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1/1 BR4900048 E15/850/B/M/V MONSERRAT, J. SECRETARIA DA AGRICULTURA, INDUSTRIA E COMERCIO , PORTO ALEGRE, RS (BRAZIL), SECCAO DE ASSISTEN CIA AO COOPERATIVISMO COOPERATIVISMO E COOPERATIVAS ESCOLARES [HI STORIA; RIO GRANDE DO SUL; BRASIL] PORTO ALEGRE, RS (BRASIL) 1949 212 P. (PT) 11 ILLUS. /G514 MICROECONOMIA; HISTORIA; COOPERATIVA ESCOLAR; C OOPERATIVA; RIO GRANDE DO SUL 247 J. M O N S E R R Á T E COOPERATIVAS; E S C O LAR E S À memória de Salvador Monserrat e Maria Pin- heiro Monserrat, pais e amigos, o preito de nossa imorredoura gratidão. Ao culto e abnegado magistério rio-grandense a quem confiamos a educação de nossos filhos, a homenagem do autor. APRESENTAÇÃO “J. MONSERRAT” “COOPERATIVISMO E COOPERATIVAS ESCOLARES” – Secção de Assistência ao Cooperativismo – Secretaria de agricultura, industria e comércio PORTO ALEGRE – RIO Grande do Sul – Brasil 1949 A Secção de Assistência ao Cooperativismo, edi- tando êste primeiro trabalho de um de seus técnicos — COOPERATIVISMO E COOPERATIVAS ESCOLARES — não só cumpre mais uma das atribuições que lhe foram delegadas pelo acôrdo que o Govêrno do Es- tado mantém com o Serviço de Economia Rural, do Ministério da Agricultura, para difusão do sistema e práticas cooperativistas no Rio Grande do Sul, co- mo espera contribuir, de forma a mais positiva, para a, organização de cooperativas escolares em nossas instituições educacionais. E' inegável que o Rio Grande ocupa a vanguarda do movimento cooperativo brasileiro em quase todos os setores de sua atividade econômica. Conta, atualmente, com 320 sociedades, em pleno e regular funcionamento, que se distribuem pelos quatro quadrantes de seu território, levando à cidade e ao campo, à serra e à planície os ensinamentos e as van- tagens da Cooperação e reunindo, sob sua bandeira, nada menos do que 100.000 produtores e consumidores de tôdas as classes sociais e de tôdas as origens étnicas, para realizarem um movimento econômico-financeiro que atinge a Cr$ 1.200.000.000,00 anuais: Entrementes, o COOPERATIVISMO ESCOLAR que deveria constituir a primeira linha da ação cooperati- vista, não conseguiu, ainda, expandir-se como se tor- na necessário em nosso meio. Os exemplo que temos são poucos e devem suas tão auspiciosas realizações, mais à atividade isolada e à boa vontade de uma ou outra professora, do que a um trabalho prèviamente estudado e racionalmente planificado. Daí, a iniciativa dêste livro e as razões de sua edição. Seu autor, economista José Monserrat, antigo funcionário desta Secção, hoje à frente do Serviço de Divulgação e Propaganda, tem, aliada à sua comprovada capacidade técnica, uma larga experiência do problema, adquirida nos longos anos em que exerceu as funções de Inspetor de Cooperativas, em Bento Gonçalves, centro de próspera zona agrícola do Estado, o como ex-presidente da Cooperativa dos Estudantes de Pôrto Alegre Ltda.., entidade que, no gênero, honra nosso país. Alicerçando, assim, seu trabalho, não só nos mais reputados técnicos e pedagogos mas, também, no trato das questões concretas, e trazendo à discussão exemplos práticos e situações reais, o autor revela a seriedade da matéria que estuda, detida e criteriosamente, e a necessidade de exercitarmos a ooperação desde os bancos escolares, como meio de consolidar as realizações existentes e progredimos cooperativamente. As sugestões oferecidas no capítulo À Guisa de um Plano de Fomento são oportunas e ressaltam me- didas objetivas e capazes de, bem articuladas com as de nossas autoridades educacionais, satisfazer uma necessidade evidente, no movimento cooperativo riograndense. Cabe, pois, agora, pôr mãos a obra. E, na execução desse trabalho, cremos, firme- mente, que os nossos técnicos em educação e o bri- lhante professorado gaúcho, a quem tão merecida- mente, é também dedicado êste livro, não regateará o seu concurso decisivo. A educação é obra de cooperação, dizem os mestres. Eduquemos, pois, cooperando. E, cooperando, lancemos os marcos de uma nova fase na história das atividades cooperativistas do Rio Grande do Sul. Rui Esteves Corrêa Chefe da S. A. C. COOPERATIVISMO (Esbôço histórico sôbre o movimento cooperativo) Há mais de um século, a mesma maçã que con- denou Adão a comer o pão com o suor de seu rosto, que revelou a Newton a lei da gravidade e a Páris projetou na História, inspirou, também, a Fourier, com a «lei da atração dos sentimentos» que afirmou des- cobrir, o sistema de reivindicação econômica na ordem social — O COOPERATIVISMO. Conta Fourier que, achando-se num restaurante em Paris viu o seu companheiro de mesa pagar por uma maça produzida na sua terra 14 soldos, enquanto lá custava, justamente 14 soldos, o cento. «Surpreso com tal diferença, continua êle, comecei a suspeitar que havia uma desordem fundamental no mecanismo industrial, de onde nasceram minhas investigações que, ao cabo de 4 anos, me fariam descobrir a teoria das séries de grupos industriais e as leis do movimento universal, malogradas por Newton». Constatava-se, mais uma vez, a profunda anomalia existente no mecanismo da produção, distribuição e consumo da riqueza. A GÊNESE DO MOVIMENTO Valendo-nos de trabalhos de investigação e divul- gação históricas que constituem parte da bibliografia cooperativista, procuraremos dar uma noção da gê- nese do movimento cooperativo e caracterizar-lhe os seus fundamentos econômicos. A Cooperação, em sentido amplo, surgiu, na sua forma elementar, no momento preciso em que o ho- mem, compreendendo a precariedade das ações isola- das e distintas entre si, na busca dos elementos indis- pensáveis à satisfação de suas necessidades, procurou a colaboração de um semelhante para, juntos, enfren- tarem as dificuldades, cada vez maiores, e conquistar um meio diferente, empregando métodos diversos e desconhecidos, pan realizar, assim, o benefício comum. E, se nos reportarmos aos primeiros aglomerados humanos, encontraremos, no período do próprio «no- madismo», nuances mais ou menos imprecisas, mas bastante indiciadoras de cooperação econômica, através da ajuda mútua que se prestavam no pastoreio e o auxílio recíproco no cultivo de primeiras lavouras, etc. Mladenatz informa que, na Armênia, próximo ao monte Ararat, onde, segundo o texto bíblico, foi o berço da Humanidade, funciona ainda uma forma par- 18 J. MONSERRAT ticular de cooperativa entre os leiteiros da localidade e que data de tempos imemoriais. Como formas históricas de tradição cooperativa, o mesmo autor nos apresenta a «zadruga» sérvia e a «mir» russa, citando como exemplo mais concreto o «artel», cujas características muito se aproximam das modernas cooperativas de trabalho. O «artel», que era uma associação de pessoas, agrupando um número ili- mitado de trabalhadores sem grandes recursos, basea- va-se na mais estrita solidariedade de seus membros e entre os mesmos reinava espírito familiar. Em reu- nião geral era eleito o chefe, que se encarregava da direção dos diversos serviços, que iam desde os tra- balhos particulares aos das necessidades gerais da «grei». Na Grécia antiga, relata-nos Fábio Luz, «quase tôdas as pessoas das classes média e baixa faziamparte de associações de cunho cooperativo» e os «co- légios» romanos também constituiam associações de igual caráter. Para Bórea, o exemplo remoto de associação dêste gênero, deve ser buscado na Palestina. Na França, considera êle como mais antigo as «Frutières», socie- dades de queijeiros das regiões do Jura e Sabóia. Na Alemanha, Otto Gierke, em seu «Direito Coo- perativos», diz que «a cooperação é pré-alemã». Stau- dinger viu, nas uniões religiosas, formações cooperati- vas, pois nelas se abrigavam, em absoluta comunidade de vida, aquêles que fugiam das condições destrutoras de tôda solidariedade, próprias da época. Na América, os vestígios mais antigos datam da civilização incaica. A organização agrária do povo inca, ensina-nos Horne, se baseava na exploração coletiva da terra. Era o regime do «ayllú». O sistema incaico tendia a for- COOPERATIVISMO 19 mar uma disciplina no trabalho e manter os incas em constante atividade. A saudação «Ama Kella» — não sejas preguiçoso — revela o espírito daquele povo. Valdiki Moura nos informa que «trinta anos na- tes do movimento de Rochdale, modestos grangeiros de Connecticut haviam instalado uma cremaria coope- rativa, e em 1785, isto sessenta anos antes, também haviam alguns criadores organizado a primeira coope- rativa pecuarista dêste hemisfério. Também três anos antes dos temerários tecelões inglêses. Mr. Picket ha- via montado em Wisconsin uma usina lacticinista ma- nipulada cooperativamente». No México, a história do «ejido» e da economia «ejidal» nos impressiona como uma forma de organi- zação social do trabalho agrícola profundamente en- raizada no povo asteca e cujas bases de caráter asso- ciativo e de integral solidariedade entre seus