Baixe o app para aproveitar ainda mais
Prévia do material em texto
FATORES QUE INFLUENCIAM AS CARACTERÍSTICAS DAS MATÉRIA-PRIMAS CÁRNEAS E SUAS IMPLICAÇÕES TECNOLÓGICAS Rubison Olivo Doutor em Ciência dos Alimentos Diretor Técnico da GLOBALFOOD Advanced Food Technology E-mail: rubison@terra.com.br 1- INTRODUÇÃO Três componentes da carne são considerados substratos primários que influenciarão na qualidade desta matéria-prima, para fins de processamento. São eles: Umidade, Gordura e Proteína. A percentagem destes componentes, seu tipo e seu estado físico-químico influenciam importantes parâmetros de qualidade necessários à industrialização e determinarão a qualidade final dos produtos. Estes parâmetros são chamados de propriedades funcionais. 2- PROPRIEDADES FUNCIONAIS As Propriedades Funcionais são as características físico-químicas que caracterizam os alimentos e influenciam a utilização dos mesmos. Estas propriedades estão relacionadas com questões sensoriais e não necessariamente nutricionais; tem implicações tecnológicas diretas e influenciam decisivamente nos aspectos econômicos dos produtos. Algumas propriedades funcionais: capacidade de retenção de água, capacidade de emulsificação, capacidade de gelificação, cor, sabor, coesão, estrutura e textura. 3- RELAÇÃO UMIDADE/PROTEÍNA/GORDURA As matérias-primas cárneas e seus derivados, como na maioria dos alimentos, possuem um padrão de compensação entre os níveis de umidade, proteína e gordura. Dentro de uma mesma classe de carnes/produtos, o teor de proteína é praticamente constante, enquanto que, para determinados níveis de gordura, ocorre proporcional diminuição da umidade. Assim, existe uma relação de compensação entre estes dois constituintes, como pode ser observado na Figura 01. 1 4- PROTEÍNAS As proteínas podem ser consideradas os principais responsáveis pelas características funcionais da matéria primas cárneas. Por analogia, podem ser definidas como o "cimento" dos alimentos. Nos produtos cárneos, são requeridas para uma grande variedade de funções. Irão determinar o rendimento, a qualidade, a estrutura e os atributos sensoriais. As proteínas representam de 18 a 23% da carne, sendo classificadas como miofibrilares (55% do total), sarcoplasmática (35%) e proteínas do estroma (3 a 5%). Esta classificação pode ser observada na Tabela 01. As proteínas miofibrilares (miosina e actina) compõem as miofibrilas e são responsáveis principalmente pela contração muscular. São insolúveis em água, porém, solúveis em presença sal. São as principais proteínas da carne, possuindo grande influência na funcionalidade do músculo e contribuindo de forma importante nas propriedades das carnes processadas. As proteínas sarcoplasmáticas, localizadas dentro das células (no sarcoplasma) são solúveis em água. Proteínas desta categoria incluem-se enzimas oxidativas, mioglobina e outros pigmentos e enzimas glicolíticas responsáveis pela glicólise. Boa parte 2 destas proteínas são perdidas com a ocorrência de exsudação. As proteínas do estroma são geralmente referidas como as proteínas do tecido conjuntivo e fazem parte da estrutura do músculo. As principais proteínas deste grupo são os colágenos, os quais tem grande influência na qualidade dos produtos processados. Os produtos contendo elevadas quantidades de carne com alto teor de colágeno podem apresentar características indesejáveis, como instabilidade da massa, formação de bolsas de gel, liberação de gordura, liberação de água e perda da textura desejada. O nível de colágeno que pode ser utilizado em um produto cárneo processado depende da sua força iônica, pH, nível de gordura, método de processamento, cozimento e outros fatores. A fonte do colágeno, suas propriedades físico- químicas e a quantidade de ligações cruzadas termoestáveis podem também influenciar a quantidade de colágeno que pode ser incorporado. 