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140FGV DIREITO RIO TEORIA GERAL DAS OBRIGAÇÕES E DOS CONTRATOS AULA 19: TRANSMISSÃO DAS OBRIGAÇÕES EMENTÁRIO DE TEMAS Cessão de Crédito – Assunção de dívida – Cessão de posição contratual LEITURA OBRIGATÓRIA LÔBO, Paulo Luiz Netto. Teoria Geral das Obrigações. São Paulo: Saraiva, 2005; pp. 167/186. LEITURAS COMPLEMENTARES BITTAR, Carlos Alberto. Direito das Obrigações. Rio de Janeiro: Forense, 2004; pp. 87/93. TEPEDINO, Gustavo, MORAES, Maria Celina Bodin de, e BARBOZA, Heloisa He- lena. Código Civil interpretado conforme a Constituição da República, vol. I. Rio de Janeiro: Renovar, 2004; pp. 566/589. 1. ROTEIRO DE AULA O atual Código Civil positivou a disciplina da cessão de crédito nos arts. 286 a 298 e a assunção de dívida nos artigos 299 a 303. A cessão de posição contratual, de forma seme- lhante ao que ocorrera com o Código Civil de 1916, não foi disciplinada pelo Código em vigor. Cessão de Crédito A cessão é um negócio jurídico de feição contratual, através do qual ocorre a alienação de bens imateriais, mais notadamente o crédito, que a par do seu valor nominal também possui valor de mercado. Não se considera o consentimento do devedor para a realização desse negócio jurídico, uma vez que ele é, em regra, estranho ao eventual instrumento de cessão. Caberá ao devedor responder apenas ao adquirente dos direitos de crédito. A cessão, vale lembrar, não é forma de extinção das obrigações, visto que a mesma se conserva, alterando-se apenas o pólo ativo. Nesse negócio jurídico, existem as seguintes figuras: o cedente (quem aliena o direito); o cessionário (adquirente); e o cedido (o devedor, ou o obrigado). Através da cessão ocorre uma transferência do crédito, verificando-se, tão somente, uma alteração no pólo ativo da obrigação. O devedor da obrigação permanece o mesmo, encon- trando-se obrigado face ao cessionário. Veda-se a cessão de créditos que, por sua própria natureza, não podem ser alienados, ou quando a lei, ou mesmo a vontade das partes, se manifestou no sentido da intransmissibili- dade. Nesse sentido, o art. 286 do Código Civil: 141FGV DIREITO RIO TEORIA GERAL DAS OBRIGAÇÕES E DOS CONTRATOS Art. 286. O credor pode ceder o seu crédito, se a isso não se opuser a natureza da obri- gação, a lei, ou a convenção com o devedor; a cláusula proibitiva da cessão não poderá ser oposta ao cessionário de boa-fé, se não constar do instrumento da obrigação. Na cessão de crédito pode-se observar também a idéia de que o acessório segue o prin- cipal, isto é, os créditos de natureza acessória são transferidos juntamente com o crédito em torno do qual gravitam. Como exemplos têm-se os direitos de garantia, juros, correção monetária, a cláusula penal, entre outros. Contudo, por ser campo de direito dispositivo, a livre convenção das partes pode afastar essa regra. O art. 287, nesse sentido, define: Art. 287. Salvo disposição em contrário, na cessão de um crédito abrangem-se todos os seus acessórios. O Código nada alude nesse sentido, mas não há oposição à cessão parcial do crédito, encontrando essa possibilidade, inclusive, assentamento na legislação estrangeira. Apenas parte do crédito pode ser transferido, e nesse caso, o cedido torna-se obrigado em relação a duas pessoas distintas, mas pelo mesmo valor. Nessa bipartição de crédito não há nenhuma preferência de recebimento por um ou por outro credor. Destaque-se também a possibilidade da cessão ter fim especulativo, podendo ser trans- ferida por valor diverso daquele enunciado na relação creditícia, embora o obrigado fique logicamente vinculado apenas ao valor nominal da obrigação. O devedor deve ser notificado da cessão, caso contrário, ao pagar ao credor primitivo (cedente) estará se desobrigando. O art. 290 determina: Art. 290. A cessão do crédito não tem eficácia em relação ao devedor, senão quando a este notificada; mas por notificado se tem o devedor que, em escrito público ou particular, se declarou ciente da cessão feita. Não existe forma específica para notificação, mas é conveniente que seja por escrito, sobre- tudo, pois o art. 288 exige essa formalidade para que se estabeleça validade perante terceiros. Regra importante de proteção ao devedor reside no art. 291 CC. Ao devedor não pode ser imposto o ônus de descobrir quem é o último cessionário, e, portanto, a quem deve pagar. Deve simplesmente pagar àquele que se apresenta com o título. Ainda, a consideração da lei em relação ao devedor se manifesta de forma bem expressiva no art. 294: Art. 294. O devedor pode opor ao cessionário as exceções que lhe competirem, bem como as que, no momento em que veio a ter conhecimento da cessão, tinha contra o cedente. O crédito é transferido com todas as suas características e dessa maneira, as defesas também são abarcadas nessa transferência. Se o negócio jurídico foi inquinado em suas constituição por erro ou dolo, será anulável, e portanto, essa mesma