compo- nentes vem incorporá-la à pré-história do movimento cooperativo mexicano. Condições semelhantes encontramos no Paraguai, «onde os guaranis tinham o seu «tupambaé», no qual se efetuavam os cultivos coletivos e pastava o gado, conservando cada um seu «abambaé» (lote particular), existindo, no seu regime agrário, muitos elementos para uso comum, como os bois, os instrumentos, etc.» A Colônia São José, instalada por Urquiza, em 1857, na margem do rio Uruguai, com cem famílias suíças e savoianas, foi uma realização da maior transcendência. Vale a pena conhecermos com alguns de- talhes a colonização planificada dentro das normas de uma sadia política agrária, como exemplo de um vi- zinho próximo. Uma grande extensão de terras foi dividida em lotes e entregue a cada família. Não cons- tituia, porém, a colônia, partes isoladas, como ocor- reu a ainda ocorre conosco. Tinha uma direção cen- 20 J. MONSERRAT tral e uma área central reservada para os escritórios de administração, a escola, a igreja, etc. Os membros da colônia elegiam periòdicamente uma comissão de cinco companheiros para discutir os interêsses gerais da col- ônia, com competência para representar junto aos po- deres públicos contra os desmandos da administração. A ação individual tinha os limites impostos pelos di- reitos e interêsses da coletividade. A organização im- punha uma série de dificuldades para a venda de ter- ras entregues aos colonos, a fim de evitar não só a especulação como a solução de continuidade, porque, diziam, aquêles lotes deviam ser trabalhados como convinha, racionalmente. A Côlonia São José é ainda hoje um exemplo, diz Horne. Ali vivem os netos dos fundadores nas mesmas concessões originais. A terra não se concentrou nas mãos de um ou dois; os colonos não perderam suas terras e nem conhecem dívidas. Suas explorações são mistas, intensivas e integrais. Não existe luta nem pro- letariado rural: os produtores se ajudam entre si nas tarefas agrárias. Aqui mesmo, no Brasil, Álvaro Ilgenfritz, estu- dioso e culto colega de pregação cooperativista, em in- teressante investigação histórica, descortinou no es- fôrço dos negros alforriados das Minas Gerais, para libertação de seus irmãos, formas expressivas de or- ganização e, nos trabalhos subseqüentes, numa daque- las tradicionais vilas, traços evidentes de método coo- perativista. Jean Gaumont, em «Histoire Générale de la Coo- peration en France», citada por Luiz Amaral, escre- veu uma página sôbre a organização agrícola, nos primórdios da colonização brasileira, que merece uma maior divulgação. COOPERATIVISMO 21 Diz êle que, «em 1840 constituiu-se uma sociedade com o fim de fundar no «Palmetar» (Brasil) uma, colônia societária, de acôrdo com os dados de Charles Fourier e, aprovados os estatutos, ela tratou de apelar para as famílias de diferentes categorias e de associar colonos, tudo sob a direção do doutor Arnaud, o qual obtivera uma concessão de terras. Essa sociedade tomou o nome de Union Industrielle. Tinha por fim consti- tuir no Brasil, de acôrdo com as autoridades oficiais daquele país novo, um centro de colonização proletá- ria, que tentaria pôr em prática as teorias fourieristas, pela orientação de uma ou mais comunas agrícolas e industriais conforme o plano dado pelo Mestre. Operários de tôdas as profissões deliberaram participar da tentativa e se repartiram em três grupos, que deviam embarcar em escalas sucessivas com destino à colônia. Designado em Lyon para organizar aí um dêsses grupos de emigrantes, Reynier se atirou à prebenda árdua e cheia de responsabilidades, durante os anos de 1840, 1841, 1842 e 1843. O grupo, que êle recrutara em Lyon, atingiu nesse último ano 75 pessoas, homens, mulheres e crianças, cuja contribuição à sociedade consistia em 2.080 francos de numerário e 3.150 francos de utensílios. Dessa soma, 1.500 francos foram consignados à Sociedade central, em Paris, incumbida de organizar a viagem. Por eleição, foram designados três diretores para conduzir ao Brasil os emigrantes. Eram Michel Derrion, Joseph Reynier e Jamain. O doutor Mure havia já partido para negociar com o govêrno brasileiro as condições de concessão e da ororganização da colônia societária. Derrion, promotor do empreendimento, e que arregimentara os adesistas do primeiro embarque, constituído sobretudo de parisienses, embarcou com o primeiro grupo, seguido pouco depois por Jamain, que conduzia o segundo. Reynier seria o terceiro a partir, conduzindo os adesistas 22 J. MONSERRAT lioneses. Foi, porém, retido pela noticia de que grave con- flito surgira entre aquêles grupos, que se dividiam, parte dos associados acompanhando o doutor Benoit Mure, que instalara o falanstério d’Oliveira, na península de Sahy, Província de Santa Catarina, e permanecendo o resto em tôrno d’Arnaud, de Derrion, de Jamain, de Rouffinei e de Joly, que obtinham uma segunda con- cessão no «Palmetar» e tomavam posse dela em março de 1843. Que resultou da tentativa da União Indus- trielle? Após haver vivido alguns anos, conforme tes- temunha o relatório do próprio Reynier, que refere ter ela podido criar uma serraria mecânica dirigida por Jamain, fracassou em seguida. Essa tentativa dos fou- rieristas, conquanto uma pouco fora das tentativas precedentes do Commerce Véridique, prevalece, toda- via, no quadro do Cooperativismo, aparentando-se com as fórmulas diversas de cooperativas de produção». «O negócio do Sahy, dirigido por Benoit Mure, viveu mais. Em 1846, a 7 de abril, Derrion, então no Rio de Janeiro, onde leciona para viver, pronuncia vi- brante discurso no banquete de aniversário do nasci- mento de Fourier. Recorda que, depois de muitaspro- vações, a colônia do Sahy existe, e constitui vasto do- mínio de duas léguas quadradas, òtimamente situado e prestes a receber tôdas as tentativas mais ou menos integrais que os homens ávidos de prática quiserem realizar». E, mais adiante, lemos a transcrição de uma no- tícia de Jules Durval de que, já por volta de 1845, existia no Rio de Janeiro um órgão publicitário — O Socialista — divulgador da teoria apregoada por Fou- rier. Essa tentativa de colonização foi assinalada, por Saint Hilaire, em seu livro sôbre a Província de Santa Catarina, onde comenta as ótimas condições locais, a uma légua, apenas, da baía de São Francisco, e diz COOPERATIVISMO 23 que, se não fôra o móvel da emprêsa pôr em prática a utopia de Charles Fourier, o êxito da colonia estaria garantido. Em nossa terra êsses empreendimentos, se bem que significativos, tiveram, como se viu, um caráter restrito, limitando-se a um engenhoso expediente para ibertar escravos e a mais uma experiência dos discí- pulos de Fourier. O que poderíamos alinhar como método caracte- rístico e generalizado de trabalho cooperativo entre nossa gente é o muxirão ou mutirão e à troca de dias de serviço, como sistemas de trabalho exclusivamente nossos, originados das necessidades dos meios rurais brasileiros e que se têm conservado inalteráveis. O mutirão ocorre quando o proprietário de meia dúzia de hectares de terra quer levar a cabo as tare- fas agrícolas de grande envergadura, como derruba- das, roçadas, e, mais raramente, plantação e colheita, o que nenhum dêles (agricultores pobres) seria capaz de realizar isoladamente, entregues às suas próprias fôrças. A troca de dias de serviço é a permuta de um trabalho por outro trabalho, constituindo, portanto, um dos mais sintéticos exemplos de cooperação. Não se restringe apenas à prestação de serviços pessoais recíprocos. Implica, com freqüência, no uso de maqui- nismos agrários, animais de tração e meios de trans- porte, existindo, mesmo, localidades em que já foi estabelecida a equivalência entre diversas espécies de labor. A primeira se caracteriza pelo seu aspecto festivo e onde o encerramento do trabalho (mutirão) é sem- pre motivo para regalada janta seguida de alegres danças; a segunda, por não implicar, absolutamente, 24 J. MONSERRAT em retribuição pecuniária ou de qualquer outra espé- cie, que não a do trabalho pessoal. * * * Contudo, todo êsse movimento associacionista que espertou com as manifestações gregárias do homem, é visto, naturalmente, como simples decorrência da pró- pria necessidade, que dêle fêz um ser eminentemente social. Não eram pròpriamente associações cooperativas, pois não podia haver cooperação entre senhor e escra- vo. E a escravidão e a servidão foram as bases da economia pretérita. O que se realizou na Idade Média não podemos aproximar de doutrina cooperativa. Neste período da História a economia se baseou no trabalho servil e nas corporações de ofício, instituições estas de direito pú- blico, com caráter compulsório para todos os membros de uma mesma profissão, com funções específicas de- legadas pelo Poder Público, e dispondo mesmo de atri- buições legislativas. O que ocorreu foi, exclusivamente, o fruto da ne- cessidade, estimulado pelo exemplo das