Baixe o app para aproveitar ainda mais
Prévia do material em texto
Prof. Janaina de Paiva Paula Barroso CURSO TÉCNICO EM ALIMENTOS TECNOLOGIA DE CARNES E DERIVADOS CURSO TÉCNICO EM ALIMENTOS Profa. Janaina de Paiva Paula Barroso 1 Caro aluno, Tenho muito prazer em estar participando deste momento de sua vida, na construção deste módulo, que, espero, represente para você um ganho de conhecimento a ser manifestado de forma concreta na sua vida profissional. O objetivo da disciplina de Tecnologia de Carnes e Derivados no curso Técnico em Alimentos é conhecer as técnicas utilizadas na obtenção da matéria prima, o processo de transformação do músculo em carne e o processamento dos principais derivados da carne; identificar os fatores pré abate e controlar as alterações que possam ocorrer durante a transformação do músculo em carne; monitorar e executar procedimentos para obtenção de produtos derivados da carne e identificar e controlar alterações que possam ocorrer durante as fases do processamento e armazenamento de produtos cárneos. Espero que tenha um excelente curso e nunca esquecer de que estamos aqui a sua disposição para esclarecimento de dúvidas a respeito do material. Bom trabalho!!! Janaina de Paiva Paula Barroso CURSO TÉCNICO EM ALIMENTOS Profa. Janaina de Paiva Paula Barroso 2 Sumário AULA 1. A CARNE COMO ALIMENTO: COMPOSIÇÃO FISICA, ANATÔMICA, QUÍMICA E VALOR NUTRITIVO .............................................................................. 03 AULA 2. TRANSFORMAÇÃO DO MÚSCULO EM CARNE ..................................... 18 AULA 3. FATORES QUE AFETAM A QUALIDADE DA CARNE: FATORES PRÉ E PÓS ABATE ............................................................................................................. 30 AULA 4. REFRIGERAÇÃO E CONGELAMENTO ................................................... 40 AULA 5. PROCESSAMENTO TECNOLÓGICO DE PRODUTOS AVÍCOLAS E SEUS SUBPRODUTOS ............................................................................................ 54 AULA 6. PROCESSAMENTO TECNOLÓGICO DE CARNE BOVINA E SEUS SUBPRODUTOS. ..................................................................................................... 62 AULA 7. PROCESSAMENTO TECNOLÓGICO DE SUÍNOS E SEUS SUBPRODUTOS ...................................................................................................... 74 AULA 8. PROCESSAMENTO TECNOLÓGICO DE PESCADOS E SEUS SUBPRODUTOS ..................................................................................................... 82 AULA 9. INGREDIENTES E ADITIVOS EM PRODUTOS CÁRNEOS ................... 100 AULA 10. PRODUTOS CÁRNEOS PROCESSADOS ........................................... 131 AULA 11. ASPECTOS SANITÁRIOS E MICROBIOLÓGICOS PARA INDÚSTRIA FRIGORÍFICA ......................................................................................................... 166 AULA 12. ZOONOSES ........................................................................................... 172 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ....................................................................... 179 CURSO TÉCNICO EM ALIMENTOS Profa. Janaina de Paiva Paula Barroso 3 OBJETIVOS DA AULA: Conhecer um breve histórico do consumo de carnes; Compreender a estrutura física e anatômica das carnes; Saber qual sua constituição química e seu valor nutritivo. 1.1 DEFINIÇÃO DE CARNE O conceito de carne depende do ponto de vista: Carne = músculo. Carnes = todos os tecidos comestíveis dos animais de açougue, englobando músculos, com ou sem base óssea, gorduras e vísceras, podendo os mesmos ser in natura ou processados. RIISPOA: Carne de açougue são as massas musculares maturadas e demais tecidos que as acompanham, incluindo ou não a base óssea correspondente, procedentes de animais abatidos sob inspeção veterinária. Quando a RIISPOA se refere à carne maturada, seu propósito é evitar o consumo da chamada ―carne verde‖, isto é, aquela carne que não foi submetida a um tratamento preliminar pelo frio artificial. RIISPOA: REGULAMENTO DA INSPEÇÃO INDUSTRIAL E SANITÁRIA DE PRODUTOS DE ORIGEM ANIMAL AULA 1. A CARNE COMO ALIMENTO: COMPOSIÇÃO FISICA, ANATÔMICA, QUÍMICA E VALOR NUTRITIVO CURSO TÉCNICO EM ALIMENTOS Profa. Janaina de Paiva Paula Barroso 4 As carnes (músculos) são usualmente classificados em vermelhos ou brancos, baseado, principalmente, na sua intensidade de cor. Figura 1.1: Carne Vermelha. Fonte:Vivendo Saudavel.com, 2012. Figura 1.2: Carne Branca: Fonte:InfoEscola.com, 2011. Bovina Suína Caprina Ovina Aves (Perus, patos e galinhas) Pescados CURSO TÉCNICO EM ALIMENTOS Profa. Janaina de Paiva Paula Barroso 5 1.2 A HISTÓRIA DO CONSUMO DA CARNE Acredita-se que os Hominídeos (primeiros seres que o homem descendeu) eram vegetarianos, pois se alimentavam de frutos, grãos e raízes, isso há 6 milhões de anos atrás. Já os Australopithecus (seres na fase pré-humana), que viviam nas savanas, nas regiões secas da África Meridional e Oriental, reforçavam sua alimentação vegetariana com carnes de caça, antílopes, javalis, renas e bisontes. O homem paleolítico (seres humanos) comia animais que caçavam, acredita-se que comia crua, pois nessa época não conhecia o fogo. Depois que o homem aprendeu a dominar o fogo, ele mudou a maneira de se alimentar. Criaram métodos de conservação para a carne, eles enterravam a carne em cinzas quentes e depois colocavam para secar ao ar livre. O principal consumo de carne provém de ovinos, bovinos, suínos, coelhos e aves. Entretanto, em alguns países a carne de cavalo, cabra e veado é também consumida regularmente; e várias outras espécies de mamíferos em diferentes partes do mundo de acordo com a sua disposição ou costume local. Assim, por exemplo, a foca e o urso polar são importantes na dieta de esquimós, do mesmo modo que a girafa, o hipopótamo e o elefante são em algumas tribos da África Central. O canguru é consumido pelos aborígines australianos, e os cães e gatos estão incluídos nas carnes consumidas no sudoeste da Ásia; o camelo fornece alimentos nas áreas desérticas onde ele predomina e a baleia o tem feito na Noruega e no Japão. A carne humana foi consumida por canibais em áreas remotas até poucas décadas passadas. Desde a pré-história até hoje a carne sempre teve um papel importante e principal na alimentação do homem, sempre foi tratada como algo sagrado. CURSO TÉCNICO EM ALIMENTOS Profa. Janaina de Paiva Paula Barroso 6 Figura 1.3: Hominídeos. Figura 1.4: Australopithecus Fonte: historiadomundo.com.br Fonte:avph.com.br 1.3 ESTRUTURA DA CARNE (COMPOSIÇÃO FÍSICA) Os tecidos animais são conjuntos de células com a mesma origem e com funções idênticas. Cada tecido pode ser caracterizado pela forma, dimensão e estrutura das suas células. Podemos considerar os seguintes tipos básicos de tecidos animais: epitelial, conjuntivo, nervoso e muscular. Tecido Epitelial: são células de revestimento ou glandulares. Sua função é de proteger, secreção, excreção, transporte, absorção e percepção sensorial. Os epitélios de revestimento protegem o organismo. Por exemplo: a pela humana é um tecido epitelial de revestimento que tem a funçãode proteger o corpo humano contra a desidratação, o atrito e as invasões de bactérias. Os epitélios glandulares formam as glândulas e têm a função de produzir secreções. Por exemplo: as glândulas lacrimais, as sudoríparas, o pâncreas, etc. Tecido Conjuntivo: destinado a unir, envolver e sustentar os demais tecidos, e tem a função principal de preenchimento de espaços e ligação de tecidos e órgãos. Tecido adiposo: a gordura na carne seria uma transformação do tecido conjuntivo para depósito energético. Conforme o local de deposição na carcaça pode-se classificar a gordura em externa (subcutânea), interna CURSO TÉCNICO EM ALIMENTOS Profa. Janaina de Paiva Paula Barroso 7 (envolvendo os órgãos e vísceras), intermuscular (ao redor dos músculos) e intramuscular (gordura entremeada às fibras musculares, marmoreio). A grande função da gordura na carne está relacionada às suas características organolépticas. Tecido Ósseo: o tecido ósseo constitui os ossos, que formam o esqueleto de todos os vertebrados, e é formado por uma substância intercelular muito sólida, que contém cristais de fosfato de cálcio, fibras colágenas e células características chamadas osteócitos. É juntamente com o tecido muscular, o principal sistema de sustentação. Nos ossos compridos observam-se os dois tipos de tecido ósseo: o compacto, na parte tubular, e o esponjoso, que se encontra na cabeça dos ossos e nos ossos curtos. Tecido Cartilaginoso: é um tecido elástico e flexível. Tem consistência mais rígida que os tecidos conjuntivos. Ele forma as cartilagens dos esqueletos dos vertebrados. Por exemplo: as orelhas, os brônquios, o nariz. Alguns peixes, como o tubarão e o cação, possuem todo o esqueleto cartilaginoso. A cartilagem das articulações, juntamente como líquido sinovial, diminui o atrito entre os ossos. A cartilagem dos discos invertebrais amortece os choques transmitidos à coluna pelo movimento do corpo. Tecido Nervoso: o tecido nervoso forma o sistema que