5- UMIDADE A água representa de 65 a 80% do total da massa muscular e tem importante função celular. A água está distribuída, aproximadamente, conforme a Tabela 02. Boa parte da água dentro das células está fortemente ligada a diversas proteínas, mas apregoa-se que aproximadamente 24% são retidas por forças capilares e podem exsudar sob pressão. Em geral, todas as propriedades funcionais são influenciadas por interações de proteínas com água. A umidade natural da carne é importante para a obtenção do rendimento e da qualidade final do produto, contribuindo para a suculência e palatabilidade da carne como alimento. Se as proteínas não estão desnaturadas, elas continuam a ligar a água durante a conversão do músculo para carne e, por extensão, durante as diversas fases do processamento, distribuição e cozimento. Assim, a habilidade de reter água é uma propriedade da carne essencialmente importante, principalmente sob o aspecto econômico e sensorial e por isto tem sido muito estudado, sendo classificada como: 3 - Capacidade de Retenção de Água (CRA): é a habilidade da carne de reter a sua própria água, contida dentro de sua estrutura; - Capacidade de Ligação de Água (CLA): é a habilidade da carne de reter a água adicionada. A CRA durante a conversão do músculo para carne e a CLA durante o processamento depende da taxa e do grau de abaixamento do pH e do teor de proteína desnaturada durante a instalação do rigor-mortis. Quando o pH post- mortem é muito alto, a capacidade de retenção de água da carne é alta, similar àquelas do músculo vivo. Quando o pH desce rapidamente após o sacrifício do animal, resulta em baixa CRA, característica típica da carne que apresenta o fenômeno PSE. O pigmento mioglobina, principal responsável pela cor das carnes é constituído por uma proteína (a globina) e uma parte não protéica (o grupo heme). O grupo heme possui um átomo de ferro na posição central. O estado químico deste ferro irá determinar a cor da carne. Com sua forma reduzida (Fe+2) a cor da carne apresenta-se vermelha (oxiomioglobina) e, com sua forma oxidada (Fe+3) a cor da carne torna-se marrom (metamioglobina). A parte protéica auxilia na estabilidade desta cor. Com a eventual desnaturação da parte protéica (como ocorre no cozimento ou em outras situações), a carne muda de cor para o marrom. Sob condições extremas, o pigmento pode ser decomposto, com a separação do grupo heme da parte protéica. Isto ocasiona a separação do átomo de ferro da estrutura, levando à cor amarelada e/ou esverdeada. 6- GORDURAS Os lipídeos são importantes componentes das carnes, conferindo características desejáveis de suculência, sabor e aroma. Contudo, os mesmos são facilmente oxidáveis, levando à formação de produtos tóxicos e indesejáveis. Logo após a morte do animal, inicia-se o processo de peroxidação autocatalítica, devido falta da corrente sanguínea e a conseqüente falha no aporte do sistema antioxidante natural. A oxidação dos lipídeos nos músculos é iniciada nas frações dos fosfolipídeos ao nível de membranas subcelulares (mitocôndrias e microssomos), as quais são ricas em ácidos graxos polinsaturados. O grau e extensão deste processo autocatalítico são influenciados pelos eventos pré-abate, tais como a alimentação e estresse, bem 4 como por eventos pós-abate, tais como o pH, temperatura da carcaça, encolhimento pelo frio, desossa mecânica, moagem, etc. Estas ações podem alterar a compartimentalização celular e provocar desnaturações protéicas, com a liberação do ferro catalíticamente ativo da mioglobina e de outras proteínas. A interação do ferro e de outros agentes prooxidantes com os ácidos graxos polinsaturados, resulta na geração de radicais livres e na propagação das reações oxidativas. A extensão destas reações poderá comprometer a qualidade