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PRODUÇÃO ACADÊMICA A CONSTITUIÇÃO FEDERAL E A EFETIVIDADE DAS NORMAS AMBIENTAIS Vladimir Passos de Freitas Tese de doutorado defendida junto à Faculdade de Direito da Universidade Federal do Paraná, em 1999 (?). Orientador: Professor Clèmerson Merlin Clève. A tese analisa a efetividade das normas ambientais que passaram a integrar o ordenamento jurídico brasileiro com a Constituição Federal de 1988. Para tanto, divide o estudo em seis partes: na primeira, analisa a evolução histórica da proteção constitucional ao meio ambiente e da questão ambiental no Brasil e no mundo; na segunda parte, detalha as competências da União, Estados, Distrito Federal e municípios com relação ao meio ambiente; na terceira, discorre sobre a proteção ao meio ambiente cultural, novo foco de preocupações dos ambientalistas; na quarta, trata das limitações ao direito de propriedade em questões ambientais; na quinta, conceitua e qualifica o dano ambiental; e na sexta e última parte, descreve uma recente categoria do Direito Penal: os crimes ambientais. 1 MEIO AMBIENTE. PROTEÇÃO CONSTITUCIONAL O termo “ecologia” é definido como o estudo das relações dos organismos com o meio em que vivem e “meio ambiente” diz respeito ao conjunto de condições, leis, influências e interações de ordem física, química e biológica, que permite, abriga e rege a vida em todas as suas formas. Identificam-se na década de 70 os primeiros passos no estudo do Direito Ambiental e no seu reconhecimento como ramo do Direito no Brasil e no mundo. O crescimento acelerado da população mundial e sua migração em massa das zonas rurais para as urbanas, com o conseqüente aumento da poluição urbana, gerou a preocupação com o planejamento populacional, como forma de proteção ao meio ambiente. Avalia-se o acesso ao Judiciário para a defesa do meio ambiente, no Brasil, como eficiente, pois confere-se legitimidade para agir ao Ministério Público da União e dos Estados, frisando-se que a competência dessa instituição para iniciar ação civil em juízo é criação brasileira. No Direito Internacional, além de se reconhecer a proteção ao meio ambiente como direito fundamental, consagraram-se alguns princípios de Direito Ambiental, como: o dever dos Estados de proteger o ambiente; a obrigatoriedade do intercâmbio de informações; o aproveitamento dos recursos naturais; a competência internacional quanto ao dano ambiental (as ações devem ser propostas no tribunal onde ocorreu o dano); os princípios da precaução, do poluidor-pagador e da igualdade. Embora o meio ambiente não seja objeto do tratado do Mercosul, o Brasil firmou acordos de cooperação em matéria ambiental com a Argentina e o Uruguai. Além disso, o Protocolo de Las Leñas prevê a cooperação e a assistência jurisdicional nesse sentido, exceto em matéria criminal. Na Austrália foi criado o primeiro e único tribunal ambiental do mundo: o Tribunal de Terras e Meio Ambiente e em Roma, na Itália, criou-se a International Court of the Environment Foudation, pela qual cogita-se de instituir um verdadeiro tribunal internacional ambiental, com poder de impor sanções aos Estados-membros. 2 COMPETÊNCIA DA UNIÃO, ESTADOS, DISTRITO FEDERAL E MUNICÍPIOS. De acordo com o modelo federalista do Estado brasileiro, as competências formal e material são repartidas entre a União, os Estados-membros e os Municípios. No que diz respeito à competência para legislar sobre meio ambiente, a União tem competência privativa para legislar sobre (CF, art. 22): águas (inc. IV); jazidas, minas e outros recursos naturais (inc. XII); e atividades nucleares (inc. XXVI). Cabe aos Estados legislar concorrentemente com a União sobre (CF, art. 24): florestas, caça, pesca, fauna, conservação da natureza, defesa do solo e dos recursos naturais, proteção do meio ambiente e controle da poluição (inc. VI); proteção ao patrimônio histórico, cultural, turístico e paisagístico (inc. VII); responsabilidade por dano ao meio ambiente, ao consumidor, aos bens e direitos de valor artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico (inc. VIII). Conforme ainda o art. 23, inc. VI, da Constituição, os Estados e Municípios devem zelar pela proteção ao meio ambiente e combater a poluição. Os Estados têm competência legislativa por exclusão – quando a matéria não for privativa da União – e concorrente e não podem extrapolar os limites da norma geral da União. O disposto no art. 30, inc. I, da Constituição, segundo o qual os Municípios têm competência privativa para legislar sobre assuntos de interesse local, suscita dúvidas, pois qualquer assunto de natureza ambiental pode ser de interesse local. A legislação municipal deve ser sempre concorrente, nunca deve extrapolar seus próprios interesses nem entrar em confronto com interesse estadual ou nacional. Com relação à competência material em matéria ambiental, a União, conforme a Constituição, tem o poder de fiscalizar e impor sanções sobre: a exploração de serviços e instalações nucleares (art. 21, inc. XXIII); a pesquisa e lavra de recursos minerais e o aproveitamento da energia hidráulica (art. 176); a pesquisa e lavra das jazidas de petróleo (art. 177). Os Estados, assim como o Distrito Federal, têm competência material para agir administrativamente, mesmo nos casos em que a legislação seja da União ou dos Municípios. Conforme art. 25, § 2º, da Constituição, os Estados têm o direito à exploração e fiscalização do gás canalizado. A competência material dos Municípios normalmente reduz-se ao interesse local. Destaque-se que o art. 144, § 8º, da Constituição, permitiu aos Municípios constituírem guardas municipais destinadas a proteger-lhes os bens, valendo-se o Município de Curitiba desse dispositivo para treinar quase 500 guardas municipais a fim de evitar agressões contra o meio ambiente. Enquanto na competência material comum todos os entes políticos podem atuar isolados, em parceria ou em conjunto, não devendo haver hierarquia, na competência concorrente mais de uma pessoa política concorre em relação a uma só matéria. É competência comum, na da União, dos Estados e dos Municípios (CF, art. 23), na área ambiental: proteger os documentos, as obras e outros bens de valor histórico, artístico e cultural, os monumentos, as paisagens naturais notáveis e os sítios arqueológicos (inc. III); proteger o meio ambiente e combater a poluição em qualquer de suas formas (inc. VI); preservar as florestas, a fauna e a flora (inc. VII). A cooperação entre as pessoas políticas, conforme o parágrafo único do art. 23 da Constituição, deverá ser disciplinada por lei complementar, (...) tendo em vista o equilíbrio do desenvolvimento e do bem-estar em âmbito nacional. A necessidade de lei complementar para que essa cooperação se efetive é discutível. Os órgãos ambientais federais, estaduais e municipais, por esse dispositivo, podem atuar cooperativamente na proteção ambiental. Constata-se a disputa pelo poder entre os entes políticos federais, estaduais e municipais. Nesse sentido, recomenda-se que: a) quando a competência for privativa da União, a fiscalização de órgão estadual ou municipal com base na competência comum não retira a prevalência federal; b) quando a competência for comum, deve ser verificada a existência ou não de interesse nacional, regional ou local e, a partir daí, definir a competência material; c) quando a competência for do Estado, a ele cabe a prática dos atos administrativos pertinentes; d) no mar territorial a fiscalização cabe à Capitania dos Portos; e) cabe ao Município atuar apenas em caráter supletivo quando a matéria for do interesse comume houver ação federal ou estadual; f) cabe ao Município atuar privativamente quando a matéria for do interesse exclusivo local. A Constituição é omissa a respeito da celebração de convênios entre órgãos ambientais, mas à falta de lei que regule a cooperação e diante das dificuldades em se resolver os problemas, os convênios acabam se impondo, muitas vezes com o rótulo de cooperação. A EC n. 19/98 passou a permitir que as pessoas políticas disciplinem em lei os consórcios e convênios de cooperação. O tema da repartição de competência em matéria ambiental raramente é levado aos tribunais, mas há a tendência jurisprudencial para se aceitar a competência legislativa ou material de quem assuma a posição de legitimado, relegando a discussão para o mérito. Três casos merecem destaque: a) ADIn n. 595167941, TJ-RS, Pleno, Relator Des. Nelson Oscar de Souza, j. em 28/10/96, que decidiu que o Município não pode contrariar disposição federal ou estadual em norma que