regula, controla e dirige todo o organismo. É capaz de receber estímulos do ambiente e do interior do próprio organismo, bem como interpretar esses estímulos e comandar as respostas a eles. Suas células são altamente diferenciadas, tanto que perdem a capacidade de se dividir. É constituído pelas células nervosas (neurônios), que conduzem impulsos nervosos, e pelas células da neuroglia, que dão sustentação, nutrição e proteção aos neurônios. O ponto de contato entre dois neurônios chama-se sinapse. Tecido Muscular: os tecidos musculares são responsáveis pelos movimentos corporais e são constituídos por células alongadas denominadas fibras musculares. O tecido muscular compõe todos os músculos do corpo humano. CURSO TÉCNICO EM ALIMENTOS Profa. Janaina de Paiva Paula Barroso 8 1.3.1 Estrutura do Tecido Muscular De acordo com as características morfológicas e funcionais, podemos distinguir nos mamíferos, três tipos de músculos: Músculo liso: formado por aglomerados de células fusiformes que não possuem estrias transversais; o processo de contração é lento e não está sujeito ao controle voluntário. O músculo liso está principalmente presente nas vísceras, como o estômago, o intestino, os pulmões e os vasos sanguíneos. Músculo estriado esquelético: formado por feixes de células cilíndricas muito longas e multinucleadas, que apresentam estriações transversais; tem contração rápida, vigorosa e sujeita ao controle voluntário. São eles os músculos comuns geralmente envolvidos na locomoção ou no envolvimento de vísceras. Músculo estriado cardíaco: que também apresenta estrias transversais, é formado por células alongadas e ramificadas, que se unem longitudinalmente às células vizinhas, formando uma rede; apresentam contração involuntária, vigorosa e rítmica. O tecido estriado cardíaco está na constituição do coração, a bomba propulsora do sistema circulatório humano. Figura 1.5: Tipos de músculos. Fonte: http://auladefisiologia.files.wordpress.com/2009/08/tecido-muscular.jpg CURSO TÉCNICO EM ALIMENTOS Profa. Janaina de Paiva Paula Barroso 9 As células musculares são tão diferenciadas e tem características tão peculiares que seus componentes receberam nomes especiais. A membrana citoplasmática é chamada de sarcolema; o citoplasma de sarcoplasma; o retículo endoplasmático, de retículo sarcoplasmático; e as mitocôndrias, de sarcossomos. A fibra muscular é a unidade fundamental na estrutura do músculo. Cada fibra apresenta-se envolvida por tecido conjuntivo denominado endomísio. As fibras agrupam-se para constituir os feixes musculares, sendo também envolvidos por um tecido conjuntivo denominado perimísio. O músculo, constituído por agrupamento de feixes, é envolvido pelo epimísio, também de tecido conjuntivo. Portanto, na constituição do músculo, estão intimamente associadas às fibras musculares e o tecido conjuntivo. Figura 1.6: Estruturação e organização do tecido muscular esquelético Fonte: http://curlygirl.no.sapo.pt/imagens/misios.jpg A miofibrila é uma organela especificamente do tecido muscular. São banhadas pelo sarcoplasma e se estendem pelo comprimento total da fibra muscular. A miofibrila possui um arranjo bem ordenado de pontos chamados de http://curlygirl.no.sapo.pt/imagens/misios.jpg CURSO TÉCNICO EM ALIMENTOS Profa. Janaina de Paiva Paula Barroso 10 miofilamentos, comumente denominados de filamentos grossos (miosina) e finos (actina, tropomiosina e troponina), os quais dispostos regularmente originam um padrão bem definido de estrias (faixas) transversais alternadas, claras e escuras. As miofibrilas são constituídas por unidades que se repetem ao longo de seu comprimento, denominadas sarcômeros. A distribuição dos filamentos de actina e miosina varia ao longo do sarcômero. As faixas mais extremas e mais claras do sarcômero, chamadas banda I, contêm apenas filamentos de actina. Dentro da banda I existe uma linha que se cora mais intensamente, denominada linha Z, que corresponde a várias uniões entre dois filamentos de actina. A faixa central, mais escura, é chamada banda A, cujas extremidades são formadas por filamentos de actina e miosina sobrepostos. Dentro da banda A existe uma região mediana mais clara, a banda H, que contém apenas miosina. Um sarcômero compreende o segmento entre duas linhas Z consecutivas e é a unidade contrátil da fibra muscular, pois é a menor porção da fibra muscular com capacidade de contração e distensão. Do ponto de vista energético, morfológico, fisiológico e histoquímico, têm-se três tipos de fibras musculares esqueléticas: Fibras vermelhas: apresentam alto conteúdo de citocromo e mioglobina, os responsáveis pela sua cor característica. Retiram energia principalmente através de processos de oxidação fosforilativa, possuindo, portanto, grande quantidade de mitocôndrias. São fibras de contração mais lenta e são encontradas na coxa e asa das aves e nos membrana dos mamíferos; Fibras brancas: contém baixo teor de citocromo, mioglobina e as mitocôndrias. Utilizam energia obtida através de processos de glicólise. São de contração rápida e como exemplo tem os músculos peitorais das aves; Fibras intermediárias: que apresentam características intermediárias entre os dois tipos acima citados. 1.3.2 Mecanismo de Contração Muscular A contração de um músculo resulta do encurtamento de suas fibras, o que por sua vez resulta do encurtamento dos filamentos de actina e miosina, que ativamenteCURSO TÉCNICO EM ALIMENTOS Profa. Janaina de Paiva Paula Barroso 11 deslizam e se encaixam um ao outro, formando um complexo chamado actomiosina. No animal vivo, o complexo actomiosina é reversível; porém no animal após abatido, o complexo torna-se irreversível, sendo chamado de rigor mortis ou rigidez cadavérica. 1.4 COMPOSIÇÃO QUIMICA DA CARNE – VALOR NUTRICIONAL A carne pode ser considerada como um alimento nobre para o homem, pois serve para a produção de energia, para a produção de novos tecidos orgânicos e para a regulação dos processos fisiológicos, respectivamente, a partir das gorduras, proteínas e vitaminas constituintes dos cortes cárneos. A carne magra apresenta em torno de 75% de água, 21 a 22% de proteína, 1 a 2% de gordura, 1% de minerais e menos de 1% de carboidratos. A carne magra dos diferentes animais de abate possui uma variação química pequena (Tabela 1.1). O conteúdo energético é relativamente baixo, com média de 105 kcal/100g de carne crua. Na gordura pura os valores são maiores, em torno de 830 kcal/100g. Tabela 1.1. Composição química (g/100g) e conteúdo energético(Kcal/100g) médio da carne magra, crua e da gordura de alguns animais de abate. Fonte: http://pucrs.campus2.br/~thompson/Roca102.pdf CURSO TÉCNICO EM ALIMENTOS Profa. Janaina de Paiva Paula Barroso 12 As carnes cozidas ou assadas perdem água durante o preparo culinário, aumentando o teor dos outros componentes, como gordura e proteínas. Uma comparação entre a composição da carne magra, preparada, com outros alimentos mostra que a carne é um alimento rico em proteínas, pobre em carboidratos e relativamente pobre em gordura. 1.4.1 Água A água é muito importante para a atividade muscular, uma vez que a pressão descompressão, contração e relaxamento somente é possível em presença da água. A porcentagem da água dos animais abatidos guarda estreita relação com a proteína. A relação água-proteína pode ser considerada como uma constante biológica. Esta relação é utilizada para determinar a quantidade de água adicionada à carne picada e aos embutidos. A carne vermelha magra possui ao redor de 75% de água, em peso. Por ser um componente abundante, a água influi na qualidade da carne, afetando a suculência, textura, cor e sabor. Sendo a água o meio universal das reações biológicas, sua presença afeta diretamente as reações que ocorrem na carne durante o armazenamento e processamento. 1.4.2 Minerais O conteúdo de cinzas ou resíduo mineral fixo, obtido após incineração da carne a 500-600ºC, está em torno de 0,8 a 1,8%. Entre as funções importantes que exercem os íons orgânicos e inorgânicos destacam-se: o cálcio e o magnésio desempenham papel importante na contração muscular; os compostos orgânicos do fósforo, com diversos ésteres do ácido fosfórico intervém nas modificações post- mortem, no processo de maturação da carne e hidratação da carne. A carne possui quase todos os minerais de importância para a nutrição humana. Em termos quantitativos, o fósforo e o potássio são os mais importantes. A relação entre potássio e sódio é favorável na carne, considerando que o sódio se CURSO TÉCNICO EM ALIMENTOS Profa. Janaina de Paiva Paula Barroso 13 encontra em quantidade escassa. Entretanto, os produtos cárneos processados são ricos em sódio devido a adição de sal refinado, na proporção de 2 a 3% durante a elaboração. A carne também é uma boa fonte de oligoelementos como zinco e ferro. A importância da carne como fonte de ferro não se baseia somente no elevado teor, e sim porque o ferro proveniente da carne possui uma melhor biodisponibilidade que os alimentos vegetais. 