final dos produtos industrializados,o que geralmente será detectado somente durante a vida de prateleira. Em geral, isto provoca devoluções de mercadorias, com sérios prejuízos aos fabricantes e, como o fenômeno surge somente após um bom tempo de fabricação, nem sempre as causas são devidamente avaliadas. Assim, determinados cuidados durante o processo tecnológico são necessários, como a manutenção sob temperaturas controladas e ausência de excesso de luz, como forma de se garantir melhores qualidades aos produtos finais, durante toda a sua vida de prateleira. Muitos pesquisadores sustentam que existe interdependência entre a oxidação lipídica e a formação de metamioglobina (a forma oxidada do pigmento heme). A oxidação do pigmento e a liberação do ferro cataliticamente ativo da molécula, pode induzir a oxidação lipídica, levando ao ranço. Por sua vez, os radicais livres produzidos durante a oxidação lipídica podem oxidar o pigmento heme, bem como provocar a desnaturação da parte protéica, levando a mudanças de cor indesejáveis. 7- pH MUSCULAR versus CRA (Carne PSE) Durante a conversão do músculo em carne, quando da instalação do rigor mortis, ocorre o abaixamento do pH, devido a glicólise anaeróbica. Neste momento pode ocorrer alteração na CRA, dependendo da velocidade da instalação do rigor e do valor do pH final. A rápida glicólise imediatamente após o abate gera pH muscular ácido, geralmente menor que 5,8 enquanto a carcaça ainda se encontra quente, por volta de 35°C, aos 45 min. post-mortem, em suínos. Este fenômeno causa desnaturação das proteínas, levando ao comprometimento das propriedades funcionais das carnes, conferindo assim, pobres características de processamento, com redução dos rendimentos dos produtos e conseqüentes perdas econômicas. Este fenômeno é popularmente conhecido como PSE, termo este originário das iniciais das palavras da língua inglesa Pale, Soft e Exudative, que em tradução literal significam carnes com característica pálida, fláxida e exsudativa. 5 O PSE é internacionalmente reconhecido como um sério problema à indústria de carnes e, devido à sua considerável importância econômica, este fenômeno tem sido estudado há aproximadamente 50 anos em suínos. Contudo, a sua ocorrência em aves, ganhou relevância somente nos últimos anos. Apenas recentemente, com o rápido crescimento da produção de industrializados de carne de aves e os problemas observados com sua textura, coesividade, suculência e rendimento, a questão do PSE ganhou importância nesta área. 8- NOSSAS PESQUISAS 8.1- COLÁGENO O colágeno vem sendo utilizado na indústria cárnea sob a forma de emulsão de couro suíno ou de pele de frango. Porém, esta utilização tem sido realizada de forma empírica, o que tem levado, muitas vezes, a ocorrência de defeitos, resultando em pesados prejuízos. Com os seus teores de aminoácidos hidrofóbicos (62%) e hidrofílicos (37%), o colágeno, se bem utilizado, pode participar beneficamente em produtos elaborados. Nossas pesquisas mostram que há fortes evidências da participação do colágeno na estabilização de glóbulos de gordura, além da capacidade de retenção de água e melhorador de textura, em produtos emulsionados e nos reestruturados. Em emulsões cárneas, o colágeno participa beneficamente na faixa de 15 a 18% de seu peso em relação à fração protéica ou aproximadamente 2% em relação ao peso total da massa. Acima deste índice, apesar de continuar auxiliando na textura, o colágeno passa a prejudicar a estabilidade da massa, quando em sistemas com alto teor de gordura. Há evidências de que a ação instabilizadora do colágeno, em condições de elevada quantidade de gordura e fibra de colágeno, seja devido a sua compressão física 6 aos glóbulos de gordura, com a expansão térmica dos mesmos, durante o cozimento, levando-os a coalescência. 