são fosforilados respectivamente à glicose 6-fosfato, frutose 1-fosfato, galactose 1-fosfato e manose 6-fosfato. Frutose 1-fosfato e manose 6-fosfato são usados na via glicolítica. Galactose 1-fosfato é convertida, por algumas etapas enzimáticas em glicose 6-fosfato. Glicose 6-fosfato oriunda da glicose ou da galactose 1-fosfato pode ser usada em quatro diferentes rotas metabólicas: a glicose 6-fosfato pode simplesmente ser desfosforilada pela glicose 6-fosfatase e ir novamente ao sangue para nutrir outros órgãos; a glicose 6-fosfato pode, como a frutose 1-fosfato e manose 6-fosfato, ir para a via glicolítica e o acetilCoA formado após a descarboxilação do piruvato ir para ciclo de Krebs a fim de se obter energia, ou para a síntese de ácidos graxos e colesterol; a glicose 6- fosfato pode ser usada também na síntese de glicogênio e finalmente a glicose 6- fosfato pode ser usada na via das pentoses-fosfato (figura 1). Bioquímica Básica 246 Figura 1: Destinos da glicose 6-fosfato no fígado. (1) a glicose 6-fosfato pode ser desfosforilada pela glicose 6-fosfatase e ir para o sangue para nutrir outros órgãos. (2) a glicose 6-fosfato pode ser usada na síntese de glicogênio. (3) a glicose 6-fosfato pode, como a frutose 1-fosfato e manose 6-fosfato, ir para a via glicolítica Bioquímica Básica 247 e o acetilCoA formado ir para ciclo de Krebs a fim de se obter energia, ou (4) para a síntese de ácidos graxos e colesterol. (5) a glicose 6-fosfato pode ser usada na via das pentoses-fosfato. Fonte:LEHNINGER, A.L. Princípios de Bioquímica. New York: Worth publishers, 2006. Ácidos graxos que chegam do intestino em lipoproteínas, entram nas células hepáticas por difusão e podem ser utilizados na β-oxidação. Os acetilCoA produzidos podem ser usados para gerar ciclo de Krebs para obtenção de energia, para a formação de colesterol ou para a formação de corpos cetônicos. A produção de corpos cetônicos é comum em situações de baixa concentração de açúcares no organismo, uma vez que serve de combustível para músculos e principalmente cérebro, este último, que na ausência de monossacarídeos, não usa ácidos graxo como combustível energético imediato, como fazem os músculos. Os ácidos graxos podem também ser usados na síntese de triglicerídeos e fosfolipídios. Uma fração dos triglicerídeos, fosfolipídios e colesterol é usada na formação de lipoproteínas que vão para o sangue com destino aos diferentes órgãos. Outra parte é usada pelo próprio órgão, tanto para energia quanto para formação de suas membranas. Uma parte dos ácidos graxos pode ir diretamente para o sangue e serem transportados ligados à albumina plasmática (figura 2). Bioquímica Básica 248 Figura 2: Destinos dos ácidos graxos do fígado. (1) ácidos graxos podem ser usados na síntese de triglicerídeos e fosfolipídios. (2) ácidos graxos podem ser utilizados na β-oxidação. (3) ácidos graxos podem ser usados para a formação de corpos cetônicos ou (4) para a formação de colesterol. (5) ácidos graxos podem ser Bioquímica Básica 249 usados, juntamente com fosfolipídios e colesterol na formação de lipoproteínas. (6) ácidos graxos podem ir diretamente para o sangue e serem transportados ligados à albumina plasmática. Fonte: LEHNINGER, A.L. Princípios de Bioquímica. New York: Worth publishers, 2006. Aminoácidos que chegam do intestino entram nas células hepáticas através de transportadores de membrana específicos para cada aminoácido e são usados primariamente na síntese de proteínas. Uma parte dos aminoácidos volta para o sangue para nutrir outros órgãos. Os aminoácidos podem também ser usados na síntese de outros compostos nitrogenados como nucleotídeos. Além disso, os aminoácidos podem também ser desaminados para que seus α-cetoácidos correspondentes possam ser usados no ciclo de Krebs para a produção de energia, na gliconeogênese, na síntese de ácidos graxos (para a produção de triglicerídeos e fosfolipídios), na síntese de colesterol ou na síntese de corpos cetônicos. Além da produção dos corpos cetônicos, a gliconeogênese também é comum em situações de baixa concentração de açúcares no organismo. Juntamente com os α- cetoácidos, a amônia produzida no metabolismo de aminoácidos é convertida em ureia e liberada para o rim para excreção. Os aminoácidos alanina e glutamina que chegam dos tecidos periféricos ao fígado podem ser também desaminados e seus α-cetoácidos correspondentes usados na gliconeogênese, na síntese de corpos cetônicos e em menor grau, na produção de energia (figura 3). Bioquímica Básica 250 Figura 3: Destinos dos aminoácidos do fígado. (1) aminoácidos são usados primariamente na síntese de proteínas. (2) uma parte dos aminoácidos volta para o sangue para nutrir outros órgãos. (3) aminoácidos podem ser usados na síntese de diferentes compostos nitrogenados. (4) aminoácidos podem ser desaminados para que seus α-cetoácidos correspondentes possam ser usados (4a) na gliconeogênese, (4b) no ciclo de Krebs para a produção de energia, (4c) na síntese de ácidos graxos, Bioquímica Básica 251 triglicerídeos, fosfolipídios e colesterol e (4d) a amônia produzida no metabolismo de aminoácidos é convertida em ureia. (5) aminoácidos podem ser usados na gliconeogênese. Integração metabólica e o tecido muscular O tecido muscular usa