1.4.3 Carboidratos A carne é pobre em carboidratos, podendo ser constituída de polissacarídeos (glicogênio) e monossacarídeos (glicose e frutose). O conteúdo de glicogênio varia com o tipo de músculo e atividade. No animal vivo, está em torno de 1,5%, e após as modificações post-mortem, em torno de 0,1%. As vísceras comestíveis são mais ricas em carboidratos do que a carne muscular. O fígado bovino possui de 2 a 4% e de suíno 1% de carboidratos. Quando a carne é assada, os carboidratos combinam-se com aminoácidos livres, formando melanoidinas que dão sabor e odor característicos. 1.4.4 Proteínas O teor em proteínas com alto valor biológico é uma característica positiva da carne. O valor biológico de uma proteína está determinado pelo seu conteúdo em aminoácidos essenciais. As proteínas de origem animal possuem, devido à sua composição em aminoácidos, um valor biológico mais elevado que as proteínas de origem vegetal. Sob o ponto de vista da solubilidade, as proteínas podem ser classificadas em: • Proteínas solúveis em água ou em soluções salinas diluídas. Compreende numerosas proteínas sarcoplasmáticas (cerca de 50 componentes), CURSO TÉCNICO EM ALIMENTOS Profa. Janaina de Paiva Paula Barroso 14 muito dos quais são enzimas glicolíticas. Inclua-se também aqui a mioglobina, principal pigmento da carne; • Proteínas solúveis em soluções salinas concentradas ou proteínas miofibrilares (actina, miosina, actomiosina). Estas proteínas são importantes na contração muscular e nas modificações post-mortem. • Proteínas insolúveis em soluções salinas concentradas. São proteínas do tecido conjuntivo (colágeno, elastina e reticulina) e enzimas da respiração e fosforilação oxidativa. O colágeno é o principal componente do tecido conjuntivo, que é encontrado na pele, tendões e fazendo parte do músculo esquelético. Em presença de água, aquecida a 60-70ºC, o colágeno sofre encolhimento; à temperaturas mais elevadas (80ºC), converte-se em gelatina, solúvel em água. O colágeno apresenta elevado teor de hidroxiprolina, que pode ser usada para a determinação da riqueza de um músculo em tecido conjuntivo. A solubilidade das proteínas da carne é o principal fator que determina as propriedades de suculência. A solubilidade é influenciada pelo pH, temperatura e início do rigor-mortis. Na técnica de avaliação da solubilidade, por métodos de extração são separadas: proteínas solúveis em água, proteínas solúveis em sal (1%), proteínas sarcoplasmáticas e proteínas miofibrilares. 1.4.5 Lipídeos A carne tem sido classificada dentro da categoria de alimentos ricos em gordura e é apontada de maneira muito crítica, quanto ao aspecto de alimentação saudável. As tabelas de composição química da carne divulgadas normalmente, são antigas e ultrapassadas e apresentam um teor de matéria graxa elevado, o que não é observado atualmente. A gordura está armazenada no tecido animal de quatro modos: extracelular, constituída dos depósitos de tecido adiposo subcutâneo e demais depósitos no organismo animal; a intermuscular entre os músculos; a intramuscular, conhecida como marmorização, constituídas de fibras muito finas no tecido muscular. Possui também uma pequena quantidade de graxa no tecido muscular, a qual é encontrada formando pequenas gotículas no líquido intercelular. CURSO TÉCNICO EM ALIMENTOS Profa. Janaina de Paiva Paula Barroso 15 A marmorização é desejável na carne, desde que não seja em excesso. Contribui para a suculência, firmeza e sabor da carne. As gorduras de búfalos, bovinos e ovinos possuem maior proporção de ácidos graxos saturados, enquanto que em suínos e aves predominam os ácidos graxos insaturados. A idade influi na composição da gordura(acumula mais gordura à medida que envelhece). O sexo afeta o conteúdo de gordura intramuscular, os machos apresentam menos que as fêmeas. A gordura possui, como componente nutritivo, o maior valor calórico. É, portanto uma fonte de energia de primeira linha, sobre tudo durante o exercício físico. Ademais, o componente graxo da dieta, a não ser que se requeira sua transformação em energia, é armazenado no organismo em forma de depósitos graxos. Por tudo isso, muitos consumidores preferem uma alimentação pobre em gordura. Além do mais um consumo suficiente de gordura é importante como garantia de um abastecimento adequado de vitaminas lipossolúveis. 1.4.6 Vitaminas A carne possui vitaminas hidrossolúvel do grupo B, como vitaminas B1, B2, B6 e B12. As vitaminas lipossolúveis, como vitamina A e D, encontram-se em quantidades importantes somente nas vísceras, principalmente no fígado. O fígado e os produtos derivados da carne possuem quantidades consideráveis de vitamina C. A carne suína é importante fonte de vitamina B1, enquanto que a carne de outros animais de abate contem esta vitamina em menores teores. A carne e produtos derivados também possuem ácido nicotínico, pantotênico e fólico. As vitaminas podem ser perdidas ou diminuídas durante o cozimento. A perda por cocção corresponde a cerca de: A (5-10%), B1 (30%), B2 (25%) e C (35-40%). O processo de fritura (alta temperatura em curto tempo) promove menos perdas de vitaminas termolábeis. CURSO TÉCNICO EM ALIMENTOS Profa. Janaina de Paiva Paula Barroso 16 O armazenamento da carne deve ser feito sob-refrigeração e em ausência da luz, para não haver perdas de algumas vitaminas. Se o armazenamento for prolongado aconselha-se usar peças grandes. Os metais, o corte e a trituração tem ação prejudicial sobre as vitaminas, sendo que o processo de cura de carnes promove destruição da vitamina C. 1.4.7 Enzimas Entre outras, encontram-se catepsinas, aldolases, fosforilases, lipases, catalases e peroxidases. São muito importantes nos fenômenos post mortem. A maior parte encontram-se no sarcoplasma. Entre os fatores que influem na ação das enzimas podem ser destacados: • Temperatura: atuam numa faixa de temperatura que vai de -20 a +60ºC. Há temperaturas inferiores sua ação é retardada. Acima de 60ºc, inicia-se sua inativação. Há 100ºC há destruição total. • pH: a faixa ótima de atuação está entre pH 5-7. • Umidade: a reação enzimática ocorre quando os componentes estão em meio aquoso. Diminuindo-se o teor de umidade, diminui também a ação enzimática. A ação enzimática pode ser evidenciada em vários aspectos. A catepsina é importante na maturação da carne. Na transformação do ácido lático atuam várias enzimas: amilases, que desdobram o glicogênio em glicose; uma mistura de enzimas (transferases, óxido-redutases e esterases) transformam a glicose em ácido lático. Na putrefação da carne e produtos cárneos participam as óxido-redutases, provocando a decomposição das substâncias nutritivas e dando formação a substâncias de mau odor e sabor. As enzimas lipolíticas podem causar a rancificação das gorduras. 1.4.8 Colesterol e purina Na carne estão presentes também substâncias indesejáveis, como colesterol e purinas, que devem ser evitadas o consumo em elevadas concentrações. CURSO TÉCNICO EM ALIMENTOS Profa. Janaina de Paiva Paula Barroso 17 O colesterol é uma substância encontrada na membrana celular de toda célula animal, sendo necessária para sua existência. A carne magra possui, em média 70mg de colesterol por 100g de carne crua, sendo maiores para novilhos e animais silvestres. Os valores dos embutidos variam de acordo com a quantidade de gordura. As vísceras apresentam elevados teores de colesterol. As purinas são formadas a partir do ATP e elementos do ácido nucleico e são degradadas no organismo formando ácido úrico, que em pessoas normais é eliminado pela urina. Em pessoas com transtorno do metabolismo úrico, o consumo de alimentos ricos em purina eleva o teor de ácido úrico no sangue, podendo levar a ocorrência de gota úrica. Por essa razão é recomendável indicar o teor de purinas em mg de ácido úrico formado por 100g de alimento. A carne magra contém aproximadamente 150 mg/100g, pertencendo ao grupo de alimentos com teor médio de purina. Os teores elevados de purinas são encontradas nas vísceras. DICA: Para saber mais da importância da carne na alimentação veja o vídeo do youtube: http://www.youtube.com/watch?v=9q6D6o8W6x8 http://www.youtube.com/watch?v=9q6D6o8W6x8 CURSO TÉCNICO EM ALIMENTOS Profa. Janaina de Paiva Paula Barroso 18 EXERCICIOS DE FIXAÇÃO 1) De acordo com a RIISPOA, qual a definição de carnes? 2) Cite os tipos básicos de tecidos animais. 3) Qual tecido é responsável pelos movimentos corporais e são constituídos por células alongadas denominadas fibras musculares? 4) A carne é considerada um alimento rico em qual nutriente? CURSO TÉCNICO EM ALIMENTOS Profa. Janaina de Paiva Paula Barroso 19 OBJETIVOS DA AULA: Compreender como acontece o processo de rigor mortis; Entender as alterações que acontecem na carne. 