permite a degradação do meio ambiente. b) Apelação cível n. 54.733/1, TJ-MG, 5ª Câmara Cível, Arcos, Relator Des. Schalder Ventura, j. em 22/08/96, que julgou improcedente interferência do Judiciário na autonomia municipal, em ação contra omissão do Município na fiscalização de atividade poluidora, pois este teria competência apenas supletiva para legislar sobre a matéria. c) Recurso em mandado de segurança n. 1.112/PR, STJ, 2ª Turma, Relator Ministro José de Jesus, j. em 31/03/93, que decidiu que o Estado não pode embargar obra cujo alvará de construção foi expedido pelo Município sob alegação de desacordo com a lei estadual, pois cabe ao Município legislar sobre assunto de interesse local e promover o ordenamento do solo. Conclui-se que, apesar do tempo razoavelmente longo da promulgação da Constituição Federal de 1988, a competência dos entes políticos em matéria ambiental foi pouco tratada pela doutrina e raramente apreciada pelos tribunais. 3 MEIO AMBIENTE CULTURAL A visão moderna classifica o meio ambiente em natural ou cultural, este último abrangendo as obras de arte, imóveis históricos, museus e belas paisagens. O principal órgão internacional na guarda do patrimônio cultural é a Unesco, que reconheceu como patrimônio cultural da humanidade nove monumentos culturais e naturais no Brasil. No Brasil-Colônia e na Primeira República não houve preocupação dos constituintes com a preservação da cultura. A Constituição de 1934 trouxe uma autêntica revolução, passando a admitir a proteção do patrimônio cultural, mesmo que esse se achasse em domínio privado (art. 10). A Constituição de 1937, em seu art. 134, preconizava a defesa dos monumentos culturais e a Constituição de 1946, no art. 175, alargou essa proteção, incluindo obras e monumentos de valor histórico. A Constituição de 1967, além de incluir nesse rol de proteção as jazidas arqueológicas, dispôs, no art. 172, que o amparo à cultura é dever do Estado. O tema foi objeto de especial destaque na Constituição de 1988 (arts. 215 e 216), com um amplo leque de regras dedicadas à cultura nacional. O Estado deve proteger as manifestações da cultura popular, contanto que estas colaborem para o aprimoramento do ser humano e não sejam condenáveis. São os seguintes os diplomas legais de proteção legal e regulamentar federal da cultura: a) o Decreto-lei n. 25, de 30/11/37, que organiza a proteção ao patrimônio histórico e artístico nacional; b) os arts. 165 e 166 do Código Penal, que consideravam crime contra o patrimônio os atentados, respectivamente, contra o patrimônio artístico, arqueológico ou histórico e contra o local especialmente protegido por lei, agora transformados em crimes ambientais previstos na Lei n. 9.605, de 12/02/98 (Lei Penal Ambiental); c) o Decreto-lei n. 4.146, de 04/03/42, que regula e protege os depósitos fossilíferos – é precário o controle desse patrimônio palenteológico; d) a Lei n. 3.924 de 26/07/61, que dispõe sobre os monumentos arqueológicos e pré-históricos – cuja importância é ignorada pela população brasileira e até mesmo pelos profissionais do Direito; e) a Lei n. 4.845, de 19/11/65, que proíbe a saída para o exterior de obras de arte e ofícios produzidos no Brasil até o fim do período monárquico. A competência para legislar a respeito do patrimônio cultural é concorrente entre a União e os Estados. A maioria dos Estados brasileiros já instituiu leis próprias sobre a matéria. Poucos Municípios possuem lei específica para proteger o patrimônio cultural (apenas Porto Alegre e Rio de Janeiro), baseando-se grande parte dos Municípios em leis federais ou estaduais. No Direito comparado, destacam-se: a Itália, cuja legislação trata com atenção o patrimônio cultural; Portugal, que confere pouca relevância à proteção cultural; Argentina, que possui legislação esparsa sobre a matéria; e a Nova Zelândia, cujo patrimônio cultural é considerado parte do meio ambiente e cujo Poder Judiciário possui setores especializados em questões ambientais. Com relação ao meio ambiente cultural, a posição dos tribunais pátrios revela-se propícia a resguardar o patrimônio público. Três casos na jurisprudência podem ser citados: a) a Apelação Cível e Reexame n. 83.629-1, TJ-SP, 5ª Câmara Cível, São Paulo, Relator Des. Ralph Waldo, j. em 23/03/87, pela qual se