organizações religiosas e premido pelo imperativo do amparo e auxílio recíprocos, anàlogamente ao que Aristóteles já observa no mundo das plantas e dos animais, tecido todo êle e uma relação mútua de caráter cooperativo, formando o que os naturalista chamam de simbio- tismo. Foi, pois, uma simbiose, natural e lógica, em face de iguais problemas, o que aconteceu nas eras ante- riores, e não a estruturação de um organismo autô- nomo, livre e neutro, como se operou nos Tempos Mo- dernos. FATOS DECISIVOS A Revolução Francesa foi sem dúvida um manan- cial inesgotável para os estudos e pesquisas de ordem econômica, social e política dos séculos subseqüentes. E, se recuarmos um pouco aos dias brilhantes da Grande Revolução, e procurarmos focar o evoluir do movimento cooperativo, notaremos alguma coisa de original na Declaração dos Direitos do Homem. É que, ao lado da liberdade, da igualdade, do di- reito à propriedade, de resistência à opressão, etc., não se encontra, inscrito no seu texto, o direito de asso- ciação, por mais espontâneo que êle se manifestasse no meio social. Apesar de ser uma insurreição essencialmente li- beral, temeram, por certo, os seus legistas, que uma tal garantia estimulasse o espírito associativo, o qual, na ortodoxia dos teóricos da Revolução implicava na limitação das liberdades individuais e, por conseqüên- cia, num desvirtuamento imperdoável dos postulados revolucionários... As razões que presidiram essa omissão foram aceitas com tal intransigência que não trepidaram em proscrever, pelo famoso decreto Le Chapelier, de 1791, a associação profissional, uma das mais democráticas 26 J. MONSERRAT organizações da época; e ainda mais, confirmando sua conceituação, estabeleceram, no Código Penal de 1810, severas sanções para qualquer agremiação que reu- nisse mais de vinte pessoas. O mesmo aconteceu na Inglaterra. Sidney Webb, escrevendo a História do Tradeunionismo, apresenta- mos trechos da conclusão de um inquérito contempo- râneo à promulgação do Código Francês, e onde se lê que «nenhuma intervenção da legislatura pode dar-se na liberdade de indústria ou na completa liberdade de cada indivíduo dispor de todo o seu tempo e trabalho, da maneira a nas condições que julgue mais vantajosa para o seu próprio interêsse, sem violar princípios de capital importância para a prosperidade e felicidade geral..» A par dessa incongruência «revolucionária», fren- te à organização popular, as idéias de Smith e seus discípulos, apregoando a liberdade econômica, encon- traram ressonância nos meios da indústria nascente e campo fértil à sua aplicação imediata entre as gran- des massas, manifestamente alcoolizadas pelo entusias- mo incontido da novidade. Dadas as condições anteriores das atividades in- dustriais que viviam asfixiadas pelo absolutismo dos Luíses, o seu desenvolvimento, nesse clima de liber- dade, foi rápido, aproveitando tão boas circunstâncias. O advento dessa nova situação criou, nas relações comerciais, o corolário lógico da livre concorrência, cu- jos efeitos, exercendo a função de vasos comunicantes, manteriam o equilíbrio nas oscilações dos preços, pro- movendo, automàticamente, o aumento ou a diminui- ção das utilidades, à medida que a lei da oferta e da procura acusasse, na balança dos mercados, maiores ou menores necessidades. Esta inovação, como é natural, causou benefícios e trouxe vantagens sem conta ao progresso dos povos. COOPERATIVISMO 27 Mas, os benefícios e as vantagens do liberalismo econômico, se promoveram o desaparecimento dos mon- opólios de Estado e do regime servil do feudalismo, e facilitaram o desenvolvimento da iniciativa humana, originou, também, do bôjo de tôdas as suas realiza- ções, como resultante da própria expansão industrial e comercial e da livre disputa de mercados, o fenô- meno quase desconhecido da concorrência. O Estado absteve-sede tôda ingerência na eco- nomia, abandonando a organização da produção e res- tringindo sua ação a medidas mantenedoras da ordem e da segurança social. Deixou, mesmo, as relações de tra- balho, que «as corporações tanto zelavam», entregues à solução dos próprios interessados, «intervindo pura e simplesmente como órgão policiador, para garantir o livre curso à lei da oferta e da procura», tão exaltada por Bastiat, em «Harmonias Econômicas». A medida, porém, que as posições econômicas se iam definindo e as fábricas, impulsionadas com com- bustível barato, ampliavam suas instalações e inicia- vam a acúmulo de mercadorias, surgiu o jôgo dos pre- ços e a corrida vertiginosa para o lucro. Pressentindo os resultados dêsse jôgo concorre- ncial, os estudiosos e filantropos da época encheram-se de inquietação. Percebiam, por certo, a aproximação da tempes- tade, de que a desenfreada luta pelo lucro, de um lado, e os disputadíssimos duelos por aumento de salários, de outro, eram indícios claros. A concorrência, descortinavam então, promoveria a formação de outros monopólios, concentrações mais poderosas e decisivas, e o cenário não mais seria ape- nas uma ilha ou a velha Gália... Êste período de ações e reações simultâneas não se fez esperar, lançando os marcos definitivos de uma 28 J. MONSERRAT nova era, donde surgiram os fundamentos de várias concepções, as quais, com o perpassar dos tempos, se foram lapidando, ajustando-se às injunções de novas necessidades e de formas mais racionais de satisfazê- las. Staudinger, estudando as origens do cooperativis- mo um moderno, escreve que a «cooperativa, em sentido específico, se funda em condições históricas e econô- micas mui precisas e determinadas. Deve-se o seu aparecimento à extensão do capitalismo; ela é uma reação pacífica, mas ativa, contra a pressão que êle exerce no mecanismo econômico». Pois, via de regra, a intermediação tem rosto de Jano e a mercância é luta. Luta entre os contratantes para usufruir maio- res vantagens do contrato; luta entre os competidores, tanto para vender como para comprar. E a arma usada neste combate diuturno é a da melhor oferta». É certo que a competição econômica trouxe pro- gressos incalculáveis à técnica da produção; mas não é menos evidente que sendo a ganância a lei de sua vida e de sua atividade, observamos, no seu processo, a queima de produto em meio à subnutrição e a inci- neração de lãs quando o frio é mais intenso... Nestas condições, o aparecimento do Cooperativis- mo, foi uma reação lógica contra os efeitos maléficos da nova estrutura que avassalava o mundo. A revolução industrial abriu as portas da moderna «city» e dos grandes magazines, dando origem a situa- ções desfavoráveis de vida as grandes massas da po- pulação. O industrialismo congregou grandes núcleos urbanos, formando cidades populosas e obrigando os artezãos, pela concentração das grandes organizações fabris e comerciais, a se inscreverem, sem mais ou- tra alternativa, nas legiões do proletariado que emer- gia e se avolumava. COOPERATIVISMO 29 O advento da máquina e do aparelhamento in- dustrial que, na medida do tempo, aperfeiçoava sua engrenagem, aumentando os meios de produzir mais e diminuindo as despesas da mão-de-obra, beneficiou sòmente aos que a possuiam. Contra êste aspecto particular da produção e da distribuição dos artigos e manufaturas de consumo, assim como para evitar os abusos do prestamista usu- rário, nasceu intensa a necessidade de desenvolver o sentido da solidariedade social, trazendo como resul- tado o aparecimento dos primeiros esboços de uniões econômicas devidamente estruturadas. Não, por certo, na associação corporativa, de tão tristes lembranças, mas na sociedade cooperativa. * * * Tragados, embora precàriamente, os lineamentos da gênese dêsse grande movimento que, hoje num contagiante e sadio egoísmo, se avoluma para a con- quista de um maior bem-estar do homem e da socie- dade, vejamos as idéias, os fracassos e as contribui- ções dos Utopistas. AS IDÉIAS, OS FRACASSOS E AS CONTRIBUIÇÕES DOS UTOPISTAS O Cooperativismo, pois, lança suas raízes profun- das nos trabalhos e idealizações dos «Utopistas», ho- mens que, inspirados nas más condições existenciais da época, saíram a público anatematizando, com uma critica sem precedentes, a ordem imperante e apre- goando novos métodos de trabalho e distribuição da riqueza. Imaginando paraísos acreditavam que, pela asso- ciação livre e espontânea dos cidadãos, seria possível emancipar o homem das agruras do salariado e ofe- recer-lhe, assim, tudo o que fôsse preciso ao cumpri- mento de sua finalidade precípua, em uma atmosfera da mais franca amizade e solidariedade social. Deixando de lado Tomas Morus, Bacon, Campa- nela et caterva, cujas fantasias apenas influiram nesse processo no que interpretavam as inquietações de seus contemporâneos e os sonhos de um mundo melhor, demoremo-nos um pouco naqueles que ingressaram na História batizados como os «Precursores de Coopera- ção», muito embora suas concepções se assinalassem com