2.1 INTRODUÇÃO A partir da morte do animal, o músculo experimenta certos processos de natureza bioquímica e biofísica, a ponto de se diferenciar de suas características originais, passando a ser considerado carne. Apesar da morte do animal, a musculatura não cessa imediatamente suas atividades. A atividade muscular só cessa quando acaba a fonte de energia disponível. Toda a glicose presente é consumida e na falta de Oxigênio, as células transformam a glicose em ácido láctico. Por um processo bioquímico há a contração da musculatura animal, ou ―rigor mortis‖, o que provoca o endurecimento da carne. Cessado o metabolismo celular, ocorre a morte e conseqüente liberação de enzimas no tecido. As enzimas agem nas ligações protéicas formadas no ―rigor mortis‖, quebrando essas ligações e permitindo o amolecimento da carne. A maturação que se segue visa permitir a máxima extensão da proteólise, sem perda da qualidade organoléptica e nutritiva da carne. As modificações bioquímicas e estruturais ocorrem simultaneamente e são dependentes dos tratamentos ante-mortem, do processo de abate e das técnicas de armazenamento da carne. 2.2 GLICOGÊNIO O glicogênio encontra-se distribuído em todos os tecidos, mas é importante considerá-lo no fígado e no músculo estriado onde o seu metabolismo assume maior significado na transformação do músculo em carne. Apresenta grande importância AULA 2. TRANSFORMAÇÃO DO MÚSCULO EM CARNE CURSO TÉCNICO EM ALIMENTOS Profa. Janaina de Paiva Paula Barroso 20 no estudo das alterações post-mortem, tendo em vista que a sua concentração a nível muscular momentos antes do abate definirá de maneira significativa a formação de ácido lático e a conseqüente queda do pH. O glicogênio muscular é utilizado como fonte de material energético para sustentar a contração quando a demanda por energia é maior do que a que pode ser oferecida pela glicose. No citoplasma das células hepáticas e fibras musculares existem enzimas para a síntese e quebra de glicogênio. A atividade enzimática é regulada por hormônios: a síntese de glicogênio é estimulada pela insulina e a quebra é estimulada poradrenalina e glucagon. A glicogenólise é o processo de degradação do glicogênio armazenado na célula, através da fosforilação e ação da enzima fosforilase, para a formação de glicose. Essa reação é promovida quando há necessidade de nova formação de glicose a partir do glicogênio. 2.3 GLICÓLISE, CICLO DE KREBS E CADEIA RESPIRATÓRIA Para compreensão da transformação do músculo em carne é necessário o conhecimento dos processos bioquímicos que ocorrem no animal em vida. As reações químicas no músculo vivo e após o sacrifício são similares, porém deve-se considerar que, após a morte fisiológica, os tecidos são incapazes de sintetizar e eliminar determinados metabólitos. A glicólise é um processo que envolve todas as etapas da conversão da glicose muscular em ácido pirúvico (glicólise aeróbica) ou ácido lático (glicólise anaeróbica). Estas reações ocorrem no sarcoplasma e as enzimas que catalisam cada uma das reações são proteínas sarcoplasmáticas solúveis. A glicólise aeróbica é a degradação da glicose na presença de O2, tendo como produto final o piruvato que por sua vez é transportado para dentro da mitocôndria para completar sua oxidação até CO2 e H2, ativando o ciclo de Krebs e a cadeia respiratória. CURSO TÉCNICO EM ALIMENTOS Profa. Janaina de Paiva Paula Barroso 21 A glicólise anaeróbica é a degradação da glicose sem a necessidade de O2, tendo como produto final o acido láctico, esta via é muito mais rápida que a glicólise aeróbica sendo utilizada quando exercícios rigorosos são realizados. Figura 2.1: Glicólise aeróbica Fonte: http://www.fortunecity.com/greenfield/eco/813/glicolise.gif http://www.fortunecity.com/greenfield/eco/813/glicolise.gif CURSO TÉCNICO EM ALIMENTOS Profa. Janaina de Paiva Paula Barroso 22 O catabolismo anaeróbico da glicose até ácido láctico ocorre normalmente, durante períodos curtos de atividade muscular intensa, como por exemplo, em uma corrida de 100m realizada em poucos segundos, ou outras situações de estresse, durante os quais o oxigênio não pode ser levado de forma suficientemente rápida aos músculos, para oxidar todo piruvato. Assim, músculos utilizam a glicose armazenada (glicogênio) como combustível para produzir ATP por meio de fermentação, com a produção de lactato como produto final. Neste exemplo, a concentração de lactato no sangue sobe a valores muito altos. Sob condições normais de funcionamento do organismo (homeostase), esse lactato é enviado ao fígado, onde é reconvertido em glicose, por meio do processo de gliconeogênese. A glicose é então reenviada ao músculo, onde é armazenada na forma de glicogênio, para então ser novamente disponibilizada para produção de ATP. Figura 2.2: Glicólise anaeróbica. Fonte: http://www.scielo.br/img/revistas/cr/v39n4/a52fig02.gif http://www.scielo.br/img/revistas/cr/v39n4/a52fig02.gif CURSO TÉCNICO EM ALIMENTOS Profa. Janaina de Paiva Paula Barroso 23 No caso de estresse severo e após a morte do animal, com a ausência continuada de oxigênio e a falta de corrente sanguínea, ocorre o acúmulo de ácido láctico, diminuindo o pH e levando à fadiga e injúria muscular. Este é o principal fenômeno responsável pela transformação de músculo em carne, quando da morte do animal. Condições de estresse antes do abate também afetam a fisiologia normal do organismo e, por conseguinte, a qualidade final da carne. A segunda parte do mecanismo que ocorre na mitocôndria, no animal em vida, é chamada de ciclo de Krebs. É uma continuação da via glicolítica e requer oxigênio. Sua função é converter os ácidos pirúvico e láctico, produtos finais da glicólise nos animais, em gás carbônico e íons hidrogênio. O ciclo de Krebs constitui um mecanismo comum não só para oxidação dos produtos da glicólise, mas também para oxidação final de produtos resultantes do metabolismo de ácidos graxos e aminoácidos. O gás carbônico proveniente do ciclo de Krebs é eliminado através da corrente sangüínea e os íons hidrogênio entram na terceira fase do mecanismo chamada de fosforilação oxidativa. Os nucleotídeos NAD, NADP e FAD agem em colaboração com enzimas mitocondriais para efetuarem o transporte de elétrons e facilitarem a transferência de hidrogênio, produzindo NADH2, NADPH2 e FADH2. Estes nucleotídeos reduzidos naturalmente, dão origem à formação de ATP a partir de ADP (adenosina difosfato). Figura 2.3: Cadeia de reações que fornecem energia para a contração muscular e mantêm o organismo em homeostase. Fonte: OLIVO (2005). CURSO TÉCNICO EM ALIMENTOS Profa. Janaina de Paiva Paula Barroso 24 2.4 HOMEOSTASE O músculo, enquanto vivo, é um sistema complexo que é usado para possibilitar o movimento e manter a vida. No animal vivo todos os órgãos estão trabalhando fisiologicamente em harmonia, onde é essencial que o ambiente interno seja mantido dentro de uma faixa muito estreita de temperatura, pH, concentração de oxigênio (O2) e de gás carbônico (CO2). A manutenção dessa condição de balanço é chamada homeostase, necessária para o bom funcionamento do organismo, em diferentes condições de estresse. O mecanismo homeostático é presidido pelo sistema nervoso e glândulas endócrinas. O corpo emprega milhares de nervos sensórios para coletar dados sobre as condições de estresse internas e externas ao organismo, como a pressão física, temperatura, umidade relativa, concentração de gás, pressão sanguínea e outras condições adversas. Estas informações são processadas e, quando requeridas, reações corretivas são ativadas, através de um complexo sistema hormonal, visando à manutenção de estado de conforto fisiológico. O termo estresse é uma expressão comum para designar o conjunto de reações do organismo a agressões de ordem física, psíquica e outras, capazes de perturbar a homeostase. 2.5 CONVERÇÃO DO MÚSCULO EM CARNE O conhecimento da estrutura e do mecanismo da contração muscular no animal vivo é fundamental para a compreensão das mudanças que ocorrem durante a conversão do músculo em carne. Momentos antes e, logo após a morte do animal, o tecido muscular passa por uma série de reações fisiológicas e bioquímicas, como tentativa de manter a homeostase. O conjunto dessas reações acarreta no abaixamento do pH. Este é o principal fenômeno da transformação do músculo em carne, sendo que a velocidade de abaixamento do pH e seu valor final, serão determinantes para a qualidade final da carne. CURSO TÉCNICO EM ALIMENTOS Profa. Janaina de Paiva Paula Barroso 25 Com a sangria, se da o início das principais mudanças que irão ocorrer na fase post mortem. A remoção do sangue é necessária, pois sua permanência no músculo afetara a qualidade da carne. Como o sangue é um meio muito rico de nutrientes facilitará diversas alterações indesejáveis de ordem físico-químicas e microbiológicas, que podem levar à perda da qualidade do músculo como alimento. Sua presença compromete a apresentação visual, como de hemorragias, petéquias hemorrágicas e outras manchas escuras. Após a sangria, a maioria dos mecanismos homeostáticos é interrompida. O primeiro e mais sério efeito é a interrupção do suprimento de oxigênio. A produção de energia pela via glicolítica aeróbica é interrompida. A partir deste momento, na ânsia de manter-se vivo, o organismo recorre a glicólise anaeróbica, com a conseqüente produção de ácido láctico. Como visto anteriormente,vale lembrar que estas condições anaeróbicas também ocorrem no músculo in vivo, quando de uma atividade física acentuada ou outra condição de estresse. Contudo, normalmente, quando o pH chega ao valor de 6,6 o mecanismo de contração é inibido, principalmente devido ao recolhimento do cálcio ao retículo sarcoplasmático. O organismo entra em estafa momentânea e é obrigado a permanecer em descanso para a sua recuperação. No momento da sangria, o organismo procurará ajustar-se, tentando manter um suprimento normal de sangue aos órgãos vitais. Para tanto, o batimento cardíaco irá aumentar e os vasos sanguíneos periféricos irão contrair-se. Até certo ponto este fenômeno dá resultado, uma vez que, durante a sangria, só se consegue remover aproximadamente 50% do volume total de sangue do corpo. No entanto, o ácido láctico não poderá ser removido ao fígado, acumulando na musculatura e, ocasionando o abaixamento do pH. Outros metabólicos também acumulam, como o CO2. 