reconheceu o dever da Fazenda do Estado de indenizar os proprietários pelo tombamento de imóvel, por ficarem esses proprietários impedidos de utilizá-lo economicamente; b) a Apelação Cível n. 91.04.01871-0/RS, TRF da 4ª Região, 1ª Turma, Relator Juiz Vladimir Freitas, DJU de 02/12/92, p. 40.557, na qual o autor, proprietário de obra em área de entorno de local tombado, ampliou irregularmente sua propriedade e, tendo sido notificado, apelou à instância superior, tendo sido negado provimento ao apelo; c) o Recurso Extraordinário n. 168917-0/RJ, STF, 2ª Turma, Relator Ministro Francisco Rezek, j. em 19/12/96, no qual se decidiu que o tombamento não gera, por si só, o dever de indenizar, cabendo ao Município o dever de reparar qualquer eventual dano causado ao imóvel e que ao proprietário, inclusive, cabe a conservação do bem tombado. Conclui-se que, em relação ao meio ambiente cultural, a jurisprudência dos tribunais vem dando efetividade às normas protetoras. 4 LIMITAÇÕES AO DIREITO DE PROPRIEDADE A doutrina, no que diz respeito às limitações ao direito de propriedade, tem crescido, adequando-se o uso da propriedade à sua função social. No Direito brasileiro, a propriedade privada partiu de uma concepção individualista e progressivamente se afirmou a sua função social. Da garantia do direito de propriedade em sua plenitude, consagrada nas constituições de 1824, 1891 e 1934, passou-se, nas constituições de 1946 e de 1967, à ressalva de este direito não poder ser exercido contra interesse social ou coletivo. A Constituição de 1988, no art. 5º, garante o direito de propriedade (inc. XXII), mas apregoa que a mesma deve atender à sua função social (inc. XXIII). A desapropriação pode ocorrer por utilidade ou necessidade pública ou ainda por interesse social. O Decreto-lei n. 3.365, de 21/06/41, regulamenta a expropriação dirigida à proteção ambiental. No entanto, o Estado não se vale desse dispositivo, por importar grandes despesas. As propriedades tombadas passam a ser de interesse público e a serem tratadas como monumentos naturais ou culturais. Aos Municípios é facultado tombar bens do Estado e da União e o Estado é autorizado a tombar bens da União. Não há o direito à indenização por parte do proprietário do bem tombado, a menos que ele demonstre a existência de prejuízoreal. Conforme art. 225, § 1º, inc. III, da Constituição Federal, cada Estado deve definir espaços territoriais a serem especialmente protegidos – as chamadas “unidades de conservação”, destinadas ao estudo e preservação da flora e da fauna, podendo ser públicas ou privadas. O Código Florestal (Lei n. 4.771, de 15/09/65), em seu art. 2º, considera áreas de preservação permanente as florestas e demais formas de vegetação situadas em locais essenciais à manutenção de um meio ambiente sadio. O art. 18 da Lei da Política Nacional do Meio Ambiente (Lei n. 6.938, de 31/08/81) transformou florestas e demais formas de vegetação permanente em reservas ou estações ecológicas. Esse dispositivo jamais foi cumprido regularmente. Não cabe indenização ao proprietário no caso dessas áreas, a menos que o ato administrativo inviabilize por completo a utilização do bem. Diversas são as categorias de reservas legais previstas em leis esparsas, como: as estações ecológicas; as áreas de proteção ambiental (APAs); as reservas ecológicas; os parques; as reservas biológicas; os jardins botânicos, hortos florestais e zoológicos; as áreas de relevante interesse ecológico; as áreas especiais de interesse turístico; as reservas extrativas; as florestas nacionais, estaduais ou municipais; as cavidades naturais; e os monumentos naturais. A Constituição, no art. 225, apregoa que a defesa do meio ambiente é dever de todos os brasileiros, e não apenas do Estado. Algumas iniciativas privadas nesse sentido merecem destaque: a) o ISO 14.000 – a organização não-governamental International Organization for Standardization, que institui “selos” de qualidade a empresas, criou esse “selo verde”, que regulamenta um sistema de gestão ambiental nas empresas destinado a reduzir ao máximo os danos ao meio ambiente; b) a tributação ambiental – pode ser efetivada por meio de incentivos fiscais ou por progressividade e diferenciação de alíquotas, sempre no escopo de estimular a proteção ao meio ambiente. No