profundas marcas de velhas utopias. Portadores de grande e viva imaginação, fizeram verdadeiras profecias sôbre a organização do traba- 32 J. MONSERRAT lho, direito de propriedade, desenvolvimento dos meios de comunicação e tantos outros problemas que hoje, em pleno século XX, estão sendo equacionados e postos em execução. Entre êles, os autores mais categorizados das cor- rente ideológicas que daí se originaram, são unânimes em destacar, na França, Charles Fourier, Louis Blanc, Louis Guesde e Phellippe Bouchez e, na Inglaterra, Robert Owen, William King, John Bellers e P. C. Plockoly. Para melhor apreciarmos o conteúdo das ideali- zações e dos trabalhos dêsses homens e o papel im- portantíssimo que desempenharam no processo evolu- tivo da sociedade, daremos uma síntese biográfica de Owen, King, Fourier e Louis Blanc, indiscutivelmente os que maiores contribuições deixaram para os movi- mentos posteriores. É verdade que o fracasso de suas iniciativas che- gou mais cedo do que os seus detratores haviam pre- dito. E não era possível esperar-se outra coisa. Uma organização popular e democrática, como foram os frutos de suas elucubrações, exigia, forçosamente, uma grande base de compreensão, disciplina e desinterêsse pessoal e, além de não existir nenhuma dessas condi- ções essenciais, a conjuntura econômica não era de molde a propiciar o desenvolvimento de outras forças que não estivessem ligadas aos interêsses do industrialis- mo nascente. Para esboçar os planos de suas concepções de um novo edifício social tinham que ater-se às aspirações de seu idealismo, porque não podiam apelar para a história vivida, para a experiência do lutas anteriores, uma vez que eram rebentos da própria revolução in- dustrial em seus primeiros vagidos. A máquina de fiar «Jenny» que desencadeou a «Revoluçăo Industrial». Projeto para um «Falanstério» conforme a «utopia» de Fourier. COOPERATIVISMO 33 Era, como vimos, um clima favorável às disposi- ções de Le Chapellier, do Código Penal e das reaçõesinglêsas a par da carência de preparo das populações para o perfeito recebimento e assimilação das idéias que, no dizer de Danton, «andavam correndo pelas ruas enquanto os homens que mais precisavam se es- condiam delas, estonteados com tanto embuste» e das quais, mais tarde, Gide diria terem sido «como essas frutificações extemporâneas da primavera, que as últi- mas geadas destróem com facilidade, abortaram, mas o movimento que elas iniciaram não se perdeu, foi re- novado, 17 anos depois, pelos Pioneiros». ROBERT OWEN «Filantropo louco», «industrial progressista», «Re- volucionário perigoso», etc.. são epítetos que encontra- mos sempre a respeito dêste inglês genial e, aparen- temente, contraditório. Temperamentalmente socialista, sua existência — 1771 a 1858 — foi tôda ela de uma atividade e dina- mismo impressionante, embora, ao que saibamos, nun- ca tenha sido um militante político-partidário. Iniciando-se como aprendiz, antes de 30 anos, em 1.º de janeiro de 1800, assumia a direção de uma fá- brica de tecidos em New Lanark, onde despertou-lhe interêsse o estudo da questão social. Sua fábrica tor- nou-se cedo um lugar de aristocrática peregrinação, recebendo a visita das grandes figuras da época, entre as quais os reis da Prússia e da Holanda e de tzar Nicolau I. Que teria feito Owen para merecer a atenção de tão selecionadas personalidades? 34 J. MONSERRAT Simplesmente, antecipou de um século o que mais tarde viria chamar-se legislação operária. Em New Lanark as realizava já tudo o que figu- raria nas exposições de economia social — habitações com jardins para os operários, refeitório higiênicos, bibliotecas, caixa econômica, etc., e nela: — reduziu o dia de trabalho do 16 para 10 horas; — recusou emprego para menores do 14 anos, crian- do escolas para êstes; — suprimiu na multas então em uso. Todavia, «desgostoso por não ver generalizadas suas idéias pois seus colegas não o seguiram, nem o Govêrno de S. M. deu importância ao seu programa de reivindicações, voltou-se Owen para a associação depois de se ter convencido da impotência dos dois poderes — o Público e o Patronal — para servir ao progresso social inglês». Torna-se, então, o propugnador da associação co- mo meio de resolver o problema social, «escandalizado que estava com a diferença de tratamento entre a má- quina morta e a máquina viva». A abolição do lucro foi, para êle, o ponto capital para atingir o meio am- bicionado. E, com o lucro, a concorrência. « O lucro e a concorrência, afirmava Owen, são inseparáveis. Se a concorrência é a guerra, o lucro é o saque». Por isto combatia todos «os arranjos que criam o desejo infin- dável de comprar barato e vender caro». Concretamente, sua ação, no terreno da prática associonista se revela em dois audaciosos empreendi- mentos: as colônias «NEW Harmonies» e os «National Equitables Labour Exchanges» (Armazéns de Troca). A experiência das «comunities», ou colônias har- mônicas, foi levada a efeito em Indiana, EE. UU., e a COOPERATIVISMO 35 ela acorreram inúmeros e cultos cidadãos de todos os recantos da América. Contudo fracassou. A base igua- litária absoluta entre seus membros, com a proprie- dade coletiva das terras e a ausência de realismo no planejamento da colônia, a par das condições locais do pioneirismo americano, não permitiram vida longa a essa original e prematura experiência do coletivismo agrário. Tentado novamente no México, teve o mesmo im, não obstante a tradição do «ejído», existente nesse país. O Armazém de Trocas, no entanto, foi a mais utópica das tentativas para a emancipação econômica de uma classe. Neste armazém o societário trocava senhas de trabalho por mercadorias, avaliado o valor destas senhas em horas de trabalho. Assim, se um operário tivesse levado 10 horas para fabricar um par de sapatos, por exemplo, sabia que, com aquela senha, oderia receber qualquer mercadoria que exigisse aquê- le mesmo tempo para sua elaboração. Recebia dessa forma, o equivalente de seu trabalho — o lucro seria eliminado e abolido o intermediário pelas relações di- retas que se estabeleciam entre o trabalhador e o ar- mazém. O mecanismo dessa troca mesmo a substituição da moeda, como medida de aferição, apesar de interes- sante, é secundária, no caso. O mérito de tôda essa niciativa reside na sua idéia essencial — a abolição do lucro — em proveito dos próprios interessados. Outra contribuição que Owen não pôde levar a cabo foi a «Association of All Classes of All Nations», Associação de Tôdas as Classes de Tôdas as Nações, que fundou em Londres, em 1835, para propagação de suas idéias. Apesar de ter viajado por vários países europeus visitado, entre outras figuras da época, Metternich e Alexander von Humboldt, teve de regres- 36 J. MONSERRAT sar convencido de que ainda não havia soado a hora para a organização de uma cooperativa internacional com sucursais em todos os cantos do globo, e a sua Associação foi transformada numa sociedade cultural. Nem por isto, contudo, se perdeu a iniciativa. Cêr- ca de 70 anos mais tarde era constituída a Aliança Cooperativa Internacional. CHARLES FOURIER Simultâneamente ao trabalho de Owen, no outro lado do Canal da Mancha e nos EE. UU., em França, um caixeirinho modesto se enchia de indignação e re- volta vendo atirarem ao mar 20.000 quintais de arroz que se deteriorava à espera de que essa gramínea al- cançasse melhor cotação no mercado, enquanto na cidade muitas crianças pediam esmolas. Mais tarde, veio a «história da maçã» que foi a decisiva. Verificando que a causa do agravamento do custo dos bens de consumo era originada pela série de intermediários que se interpunham entre o produ- tor e o consumidor, concebeu a solução do problema do barateamento dos preços das utilidades, na apro- ximação de um ao outro, através dos Falanstérios. O Falanstério idealizado por Fourier era um gran- de casarão, com vários pavimentos, bem arejado, que muito se aproxima aos modernos arranha-céus — sa- las de leitura, teatro, jardins, etc. Nêle tinham in- gresso pessoas de qualquer classe social, pois have- riam aposentos e acomodações para tôdas as bôlsas. O Falanstério apresentava, assim, dupla vantagem: conomia, porque a vida sob o mesmo teto traria o máximo de confôrto com o mínimo de dispêndio; COOPERATIVISMO 37 social, porque a vida sob o mesmo teto, substituiria, pouco a pouco, por uma atração de simpatia, os sem- timentos recíprocos que, sob o regime individual, «se movem numa escala ascendente de ódios e numa es- cala descendente de desprezo», como afirmava. Até os serviços domésticos Fourier previra em seus sonhos. O serviço particular de criadagem seria feito pelo serviço coletivo e a emprêsa doméstica da- ria lugar à emprêsa industrial, evolução a que já che- gamos hoje no pão, na lavanderia, na pensão a domi- cílio, nas emprêsas para limpeza de casas, etc. Foi o primeiro a proclamar que, o grau de emanci- pação