2.6 INSTALAÇÃO DO RIGOR MORTIS O teor de ácido láctico presente no músculo, no momento da morte do animal, irá determinar a velocidade da instalação do rigor mortis e o pH final da carne. CURSO TÉCNICO EM ALIMENTOS Profa. Janaina de Paiva Paula Barroso 26 Sendo que, o valor deste pH final, dependerá diretamente da quantidade de glicogênio presente no músculo, no momento da morte do animal. Normalmente, o pH fisiológico (in vivo) de aproximadamente 7,0 diminui para o pH final de 5,8. Valores de pH final acima ou abaixo de 5,8 são considerados anormais, pois influenciarão na qualidade funcional da carne. Normalmente, para efeitos didáticos, entende-se por pH final o valor medido no tempo 24h post mortem. Quando o abaixamento do pH estabiliza e atinge o seu valor final, tem-se que o mecanismo de contração/relaxamento das miofibrilas foi interrompido, pois não ocorre mais fornecimento de energia (ATP) pelo sistema homeostático. Neste momento é determinada a instalação do rigor mortis, pois grande parte das proteínas actina e miosina estão ligadas, formando a actomiosina (neste momento, irreversível), caracterizando o estado de rigidez da musculatura (rigidez cadavérica). O encurtamento provocado pelo rigor mortis difere da contração normal porque se formam mais pontes cruzadas de actomiosina. Durante a contração normal ligam-se somente 20% dos sítios de ligação possíveis, durante o rigor mortis, praticamente todos os sítios de ligação entre actina e miosina são utilizados, fazendo com que ocorra um significativo encurtamento do sarcômero. A velocidade de instalação do rigor mortis varia entre as espécies. O estresse ante mortem e o teor de glicogênio muscular no momento do sacrifício do animal, também serão determinantes para esta velocidade. Tabela 2.1: Tempo de instalação e resolução do rigor mortis. Fonte: OLIVO (2005) CURSO TÉCNICO EM ALIMENTOS Profa. Janaina de Paiva Paula Barroso 27 2.7 RESOLUÇÃO DO RIGOR MORTIS Após certo período de tempo, o músculo, já transformado em alimento cárneo, torna-se-á flexível, devido à ação das enzimas proteolíticas, que vagarosamente quebram os componentes do sarcômero. Este fenômeno é cientificamente denominado de resolução do rigor, podendo ser traduzido comercialmente, como maturação da carne. A qualidade final da carne, em termos de maciez, dependerá muito deste fenômeno. As enzimas proteolíticas responsáveis pela degradação são principalmente as calpaínas e catepsinas. Estas enzimas são ativadas pelo cálcio e promovem a degradação da linha Z e das proteínas estruturais, levando a fragmentação e ao enfraquecimento da miofibrila, com o conseqüente amaciamento da carne. A temperatura post mortem, é um fator crítico para a obtenção da qualidade final da carne. A temperatura ideal para os processos bioquímicos post mortem é de 15 a 20°C. É absolutamente necessário iniciar a redução da temperatura da carcaça tão logo possível após o sacrifício do animal. No entanto a redução da temperatura muito rápida pode causar problemas de maciez da carne. A redução da temperatura da carcaça, antes de completar o rigor mortis, pode resultar na condição conhecida como "encolhimento pelo frio", devido à contração muscular. 2.8 ENCURTAMENTO PELO FRIO A carne de bovinos e ovinos quando armazenada a uma temperatura inferior a 14ºC durante os primeiros processos post mortem, quando o pH ainda é superior a 6,8, apresenta uma forte predisposição à contração muscular intensa. Este fenômeno é chamado de encurtamento pelo frio ou cold shortenig. É mais intensa quanto mais próxima esteja à temperatura de resfriamento do ponto de congelamento. Esta carne, quando cozida, apresenta-se extremamente dura. No interior de grandes massas musculares este fenômeno é menos intenso. A musculatura vermelha é mais suscetível a este processo que a musculatura branca. CURSO TÉCNICO EM ALIMENTOS Profa. Janaina de Paiva Paula Barroso 28 A maneira mais usual de evitar este processo é controlando a temperatura de resfriamento das carcaças de modo a evitar que a carne alcance temperatura igual ou inferior a 10ºC dentro das primeiras 10 horas após o abate de ovinos e bovinos. Considerando isto, é importante ressaltar que deve-se reduzir a temperatura das carcaças logo após o abate de modo a retardar ao máximo a queda do pH e, principalmente, o desenvolvimento do rigor mortis, evitando-se a formação excessiva da actomiosina, assegurando a maciez da carne. 2.9 ALTERAÇÕES NA QUALIDADE DAS CARNES 2.9.1 Carnes PSE Estas carnes são caracterizadas por serem pálidas, flácidas e exsudativas (pale, soft, exsudatives). Este defeito é relacionado com o genótipo de determinadas raças suínas, principalmente naquelas que sofreram intensa seleção para melhor conversão alimentar e produção de carcaças magras. Estes animais são muito suscetíveis ao estresse e à hipertermia causada por ele. Nestes animais ocorre uma rápida degradação do glicogênio, principalmente após o abate, o que faz com que o pH atinja valores inferiores a 5,8 uma hora após o abate. A combinação do baixo pH e da elevada temperatura destas carnes causa uma maior desnaturalização das proteínas miofibrilares nas carnes PSE. Estas carnes apresentam um pH em torno de 5,5. O maior defeito da carne PSE é a exsudação. Nestas carnes, a água encontra-se pouco ligada às proteínas e também as membranas celulares são mais permeáveis. A exsudação também pode ser explicada pela desnaturação das proteínas. Este defeito das carnes suínas tem grande impacto econômico, uma vez que estas carnes são inadequadas para a industrialização e são de aspecto desagradável ao consumidor. Além disto, os principais músculos afetados são os de maior valor, o lombo e o pernil. CURSO TÉCNICO EM ALIMENTOS Profa. Janaina de Paiva Paula Barroso 29 A rápida detecção de carnes PSE é de grande importância dentro de uma indústria. O método mais utilizado é a aferição do pH das carcaças aos 45 minutos após o abate e ao final do resfriamento. 2.9.2. Carnes DFD São carnes de aspecto escuro, firme e seco (dark, firm, dry), também denominadas carnes de corte escuro (dark cutting beef) em bovinos. Em carne bovina, apresenta superfície de corte pegajosa. Em suínos, a carne pode parecer muito escura dando um aspecto vitrificado. Assim como nas carnes PSE, parece haver uma ligação hereditária. Aparece em animais sensíveis ao estresse, associado a alta temperatura ambiental, esforços e forte excitação.Entre outros motivos, cita-se como principal causa o estresse prolongado antes do abate com esgotamento total das reservas de glicogênio, não permitindo a acidificação do músculo após o abate. Nestas carnes, usa-se a medida do pH final (após o resfriamento das carcaças) para a identificação do problema. Nelas, o valor de pH permanece acima de 6,0. Nestas condições, a carne tem uma vida-de- prateleira muito reduzida, pois, devido ao elevado pH, as proteínas miofibrilares apresentam máxima capacidade de retenção de água, o que favorece a proliferação bacteriana. Figura 2.4: Curvas de declínio do pH post mortem. Fonte: OLIVO (2005) CURSO TÉCNICO EM ALIMENTOS Profa. Janaina de Paiva Paula Barroso 30 A diferença entre a instalação do PSE e do DFD reside no fato de que o PSE está associado ao estresse próximo ao momento do sacrifício, enquanto o DFD, a um período anterior, sem que tenha ocorrido reposição de açúcar no organismo. Figura 2.5: Carne Suína. Fonte: pt.engormix.com EXERCICIOS DE FIXAÇÃO 1) Com a morte do animal a musculatura cessa imediatamente suas atividades? Por quê? 2) O que é homeostase? 3) Qual é o principal fenômeno da transformação do músculo em carne? 4) Quando acontece a instalação do rigor mortis? 5) Qual a diferença entre a instalação do PSE e do DFD? CURSO TÉCNICO EM ALIMENTOS Profa. Janaina de Paiva Paula Barroso 31 OBJETIVOS DA AULA: Determinar os fatores que afetam a qualidade da carne; Diferenciar os fatores ante mortem, ou intrínsecos, e os post mortem, ou extrínsecos. 