Direito comparado há os exemplos da “ecotaxa”, na Alemanha, do superfund, nos EUA e da Lei Florestal, na Costa Rica. No Brasil, o Decreto-lei n. 1.338, de 23/07/74, confere incentivos fiscais a investimentos realizados por pessoas físicas no meio ambiente. O art. 5º da Lei n. 5.868 isenta do Imposto Territorial Rural as áreas naturais preservadas. Alguns estados brasileiros atribuem ao ICMS função ecológica; c) a reserva particular do patrimônio natural – o art. 6º do Código Florestal dispõe que o proprietário de floresta não-preservada poderá gravá-la com perpetuidade, desde que verificada existência de interesse público. A grande maioria dos julgamentos com relação à limitação ao direito de propriedade diz respeito à indenização, trazendo para o centro das discussões judiciais a questão da quantia devida em razão da limitação do uso da propriedade. Três casos são citados: a) Apelação Cível n. 256.302/2, TJ-SP, 16a Câmara Cível, Iguape, Relator Des. Manoel Queiroz Pereira Calças, Revista de Direito Ambiental, v. 5, p. 124-130, pela qual rejeitou-se indenização pela cobertura vegetal de área desapropriada por ser inviável sua exploração econômica; b) Recurso Extraordinário n. 134.297/SP, STF, 1a Turma, Relator Ministro Celso de Mello, j. em 13/06/95, Revista Trimestral de Jurisprudência, v. 158, p. 205- 217, mediante o qual se concluiu que os prejuízos decorrentes da criação de unidade de conservação devem ser repartidos por toda a sociedade e a exploração deve ser condicionada aos limites autorizados pelo Código Florestal; c) Apelação e Recurso Adesivo n. 44.829-3, TJ-PR, 2ª Câmara Cível, Loanda, Relator Des. Ângelo Zattar, j. em 22/05/96, pela qual se obrigou o proprietário a reflorestar 20% da sua propriedade, com base no art. 16, a, § 2º, da Lei n. 4.771/65 (Código Florestal). Conclui-se que, com relação ao direito de propriedade, o Poder Judiciário ainda se mostra atrelado aos princípios do Código Civil. No entanto, em casos de indenização de áreas desapropriadas, deve-se buscar o meio termo entre o direito do proprietário individualmente e o da sociedade, interessada na preservação ambiental. 5 O DANO AMBIENTAL O dano, que tem origem no Direito Romano, significa causar prejuízo em coisa alheia, pelo que se deve indenizar o prejudicado. O dano ambiental, nesse sentido, diz respeito a prejuízo causado ao meio ambiente. A responsabilidade objetiva, em caso de dano, implica o dever de reparação por aquele que, por sua atividade, cria um risco de dano para terceiros, ainda que isento de culpa. A responsabilidade subjetiva, nesse caso, refere-se ao dever de reparar o dano por parte de todos os que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violarem direito ou causarem prejuízo a outrem. A responsabilidade objetiva, apesar de ser exceção no Direito Civil, vem crescendo em importância nos casos de indenização por acidente de trabalho e de dano ambiental. O dano ambiental origina uma ou mais espécies de responsabilidade para o infrator. Pode gerar dever de reparação – quando surge a responsabilidade civil pelo dano ambiental – e pode suscitar responsabilidade criminal – se o dano for grave. Sob a vigência do Código Civil, os dispositivos que protegiam o meio ambiente somente davam direito à indenização à pessoa ofendida e era preciso demonstrar que o ofensor agiu com culpa. A primeira lei brasileira a dispor sobre responsabilidade civil objetiva por danos ambientais foi a Lei n. 6.453/77, que tratou do dano nuclear. A Lei n. 6.938/81 (Política Nacional do Meio Ambiente) dispôs sobre a responsabilidade ambiental objetiva, atribuindo legitimidade ao Ministério Público da União e dos Estados para propor ação de responsabilidade civil e criminal em caso de poluição. Na doutrina, esse dispositivo foi assumido pela Constituição de 1988. A legislação brasileira, com relação à responsabilidade objetiva ambiental, está mais adiantada que a de muitos países. O seguro ambiental ainda é pouco conhecido no Brasil, sendo exigido apenas nos casos de poluição por óleo no mar. Em outros países esse seguro vem sendo utilizado, destacando-se a associação internacional formada pela parceria entre representantes de 35 companhias de seguro e o Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente – Pnuma. Trata-se de um tipo de