da mulher numa sociedade, é o barômetro na- tural pelo qual se mede a emancipação geral,colocan- do-a em igualdade absoluta com o homem, a quem lança o apróbio de tê-la mantido em cativeiro milhares de anos. No Falanstério não só o consumo era provido em comum. A área de 40 quilômetros que deveria circun- dá-lo, seria explorada coletivamente para o abasteci- mento de seus habitantes e se constituiria numa socie- dade por ações, de sorte que a propriedade privada permaneceria. Os resultados seriam divididos entre os fanlanste- rianos de forma bastante original — 4/12 ao capital, 5/12 ao trabalho e 3/12 ao talento. Fourier pregou, também, o regresso à terra, na sua «Teoria dos Quatro Movimentos», mas não livre e anàrquicamente, e sim distribuídos em Falanstérios, instalados em lugares «tecnicamente» escolhidos, de forma que, a cultura da terra, seria um eterno «cul- tivar de jardins». O trabalho atraente foi outra visão extraordiná- ria do caixeirinho sem eiras. «O trabalho, dizia êle, 38 J. MONSERRAT nas sociedades civilizadas como nas escravagistas, con- tinua como uma condenação, uma maldição». Queria que o homem trabalhasse não por necessidade, desejo de lucro ou obrigação imposta por terceiros, mas com o mesmo prazer com que corre a uma festa. E isto seria possível, afirma Fourier. — substituindo o trabalho industrial pelo agrícolas; — pela divisão do trabalho em pequenos agrupa- mentos, e — garantindo um mínimo de subsistência a cada um. «Nenhum reformador social, nos fala Totomianz, alardeou uma imaginação tão desenfreada como Fou- rier, que sonhava em transformar a água do mar em potável e colhêr laranjas no Polo Norte, que predisse a abertura do Canal de Suez e imaginou uma comu- nicação interna para o seu Falanstério que recorda o telefone moderno. E Engels afirma que, onde Fou- rier aparece mais profundo, é na sua concepção da História e quando afirma «que a sociedade está em perpétuo movimento». WILLIAM KING Grande foi a obra dêste precursor. Médico, em Brighton, grangeou logo a simpatia e a benquerença dos pobres e humildes dessa vila, tornando-se ardo- roso propagandista da associação. Fundou a revista «The Co-operator», e publicou inúmeros trabalhos de cunho prático e útil ao soerguimento das populações laboriosas. No primeiro número de seu mensário, pu- blicado em 1.º de maio de 1828, inscreveu as seguintes sentenças: « o saber e a união são uma fôrça; a fôrça COOPERATIVISMO 39 dirigida. pelo saber, é felicidade; a felicidade é o fim da criação». Sua filosofia era idealística e otimista. «É impossível, dizia êle, que só haja Senhores, pois, em trabalho, todo o dinheiro seria inútil». Levantou e defendeu a tese de que todo o capital é produto do trabalho e de que só a cooperação pode emancipar a pessoa humana da exploração. A sua associação de consumo de Brighton foi a primeira experiência in- glêsa dêste gênero e serviu de base à constituição de dezenas de outras, antes mesmo da cooperativa dos Probos Pioneiros de Rochdale. King interessou-se grandemente pelo ensino entre as classes trabalhadoras e apregoava que as coopera- tivas deviam criar bibliotecas, cursos de leitura, etc. Dizia êle em um de seus escritos: «A escola atual ocupa-se em cultivar a inteligência das crianças e de- sinteressa-se pela alma infantil. Com a cooperação, porém, será mister organizar a escola a fim de que não forme sòmente homens cultos, mas, também, homens ativos e e bom caráter». É atribuído ao «The Co-operator», cuja tiragem ascendia a vários milhares de exemplares, grande in- fluência no sistema rochdaleano. Sua associação de Brighton, fundada em 1827, teve pouca duração, in- felizmente. LOUIS BLANC Natural de França, onde exerceu, por largo tem- po, 812 a 1882, intensa atividade política, é conside- rado como o principal teórico do Socialismo de Estado pois, em seus escritos, apresentava, na agremiação dos trabalhadores em «oficinas nacionais», a fórmula «mais favorável à emancipação econômica de uma classe e 40 J. MONSERRAT o meio ideal de uma luta pacífica contra a ordem im- perante». Preconizando, para o Estado, atribuições de pla- nificação econômica ressaltava, todavia, que a assis- tência estatal a essas associações se restringiria ao início da sociedade que, depois de consolidada, deveria gozar de completa autonomia. Como tribuno de grandes recursos tomou parte ativa na Revolução de 1848, chegando, mesmo, a in- tegrar o Govêrno Provisório. Nessa oportunidade tin- giu o movimento associacionista que se avolumava em França de uma «tonalidade política, até então desco- nhecida, e da qual, daí por diante, dificilmente tem se livrado». Sua ação foi muito objetiva, dizem seus biógrafos. "Enquanto Fourier vivia em altas elucubrações, a busca de uma fórmula integradora para o bem-estar social, Louis Blanc imiscuia-se entre o povo semeando suas idéias». Esta a razão principal porque, não obs- tante o fracasso de suas iniciativas, arregimentasse prosélitos que, persistentemente, voltavam com novas tentativas, dadas as soluções locais e imediatas que sugeria seu plano. Escreveu vários panfletos e livros entre os quais teve grande repercussão a obra «Organização do Tra- balho» — 1840 — onde debateu e divulgou suas con- cepções político-econômicas sôbre o direito do trabalho. A «oficina nacional» que fundou em Paris, em 1848, para a efetivação de suas teorias reformistas, logo logrou êxito. Agrupou cêrca de 2.000 membros e tinha por finalidade a fabricação de uniformes para a Guarda Nacional. Instalada na antiga prisão do Cli- chy, serviu de exemplo para mais de uma centena de associações de trabalhadores urbanos. COOPERATIVISMO 41 Referindo-se a Louis Blanc, escreve Totomianz: «Segundo o seu projeto, estas associações deviam de- dicar-se, a princípio, sòmente a algumas indústrias, com o concurso e sob o contrôle do Estado e os be- nefícios realizados deveriam ser repartidos em partes, na seguinte ordem: — aos membros da sociedade, a proporção do tempo de trabalho de cada um; — para socorrer os inválidos e os desocupados; — para amortizar os empréstimos do Estado; — para auxiliar novas iniciativas associacionistas. Apregoando a «honra do trabalho» como suces- sora da «honra militar», via, nessa mística, uma maior contribuição à produtividade do que a própria concor- rência mercantilista. E, por meio dela, perava que as associações de trabalhadores oderiam substituir com facilidade as emprêsas dustriais e agrícolas. Desta maneira, o Estado, uxiliando-as, não teria ne- cessidade de recorrer à edidas de violências nem de confiscação». Afora os conceitos sôbre a necessidade e os re- ltados da associação como elemento retificador da trutura econômica, a grande, a inestimável herança ue legou ao movimento cooperativista moderno, re- side na criação do fundo coletivo e indivisível conce- bido por Buchez, e com que dotouos «ateliers natio- naux», organizados sob sua inspiração, e que hoje constitui parte integrante de inúmeras legislações, in- clusive a nossa. ROCHDALE E ESTRUTURAÇÃO DO MOVI- MENTO COOPERATIVO OS PIONEIROS Embora tenham surgido muitas controvérsias e disputas em tôrno do berço onde se depurou, e se consolidou tôda a imensa fertilidade dos Utopistas, a «Rochdale Equitable Pioneer’s Society», é reconheci- da hoje como um marco ZERO das realizações e ex- pansão do cooperativismo. Pois «se não foi ela quem imaginou êste sistema, a ela cabe a honra de ter sido a primeira a estruturá-lo e tragar-lhe os seus princí- pios fundamentais». A Cooperativa dos Probos Pioneiros de Rochdale nasceu da mesma forma que as agremiações econô- micas que a antecederam, impelida pelos efeitos da expansão do industrialismo inglês. As dificuldades econômicas que já vinham de longe, como vimos, encontraram, nos 28 tecelões, um grau maior de necessidade e a experiência do fracasso das associações de Brighton, sedimentou-se aí, indi- cando que havia alguma coisa a corrigir. E, assim, em 21 de dezembro de 1844, foram aber- tas as portas do andar térreo de um velho casarão do 44 J. MONSERRAT Beco do Sapo, com um capital de 28 libras, subscritas por: James Smithiers, William Cooper, John Collier, Miles Ashworth, James Tweedale, John Heill, John Holt, Charles Howarth, David Brooks, Samuel As- worth, William Mallalien, James Daley, John Bent, John kershaw, John Scowcroft, James Staudring, Jo- seph Smith, Robert Taylor, James Wilkinson, Georges Healy, James Maden, James Manock, Willian Taylor, Benjamin Reedmac, John Garside, James Bramford e Ana Tweedale. Os estatutos redigidos por Charles Howarth — o Arquimedes da Cooperação — são considerados como um manifesto, verdadeiro programa da cooperação. Vale a pena conhecê-los, pois constituem a base dos princípios fundamentais desta doutrina, não só aceitos no mundo inteiro como reconhecidos no batis- mo legal de quase tôdas as legislações. «A Sociedade tem por objeto conseguir um bene- fício — pecuniário e melhorar as condições domésticas e sociais de seus membros, reunindo um capital divi- dido em ações de uma libra — que permita pôr em prática o seguinte: — abrir um armazém para suprimento de gêneros, vestuários, etc.; — construção ou compra de casa para os sócios; — produzir artigos de consumo imediato a fim de dar emprêgo aos sócios desempregados; — comprar ou arrendar terras para os sócios; — constituir colônias autônomas e auxiliar a orga- nização de outras cooperativas; — organizar campanhas pró-temperança. Para a execução dêsses tão nobres objetivos fo- ram estabelecidas as seguintes normas: 1 — Pagamento à vista. 