monossacarídeos, ácidos graxos e corpos cetônicos como combustíveis energéticos. Boa parte da glicose e ácidos graxos chega aos músculos diretamente da dieta. Uma parte da glicose que chega ao músculo é proveniente da gliconeogênese hepática assim como os corpos cetônicos que também são oriundos do fígado. No entanto, como explicado anteriormente, gliconeogênese e corpos cetônicos ocorrem em condições de baixa concentração de açúcares no organismo. Uma parte dos ácidos graxos chega ao músculo via lipoproteínas produzidas no fígado. A glicose é transportada para o interior das células musculares pelo transportador de membrana GLUT4, de modo dependente de insulina.Sem insulina circulante no sangue, GLUT4 está em vesículas no citoplasma e, portanto não está na membrana para promover a captação de glicose. Outros transportadores de membrana para monossacarídeos existem na membrana das células musculares para o transporte de frutose, galactose e manose. Uma quantidade significativa da glicose muscular é usada na síntese de glicogênio que será uma reserva conveniente de glicose a ser usada em diversas condições como atividade física ou jejum. Pouco triglicerídeo é também produzido a partir dos ácidos graxos e usado como reserva de energia. Em condições basais, quando o músculo esquelético está em repouso, o mesmo obtém energia geralmente da oxidação dos ácidos graxos e em menor grau da oxidação de monossacarídeos aerobicamente. No entanto, o músculo esquelético em atividade intensa obtém energia principalmente da oxidação de monossacarídeos tanto aerobicamente, pelo ciclo de Krebs e cadeia respiratória quanto anaerobicamente gerando como produto final o lactato, uma vez que o sangue não consegue fornecer oxigênio suficiente para o ATP que precisa ser Bioquímica Básica 252 produzido na atividade intensa. O lactato vai para o fígado para ser usado na gliconeogênese. Além disso, o músculo esquelético contém uma quantidade relativamente grande de creatina na forma de creatina-fosfato que rapidamente sintetiza ATP no músculo em esforço prolongado. Os músculos liso e cardíaco apresentam uma pequena diferença em relação ao esquelético por praticamente não metabolizar monossacarídeos anaerobicamente e por conter menos creatina-fosfato. Aminoácidos que chegam do fígado aos músculos são usados primariamente na síntese de proteínas, porém uma quantidade significativa destes aminoácidos (principalmente leucina, isoleucina e valina, que fazem parte dos BCAA) podem ser desaminados e os α-cetoácidos correspondentes usados no ciclo de Krebs para a produção de energia. Em condições de baixa concentração de açúcar ou no esforço muscular prolongado, além do uso dos ácidos graxos e dos corpos cetônicos como combustível energético, pode haver degradação de proteínas no músculo, levando ao aumento do uso de aminoácidos para gerar energia. Integração metabólica e o tecido adiposo O tecido adiposo metaboliza primariamente monossacarídeos para obtenção de energia, principalmente a glicose, seu principal combustível energético. A glicose é transportada para as células do tecido adiposo também pelo transportador de membrana GLUT4 dependente de insulina. Os aminoácidos que chegam ao tecido adiposo são usados basicamente na síntese de proteínas. Uma parcela muito pequena dos aminoácidos é desaminada e seus α-cetoácidos correspondentes são usados somente no ciclo de Krebs para a produção de energia e na síntese de ácidos graxos (o tecido adiposo não tem as enzimas capazes de sintetizar corpos cetônicos e colesterol e para a gliconeogênese). Pouca síntese de glicogênio ocorre neste órgão, porém ocorre muita síntese de triglicerídeos. Estes triglicerídeos são produzidos tanto a partir de ácidos graxos sintetizados no próprio órgão pelo acetilCoA oriundo da desaminação de alguns aminoácidos quanto do excesso de glicose que entra nos adipócitos e dos ácidos graxos obtidos das lipoproteínas ou ligados à albumina Bioquímica Básica 253 plasmática. Quando o organismo está com o nível de açúcar baixo, estes triglicerídeos são hidrolisados e muitos ácidos graxos liberados para o sangue vão principalmente para músculos do corpo. Alguns destes ácidos graxos são usados pelo próprio tecido adiposo para satisfazer suas necessidades energéticas na ausência de glicose. O glicerol resultante da quebra dos triglicerídeos vai para o fígado para ser usado na gliconeogênese a fim de restabelecer a glicemia sanguínea e nutrir órgãos como os músculos e o cérebro. Integração metabólica e o cérebro O cérebro usa somente monossacarídeos, principalmente glicose, seja diretamente do sangue ou do fígado (após desfosforilação da glicose 6-fosfato e liberação da glicose no sangue ou pela gliconeogênese). No cérebro, praticamente não ocorre o metabolismo da glicose de maneira anaeróbica devido ao alto conteúdo de oxigênio que chega ao órgão. Apesar de o cérebro sintetizar glicogênio, esta síntese é bem menor que a que ocorre nos músculos e, portanto a manutenção da glicemia sanguínea é importante para manter as funções cerebrais. A glicose é transportada para as células cerebrais pelo transportador de membrana GLUT3, de modo independente de insulina. O cérebro consome cerca de 120 gramas de glicose por dia, que corresponde à cerca de 60% de