3.1 INTRODUÇÃO Um produto de qualidade é aquele que atende perfeitamente, de forma confiável, acessível, segura, e, no tempo certo, às necessidades do cliente. No caso do produto ser um alimento como a carne, e o cliente ser um consumidor moderno, muito seletivo, poder-se-ia adaptar esta definição de modo a incluir valor nutritivo, sanidade e características organolépticas. Os atributos de qualidade da carne são classificados em: a) qualidade visual: aspectos que atraem ou repelem o consumidor que vai às compras; b) qualidade gustativa: atributos que fazem com que o consumidor volte ou não a adquirir o produto; c) qualidade nutricional: nutrientes que fazem com que o consumidor crie uma imagem favorável ou desfavorável da carne como alimento compatível com suas exigências para uma vida saudável; d) segurança: aspectos higiênico-sanitários e a presença ou não de contaminantes químicos, como resíduos de pesticidas. Depois, os fatores que influenciam na qualidade visual e gustativa foram subdivididos em duas categorias: os ante mortem, ou intrínsecos, e os post mortem, ou extrínsecos. Na primeira categoria, encontram-se os fatores vinculados ao genótipo dos animais e às condições ambientais em que se desenvolveram. Na AULA 3. FATORES QUE AFETAM A QUALIDADE DA CARNE: FATORES PRÉ E PÓS ABATE CURSO TÉCNICO EM ALIMENTOS Profa. Janaina de Paiva Paula Barroso 32 segunda, estão aqueles que se confundem com os procedimentos técnicos adotados pelos matadouros-frigoríficos e demais segmentos, até o consumidor final. 3.2 PROPRIEDADES FÍSICAS DA CARNE Logo após o abate do animal, tem início, na musculatura estriada, uma série de transformações químicas e físicas que culminam na rigidez da carcaça, é o rigor mortis. Este processo, denominado conversão do músculo em carne, não pára aí, mas prossegue com degradações enzimáticas e desnaturação protéica, causando uma pseudo-resolução do rigor mortis, que tornará menos rígida a carcaça. Este processo tem duração variável, podendo conduzir a carne à elementarização, dependendo dos métodos de conservação utilizados. O processo de conversão do músculo em carne, com diferentes graus de degradação enzimática e desnaturação de proteínas, pode resultar em marcantes variações nas propriedades da carne, como a capacidade de retenção de água, cor e firmeza da carne fresca; maciez, sabor e suculência da carne preparada para consumo, e capacidade de emulsificação das matérias primas, rendimentos de processo e cor dos produtos processados. Embora existam alguns fatores, como a idade ou maturidade fisiológica e os métodos de cocção, que influenciam nas propriedades físicas da carne sem afetar o processo de conversão, praticamente todos os outros causam alterações no processo, seja porque modificam a curva de declínio de pH em função do tempo post mortem, seja porque promovem - ou permitem que ocorra - o encolhimento das miofibrilas (estrutura contrátil da célula muscular), em grau variável, durante o estabelecimento do rigor mortis, ou, ainda, porque influenciam na velocidade ou na extensão da proteólise enzimática, durante a maturação. CURSO TÉCNICO EM ALIMENTOS Profa. Janaina de Paiva Paula Barroso 33 3.3 FATORES ANTE MORTEM Dentre os vários fatores intrínsecos ao animal, que constituem a expressão de seu genótipo e das interações desse com o meio ambiente, serão discutidos aqui o efeito do estresse, da genética (raças), da alimentação e da idade de abate. 3.3.1. Estresse e declínio de pH Se, por um lado, o estresse que atinge os suínos - horas ou segundos - antes do abate, constitui-se na mais marcante causa de variação das propriedades da carne dessa espécie, por outro lado, nos bovinos, tal influência é muito menos importante. Mesmo assim, alguns agentes de estresse, como transporte, jejum prolongado, condições climáticas severas, e o comportamento sexual dos machos inteiros, podem resultar em rigor mortis atípico, com grandes prejuízos da qualidade da carne. Quando os bovinos são acometidos de estresse pré-abate, a reserva de glicogênio dos músculos desses animais pode ser parcial ou totalmente exaurida. Como consequência, o estabelecimento do rigor mortis se dá na primeira hora, mesmo antes da carcaça ser levada à câmara fria, porque a reserva energética não é suficiente para sustentar o metabolismo anaeróbio e produzir ácido láctico capaz de fazer baixar o pH a 5,5 na 24 hora post mortem. A carne resultante desse processo terá pH>5,8, que proporciona às proteínas musculares uma alta capacidade de retenção de água, mas será escura, com vida de prateleira mais curta, que, se dá porque na ausência de ácido láctico e glicose livre as bactérias utilizam os aminoácidos da carne com produção de odores desagradáveis. Essa carne com pH alto também pode apresentar uma descoloração esverdeada, causada por bactérias que produzem H2S (gás sulfídrico). A esse tipo de anomalia dá-se o nome de ―Dark-cutting beef‖ (carne bovina de corte escuro) ou DFD (―dark , firm and dried‖, ou escura, firme e seca). Depois da introdução de uma série de modificações no manejo pré-abate a incidência de DFD caiu para 5% em tourinhos e <2% em outras categorias. CURSO TÉCNICO EM ALIMENTOS Profa. Janaina de Paiva Paula Barroso 34 3.3.2. Genética Embora seja possível que existam diferenças genéticas capazes de afetar a extensão do metabolismo post mortem e, consequentemente, as propriedades físicas da carne bovina, referências a elas não estão disponíveis na literatura usualmente consultada, exceto por algumas menções à maior incidência de DFD em espécimes de dupla musculatura. Não se descarta, entretanto, a possibilidade de que os modernos e eficientes métodos de seleção venham a produzir alterações bioquímicas na capacidade de estocare mobilizar glicogênio. Inclusive, porque há evidências de que raças ou linhagens que se caracterizam pela facilidade de metabolizar gordura sejam mais susceptíveis ao estresse do que aquelas que acumulam gordura. A herança genética também parece ter uma grande influência na velocidade e extensão da proteólise que se verifica no processo de conversão do músculo em carne, ocasionando diferenças consideráveis na maciez da carne. Para alguns autores 85% da variabilidade na maciez podem ser atribuídos às variações no processo enzimático que leva à tenderização da carne bovina, conhecido como maturação. Os 15% restantes seriam devidos às diferenças em ―marbling‖ (gordura intramuscular) e colágeno. As raças também diferem quanto às curvas de crescimento dos tecidos e, consequentemente, ao menor ou maior acúmulo de gordura, ou ainda, quanto ao peso e espessura dos músculos ou cortes cárneos a um determinado peso de carcaça. Essas características são interligadas aos atributos visuais e organolépticos da carne, sendo apreciadas ou discriminadas dependendo do mercado que se considera. Assim, no futuro, para as exportações de carne desossada do Brasil para a União Européia, é provável que se dê preferência para os cruzamentos de zebuínos com raças de acabamento tardio, que dão carne relativamente magra e cortes mais pesados do que os cruzados de raças britânicas. Diferenças genéticas também se verificam na cor da carne, onde algumas demonstraram maiores concentrações de mioglobina e, consequentemente, menores índices de reflexão de luz. CURSO TÉCNICO EM ALIMENTOS Profa. Janaina de Paiva Paula Barroso 35 3.3.3. Alimentação Os efeitos dos sistemas de alimentação e dos níveis nutricionais nas características das carcaças bovinas são fartamente documentados na literatura. Sabe-se, por exemplo, que sempre que o nível energético da ração excede as exigências mínimas para o desenvolvimento muscular, verificam-se acúmulos de gordura na carcaça. Desse modo, a influência da alimentação é confundida com o grau de acabamento. A exigência de acabamento nas carcaças é bem conhecida dos pecuaristas brasileiros, mormente após o Plano Real que estabilizou o preço da arroba de gado mantendo altas as taxas de juros. Como decorrência, eles têm procurado aumentar a produtividade dos rebanhos vendendo bovinos jovens para abate, mas têm encontrado resistência nos compradores que, entre outras coisas, alegam falta de acabamento nas carcaças de menos de 16 arrobas (240kg). Para apresentar acabamento, esses animais deveriam ser abatidos ao atingirem 500kg de peso vivo. Nas últimas três décadas, a gordura de cobertura vem se tornando um importante indicador de qualidade, primeiro, porque aponta para o tipo de alimentação recebida pelo bovino, que parece influir na solubilidade do colágeno da carne. Segundo, porque afeta diretamente a velocidade de resfriamento da carcaça, comportando-se como um isolante térmico e interferindo no processo de conversão do músculo em carne, como será visto mais adiante. Além disso, carcaças com melhor acabamento tendem a apresentar um maior teor de gordura intramuscular, ―marbling‖, ou gordura entremeada, que é depositada com maior intensidade na fase de engorda dos bovinos, após o término da fase de crescimento, sempre na dependência da raça e do nível energético da dieta, sendo a última na escala de prioridades. A sua presença em proporções visíveis a olho nu (>4% de extrato etéreo na matéria original) indica que o animal foi bem alimentado e deixa a carne mais macia, saborosa e suculenta. Porém, a tendência no Brasil como na Europa e numa parte da população norte-americana, é de que tais vantagens sejam trocadas pelo CURSO TÉCNICO EM ALIMENTOS Profa. Janaina de Paiva Paula Barroso 36 consumidor por um produto inferior nesse aspecto, porém, tido como mais saudável, qual seja, a carne desprovida de gordura visível. 