2 — As vendas se realizarão ao preço corrente na praça. COOPERATIVISMO 45 3 — Distribuição dos resultados «pro-rata» às com- pras de cada um. 4 — Juros reduzidos ao capital. 5 — Todos os sócios gozarão de igual direito, qual- quer que seja o sexo, idade, profissão e quotas que possuir. 6 — Cada sócio terá direito a um voto e sòmente a um. 7 — Neutralidade política e religiosa. 8— Contabilidade metódica, revisada periódicamente, e balanço à disposição dos sócios. Trimestralmente seria feita a distribuição dos re- sultados depois de atender a: a) gastos de administração; b) Juros ao capital; c) amortização das existências; d) percentagem destinada ao fundo social indivisível; e) 2,5% para manter escolas, bibliotecas, etc. O êxito dos Pioneiros não tardou. Lutas, incom- preensões e o sarcasmo público com que foram brin- dados em seus primeiros passos, ao invés de arrefecer os ânimos, retemperou a vontade daqueles homens e o s ligou ainda mais, cimentando, num mesmo bloco, so- cialistas, cartistas, conservadores e cooperadores para a dificação de sua iniciativa. Na base democrática das resoluções definitivas sò- mente serem tomadas pelas assembléias, das vendas à dinheiro e ao preço corrente na praça, puderam, em pouco tempo, multiplicar o capital e os resultados. Com a distribuição dos lucros na proporção das operações de cada associado e o pagamento de um juro reduzido às quotas, vincularam, de forma ainda mais concreta, o cooperador e a sua Casa, despertan- do-lhe maior interêsse pelo desenvolvimento e progres- so da organização. Fiéis a essas normas e não medindo sacrifícios para cumpri-las, em breve sua ação proveitosa e exem- 46 J. MONSERRAT plificadora tomava vulto, estimulando a constituição de outras cooperativas não só na Inglaterra, mas, ul- trapassando os limites de sua pátria, influenciava po- derosamente as classes necessitadas de outros países. Não cessa aí, todavia, a herança legada pelo Pio- neiros. Com a constituição de outras entidades em Lan- cashire, Yorkshire, cedo compreenderam êles a impos- sibilidade das cooperativas de consumo realizarem, efi- cientemente, suas finalidades, enquanto vivessem isso- ladas, entocadas em seus bairros e cidades. Se os consumidores podiam prescindir dos arma- zéns varejistas, ingressando naquelas organizações, elas contudo, não poderiam, de forma alguma, ampliar seus objetivos, beneficiar, de maneira mais concreta e va- riada, as mensas necessidades de seus membros, con- tinuando ada uma em seu canto, como irmãos de uma família desunida — suas vantagens seriam sempre reduzidas e limitadas. Além disso, percebiam claramente que, mesmo au- mentando o volume de seus negócios, não lhes seria possível dispensar os fornecimentos dos atacadistas, os quais, era de presumir-se, não tardariam a criar-lhes dificuldades, como fregueses sem maiores tradi- ções e garantias que o entusiasmo e a idéia mesma de progredir e emancipar-se. Afigurava-se, também, a êstes homens, que po- deria ocorrer amanhã, eliminando sómente um intermediário, que viessem, na verdade, apenas substituí-lo, para recomeçar de outra forma o que desejavam destruir — a concorrência. Estas apreensões concretizaram-se mais tarde quando os Pioneiros resolveram instalar um armazém para fornecimento por atacado aos seus vários postos e às sociedades congêneres das vizinhanças, as quais, COOPERATIVISMO 47 sem, disporem de maiores recursos, experiência e or- ganização, dificilmente podiam suprir-se convenientemen- te. As medidas práticas que o próprio trabalho quo- tidiano ia sugerindo, convenceram-lhes, logo depois do fracasso dêsses fornecimentos, que «idéia federativa deriva, em forma natural, do principio estrutural mesmo do sistema cooperativo e que, para substituir aos ata- cadistas e todos os demais intermediários, as cooperativas de consumo precisavam constituir entre si federações regionais e nacionais, organizadas sob os mesmos princípios que as próprias sociedades constituintes ». Esta magnífica e oportuna observação extraída das entranhas de uma experiência diuturna, levou a Abraham Greenwood a propugnar e ver todo o seu esfôrço coroado de êxito com a fundação, em 1864, de uma sonhada Wholesale — Cooperativa de Consumo do Norte da Inglaterra para o Fornecimento porAtacado — e, com ela, iniciar a produção de manufaturas, artigos diversos e a importação direta de produtos de além-mar, para satisfazer, o mais integralmente possível, às necessidades de consumodos cooperativistas inglêses. A A.C.I. As idéias de Rochdale, em sua aceitação, e as iniciativas por elas inspiradas em todos os qua- drantes da terra, necessitavam, no entanto, de uma codificação, de uma síntese, capaz de estruturar o movimento que se ampliava, dando a unidade ne- cessária à sua corporificarão doutrinária. Já o principio da distribuição dos resultados, a reposição do capital nos justos têrmos de elemento de 48 J. MONSERRAT uso na criação da riqueza e a concepção de que não se deve produzir simplesmente para o mercado, mas para satisfazer, primordialmente, as necessidades dos grupos organizados, constituia, por si só, as pre- missas básicas de um novo sistema que vinha revolucionar o modus imperandi da caça ao lucro e da concorrência, sem se observar a situação que se criava com a concentração cada vez maior do trabalho fabril e do assalariamento das populações. A necessidade de dar feição orgânica ao mo- vimento, através de um centro de irradiação e disci- plinamento cooperativo, pela propaganda e o incentivo do intercâmbio de relações entre as organizações cooperativistas, foi sentida, inicialmente, entre outros, por M. de Boyve, que formulou uma proposição tendente a constituí-lo, durante o Congresso das Cooperativas Inglesas, realizado em Plymouth, no ano de 1886. A Aliança Cooperativa Internacional, não obstante, só foi fundada dez anos mais tarde, em Londres, num dia de setembro de 1895. De acôrdo com estatuto, então aprovado: «A Aliança Cooperativa Internacional, continuando a obra dos Pioneiros de Rochdale, persegue com toda a independência e com seus meios próprios, a substituição do regime atual de concorrência entre os comércios privados, por um regime cooperativo da comunidade, baseado na ajuda mútua dos cooperados associados. A A.C.I. tem por fim: a) – o estabelecimento dos princípios e métodos cooperativos; b) – o desenvolvimento da Cooperação em todos os países ; c) – o estreitamento das relações amistosas entre os membros da Aliança; Fotografia tirada em 1865, na qual aparecem treze dos fundadores da «Rochdale Equitable Pionerr’s Society». A famosa casa de Toad Lane (Beco do Sapo), atual- mente transformada em Museu Cooperativo. COOPERATIVISMO 49 d) — a defesa, dos interêsses do movimento cooperativista e a dos consumidores em geral; e) — fornecer informações e estimular os estudos concernentes à Cooperação; f) — o desenvolvimento do intercâmbio de produtos e mercadorias entre as organizações ooperativas dos di versos países. A Aliança não se ocupa de política nem de reli- gião. Considera a cooperativa como um terreno neutro, no qual as pessoas de opiniões as mais variadas e das crenças mais iversas podem encontrar-se e trabalhar em comum. Tal neutralidade, sôbre a qual repousa a unidade do movimento cooperativista internacional, deve ser observada em tôdas as ocasiões, como em tôdas as suas publicações e na, atividade de todos os seus órgãos. Nos trabalhos, iniciais a orientação da A.C.I., ontudo, tendia mais, ou melhor, quase que exclusivamente, para o cooperativismo de consumo, possìvelmente porque, na realidade, o movimento rochdaleano se desenvolvia nesse setor. E, ao sistema cooperativo estruturado em Rochdale para defesa dos consumidores, veio se juntar, na segunda metade do século XIX, o trabalho de Hermann Schulze- Delitzsch e Frederico Guilherme Raifeisen, na Alemanha, uigi Luzzati e Leone Wollemborg, na Itália, criando as Caixas Rurais e Bancos Populares e, desenvolvendo, com a instalação e propaganda dêsses organismos de crédito, as cooperativas agrícolas, cujos métodos de trabalho, aprovisionamento e venda em comum já eram conhecidos até mesmo na América, como vimos em Capítulo anterior As crises periódicas, moléstia endêmica da ordem capitalista, e a Primeira Guerra Mundial, dêste