toda a glicose consumida pelo corpo. Isto é necessário para se ter uma alta concentração de ATP a fim de manter ativa a proteína bomba de sódio e potássio nos neurônios responsável pelo impulso nervoso. GLUT1 é um transportador de glicose encontrado na barreira hemato-encefálica. A barreira hemato-encefálica é uma estrutura composta de células endoteliais, que são agrupadas muito unidas nos capilares cerebrais, atuando principalmente na proteção do sistema nervoso central de substâncias químicas presentes no sangue e permitindo ao mesmo tempo a função metabólica normal do cérebro. Em condições de baixa concentração de glicose, o cérebro acaba usando muito pouco os ácidos graxos para gerar energia pelo fato do transporte dos ácidos graxos do sangue para o cérebro ser limitado pela barreira hemato- encefálica e assim o que chega ao cérebro acaba sendo usado na síntese de Bioquímica Básica 254 triglicerídeos e fosfolipídios. Deste modo, o cérebro usa corpos cetônicos produzidos no fígado como sua segunda fonte de energia. Como último recurso para manter as funções cerebrais, as proteínas musculares fornecem os aminoácidos para o fígado para a gliconeogênese e assim mais glicose é enviada para o cérebro. Integração metabólica e o eritrócito Os eritrócitos (hemácias ou glóbulos vermelhos do sangue) são células, que por não possuírem mitocôndrias, não podem realizar ciclo de Krebs nem cadeia respiratória, somente a glicólise, tendo o saldo energético confinado a dois ATP por glicose. Assim precisam consumir ativamente glicose, metabolizando anaerobicamente à lactato. Em condições de alta concentração de glicose no organismo, as moléculas de lactato vão para o fígado e são usados na formação de ácidos graxos. Em baixa concentração de glicose as moléculas de lactato vão para o fígado para serem usadas na gliconeogênese. Hormônios peptídeos, proteínas, derivados de aminoácidos e o metabolismo energético Estas moléculas são desde substâncias derivadas de um único aminoácido até moléculas contendo alguns aminoácidos de extensão. O sangue precisa conter glicose em concentração próxima de 5 mM. Para isto organismo conta com a ação integrada de vários hormônios, incluindo insulina, glucagon e adrenalina. A adrenalina (epinefrina), hormônio produzido no cérebro e outros tecidos neurais e na glândula suprarrenal (região localizada acima dos rins), é uma molécula derivada do aminoácido tirosina (figura 4). Quando lançada na corrente sanguínea, devido a quaisquer condições ambientais que ameacem a integridade do organismo, seja física ou psicológica, a adrenalina aumenta a frequência dos batimentos cardíacos e o volume de sangue por batimento, aumentando a pressão Bioquímica Básica 255 arterial e consequentemente o fluxo de oxigênio e de outras moléculas (principalmente combustíveis energéticos) para os tecidos. A adrenalina atua no fígado, tecido adiposo, músculo e pâncreas. É liberadana corrente sanguínea em condições de baixa concentração de glicose. Estimula nos tecidos a degradação do glicogênio pela ativação da enzima glicogênio fosforilase e inibe a síntese do glicogênio pela inibição da enzima glicogênio sintase, assim aumentando a glicemia sanguínea. Estimula a glicólise no músculo pela ativação de uma das enzimas da via glicolítica, a fosfofrutoquinase-1, a gliconeogênese no fígado, pela ativação da enzima fosfoenolpiruvato carboxiquinase e a degradação de triglicerídeos no tecido adiposo, pela ativação de enzimas lípases. Além disso, a adrenalina estimula a secreção de glucagon (hormônio com funções similares as da adrenalina) e inibe a secreção de insulina (hormônio com funções contrárias as da adrenalina e do glucagon). Figura 4: Estrutura química da adrenalina. Fonte: LEHNINGER, A.L. Princípios de Bioquímica. New York: Worth publishers, 2006. O glucagon, hormônio produzido pelas células alfa do pâncreas, é um peptídeo de 29 aminoácidos que atua no fígado e tecido adiposo, mas não no músculo (figura 5). Assim como a adrenalina, o glucagon surge no sangue quando a concentração de glicose é baixa (abaixo de 5 mM). Estimula a degradação do glicogênio hepático e inibe a sua síntese da mesma maneira que a adrenalina. Inibe a glicólise através da inibição das enzimas fosfofrutoquinase-1 e piruvato quinase e ativa a enzima frutose 1,6-bifosfatase, assim forçando fosfoenolpiruvato a ser usada na gliconeogênese e promovendo a exportação da glicose para o sangue com consequente aumento da glicemia sanguínea. Ativa também a enzima lípase nos adipócitos para a hidrólise dos triglicerídeos e em seguida a liberação de ácidos graxos para serem usados pelo músculo como combustível energético e glicerol para ser usado no fígado na gliconeogênese. Ativa a gliconeogênse da mesma maneira que a adrenalina. Bioquímica Básica 256 Figura 5: Estrutura química do glucagon. Fonte: www.obesidadenabioquimica.blogspot.com, acesso em 28/11/2014. A insulina, hormônio produzido pelas células beta do pâncreas, é uma proteína de 51 aminoácidos (são duas cadeias peptídicas, uma de 21 e outra de 30 aminoácidos unidos por pontes dissulfeto) que atua no fígado, tecido adiposo e músculo (figura 6). A insulina surge no sangue, logo após uma refeição rica em carboidratos, que geralmente eleva o nível de açúcar no