3.3.4. Idade ou maturidade Dependendo do tipo de alimentação fornecida, os bovinos atingem o peso desejável de abate mais jovens ou mais velhos. Quanto mais velhos, maior será a concentração de mioglobina nos músculos e, portanto, mais escura será a carne. A cor da gordura também é afetada pela idade de abate, ficando amarelada como decorrência da deposição prolongada de carotenóides oriundos das forragens. O fator maturidade é comum a todos os sistemas de tipificação de carcaça bovina, porque há evidências de que a qualidade organoléptica da carne, principalmente a maciez, piora com o avanço da idade, possivelmente em decorrência de alterações que ocorrem no colágeno intramuscular. 3.4. FATORES POST MORTEM Dentre os fatores post mortem, ou extrínsecos, isto é, aqueles que estão fora do controle do pecuarista, destacam-se o resfriamento e a estimulação elétrica das carcaças a suspensão pela pelve, a maturação e o método de cocção da carne. Exceto por esse último, os demais exercem a sua influência nas propriedades físicas da carne bovina durante ou após o desenvolvimento do rigor mortis. 3.4.1. Resfriamento O resfriamento rápido das carcaças é desejável para se ter redução de perdas de peso, de desnaturação de proteínas e de proliferação de microrganismos, e maior oxigenação da mioglobina da superfície dos músculos, conferindo-lhes a cor vermelho vivo. Entretanto, o abaixamento rápido da temperatura dos músculos, no início do desenvolvimento do rigor mortis, pode provocar o endurecimento da carne. A explicação desse fenômeno, denominado ―cold shortening‖ (encurtamento pelo CURSO TÉCNICO EM ALIMENTOS Profa. Janaina de Paiva Paula Barroso 37 frio), é que os músculos da carcaça são estimulados a contrair quando expostos a baixas temperaturas na fase que antecede o rigor mortis, por isso o ―cold shortening‖ é um problema de origem recente, que tem suas causas associadas às exigências de rapidez no resfriamento. A capacidade do músculo para contrair pelo estímulo do frio declina com o passar do tempo post mortem. E, quando os filamentos contrácteis de actina e miosina formam actomiosina, antes da temperatura muscular cair abaixo de 10°C, não mais ocorre ―cold shortening‖. Assim, a solução para evitá-lo seria deixar as carcaças a temperaturas acima de 10°C até o estabelecimento do rigor mortis (50% do ATP inicial, pH=6,0 ou 10 horas após a sangria) e, então, reduzir rapidamente a temperatura. 3.4.2. Estimulação elétrica A estimulação elétrica (EE) das carcaças, com aparelhos de baixa voltagem, nos primeiros 10 minutos após a sangria, ou com altas voltagens na primeira hora post mortem, constitui uma técnica desenvolvida com o objetivo de tornar a carne mais macia. Na década de 70, a EE foi redescoberta por pesquisadores neo-zelandeses que precisavam encontrar uma solução eficaz para o problema da falta de maciez da carne ovina, motivo de muitas reclamações dos importadores. E, depois disso, foi objeto de pesquisas em diversos países, inclusive no Brasil, sempre com o objetivo de acelerar o rigor mortis, de modo a evitar o encurtamento das fibras musculares e o conseqüente endurecimento da carne durante o resfriamento, ou congelamento, comprovando-se sua eficácia restrita aos músculos mais superficiais, como é o caso do L. dorsi (contrafilé). A EE das carcaças também exerce influência positiva na cor da carne, porque acelera o declínio de pH, provavelmente aumentando a desnaturação de proteínas. Além disso, a EE pode ser uma alternativa de baixo custo, que seria de extrema utilidade para melhorar a qualidade da carne produzida no Brasil, principalmente no quese refere às carcaças de bovinos jovens com acabamento insuficiente. CURSO TÉCNICO EM ALIMENTOS Profa. Janaina de Paiva Paula Barroso 38 3.4.3. Suspensão pela Pelve A pendura da carcaça pelo forâmen oval da pélvis em substituição da pendura tradicional pelo tendão de Aquiles provoca maior tensão aos músculos e é uma forma de reduzir o encurtamento do sarcômero. 3.4.4. Maturação A tenderização da carne que ocorre após o rigor mortis, durante a estocagem refrigerada, denominada maturação, é conhecida desde o início do século. Porém, as explicações para as modificações na estrutura das miofibrilas que tornam mais macia a carne maturada são recentes. A maturação é um processo complexo, afetado por muitas variáveis, tais como a idade e espécie - ou raça - do animal, velocidade de glicólise, quantidade e solubilidade do colágeno, comprimento do sarcômero das miofibrilas, força iônica e degradação das proteínas miofibrilares. Muito tem sido escrito desde o início dessa década sobre o envolvimento de um sistema enzimático denominado ―calpaínas‖, como o principal responsável pela proteólise que conduz à tenderização da carne. Tal sistema seria formado de duas calpaínas (I e II) ativadas pelo cálcio livre (não retido no retículo sarcoplasmático ou nas mitocôndrias) e inibidas por uma outra enzima denominada calpastatina. Considerando que o nível de atividade da calpastatina nas 24 hora post mortem é altamente correlacionado com a maciez da carne maturada por 14 dias, medida pela força de cisalhamento, isto é, quanto maior a atividade de calpastatina mais dura será a carne, Há evidências de que a maturação pode melhorar em cerca de 25% a maciez da carne, mas sua eficácia é bem menor em carcaças de bovinos de quatro ou mais anos, bem como naquelas que sofreram um rigoroso ―cold shortening‖. CURSO TÉCNICO EM ALIMENTOS Profa. Janaina de Paiva Paula Barroso 39 3.4.5. Métodos de cocção O método de cocção tem uma influência marcante na qualidade organoléptica da carne. Um método inadequado pode por a perder todo o esforço feito nos segmentos de produção, abate e comercialização, para se ter uma carne de boa qualidade. Pode, por exemplo, promover o endurecimento, o ressecamento e a perda de sabor e aroma da carne preparada para consumo. A temperatura, a presença ou não de umidade, o tempo de cozimento e a temperatura final no interior da carne são importantes variáveis que devem ser controladas de acordo com o tipo de músculo, para se aproveitar ao máximo as propriedades de cada corte cárneo. Obviamente, isso tudo é feito nas cozinhas domésticas ou de restaurantes, de um modo muito prático, sem qualquer sofisticação técnica. Entretanto, é importante saber que alguns cortes cárneos, com menor teor de colágeno, como o filé, contrafilé e alcatra, devem sofrer uma cocção rápida com calor seco, até 62-70°C, de acordo com a preferência por ―mal passado‖ (cor rosada), médio (cor rosa acinzentado), ou ―bem passado‖ (cor marrom acinzentado), enquanto outros, com maior teor, como o coxão duro, acém e músculo, devem ser cozidos na presença de líquido (ou vapor), que pode ser o da própria carne embalada em material impermeável, pelo tempo necessário para gelatinizar o colágeno. CURSO TÉCNICO EM ALIMENTOS Profa. Janaina de Paiva Paula Barroso 40 FATORES QUE INFLUENCIAM NA COMPOSIÇÃO DA CARNE Espécie: o efeito da espécie na composição da carne é o fator mais acentuado, porém nos músculos com pouca gordura, a variação da composição química é pequena. Raça: depois da espécie, a raça é o fator intrínseco que mais afeta a composição química e bioquímica do músculo. Os bovinos de corte possuem maior quantidade de graxa intramuscular do que os bovinos de leite. Sexo: em geral os machos possuem menor quantidade de graxa subcutânea do que as fêmeas. Idade: de maneira geral, ao aumentar a idade, aumentam quase todos parâmetros químicos, com exceção da água. Animais jovens possuem pouca quantidade de graxas subcutâneas e intramuscular, e não apresentam marmorização. Nutrição: em geral, o nível de alimentação sobre o crescimento de animais de carne se reflete na composição de diversos músculos. Localização anatômica: é o fator intrínseco mais complexo. Há variações na composição química dos músculos de diferentes localizações. Um clássico exemplo é a composição dos músculos da coxa e peito de aves. Treinamento e exercício: a modificação mais acentuada ocorre no teor de mioglobina, que é relativamente mais alta nos músculos mais ativos do que nos músculos menos ativos. CURSO TÉCNICO EM ALIMENTOS Profa. Janaina de Paiva Paula Barroso 41 EXERCICIOS DE FIXAÇÃO 1) Quais são os atributos de qualidade da carne? 2) Cite 2 fatores ante mortem e 2 fatores post mortem. 3) Quais as vantagens e desvantagens do resfriamento rápido das carcaças? CURSO TÉCNICO EM ALIMENTOS Profa. Janaina de Paiva Paula Barroso 42 OBJETIVOS DA AULA: Conhecer a importância da conservação da carne pelo frio; Identificar as alterações que acontecem com a carne durante esse processo. 