seguro cujas peculiaridades podem torná-lo muito caro, pois há dificuldades em se definir a causa exata da poluição, o valor do dano e sua fixação no tempo – muitas vezes o dano surge muito tempo depois. Nem por isso o seguro ambiental deixa de ser uma excelente opção para cobrir os riscos de danos ambientais. É difícil estimar o prejuízo ao meio ambiente, pois não se trata de uma lesão meramente patrimonial. A reparação busca voltar o bem ambiental ofendido ao seu estado anterior, o que muitas vezes pode levar longos anos. Em caso de dano ambiental, deve-se buscar primeiramente a reparação e, não sendo essa possível, a indenização. O pagamento em pecúnia deverá reverter para o Fundo de Defesa de Direitos Difusos, conforme o art. 13 da Lei n. 7.347/85 e Lei n. 9.008/95. Na busca do justo preço, o juiz deve valer-se de peritos; eventualmente a perícia deve ser multidisciplinar. A necessidade de antecipar o salário dos peritos por parte dos autores tem sido o maior empecilho para o andamento das ações civis públicas em caso de dano ambiental. Foram feitas tentativas de criar tabelas básicas para fixar o valor das indenizações, adequando-as aos casos concretos. Se o magistrado discordar do valor fixado, poderá adequá-lo ao justo com base no princípio da razoabilidade. A cogitação de dano moralem matéria de meio ambiente pode suscitar surpresa e dúvidas quanto à sua validade. No Brasil ainda não se tem conhecimento dessa hipótese, mas a tendência é que venha a ocorrer futuramente. Nesses casos o juiz deve considerar as circunstâncias de cada caso e a eqüidade na fixação da indenização. O dano ambiental, embora já estivesse previsto na Lei n. 6.938/81 (art. 14, § 1º), teve sua aplicação efetivada pelos tribunais com o advento da Lei n. 7.347, de 24/07/85 (Lei da Ação Civil Pública). Destacam-se três casos na jurisprudência: a) Recurso Especial n. 11.074-0/SP, STJ, 2ª Turma, Relator Ministro Hélio Mosimann, j. em 06/09/93, pelo qual se determinou a solidariedade na responsabilidade extracontratual e, por não haver definição sobre a proporção com que cada um contribuiu, a imprescindibilidade da prova técnica; b) TJ-SP, Santos, 7ª Câmara de Direito Público, Relator Des. Albano Nogueira, j. em 02/09/96, proibiu treinamento de policiais militares em área de preservação que estava sendo afetada pelo treinamento, prevenindo-se danos futuros; c) Apelação Cível n. 28.806, TJ-GO, 1ª Câmara Cível, Relator Des. José Soares de Castro, j. em 09/02/93, pela qual negou-se provimento ao recurso, reconhecendo dano ao meio ambiente – poluição de rio – e ao patrimônio cultural – tratando-se de cidade histórica – causado por atividade garimpeira, a qual foi proibida. Nota-se uma mudança de rumo na jurisprudência brasileira, com uma atenção crescente voltada ao dano ambiental. O juiz conservador, formado pelo Código Civil, que conferia à propriedade um caráter individual e absoluto, torna-se aos poucos consciente dos interesses coletivos. 6 CRIMES AMBIENTAIS Os danos contra o meio ambiente normalmente geram sanções administrativas (aplicadas por órgãos ambientais) e civis, mas quando a conduta é grave tornam-se ilícitos penais. Se na esfera penal há um forte movimento no sentido de descriminar os fatos, isso não se aplica aos ilícitos penais, com relação aos quais se percebe um movimento contrário. Tudo deve ser feito para criminalizar as condutas nocivas ao meio ambiente, pois trata-se de um bem jurídico de valor inestimável, uma vez que diz respeito à toda a coletividade, e de difícil reparação. Muitas vezes as sanções administrativas ou civis revelam-se insuficientes para proteger o meio ambiente, enquanto a sanção penal tem maior poder intimidatório. A Constituição Federal, em seu art. 225, § 3º, estabeleceu que as condutas lesivas ao meio ambiente sujeitarão os infratores, pessoas físicas ou jurídicas, a sanções penais e administrativas, independentemente da obrigação de reparar danos. A novidade desse dispositivo é a possibilidade de incriminação da pessoa jurídica, o que foge à tradição da família do Direito Romano – à qual pertence o Direito brasileiro – e demonstra a relevância excepcional atribuída aos delitos ambientais. Nos países da família do Common Law a responsabilidade penal da pessoa jurídica é admitida há muito tempo. Após a