sangue para praticamente o dobro do normal. O hormônio então estimula a produção do transportador de glicose GLUT4 nos músculos, assim aumentando a captação da glicose em excesso para o interior destas células. Ativa as enzimas fosfofrutoquinase-1 e o complexo da piruvato desidrogenase assim ativando também a glicólise. Estimula a síntese de glicogênio através da ativação da enzima glicogênio sintase e inibe a degradação do glicogênio, através da inibição da enzima glicogênio fosforilase, além de estimular a captação e síntese de ácidos graxos e de triglicerídeos, pela ativação das enzimas acetilCoA carboxilase e lipoproteína lípase. Por último, inibe a gliconeogênese, pela inibição da enzima fosfoenolpiruvato carboxiquinase e estimula síntese de proteínas, por ativar alguns fatores de iniciação da tradução. Bioquímica Básica 257 Figura 6: Estrutura química da insulina. A figura mostra os 51 aminoácidos da proteína evidenciando as três pontes dissulfeto entre os aminoácidos cisteína, importantes para a estrutura tridimensional da molécula. Fonte: www.canstockphoto.com.br, acesso em 28/11/2014. Hormônios de natureza lipídica e o metabolismo energético O cortisol é um dos vários hormônios esteroides derivado do colesterol (figura 7). Assim como a adrenalina, é também produzido pela glândula suprarrenal em condições de estresse e hipoglicemia, atuando no fígado, tecido adiposo e músculo. Estimula a degradação de proteínas musculares para fornecer aminoácidos para o fígado para a gliconeogênese. Ativa a gliconeogênese da mesma forma que o glucagon e a adrenalina. Apesar de atuar aumentando a glicemia sanguínea, não estimula a degradação do glicogênio hepático. Ativa também a lípase nos adipócitos para a hidrólise dos triglicerídeos e posterior liberação de ácidos graxos para serem usados pelo músculo como combustível energético e glicerol para ser usado no fígado na gliconeogênese. Bioquímica Básica 258 Figura 7: Estrutura química do cortisol. Fonte: www.dieteexercise2012.blogspot.com, acesso em 28/11/2014. Como os hormônios do metabolismo energético funcionam? Os hormônios são produzidos e secretados para a corrente sanguínea por órgãos do sistema endócrino (glândulas endócrinas). As principais glândulas endócrinas do corpo são o hipotálamo, a hipófise, a tireóide, as suprarrenais, o pâncreas, os rins, os ovários e os testículos. Várias são as maneiras de um hormônio envolvido com o metabolismo energético iniciar a sua ação. Geralmente envolve mecanismos de transdução de sinais que requer receptores (100 a 10.000 por célula) tanto na membrana celular, quanto no citoplasma e no núcleo das células para dar início a uma cadeia de eventos intracelulares. O resultado é a modificação da atividade ou da concentração de enzimas envolvidas com a síntese e degradação de compostos importantes para o metabolismo energético. A adrenalina e o glucagon são dois hormônios com mecanismos de ação similar. Ambos iniciam suas funções se ligando a uma molécula receptora (proteína) na membrana plasmática de um tecido alvo. Isto altera a conformação do receptor, que passa a interagir intracelularmente com uma segunda proteína de membrana chamada proteína G (proteína que liga moléculas de guanosina, como GDP e GTP), contendo três subunidades (α, β e γ). Os receptores com o hormônio Bioquímica Básica 259 induzem a conversão do GDP ligado à proteína G em GTP. Com GTP ligado, a subunidade α se dissocia das demais subunidades e se liga a outra proteína de membrana, a enzima adenilil ciclase, ativando-a. Esta proteína converte muitas moléculas de ATP em AMP cíclico (cAMP) (figura 8). Esta, ativa a proteína quinase A (PKA) que fosforila moléculas alvo citoplasmáticas ativando-as, como, por exemplo, enzimas lípases, que ao serem fosforiladas começam a hidrolisar triglicerídeos e a enzima glicogênio fosforilase, que ao ser fosforilada é ativada e inicia a quebra do glicogênio. AMP cíclico é assim chamado porque logo após a sua função é rapidamente degradada à AMP por uma enzima fosfodiesterase, revertendo a ação da proteína quinase A. Em seguida o GTP da proteína G é hidrolisado por uma enzima GTPase presente na subunidade α, fazendo com que esta subunidade se una novamente as outras duas subunidades, inativando a adenilil ciclase e cessando, momentaneamente, a informação hormonal (figura 8) A) Bioquímica Básica 260 B) Figura 8: Atuação de hormônios ligantes de receptores acoplados à proteína G. Na figura está sendo mostrada a ação da adrenalina. Em A, a transdução do sinal via adrenalina. Em B, as reações catalisadas pelas enzimas adenilil ciclase e fosfodiesterase. Fonte: LEHNINGER, A.L. Princípios de Bioquímica. New York: Worth publishers, 2006. Bioquímica Básica 261 A insulina inicia sua ação se ligando a um receptor de membrana celular com atividade enzimática de tirosina quinase. O receptor tem duas subunidades α voltadas para o espaço extracelular para ligação à insulina e duas subunidades β voltadas para o citoplasma. Assim que a insulina se liga ao receptor, as cadeias β fosforilam uma a outra através da transferênciade um fosfato de moléculas de ATP para aminoácidos tirosina de cada cadeia β. Esta autofosforilação permite que a enzima fosforile outras proteínas também em aminoácidos tirosina. Uma