século, foram, a pouco e pouco,acentuando as contradições 50 J. MONSERRAT evidentes entre as classes sociais e aflorando, de forma mais aguda, a necessidade de organização dos homens no sentido de equacionar os problemas que se avolumavam nos setores da produção e do crédito popular. Frente ao crescimento da organização cooperativa e à sua frutificação nos mais variados setoresda atividade humana, e «sentindo a necessidade de conhecer-se como, e até que ponto, os princípios rochdaleanos eram aplicados pelas cooperativas existentes», a delegação francesa apresentou, ao Congresso da A. C. I., levado a efeito em Viena, em 1930, uma proposta nesse sentido. Aprovada a proposição francesa, foi nomeada uma Comissão Especial para estudar o assunto e, oportunamente, apresentar seu relatório. Êste documento da Comissão Especial, embora baseado no estudo e investigação dos arquivos, manifestos, estatutos, atas, etc., de Rochdale, em depoimentos de Miles, um dos veteranos da sociedade dos Pioneiros, e de uma filha de James Smithies, também um dos 28 tecelões, conforme nos informa Poisson, não foi aprovado pelo Congresso de Londres, em 1934. Sòmente após um reestudo feito pela Direção da A.C.I., é que o Relatório daquela Comissão foi aprovado, contra dois votos, pelo Congresso realizado em Paris, a 7 de setembro de 1937, onde achavam-se representados mais de 30 países, através de 500 delegados. Desde esta data memorável para a universalidade cooperativista, ficou reconhecido e aceito por todos, como Princípios Fundamentais do Cooperativismo, Os consagrados naquele conclave e que estudaremos, sucintamente, a seguir. PRINCÍPIOS FUNDAMENTAIS DO COOPERATIVISMO I — Adesão Livre. Conhecido como «princípio da porta aberta», si- gnifica que o ingresso é livre em uma cooperativa, in- dependentemente de raça, côr, ideologia política, con- fissão religiosa, etc., ressalvadas, é claro, as condições de idoneidade. Esclarecendo êste princípio, a Comissão Especial concluiu que a adesão livre não implica, necessàriamente, que seja voluntário êsse ingresso e que o fato do Poder Público poder torná-lo compulsório não desnatura o caráter próprio de sociedade cooperativa. A êste respeito os autores divergem. Enquanto uns vêem, na liberdade de contratar, o elemento útil e indispensável à ação cooperativa, nos têrmos ditados pelos Pioneiros, outros, aceitando o sentido evolutivo da concepção cooperativista e o processo dinâmico das relações sociais, concordam com a filiação obrigatória, «uma vez que o Estado respeite a sua autonomia, o contrôle democrático de seus membros e a estrutura federativa, partida esta debaixo para cima e não por imposição de governantes para gover- nados» — Fauquet. 52 J. MONSERRAT II — Contrôle Democrático. O Cooperativismo é a expressão econômica da de- mocracia e o ambiente de liberdade que êste sistema propicia é clima indispensável ao seu perfeito funcionamento. Por isto, na prática cooperativa, os Pioneiros ob- servaram a «igualdade» entre os sócios, o «voto singular» e a «administração plural». A direção se deve compor de órgãos coletivos de deliberação, execução e contrôle e a sua escolha deverá ser a expressão da vontade social, apurada em sufrágio direto e secreto, tendo cada associado um só voto, qualquer que seja a sua participação no capital da sociedade. III — Devolução dos Resultados «Pro-Rata» Às Ope- rações de Cada Sócio. O lucro para quem contribuir para formá-lo.Êste é, sem dúvida, o «princípio de ouro» desta instituição. Devido ao «intelectual» dos Pioneiros — Charles Howarth — constitui a pedra angular da cooperação e o seu ponto diferencial máximo no concêrto dos sistemas de associação econômica. Gide vê, neste princípio, «o segredo do êxito alcançado pelo cooperativismo no mundo e a razão porque concretiza econômicamente e sem luta o aumento da capacidade aquisitiva dos associados, beneficiando não só êstes como a sociedade onde laboram; pois, até então, todos os benefícios do associacionismo eram repartidos em função do capital que representava o poder e a capacidade de satisfazer às necessidades individuais». COOPERATIVISMO 53 Ora, as necessidades de consumo sendo comuns à gregos e troianos, devem marcar as oscilações e a respectiva retribuição de parte do organismo social que tem de caber a cada um, na medida em que se de- senvolve o processo de produção e os métodos mais consentâneos à debelação dessas necessidades. IV — Juro Limitado ao Capital. Ao capital, como um dos fatôres da produção, cabe desempenhar a sua função também na sociedade cooperativa. Por isto se justifica a sua remuneração. Todavia, integrando-se na engrenagem cooperativista, servirá apenas de lubrificante à eficiência da máquina e não de máquina de eficiência. Os juros que se lhe atribuam não devem ser altos, pois, se assim acontecer teremos, dentro de uma sociedade de pessoas, com caráter sui-generis, o aspecto capitalístico das emprêsas comerciais, num hibridismo condenável e contraproducente à «subordinação do útil à moral». que procura consagrar, no cumprimento de seus elevados objetivos. V — Neutralidade Política e Religiosa. Êste ponto merece um esclarecimento especial. Assim se manifestou sôbre êle o Comité Especial, no Congresso A.C.I.: «A neutralidade não significa renúncia das responsabilidades que têem os cooperados de defender os legítimos interêsses de seu sistema econômico ante os Poderes Públicos. E essa responsabilidade é tanto maior quanto a cooperação não se identifica com nenhum grupo ou partido político, em par- 54 J. MONSERRAT ticular». E mais adiante afirma: «A neutralidade im- plica no reconhecimento da devoção completa do movi- mento à comunidade, baseada na melhoria econômica e social, independente da significação que uma idéia, política ou religiosa, possa ter para qualquer um de seus membros». Deve ser tomado, portanto, como independente da política partidária e nunca como organismo neutro, no sentido que nos ensinam as ciências físicas e na- turais. VI — Vendas a Dinheiro. Este princípio que melhor poderíamos chamar de norma fundamental, apresenta dupla vantagem na prá- tica cooperativista: social — educa o associado; eco- nômica — consolida o organismo social. Repetto, defendendo êste princípio integrante da lei argentina, alinha um argumento de ordem finan- ceira que merece ser divulgado, mormente aqui, onde o sistema das vendas a crédito é polvo insaciável: «Numa cooperativa é necessário, para que as coisas marchem bem, que o seu capital gire 5 ou 6 vêzes du- rante o exercício social. Como, pois, poderia girar 5 ou 6 vêzes durante o ano, o capital, se seus sócios ad- quirissem mercadorias a crédito? Com que dinheiro renovaria o estoque dos artigos de consumo que se esgotam ràpidamente, como açúcar, arroz, café, etc.? Para repor seus estoques e mantê-los em condições de atender seus associados, só o pagamento à vista resolve, satisfatóriamente, a situação, pois a ninguém se lhe ocorre, certamente, que a cooperativa, para tanto, peça dinheiro emprestado aos Bancos...». COOPERATIVISMO 55 Na Inglaterra, as cooperativas de consumo sinte- tisaram a sua vasta experiência na seguinte conclusão: «O Crédito, que pode ser útil ao comércio ordinário, encarece o preço das mercadorias em 25%, o que si- gnifica que, se não houvesse o crédito, poderíamos consumir mais um quarto do que gastamos hoje para viver». VII — Fomento ao Ensino. Uma escola que se abre é uma prisão que se fe- cha, afirmou célebre pensador. E os Probos Pioneiros de Rochdale não esqueceram que o êxito da obra que realizavam necessitava alicerçar-se nas amplas e só- lidas bases da educação popular — daí os 2,5% dos resultados anuais que destinavam à manutenção de escolas e bibliotecas. O «Comité de Paris», além de exaltar êsse prin- cípio epropor a sua mais estrita observância pelo Movimento, conclui que, nos estatutos das cooperativas, devem ser regularmente destinadas percentagens das sobras líquidas para o fomento do ensino, dando prioridade, é claro, aos cooperadores, a fim de que possam, conscientemente, conseguir o seu ideal. CONCEITO E DEFINIÇÃO Desta exposição, onde se caracteriza, a cada pas- so, como fatôres essenciais do processus cooperativistas, a necessidade e a união de esforços como meios de satisfazê-la, decorre, naturalmente, a conceituação do cooperativismo, a definição do organismo que lhe serve à efetivação dos seus princípios e o caráter que assumem suas atividades. Sem nos alongarmos demasiadamente neste ponto, podemos fixar-lhe o conceito, dizendo que o cooperativismo é um sistema de organização econômica em que o homem exercita livre e disciplinadamente sua atividade, tendo em vista não apenas simplesmente a satisfação pessoal, imediata egoísta de suas neces- sidades mas, pela ação conjunta, o conjunto de neces- sidades do meio em que trabalha e onde elas (suas necessidades) se encontram integradas. Sua divisa, um por todos e