8.2- CARNE PSE EM FRANGOS O PSE em aves, o qual é causado em conseqüência da rápida glicólise, resulta em carnes com alta perda de umidade (exsudato) e pobres características de processamento. Este fenômeno é prognosticado, em aves, pela combinação das análises de pH e cor, nos músculo Pectoralis major (filé de peito). Os resultados de nossas pesquisas nesta área mostram que os frangos são susceptíveis ao estresse físico, o qual causa mudanças bioquímicas musculares e, em conseqüência, os mesmos reagem positivamente à ocorrência de carne PSE. Neste caso a instalação do PSE ocorre quando o pH muscular atinge o valor de 5,7 no tempo 15 min. post mortem, resultando na diminuição da qualidade funcional das carnes (músculo Pectoralis major). 7 8.3- SUPLEMENTAÇÃO DE VITAMINA E versus PSE A Vitamina E ou α-tocoferol, uma molécula lipossolúvel, é um dos mais efetivos antioxidantes naturais, protegendo as membranas celulares da destruição oxidativa, conferindo melhor estabilidade às carnes. A Vitamina E interage com a dupla camada lipídica que compõem as membranas celulares e inibe a ação dos radicais livres in vivo, contribuindo para a integridade destas membranas. Nossas pesquisas também encontraram evidências que a presença de Vitamina E nas membranas celulares, via a suplementação, inibem os processos bioquímicos indutores de carne PSE em frangos. Então, as carnes com alto teor de Vitamina E endógena, apresentam melhor qualidade em suas propriedades funcionais. 8.4- VITAMINA E versus ESTABILIDADE LIPÍDICA E DE COR A Vitamina E, também confere estabilidade de cor e estabilidade lipídica aos cortes cárneos. A adição do α-tocoferol no momento do processamento de carnes aumenta a estabilidade de cor do produto e diminui os níveis de rancificação. Contudo, nossos trabalhos mostram que sua ação é efetivamente maior quando incorporado na dieta dos animais. Os resultados de nossos estudos de estabilidade de cor (estado químico do pigmento heme), mostraram que a suplementação retardou a formação de pigmento metamioglobina (cor marron), mantendo-se por mais tempo no estado oximioglobina (cor vermelha), para os produtos crus e cozidos, elaborados com carne de frango. Estas mesmas carnes apresentaram retardo na formação de ranço, com acréscimo de quatro dias na vida de prateleira, quando conservados sob resfriamento. Este efeito de melhoria, inclusive nas propriedades funcionais, foi também observado em carne mecanicamente separada (CMS), obtida a partir de resíduos de ossos das aves suplementadas. 8 9 3- CONCLUSÕES Um dos maiores desafios para a indústria de carnes é oferecer produtos macios, suculentos e com cor e sabor agradáveis e que estas características de frescor mantenham-se estáveis durante toda a sua vida de prateleira, com a maior segurança e o menor custo possíveis. Dentro deste aspecto, o estudo e o conhecimento das propriedades funcionais das matérias-primas e os fatores que as influenciam, é imprescindível para garantir a satisfação dos clientes e os resultados econômicos dos fabricantes. 4- REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA HEDRICK, H.B., ABERLE, E.D., FORREST, J.C., JUDGE, M.D., MERKEL, R.A. Principles of Meat Science. Dubuque: Kendal/Hunt, 1994, 3 ed., 354p. LAWRIE, R.A. Meat Science. Lancaster: Technomic, 1998, 6 ed., 336p. OLIVO, R. & SHIMOKOMAKI, M. Carnes: No Caminho da Pesquisa. Cocal do Sul: Imprint, 2001. 155p. RANKEM, M.D. Handbook of Meat Product Technology. Oxford: Blackwell Science, 2000. 212p. SAMS, A.R. Poultry Meat Processing. Boca Raton: CRC Press, 2001. 334p. Rubison Olivo 2- PROPRIEDADES FUNCIONAIS 4- PROTEÍNAS 6- GORDURAS 4- REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA HEDRICK, H.B., ABERLE, E.D., FORREST, J.C., JUDGE, M.D., MERKEL, R.A. Principles of Meat Science. Dubuque: Kendal/Hunt, 1994, 3 ed., 354p.
Compartilhar