destas proteínas, a IRS-1 (substrato do receptor da insulina 1), ao ser fosforilada se liga à proteína PI-3K. Quando ativada, a PI-3K, ao converter um fosfolipídio de membrana chamado fosfatidilinositol 4,5-bifosfato (PIP2) em fosfatidilinositol 3,4,5-trifosfato (PIP3), ativa uma proteína quinase B (PKB) que inicia a fosforilação de proteínas-alvo em aminoácidos serina e treonina, como a GSK3 (glicogênio sintase quinase 3). Esta enzima, na forma não fosforilada, inativa, por fosforilação, a enzima glicogênio sintase, impedindo a síntese de glicogênio. A GSK3 fosforilada não inativa a glicogênio sintase, permitindo a síntese de glicogênio. A PKB também está envolvida com a inserção dos transportadores de glicose (GLUT4) na membrana celular para a captação de glicose do sangue (figura 9). Bioquímica Básica 262 Figura 9: Ativação da glicogênio sintase pela insulina. Fonte: LEHNINGER, A.L. Princípios de Bioquímica. New York: Worth publishers, 2006. A IRS-1 também pode se ligar à outra proteína diferente de PI-3K, conhecida como Grb2. Quando ativada, a Grb2 se liga à proteína SOS que atua em uma proteína G chamada Ras, trocando o GDP por GTP na Ras. Isto permite que a proteína G se ligue à proteína Raf-1 e a ative, criando uma cascata de fosforilação de proteínas quinases em aminoácidos serina, treonina e tirosina até que a última proteína quinase fosforilada, a MAPK entre no núcleo e fosforile proteínas para a ativação de genes específicos como os envolvidos na divisão celular (figura 10). Bioquímica Básica 263 Figura 10: Regulação da expressão gênica pela insulina. Fonte: LEHNINGER, A.L. Princípios de Bioquímica. New York: Worth publishers, 2006. Bioquímica Básica 264 Os hormônios esteróides, diferentes dos descritos anteriormente, que por serem polares não atravessam a membrana celular, são hormônios de natureza lipídica e, portanto, hidrofóbicos. Assim entram nas células por simples difusão, vão para o interior do núcleo e ligam-se a proteínas receptoras específicas. Este complexo esteroide-receptor se liga a regiões específicas do DNA, ativando alguns genes (figura 11). Os hormônios esteroides apresentam resposta mais lenta que os atuantes em receptores de membrana celular. Figura 11: Regulação da expressão gênica pelo cortisol. Fonte: LEHNINGER, A.L. Princípios de Bioquímica. New York: Worth publishers, 2006. Bioquímica Básica 265 Ciclo jejum-alimentação O ciclo jejum-alimentação é uma maneira resumida, integrada e conveniente de entender as mudanças metabólicas envolvendo os diferentes tipos celulares e os hormônios. No estado alimentado, insulina é bastante produzida enquanto os outros hormônios do metabolismo energético são suprimidos. Monossacarídeos como a glicose e aminoácidos saem do intestino delgado e vão via veia porta para o fígado. Os ácidos graxos vão, em quilomícrons, do intestino para o sistema linfático e então para diferentes tecidos para depois chegar ao fígado como quilomícrons remanescentes. O fígado usa a maioria da glicose para a síntese de glicogênio e o restante da glicose e outros monossacarídeos para glicólise. Os ácidos graxos são armazenados no fígado na forma de triglicerídeos. Excesso de glicose também é usado na síntese de ácidos graxos e consequentemente de triglicerídeos. Aminoácidos são praticamente usados na síntese de proteínas e produção de energia e outros compostos nitrogenados. Praticamente não ocorre gliconeogênese e produção de corpos cetônicos no fígado. O cérebro usa glicose na via glicolítica e alguma glicose restante é usada na síntese de glicogênio. O músculo usa a maioria dos ácidos graxos para obtenção de energia e um pouco para a síntese de triglicerídeos, além da maioria da glicose na síntese de glicogênio e o restante da glicose além de outros monossacarídeos na via glicolítica. O tecido adiposo usa glicose como fonte preferencial de energia e sintetiza muito triglicerídeos para atuar como reserva energética do organismo. Lactato proveniente das hemácias e do músculo (em menor quantidade) é enviado ao fígado para serem usados na síntese de ácidos graxos e então de triglicerídeos (figura 12). Bioquímica Básica 266 Figura 12: Uso dos combustíveis energéticos por vários tipos celulares no estado alimentado. As bolinhas cinza grandes são quilomícrons e as bolinhas pequenas pretas são quilomícrons remanescentes. Fonte: DEVLIN, T. Manual de Bioquímica com Correlações Clínicas. São Paulo: Edgard Blucher, 2007. Bioquímica Básica 267 No jejum inicial (12 a 24 horas) a síntese de insulina é inibida, dando lugar à síntese de glucagon, adrenalina e cortisol (na verdade, o glucagon já é produzido nas primeiras horas após a refeição para contribuir na manutenção da glicemia sanguínea através do estímulo da degradação do glicogênio hepático). Nesta etapa do jejum, a degradação do glicogênio hepático é o principal mantenedor da glicemia sanguínea. Alanina e glutamina do músculo e lactato do músculo e das hemácias são enviados para o fígado para a gliconeogênese. A gliconeogênese ajuda na glicemia e nas funções cerebrais (figura 13). Figura 13: Inter-relações metabólicas dos vários tipos celulares no jejum inicial. Fonte: DEVLIN, T. Manual de Bioquímica com Correlações Clínicas. São Paulo: Edgard Blucher, 2007. Bioquímica Básica 