promulgação da Constituição de 1988, diversas leis que criminalizar os danos ao meio ambiente surgiram, como: a Lei n. 7.802, de 11/07/89, que penaliza o uso indevido de agrotóxicos; a Lei n. 7.804, de 18/07/89, que criminaliza a poluição; e a Lei n. 7.805, de 18/07/89, transforma em delito a prática da garimpagem sem autorização. No entanto, poucos casos previstos nessas leis têm chegado à Justiça. A proteção ao meio ambiente efetivou-se realmente com a Lei n. 9.605, de 12/02/98, que tornou-se conhecida por Lei Penal Ambiental. Essa lei alterou profundamente a tipificação de condutas em matéria de Direito Penal ambiental, que anteriormente eram tratadas em leis esparsas. O art. 3º dessa lei tornou expressa a responsabilidade penal da pessoa jurídica, uma alteração que rompe com tradição secular do Direito Penal brasileiro. Não se encontra ainda doutrina que a justifique, mas sua força reside no argumento de que nos crimes ambientais mais graves jamais se chega a identificar o verdadeiro responsável. Como a Lei n. 9.605/98 não dispõe sobre rito processual, tem-se de cumprir o rito da lei processual penal, ou seja, no interrogatório, deverá depor o representante legal da pessoa jurídica. A maior parte das infrações penais ambientais sujeita-se à Lei dos Juizados Especiais Criminais (Lei n. 9.099, de 26/09/95), pois nenhuma delas prevê pena mínima superior a um ano, sendo a aplicação dessa lei expressamente recomendada no art. 27 da Lei Penal Ambiental. Tanto em caso de transação quanto de suspensão do processo, a extinção da punibilidade dependerá de laudo comprobatório de reparação do dano ambiental. A submissão das ocorrências ao Juizado Especial não encontra obstáculo no fato de ele não estar implantado ou de ser a matéria de competência da Justiça Federal, pois em locais onde não haja Juizado Especial, a Lei n. 9.099/95 pode ser aplicada por juiz de direito de varas comuns e nos delitos de competência da Justiça Federal o rito processual preconizado na Lei n. 9.099/95 deve ser observado. Uma vez que a pena privativa de liberdade inferior a 4 anos pode ser substituída por pena restritiva de direitos, a quase totalidade dos crimes ambientais é punida com penas restritivas de direitos. O art. 8º da Lei Penal Ambiental traz uma pena incomum: a prestação pecuniária prevista no inc. IV, um valor que deve ser pago diretamente à vítima ou a entidade com finalidade social. No Direito Penal Ambiental comparado, observa-se que a Espanha instituiu um tipo penal vago; Portugal apresenta uma repressão penal reduzida; a Itália impõe punições severas; a França aplica dispositivos penais que, no entanto, não têm a efetividade desejada; os EUA possuem vários estatutos cuja efetividade é recente; a Bolívia possui uma só lei com dispositivos penais; e o Cabo Verde instituiu pesadas multas contra os poluidores. Ainda que atualmente note-se uma preocupação maior com as ações penais por crimes ambientais, o número de recursos originários de ações civis públicas continua sendo superior ao de recursos criminais. Três casos se destacam na jurisprudência: a) Apelação Criminal n. 95.04.15255-4/RS, TRF da 4ª Região, 1ª Turma, Relator Juiz Volkmer de Castilho, j. em 08/04/97, pela qual se nega reconhecimento de insignificância de ação penal por exercício de caça ilegal; b) Apelação Criminal n. 42788-9, TJ-MS, 1ª Turma, Coxim, Relator Des. Rui Dias Garcia, j. em 27/06/95, mediante a qual aceitou-se a tese de que pesca com rede, proibida por lei estadual, configura poluição, conforme art. 3º, inc. IV, da Lei da Política Nacional do Meio Ambiente; c) Apelação Criminal n. 93.01.03115-9/GO, TRF da 1ª Região, 3ª Turma, Relator Juiz Olindo Menezes, j. em 19/06/95, pela qual foram julgados os responsáveis pelo acidente nuclear com o césio 137 em Goiânia. Se antigamente a preocupação maior era com a industrialização e a geração de empregos, prevalecendo, no caso de crimes ambientais, a absolvição, hoje o enfoque recai no desenvolvimento sustentável. Os juízes, com a atuação decisiva do Ministério Público, têm revelado consciência da importância da preservação ambiental. A proteção ambiental não pode ser tarefa exclusivamente atribuída ao Estado, mas também a todos os indivíduos e grupos organizados.
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