anulabilidade poderá ser oposta em face do cessionário. Logicamente, o cessionário, desde que de boa-fé, não é obrigado a conformar-se com o prejuízo, valendo-se dos instrumentos legais próprios na busca de ressarcimento perante o cessionário. Essas defesas do cedido face ao cessionário devem ser alegadas tão logo aquele tome conhecimento da cessão. Os créditos, em geral, podem ser cedidos. Contudo, em certas ocasiões existem óbi- ces à cessão, que podem ser por conta da natureza do crédito, pela convenção das partes 142FGV DIREITO RIO TEORIA GERAL DAS OBRIGAÇÕES E DOS CONTRATOS ou pela própria lei, que veda a sua alienação. Essas exceções, como já destacado, estão no art. 286. O cedente não é responsável pelo cumprimento da obrigação por parte do cedido, nem pela solvência do mesmo. Sua responsabilidade, contudo, não pode ser ilidida no que con- cerne à existência de crédito quando da realização da cessão – quando a mesma tiver se operado onerosamente (art. 295 do Código Civil). A solvência do devedor será responsabilidade do cedente apenas nos casos em que este expressamente se manifestar nesse sentido. A lei destaca somente a responsabilidade em relação à existência do crédito ao tempo da cessão. A transmissibilidade de créditos é campo bem aberto à livre disposição entre as partes, e certamente o cedente poderá, caso realmente deseje, conferir garantias extras ao cessionário, como a da solvência do devedor. Art. 296. Salvo estipulação em contrário, o cedente não responde pela solvência do devedor. Ainda, mesmo quando da concessão dessa modalidade de garantia, a lei determina limi- tações, não podendo elas, nos termos do art. 297, ultrapassar o valor recebido pelo cedente mais juros e despesas referentes ao negócio. Art. 297. O cedente, responsável ao cessionário pela solvência do devedor, não responde por mais do que daquele recebeu, com os respectivos juros; mas tem de ressarcir-lhe as despe- sas da cessão e as que o cessionário houver feito com a cobrança. Na cessão feita a título gratuito, em regra, nem a responsabilidade quanto à existência do crédito é devida. A exceção existe, contudo, quando o cedente tiver procedido mediante dolo. A cessão pode se operar a título gratuito ou oneroso e pode ocorrer em qualquer instân- cia judicial. Destacam-se ainda as modalidades de cessão pro soluto e pro solvendo. Na cessão pro soluto o cedente se responsabiliza somente pela existência do crédito, mas não assume junto ao cessionário a responsabilidade pelo pagamento da obrigação. Diferentemente, na obrigação pro solvendo, essa garantia suplementar é ofertada, responsabilizando-se do ceden- te pelo adimplemento da obrigação. Assunção de dívida Da mesma forma que existe substituição da parte ativa, pode ocorrer substituição da parte passiva da obrigação. Nesse caso, verifica-se a figura do assuntor, isto é, um terceiro que se obriga peladívida. A cessão de débito não pode ocorrer sem a anuência do devedor. Trata-se de corolário lógico da idéia já examinada de que o patrimônio do devedor é garantia do cumprimento da obrigação. No caso de inadimplemento, o credor pode movimentar o aparato jurisdicional no sentido de satisfação dos seus débitos, mas irá fazê-lo, logicamente, quando souber que lá encontrará montante suficiente para satisfazer o seu crédito. O credor não está obrigado a aceitar outro devedor, ainda que ele possua melhores con- dições de pagara dívida ou seja detentor de patrimônio maior. É o preceito contido no art. 299 do atual código: Art. 299. É facultado a terceiro assumir a obrigação do devedor, com o consentimento expresso do credor, ficando exonerado o devedor primitivo, salvo se aquele, ao tempo da assunção, era insolvente e o credor o ignorava. 143FGV DIREITO RIO TEORIA GERAL DAS OBRIGAÇÕES E DOS CONTRATOS Parágrafo único. Qualquer das partes pode assinar prazo ao credor para que consinta na assunção da dívida, interpretando-se o seu silêncio como recusa. A obrigação se mantém alterada, mas as garantias especiais, tais como a hipoteca e a fiança, oferecidas pelo devedor original ao credor, em regra, não se estendem ao assuntor (art. 300 do Código Civil). Essas garantias não subsistirão com ao advento da assunção, salvo na existência de men- ção expressa nesse sentido. Semelhante à cessão, a assunção também tem natureza contratual, sendo também ne- gócio bilateral. A forma, não havendo previsão legal que a defina, é livre. Adicionalmente, tanto as dívidas presentes como as futuras admitem cessão, bem como aquelas sujeitas à condição. A assunção de dívida pode se processar de duas formas diversas: (i) por acordo entre o terceiro e o credor (expromissão); e (ii) por acordo entre terceiro e o devedor (delegação). Na expromissão, o terceiro, de forma espontânea, assume em face do credor a obrigação pela liquidação do débito. Nessa modalidade de assunção o devedor original pode ser libera- do, mas pode também permanecer concomitante vinculado com o