268 No jejum avançado (após 24 horas), quando os níveis de glicogênio hepático estão muito baixos e o glicogênio muscular e cerebral estão praticamente esgotados, a gliconeogênese está bastante ativa no fígado (além da alanina, glutamina e lactato, o oxaloacetato hepático também é usado na gliconeogênese). Tecido adiposo hidrolisa triglicerídeos para enviar ativamente ácidos graxos para o sangue para nutrir músculos e para nutrição do próprio órgão e isto prossegue por muitos dias, dependendo da reserva de triglicerídeos de cada pessoa. Fígado capta boa parte destes ácidos graxos e hidrolisa também seus triglicerídeos liberando mais ácidos graxos. O excesso de acetilCoA produzido na oxidação destes ácidos graxos leva a produção de corpos cetônicos para nutrir músculos e principalmente cérebro. O cérebro passa a depender exclusivamente da gliconeogênese e dos corpos cetônicos como combustível energético. O glicerol gerado da hidrólise dos triglicerídeos tanto no adiposo quanto no fígado também é usado na gliconeogênese. Se o jejum se mantiver por vários dias, proteínas musculares começam a ser degradadas e os aminoácidos são usados para a obtenção de energia, assim como proteínas hepáticas são degradadas e os aminoácidos são usados na gliconeogênese. Em paralelo, mais aminoácidos alanina e glutamina são enviados do músculo para o fígado para a gliconeogênese. O aumento da produção de corpos cetônicos leva o organismo a poupar as proteínas musculares, porém causam acidose sanguínea e em alguns casos, a morte. A gliconeogênese a partir do glicerol, lactato, oxaloacetato e aminoácidos podem suprimir a produção de corpos cetônicos (figura 14). Realimentação através de uma dieta balanceada contendo açúcares, triglicerídeos e proteínas leva à diminuição progressiva da gliconeogênese e da produção de corpos cetônicos no fígado, da degradação de triglicerídeos do tecido adiposo e da degradação de proteínas musculares. A glicemia é restabelecida, os níveis de glicogênio e triglicerídeosvão aumentando e assim se obtém novamente o balanço normal entre a síntese de insulina e de glucagon. Bioquímica Básica 269 Figura 14: Inter-relações metabólicas dos vários tipos celulares no jejum avançado. Fonte: DEVLIN, T. Manual de Bioquímica com Correlações Clínicas. São Paulo: Edgard Blucher, 2007. Bioquímica Básica 270 LEITURA COMPLEMENTAR DEVLIN, T. Manual de Bioquímica com Correlações Clínicas. São Paulo: Edgard Blucher, 2007. HARPER, H. A. Bioquímica. Rio de Janeiro: Atheneu, 2002. LEHNINGER, A.L. Princípios de Bioquímica. New York: Worth publishers, 2006. STRYER, L. Bioquímica. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2004. VOET, D., VOET, J.G., PRATT, C.W. Fundamentos de Bioquímica. Rio de Janeiro: Artmed, 2002. É HORA DE SE AVALIAR! Lembre-se de realizar as atividades desta unidade de estudo. Elas irão ajudá-lo a fixar o conteúdo, além de proporcionar sua autonomia no processo de ensino-aprendizagem. Bioquímica Básica 271 Exercícios – Unidade 6 1. De acordo com as regras do metabolismo, existem moléculas que o corpo prefere metabolizar. Estas moléculas preferenciais são: a) carboidratos b) lipídios c) proteínas d) vitaminas e) sais minerais 2. Alguns hormônios têm participação direta no metabolismo de moléculas alimentares. Dentre os diversos tipos de hormônios, existe um em especial que participa estimulando o armazenamento de glicogênio e de triglicerídeos nas células. Este hormônio é o/a: a) glucagon b) Norepinefrina c) cortisol d) insulina e) epinefrina 3. Ligação da insulina ao seu receptor: a) ocorre nas subunidades β b) induz autofosforilação do receptor c) reduz ligação de substratos protéicos no citoplasma d) leva à fosforilação de lipídios, mas não de proteínas e) ocorre nos principais tecidos, exceto músculos Bioquímica Básica 272 4. Tecido adiposo responde ao glucagom: a) sintetizando triglicerídeos b) realizando gliconeogênese c) degradando triglicerídeos d) produzindo corpos cetônicos e) ativando a lipoproteína lípase 5. Um paciente foi diagnosticado como portador de uma deficiência genética no receptor para glucagon nos hepatócitos. As consequências desta deficiência sobre os níveis sanguíneos de glicose e sobre a reserva de glicogênio hepático seriam: a) baixa glicemia sanguínea e diminuição dos níveis de glicogênio hepático b) baixa glicemia sanguínea e aumento dos níveis de glicogênio hepático c) alta glicemia sanguínea e diminuição dos níveis de glicogênio hepático d) alta glicemia sanguínea e aumento dos níveis de glicogênio hepático e) indiferente, pois as células hepáticas não possuem receptores para glucagon Bioquímica Básica 273 6. Um indivíduo em regime de emagrecimento manteve uma dieta muito pobre em açúcares e rica em proteínas. Após um mês, foi observado um aumento dos níveis de ureia (no sangue e na urina) e sintomas de acidose metabólica. Um pedido de dosagem hormonal sanguínea apontaria o aumento da concentração de qual (is) hormônio(s)? a) insulina b) insulina e adrenalina c) glucagon e insulina d) insulina e cortisol e) glucagon e adrenalina 7. Em algumas partes do mundo, a carne é consumida em grandes quantidades, frequentemente mais do que outros alimentos. A obesidade pode ocorrer nesses comedores compulsivos de carne se a sua ingestão