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Acidentes e Complicações em Endodontia Hélio Pereira Lopes José Freitas Siqueira Jr. Carlos Nelson Elias Marco Aurélio R. Prado Capítulo 12 507 Durante as diferentes etapas do tratamento endo- dôntico, alguns acidentes e complicações podem ocor- rer em razão da complexidade anatômica dos dentes, da falta de conhecimento das propriedades mecânicas dos instrumentos endodônticos, do desconhecimento de procedimentos técnicos adequados e da pouca ha- bilidade do prossional. Todavia, os acidentes advin- dos do tratamento endodôntico podem acontecer tan- to com prossionais de pouca experiência, como com aqueles bem experientes. São considerados acidentes os acontecimentos imprevistos e casuais resultando em dano que vem di- cultar ou mesmo impedir o tratamento endodôntico. Os mais comuns estão relacionados com a instrumen- tação dos canais radiculares, destacando-se formação de degraus, transporte apical de um canal radicular curvo, fratura dos instrumentos endodônticos e perfu- rações endodônticas. Complicação é o ato ou efeito de dicultar a reso- lução de um tratamento endodôntico. Pode advir dos acidentes ou ser inerente aos dentes, tais como canais atresiados, curvaturas radiculares, rizogêneses incom- pletas e anatomias atípicas. As complicações inerentes aos dentes podem induzir acidentes. Os objetivos deste capítulo são analisar as causas e a prevenção dos acidentes advindos da instrumen- tação de canais radiculares e com base na experiência clínica propor soluções para os acidentes e as compli- cações encontradas. ¢ ACIDENTES E COMPLICAÇÕES NA INSTRUMENTAÇÃO A instrumentação, uma das etapas mais impor- tantes do preparo químico-mecânico dos canais ra- diculares, tem como objetivo a obtenção de um canal radicular de formato cônico (modelagem) com maiores diâmetros possíveis21. Esse objetivo é, geralmente, logrado em canais re- tos e pouco provável em canais curvos, onde a forma nal do canal radicular geralmente apresenta alguma alteração em relação à original. O resultado nal da instrumentação de um canal curvo pode ser in!uencia- do por vários fatores, tais como: valor do raio de curva- tura do canal, localização e comprimento do arco, !exi- bilidade e diâmetro do instrumento endodôntico, tipo de movimento empregado, técnica de instrumentação, localização da abertura foraminal e dureza da dentina. Durante a instrumentação de um canal radicular curvo podem ser detectadas três áreas em que há maior desgaste das paredes dentinárias que podem provocar acidentes ou complicações indesejáveis (Fig. 12-1). A primeira das áreas está no segmento apical, onde a ex- tremidade do instrumento é pressionada contra a pare- de externa do canal (convexa da raiz). A segunda se lo- caliza nas proximidades do segmento médio do canal, onde o instrumento tende a desgastar a parede interna do canal (côncava da raiz), e a terceira se localiza na embocadura do canal voltada para a parede externa do canal radicular (convexa da raiz). 508 Capítulo 12 ¡ Acidentes e Complicações em Endodontia Formação de degraus, perfurações e transportes apicais internos ou externos são alguns acidentes inde- sejáveis observados na instrumentação de canais radi- culares curvos. Com vistas a minimizar esses proble- mas, modi!cações na sequência de instrumentação e na geometria dos instrumentos endodônticos têm sido sugeridas. Em relação à sequência de instrumentação, a pré-instrumentação criando o leito do canal radicular e a instrumentação no sentido coroa-ápice facilitam a instrumentação do segmento apical, reduzindo a pos- sibilidade de acidentes. Avanços tecnológicos têm per- mitido a confecção de instrumentos endodônticos com liga níquel-titânio (NiTi). A grande elasticidade da liga NiTi comparada às tradicionais (aço inoxidável) é de- nominada superelasticidade ou pseudoelasticidade. Essa característica é o grande diferencial da liga NiTi em relação à de aço inoxidável, empregada na fabrica- ção de instrumentos endodônticos6,19,20,21,33. Vários trabalhos têm demonstrado que durante a instrumentação a modi!cação da forma original de um canal radicular curvo é superior com os instrumen- tos de aço inoxidável em relação aos de NiTi9,18,33. Esse comportamento pode ser atribuído à maior resistência à deformação elástica (maior rigidez) do instrumento de aço inoxidável. Os instrumentos endodônticos de NiTi, por terem maior elasticidade (menor rigidez), são