todos por um, escla- rece perfeitamente. O sentido da solidariedade que origina nos con- firma que «aquêle que trabalha por todos, trabalha, trabalha também por êle próprio». E a consciência que inspira esta realidade dá-lhe foros de um movimento reti- ficador e a vitalidade e o vigor indispensáveis para que 58 J. MONSERRAT possa alcançar seus propósitos de bem-estar, demo- cràticamente. Sem ser anticapitalista, stritu-sensu, luta para colocar o capital no seu justo pôsto, como lubrificante à eficiência da máquina e não como máquina de eficiência. Sem ser politico ou confessional, compreende a política como uma necessidade para o exercício das aspirações populares e a religião, como um sentimento, uma questão de foro íntimo, da exclusiva vontade de cada um de seus membros, entre os quais exige respeito e compreensão recíproca. Sem cogitar os méritos das fronteiras nacionais, êle prega o trabalho e a cooperação entre os homens das mais distantes latitudes e reconhece a universalidade dos problemas econômicos, para sugerir a solução cooperativa. Assim, o cooperativismo, torna-se, aos nossos olhos, um movimento pacífico de reivindicação social na ordem econômica, que reune, coordena e disciplina os agrupamentos humanos que se abrigam à sua sombra e, através do sistema que decorre da adoção de seus princípios, organiza a economia em bases realmente democráticas e oferece oportunidade ao desenvolvimento das relações de produção, em consonância com as necessidades do consumo, e das inteligências nacionais, em sua constante evolução. * * * Daí a definição do organismo que a vivifica e lhe enriquece constantemente os conhecimentos com a ex- periência da luta quotidiana, plasmando seu espírito e dando-lhe o dinamismo e a resistência capaz de fazê-lo sobreviver a todos osembates por que tem passado. COOPERATIVISMO 59 Muitas são as definições com que os estudiosos situam a sociedade cooperativa. No entanto, pelo que acabamos de sentir, a co- operativa é uma emprêsa econômica e uma instituição econômico-social. E, como tal, temos de compreendê-la e defini-la. Como emprêsa podemos dizer que «a sociedade cooperativa é uma associação de pessoas, que organiza em comum uma emprêsa de natureza econômica para prover, primordialmente à satisfação de necessidades individuais dos que a compõem, e com o fito de partilhar, entre êles, as vantagens da supressão do intermediário». — A. Gredilha. Como instituição, ela se nos apresenta como a associação que forja e dinamisa a idéia da subordinação dos interêsses individuais aos supremos interêsses da comunidade, submetendo o sentido do útil ao da moral social. Uma e outra, contudo, não constituem manifesta- ções separadas ou descontínuas. Ao contrário, coexis- tem. E, justamente de sua coexistência e de sua si- multaneidade ou não, na vida dessa sociedade, é que teremos, ou não, a exata expressão cooperativista do sistema. Pois, é através dessa conjugação, desta coincidên- cia da emprêsa e da instituição, agindo simultânea- mente, que a cooperativa promove não apenas as van- tagens materiais momentâneas que nascem da asso- ciação de esforços, mas também aquelas com que visa corrigir a injusta distribuição atual da riqueza e dar um conteúdo social à atividade do homem, para que cumpra, sem vacilações, a sua grande tarefa na vida. A NATUREZA CIVIL OU MERCANTIL DA SOCIEDADE COOPERATIVA Finalmente, a natureza jurídica da sociedade co- operativa depende, como é óbvio, do caráter de seus objetivos. Na conformidade como concretise suas fi- nalidades, ela será civil ou mercantil. Não será, pois, como efetivamente não o é, a lei que declara civil ou mercantil uma sociedade. E, no caso específico da cooperativa, o artigo 38, do Decreto 22.239, apenas enumera as de um e outro caráter, tendo em vista as diversas categorias pelas quais distribuiu, a título de exemplificação, e suas respectivas, atividades econômicas. Entretanto, independente de seu caráter civil ou mercantil «... são sociedades de pessoas e não de capitais, de forma jurídica sui-generis...» na límpida conceituação do artigo 2.º, daquele Decreto. E é justamente êste aspecto peculiar e comum a tôdas elas que promove confusões sôbre a natureza das cooperativas e das sociedades não comerciais. A distinção, por isto mesmo, se impõe, não só pela necessidade de um perfeito esclarecimento teórico de uma situação, como, e principalmente, para os efeitos 62 J. MONSERRAT práticos das relações de direito daí decorrentes e bas- tante diversas. As cooperativas de natureza civil não estão su- jeitas ao instituto da falência, visto não realizarem o que, em nosso direito, é reconhecido como ato de co - mércio. Chegadas a esta situação deve ser declarada a insolvência da sociedade, de acôrdo com o que determina o Código Civil — artigos 1.554 e seguintes, aplicáveis à espécie — a qual se processará nos têrmos do Código Processual respectivo. Exemplifiquemos: Uma cooperativa de consumo será sociedade civil sempre que operar, exclusivamente, com seus associa- dos, e mercantil quando transacionar com pessoas es- tranhas ao seu quadro social. As organizações vitivinícolas enquanto apenas beneficiarem o vinho elaborado por seus associados se - rão de natureza civil, transformando-se em mercantil no momento em que passarem a industrializar a uva. Assim, as de produtos suínos, trigo, carne, etc., uma vez que o seu objetivo seja a industrialização da matéria- prima produzida por seus associados, pois os atos praticados por uma emprêsa industrial são considerados atos de comércio pelo nosso direito, mesmo que essa emprêsa seja de ordem cooperativa. ENSAIO ESTATÍSTICO INTERNACIONAL DAS SOCIEDADE COOPERATIVAS Sob êste título, o Bureau Internacional do Traba- lho, deu à publicidade, meses antes de irromper a Se- gunda Guerra Mundial, um interessantíssimo e opor- tuno informe, onde condensa, em números, o pujante movimento cooperativista no Mundo. Embora não seja, como se lê na sua introdução, um trabalho perfeito, é, sem dúvida, uma contribuição de inestimável valor e nos dá uma idéia bastante aproximada da expansão do cooperativismo no Mundo, Já naquela época. Os dados que transcrevemos referem-se, como se pode observar, a uma síntese estatística e constituem o quadro final que reune o número de sociedades e de seus associados, cujas informações foram colhidas entre: 55 países para as de consumo 28 ,, ,, ,, ,, habitação 56 ,, ,, ,, ,, profissionais não-agrícolas 89 ,, ,, ,, ,, agrícolas 16 ,, ,, ,, ,, diversas 64 J. MONSERRAT Além disso advertimos que: Nas de consumo, incluem-se os dados referentes às universitárias, às mistas, etc. Nas de habitação, foram computadas também as de crédito do lar. Nas cooperativas agrícolas estão compreendidas as de crédito e de seguros mútuos. Nas classificadas com «diversas» acham-se incluí- das as não compreendidas nos grupos aludidos e reu- nem os tipos relativamente raros, como as cooperati- vas sanitárias, telefônicas, etc. MOVIMENTO COOPERATIVO NO MUNDO Grupos geográficos N.º de Coop. Associados Dados de ÁFRICA : Consumo ........... . 46 16.397 Prof. não agrícolas. 28 2.764 Agrícolas .......... ... 3.529 312.750 TOTAL:....... 3.598 331.911 (3.483) AMERICA: Consumo ........... 4.061 585.808 Habitação ............ 10.078 5.002.248 Agrícolas ............ 28.289 7.474.272 Prof. não agrícolas. 7.208 1.444.474 Diversas ................ 6.080 168.124 TOTAL: ..... 51.251 14.674.426 (45.724) ÁSIA: (menos a U.R.S.S.) Consumo ............ 988 330.155 Habilitação .......... 377 17.624 Prof. não agrícolas. 13.968 2.160.556 Agrícolas ............. 15.222 12.350.036 Diversas .......... ..... 9 2.095 TOTAL: ........... 167.554 14.860.466 (156.570) U. R. S. S.: Consumo ........... 24.113 39.200.000 Prof. não agrícolas. 15.577 2.032.350 Agrícolas ............. 246.905 19.156.921 TOTAL: ............ 286.595 60.389.271 (286.595) EUROPA: (menos a U.R.S.S.) Consumo ............ 19.426 18.621.180 Habitação ............ 10.747 3.261.163 Prof. não agrícolas. 20.171 5.289.478 Agrícolas ............ 246.435 24.995.552 Diversas ............... 3.544 253.296 TOTAL: 300.323 52.470.589 (247.981) OCEANIA: Consumo ................. 169 131.167 Habitação ................ . 277 127.319 Agrícolas ................. . 745 275.794 TOTAL: ............. 1.191 584.280 (1.191) TOTAL GERAL: ...... 810.512 148.260.953 (741.543) MOVIMENTO COOPERATIVO DISTRIBUIÇÃO GEOGRAFICA DAS COOPERATIVAS Regiões e Estados Nº de Nº de Capital NORTE: Cooperativas Associados Acre ....... ..... . ....... 8 375 335.530,00 Amapá ........ .. ....... 3 208 351.295,00 Amazonas ............. 6 2.378 299.609,00 Guaporé ................. 1 23 264.200,00 Pará ...... .. .. .. ........ 76 4.713 1.477.668,00 Rio Branco ....... ..... — — — Total Norte ............. 94 7.697 2.708.297,00 NORDESTE: Maranhão ............... 21 3.524 477.921,00 Piauí .................... ... 19 1.940 753.824,00 Alagoas .. ...