exceder as suas necessidades calóricas. Uma explicação sobre a relação direta entre a ingestão excessiva de carne (rica em proteínas) e aumento da obesidade seria: a) proteína em excesso na dieta pode, através do catabolismo dos aminoácidos, levar a produção de muito acetilCoA, promovendo síntese de ácidos graxos e consequentemente triglicerídeos no tecido adiposo, causando obesidade. b) proteína em excesso na dieta pode ser acumulada no tecido adiposo, causando obesidade. c) proteína em excesso na dieta pode induzir a multiplicação de células do tecido adiposo, causando obesidade. d) proteína em excesso na dieta pode contribuir para a formação de corpos cetônicos e estes podem se acumular no tecido adiposo causando obesidade. e) proteína em excesso na dieta pode aumentar a gliconeogênese, fenômeno associado diretamente com a obesidade. Bioquímica Básica 274 8. Três grupos de células hepáticas (A, B e C) foram colocados separadamente em meio de cultura contendo glicose. Na cultura A adicionou-se glucagon, na B foi adicionada adrenalina e na C insulina. Após um determinado tempo, foram retiradas amostras contendo células de cada grupo. Dosou-se glicose do meio de cultivo e glicogênio intracelular. Espera-se observar: a) células A e B apresentaram muito glicogênio intracelular e o meio de cultivo continha pouca glicose. b) célula A apresentou pouco glicogênio intracelular, mas o meio de cultivo também continha pouca glicose. c) células B e C apresentaram muito glicogênio intracelular e o meio de cultivo continha muita glicose. d) célula C apresentou muito glicogênio intracelular e o meio de cultivo continha assim pouca glicose. e) as células A, B e C apresentaram pouco glicogênio intracelular e o meio de cultivo continha pouca glicose. . 9. Células hepáticas e musculares foram cultivadas em frascos separados na presença de insulina e glicose. Após 24 horas o meio de cultivo de cada uma foi trocado sendo que o novo meio não continha glicose e ao invés de insulina foi adicionada glucagon. a) O que acontecerá ao nível do metabolismo de glicogênio nas duas situações na presença de insulina? __________________________________________________________________ __________________________________________________________________ Bioquímica Básica 275 b) Na segunda etapa do experimento (sem glicose + glucagon) um dos dois tipos celulares liberava glicose do interior da célula para o meio de cultivo. Qual das duas células era capaz de fazer isso? Porquê? __________________________________________________________________ __________________________________________________________________ __________________________________________________________________ __________________________________________________________________ 10. Pessoas com diabetes costumam adotar uma dieta pobre em carboidratos, principalmente glicose. Assim, os tecidos dos pacientes, por não utilizarem a glicose como combustível, oxidam grandes quantidades de ácidos graxos, tanto nos músculos quanto no fígado e tecido adiposo. O cérebro, dependente de glicose, é talvez o tecido mais prejudicado. Além disso, o fígado gasta quantidades consideráveis de intermediários metabólicos e energia no processo de gliconeogênese. Nestas condições, o acetil-CoA produzido a partir da -oxidação dos ácidos graxos tende a acumular-se na mitocôndria das células hepáticas. Embora o acetil-CoA não seja tóxico, as mitocôndrias hepáticas encontram mecanismos para evitar o acúmulo deste metabólito, inclusive favorecendo o cérebro. Responda: a) Qual a solução encontrada pelas células hepáticas para evitar esse acúmulo? __________________________________________________________________ __________________________________________________________________ b) Além do cérebro, qual outro tecido é favorecido neste processo? __________________________________________________________________ __________________________________________________________________ __________________________________________________________________ Bioquímica Básica276 Bioquímica Básica 277 Considerações Finais Chegamos ao final dos estudos da disciplina Bioquímica básica. Ao iniciar os estudos, lá na unidade I, talvez você, estudante, tivesse achado que seria muito difícil a compreensão da mesma, uma vez que nem sempre o estudante possui os conceitos celulares e moleculares básicos para encarar os conceitos bioquímicos. O próprio nome – Bioquímica – por si só já assusta, mas ao longo das unidades a disciplina foi gradativamente fornecendo os conhecimentos básicos, técnicos e modernos e assim você foi aos poucos assimilando a Bioquímica. Hoje, ao final da disciplina, não há dúvidas da evolução do conhecimento no(a) estudante. Lembrando que este material não contém toda a Bioquímica, mas somente o necessário para que o estudante possa prosseguir na sua trajetória acadêmica. Portanto a leitura de livros, revistas e artigos é imprescindível para quem quer estar sempre atualizado no tema. Boa sorte e sucesso! Bioquímica Básica 278 Bioquímica Básica 279 Conhecendo o autor Michel do Nascimento Miranda é graduado em Ciências Biológicas pela UERJ (1994-1997), Mestre em Biologia, área de concentração em Biociências Nucleares pela UERJ (1998-2000), Doutor em Ciências, área de concentração em