terceiro que assume a dí- vida. Verifica-se assim, dois obrigados pela mesma dívida (assunção de débito imperfeita). Na delegação, o primitivo devedor transfere a terceiro a sua posição, havendo a necessi- dade de concordância por parte do credor. Da mesma forma que ocorre com a modalidade anterior (expromissão), pode o devedor inicial continuar obrigado de forma concomitante com o terceiro que adere à relação obrigacional. Essa situação irá operar um reforço à obrigação. Os meios de defesa que seriam oponíveis ao credor pelo primitivo devedor são transmi- tidos ao assuntor. No entanto, por força do art. 302, excluem-se as exceções pessoais, como a compensação, por exemplo. Ainda, sendo a transmissão anulada, a dívida se restabelece tal qual existia anteriormente, excetuando-se, em regra, as garantias propiciadas por terceiros. Cessão de posição contratual O contrato constitui um bem jurídico possuindo valor intrínseco. A elaboração de um contrato geralmente é uma atividade complexa, trabalhosa e envolvente de número consi- derável de indivíduos. Na cessão de posição contratual, uma das partes, denominada cedente, contando com a anuência do outro contratante, o cedido, transmite sua posição no contrato a um terceiro, denominado cessionário. Na cessão de posição contratual, os direitos e deveres provenientes da posição de contra- tante são os objetos da cessão. Trata-se não da transferência de créditos ou débitos, mas de todo um complexo jurídico englobado pelo contrato, fora outros interesses que lhe sejam subjacentes. Um direito de crédito, por exemplo, sempre engloba mais do que o crédito em si, como outras eventuais vantagens, sejam elas patrimoniais ou morais. Conforme examinado, na cessão de posição contratual, há a transferência de um com- plexo de relações jurídicas: débitos, créditos, deveres de abstenção, entre outros. Nessa mo- dalidade de negócio jurídico verifica-se a possibilidade de se operarem cessões de crédito e assunções de dívida. Esses são efeitos incidentais da cessão daquele complexo jurídico, mas não constituem a essência do mesmo. Na dinâmica da cessão de posição contratual, a concordância do cedido, isto é, a parte que remanesce no contrato, é imprescindível para a formação desse negócio jurídico. 144FGV DIREITO RIO TEORIA GERAL DAS OBRIGAÇÕES E DOS CONTRATOS 2. CASO GERADOR Giovanni e Michel trabalham juntos num conceituado escritório de advocacia no Rio de janeiro. Giovanni, apesar de possuir uma boa renda mensal, cultiva hábitos de vida muito caros, o que invariavelmente o que deixa à volta com dívidas. Em setembro passado, Giovanni conseguiu vitória em expressivo caso judicial no qual atuava como advogado, rendendo-lhe a título de honorários, o montante de 60.000 reais. Ocorre que a exeqüibilidade desse crédito não é imediata, estando o mesmo sujeito a um termo de 120 dias, prazo esse firmado a pedido do patrocinado, o Sr. Alcebíades. Vendo sua situação financeira agravar-se, Giovanni procura Michel e lhe propõe uma cessão parcial de crédito. Afirma, de forma verbal, nessa ocasião, que o cliente é solvente. O negócio jurídico possui os seguintes contornos: Michel tornar-se-ia titular de um crédito no montante de 30.000 reais. Para isso, desembolsaria a quantia de 25.000 reais. Nenhuma garantia acerca da solvabilidade do devedor é dada por Giovanni (cessão pro soluto). Pouco tempo antes da data de pagamento do crédito, Giovanni recebe notificação in- formando que o Sr. Alcebíades ingressou em juízo, pleiteando a anulação do contrato de prestação de serviços advocatícios. Alcebíades alega que foi ludibriado por Giovanni, que não tinha idéia de que o litígio iria lhe custar tanto, e que caso o patrono da causa houvesse agido com boa-fé, informando- lhe dos custos envolvidos na demanda, jamais teria sequer litigado. O processo de invalidação do aludido negócio corre de forma célere e, surpreendente- mente, vem a dar ganho de causa a Alcebíades. De quais recursos pode se valer Michel para não ver completamente frustrada a sua ex- pectativa de crédito? Qual o valor poderia o mesmo pleitear? 3. QUESTÃO DE CONCURSO Concurso para o cargo de Advogado do BNDES (2004) 58. Assinale a única afirmativa correta sobre a cessão de créditos, segundo o Código Civil. a) Na cessão de um crédito, abrangem-se todos os seus acessórios, não sendo possível dispor-se em contrário; b) Desde que haja a anuência do cedente, será possível ao cessionário de crédito hipo- tecário fazer averbar a cessão à margem da inscrição principal; c) Somente com o conhecimento da cessão pelo devedor pode o cessionário exercer os atos conservatórios do direito cedido; d) Com relação a terceiros, é eficaz a transmissão de um crédito, ainda que feita verbal- mente; e) O devedor pode opor ao cessionário as exceções que lhe competirem, bem como as que, no momento em que veio a ter conhecimento da cessão, tinha contra o ceden- te.
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