4.1 CONSERVAÇÃO ATRAVÉS DO FRIO O efeito conservador do frio baseia-se na inibição total ou parcial dos principais agentes responsáveis pela alteração dos alimentos: o crescimento e a atividade dos microrganismos, as atividades metabólicas dos tecidos animais e vegetais após o sacrifício e colheita, as enzimas e as reações químicas. A aplicação do frio, em suas duas importantes vertentes, refrigeração e congelamento, permite prolongar a vida útil dos alimentos, seja frescos ou processados, durante períodos de tempo relativamente longos, com repercussão mínima em suas características nutritivas e organolépticas. Assim, amplia-se a esfera de utilização da matéria-prima, tanto no que se refere ao tempo como à distância geográfica. 4.2 REFRIGERAÇÃO Atualmente, a conservação e o armazenamento de carnes e produtos cárneos constituem uma necessidade básica. O objetivo da conservação da carne e dos produtos cárneos é retardar ou evitar alterações que a inutilizam como alimento e reduzem sua qualidade. As alterações são produzidas por diversas causas, sendo as principais do tipo microbiano, químico e físico. O método mais utilizado para prolongar a vida útil da carne e dos produtos cárneos é o emprego da refrigeração. Entende-se por refrigeração a redução e a manutenção da temperatura dos alimentos acima de seu ponto de congelamento. AULA 4. REFRIGERAÇÃO E CONGELAMENTO CURSO TÉCNICO EM ALIMENTOS Profa. Janaina de Paiva Paula Barroso 43 A carne fresca deve ser mantida às baixas temperaturas de refrigeração, que começa com o resfriamento de carcaças logo após o abate, e continua no transporte, manipulação e exposição de cortes para a venda e no armazenamento destes cortes na geladeira do consumidor. A maioria dos produtos cárneos processados também se manipula a baixas temperaturas de refrigeração, do momento final de sua elaboração até o consumo. O princípio da utilização de baixas temperaturas é o retardamento da atividade microbiana, bem como as reações químicas e enzimáticas que causam alterações; a velocidadede tais alterações é diretamente proporcional à temperatura da carne. Se a temperatura da carne é reduzida abaixo de -2ºC, o produto se congela, modificando seu estado físico e diminuindo a velocidade das reações químicas e enzimáticas. Na refrigeração de carnes e produtos cárneos empregam-se temperaturas de -1 a 5ºC e no congelamento o uso de temperaturas inferiores ao ponto crioscópico (-2ºC). 4.2.1 Resfriamento e refrigeração de carcaças Após o abate, a temperatura interna das carcaças varia geralmente entre 30 a 39ºC. Este calor corporal deve ser eliminado durante o resfriamento inicial, para que a temperatura interna da carcaça se reduza a temperaturas próximas a 0ºC. Para refrigeração de carcaças, as câmaras frigoríficas devem ser mantidas em temperaturas compreendidas entre -4 a 0ºC. Os principais métodos para resfriamento de carcaças são: Método usual: a temperatura da câmara é mantida entre 0 e 4ºC. Carcaças bovinas atingem 10ºC em 24 horas e de 0 a 4ºC em 48 horas. Carcaças suínas atingem 10ºC em 12 horas e 0ºC em 24 horas. A perda de peso estimada é de 2,0 a 2,5%; Método rápido: a temperatura da câmara é mantida de -1 a 2ºC, com umidade relativa (UR) de 85 a 90% e velocidade de circulação de ar de 2 a 4m/s. As CURSO TÉCNICO EM ALIMENTOS Profa. Janaina de Paiva Paula Barroso 44 carcaças de bovinos atingem temperaturas iguais ou inferiores a 4ºC em 18 a 24 horas e suínos entre 12 e 16 horas. A perda de peso estimada é de 1,8%; Método super-rápido ou shock: inicialmente as carcaças são mantidas por 2 horas em antecâmaras com temperaturas de -8 a -5ºC, UR de 90%, e velocidade de circulação de ar de 2 a 4m/s. A seguir são transferidas para câmara a 0ºC, UR de 90% e velocidade de circulação de ar de 0,1m/s. A duração do resfriamento (para atingir < 4ºC ) é de 12 a 18 horas para bovinos e 8 a 12 horas para suínos. A perda de peso estimada é de 1,3 a 1,4%. A velocidade de refrigeração de uma carcaça dependerá de vários fatores: calor específico da carcaça, peso, quantidade de gordura externa, condutividade térmica, temperatura da câmara de refrigeração e velocidade de circulação de ar. O calor específico é diretamente proporcional à relação de carnes magra e gorda da carcaça. A gordura reduz a dissipação de calor. É evidente que, quanto maior peso da carcaça e maior cobertura de graxa, maior será o tempo de resfriamento. A perda de peso das carcaças magras e de menor tamanho é maior do que as carcaças maiores e com boa cobertura de gordura. 4.2.2. Modificações e danos Perda de peso Normalmente a carne exsuda líquido (gotejamento - ―weep‖) pela superfície de corte após alcançar o pH final post-mortem. A perda de peso dependerá das condições atmosféricas das câmaras de armazenamento e do tempo de armazenamento. Rancidez oxidativa A carne de suíno e de aves possui maior quantidade de ácidos graxos insaturados do que bovinos e ovinos, e, portanto são mais suscetíveis ao aparecimento de rancidez oxidativa, produzindo odores desagradáveis. Ainda, a velocidade de oxidação da graxa intramuscular é maior nas raças não melhoradas, em animais jovens; em músculos que contém uma maior quantidade de mioglobina CURSO TÉCNICO EM ALIMENTOS Profa. Janaina de Paiva Paula Barroso 45 (que atua como pró-oxidante), em animais que recebem dietas com grande proporção de graxa insaturada (especialmente não-ruminantes), na região lombar do músculo L. dorsi de suíno, mais do que na região torácica (em bovinos ocorre o inverso). Alterações microbianas Os principais fatores que influenciaram na vida útil da carne armazenada sob refrigeração são as cargas microbianas iniciais, as condições de temperatura e umidade durante o armazenamento, utilização de embalagens, espécie animal em questão e tipo de produto armazenado. A carga microbiana inicial exerce um efeito marcante no tempo de armazenamento da carne fresca e produtos processados, portanto, é indispensável para manter as propriedades qualitativas ótimas da carne e para prolongar sua vida útil, reduzir ao mínimo a contaminação durante as fases de manipulação, processamento, embalagem e armazenamento. Para conservar a qualidade da carne é importante manter constante as temperaturas de refrigeração (3ºC ou menos). Como o conforto dos trabalhadores é importante na indústria, as salas de desossa e processamento superam os 5ºC, conseqüentemente o tempo que a carne permanece nestas salas deve ser o mínimo possível. A manutenção de temperaturas adequadas, de 3ºC ou menos, ás vezes não é cumprida durante o transporte, principalmente nas operações de carga e descarga. Maturação A refrigeração faz com que a carne recém abatida adquira uma estrutura delicada com sabor aromático e agradável. Coloração Pode ocorrer o escurecimento da cor vermelha nas superfícies não recobertas de graxa, especialmente nas superfícies de corte. Há concentração do pigmento vermelho devido à evaporação da água e também uma oxidação da mioglobina que CURSO TÉCNICO EM ALIMENTOS Profa. Janaina de Paiva Paula Barroso 46 passa para metamioglobina. Concentrações de ozônio e dióxido de carbono também escurecem a carne. Adsorção de odores estranhos A adsorção de odores estranhos (frutas e outros alimentos) do mesmo local ou de outros poderá prejudicar muito o sabor da carne refrigerada. Se houver vazamento de gases (amônia) dos tubos de refrigeração, esses gases penetram na carne, sendo difícil sua remoção. Encurtamento pelo frio O fenômeno do encurtamento pelo frio pode ser explicado pelas alterações do sistema lipoprotéico das membranas do retículo sarcoplasmático em baixas temperaturas. Os riscos do encurtamento e endurecimento da carne podem ser reduzidos com o emprego da estimulação elétrica. A estimulação elétrica da carcaça após a morte do animal tem demonstrado ser uma técnica útil para melhorar a qualidade sensorial da carne bovina, suína e ovina. Tem como objetivo acelerar a queda do pH, esgotamento do ATP e o início do rigor mortis, e é muito útil quando se pretende resfriar ou congelar rapidamente as carcaças. 4.2.3 Durabilidade Carne fresca Em boas condições de refrigeração, o período de tempo que a carne fresca mantém um aspecto aceitável, durante sua exposição em vitrine deve permanecer refrigerada desde a compra até o momento do preparo para o consumo. O período de tempo que o consumidor pode manter a carne sob refrigeração vem determinado pelas condições de manejo prévio nos açougues ou casas de carnes, entretanto, a carne armazenada fresca deve ser consumida dentro de 2 dias após a compra, se armazenada em baixas temperaturas de refrigeração. A carne fresca não consumida neste tempo deve ser congelada. É admitido que no processo de congelamento lento (realizado pelo consumidor, no refrigerador doméstico), ocorre uma perda da CURSO TÉCNICO EM ALIMENTOS Profa. Janaina de Paiva Paula Barroso 47 qualidade da carne, no entanto, é preferível à alteração microbiana que poderia desenvolver-se na carne sem congelar e mantida sob refrigeração durante longo tempo. Carne picada A carne picada ou moída tem sua vida-de-prateleira reduzida, devido à difusão por toda massa, da população microbiana da superfície. Nas carnes picadas, as alterações de cor constituem o primeiro indício de alteração, seguida, pelas modificações de odor e sabor. As medidas indicadas para se ter um aumento da vida útil das
Compartilhar