Biociências Nucleares pela UERJ (2001-2005) e tem dois Pós-doutorados, sendo um no instituto de Bioquímica Médica da UFRJ (2006-2011) e outro como pesquisador na empresa Hygeia Biotecnologia Aplicada, vinculada à UFRJ (2011). É professor da UNIVERSO, campus São Gonçalo desde 2001, lecionando as disciplinas Biologia Celular, Bioquímica, Genética, Biofísica e Microbiologia para diferentes cursos da área da saúde. Possui também na UNIVERSO dois projetos de extensão, um intitulado Genética e Saúde e outro intitulado reciclagem de óleo para a produção de sabões, detergentes e biodiesel. Também é, desde 2011, oficial (2º tenente) da Aeronáutica atuando como professor de Ciências e Biologia no Colégio Brigadeiro Newton Braga. Já foi professor substituto da UERJ (2004-2005), professor da Universidade Santa Úrsula (2005) e professor do colégio/curso Equipe 1 – sistema Miguel Couto de Ensino (2007-2009). Possui três artigos em revistas científicas internacionais e um quarto artigo em fase final de preparação, já participou de duas bancas examinadoras de graduação, tem outras duas aprovações em concursos públicos, uma na UFF (2009) e outra na UFRJ (2010), além de ter ministrado diversos cursos de extensão e palestras ao longo de sua trajetória acadêmica. O link para o curriculum Lattes do autor está disponível em: <http://lattes.cnpq.br/3473392810555188>. Bioquímica Básica 280 Bioquímica Básica 281 Referências DEVLIN, T. Manual de Bioquímica com Correlações Clínicas. 6. ed., São Paulo: Edgard Blücher, 2007. HARPER, H. A. Bioquímica. 8. ed., Rio de Janeiro: Atheneu, 2002. LEHNINGER, A. L. Princípios de Bioquímica. 3. Ed., Editora Worth publishers, 2006. STRYER, L. Bioquímica. 3. ed., Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2004. MOTTA, V. T. Bioquímica. 2. ed., Rio de Janeiro: Medbook, 2011. VOET, D., VOET, J. G., PRATT, C. W. Fundamentos de Bioquímica. 2. ed., Porto Alegre: Artmed, 2002. Bioquímica Básica 282 Bioquímica Básica 283 A nexos Bioquímica Básica 284 Gabaritos Exercícios – Unidade 1 1. D 2. C 3. A 4. D 5. B 6. E 7. C 8. A 9. Resp a) Água fazendo quatro pontes de hidrogênio com outras moléculas de água define o estado sólido, rompimento de pontes de hidrogênio entre as moléculas de água transforma a água sólida em água líquida e até em água gasosa. Resp b) A interação ocorre quando o hidrogênio de uma molécula se aproxima do oxigênio, nitrogênio ou flúor de outra molécula, no entanto o hidrogênio precisa estar ligado a um elemento bastante eletronegativo (não pode ser carbono). Resp c) Sim, basta ter as condições descritas na resposta anterior. Nas proteínas ocorrem pontes de hidrogênio entre os aminoácidos, no DNA e no RNA ocorrem pontes de hidrogênio entre os nucleotídeos etc. 10. Resp a) pK 2,0 e faixa tamponante entre pH 1,0 e 3,0. Resp b) funciona evitando variações bruscas no pH de uma solução quando pequena quantidade de ácidos ou bases são adicionados Bioquímica Básica 285 Exercícios – Unidade 2 1. E 2. C 3. E 4. C 5. E 6. B 7. B 8. A 9. Resp: para o pólo negativo, pois o pH 7,0 é menor que o pI dos dois aminoácidos. pI acima do pH faz o aminoácido ter carga positiva 10. Resp A: 3 bandas, sendo a proteína Z a que migra mais rápido, seguido da proteína Y e depois da Z, esta última que migra mais lentamente e estará acima das demais no gel. Resp B: por ser uma coluna de gel filtração, primeiro sai a Y (maior peso molecular e portanto maior tamanho), depois a X e por último a Z (menor peso molecular) Exercícios – Unidade 3 1. E 2. C 3. B 4. B 5. C 6. D Bioquímica Básica 286 7. A 8. D 9. Resp A: rotas 1 e 2 Resp B: rota 1 Resp C: 30 ou 32 ATP 10. Resp A: O acúmulo de lactato significa que o ambiente está sem oxigênio e assim piruvato é convertido em lactato. Resp B: Porque sem oxigênio consegue-se somente 2 ATP por glicose, ou seja para conseguir os mesmos 32 ATP na presença de oxigênio, são necessários consumir 16 moléculas de glicose. Exercícios – Unidade 4 1. C 2. E 3. E 4. C 5. B 6. C 7. E 8. B 9. Resp: O triglicerídeo A é sólido, pois tem um alto percentual de ácidos graxos saturados e o triglicerídeo B é líquido, pois tem alto percentual de ácidos graxos insaturados. 10. Resp: Na produção dos acetilCoA durante a quebra do ácido graxo e nos ciclos de Krebs Bioquímica Básica 287 Exercícios – Unidade 5 1. B 2. C 3. A 4. B 5. E 6. A 7. B 8. D 9. Resp A) sair do citoplasma e ir para a mitocôndria para liberar a amônia a fim de se produzir ureia. Resp B) aminoácido X: alanina; -cetoácido 2: piruvato. 10. Resp: a alanina e a glutamina contém as aminas dos demais aminoácidos e são responsáveis por sair dos tecidos para o sangue e transportar estas aminas para o fígado. Exercícios – Unidade 6 1. A 2. D 3. B 4. C 5.B 6. E 7. A 8. D Bioquímica Básica 288 9. Resp A: Na presença de insulina, haverá aumento na captação de glicose por ambas as células hepáticas e musculares, assim como aumento da síntese do glicogênio intracelular, uma vez que a insulina estimula isso nos dois tecidos. Resp B: células hepáticas, pois células musculares não possuem receptores para o glucagon e no fígado o glucagon estimula degradação do glicogênio intracelular e consequentemente exportação de glicose. 10. Resp A: converter o excesso de acetilCoA em corpos cetônicos Resp B: músculos