deformados elasticamente com níveis inferiores de ten- são durante a instrumentação de um canal radicular. Quanto maior a resistência de um instrumento endo- dôntico no regime elástico, maior será a força exercida por ele contra a parede dentinária de um canal radicu- lar curvo19,20,21,23,24. Modi!cações também têm ocorrido na forma e dimensão da haste de corte helicoidal cônica e na pon- ta dos instrumentos endodônticos. A haste de corte helicoidal cônica pode apresentar diferentes ângulos agudos de inclinação das hélices, desenhos e conicida- des. As hélices das hastes de corte são projetadas para o corte ou raspagem das paredes internas de um canal radicular, quando o instrumento endodôntico é acio- nado por meio de um movimento de alargamento ou limagem. Quanto menor o ângulo agudo de inclinação da hélice, mais e!ciente é a ação de alargamento, ao contrário da ação de limagem. O canal helicoidal do instrumento é responsável pelo transporte de cavacos (resíduos) oriundos do corte ou raspagem da dentina e pelo volume e passagem de substância química auxi- liar da instrumentação para o segmento apical de um canal radicular21,22,25. Com o objetivo de facilitar a instrumentação do canal no sentido coroa-ápice foram sugeridas conicida- des maiores para as hastes de corte helicoidais cônicas dos instrumentos endodônticos. O maior alargamento do segmento cervical favorece o avanço do instrumen- to de menor diâmetro no sentido coroa-ápice quando empregado na sequência de instrumentação de um canal radicular, o que permite que a extremidade do instrumento empregado !que submetida a um menor carregamento, reduzindo o esforço de corte e a possibi- lidade de fratura6,15,21,28. A ponta dos instrumentos endodônticos apresen- ta a !gura geométrica de um cone e pode ser classi!ca- da como cônica circular ou facetada. A extremidade da ponta pode ser pontiaguda, arredondada ou truncada. Ponta cônica circular e extremidade arredondada ou truncada minimizam a formação de degraus e perfura- ções radiculares. Pontas facetadas e com extremidade aguda induzem a formação de degraus e perfurações radiculares21,22. A passagem da base da ponta para a haste de corte helicoidal de um instrumento endodôntico pode formar um ângulo obtuso denominado ângulo de tran- sição. Esse ângulo confere agressividade de corte à base da ponta do instrumento. Sua presença durante Figura 12-1. Ilustração esquemática. Canal radicular curvo. Áreas de maior desgaste das paredes dentinárias. (a) Segmento apical. Parede externa do canal. (b) Segmento médio. Parede interna do canal. (c) Segmento cervical. Parede externa do canal. Acidentes e Complicações em Endodontia 509 a instrumentação de um canal radicular curvo com o movimento de alargamento pode provocar defeitos (transporte apical) na parede dentinária externa do ca- nal radicular ou a fratura do instrumento endodôntico por torção. A transição da base da ponta para a haste de corte helicoidal deve ser feita de modo suave, apresen- tando uma forma elipsoide (curva de transição) com o objetivo de facilitar a rotação do instrumento (movi- mento de alargamento) durante a instrumentação de um canal radicular21,22. O avanço dos conhecimentos básicos de mecâni- ca e o aprimoramento do pro!ssional têm reduzido a incidência de acidentes endodônticos e permitido que muitas complicaçõesadvindas dos acidentes ou ine- rentes aos dentes sejam solucionadas satisfatoriamente com os recursos endodônticos existentes. Degrau O degrau é uma irregularidade criada na parede de um canal radicular aquém do CT e sem comunicação com o ligamento periodontal5,6,13,14,21. Ocorre principal- mente no início do arco de canais radiculares curvos. A parede externa do canal é desgastada, o que resulta na formação de um plano horizontal denominado degrau (Fig. 12-2). Esse acidente di!culta ou impede o avanço do instrumento em sentido apical do canal radicular. Causas • Desconhecimento da anatomia dentária e, particu- larmente, do sentido da curvatura radicular; • Erro no acesso à cavidade pulpar; • Uso de instrumentos endodônticos com diâmetros não compatíveis com o diâmetro e anatomia do canal; • Ângulo de rotação excessivo aplicado ao instrumen- to durante o seu avanço em sentido apical do canal; • Uso de instrumentos rígidos em segmentos curvos de canais radiculares; • Obstrução do canal por raspas de dentina ou outros resíduos durante a instrumentação. A formação de um degrau geralmente ocorre du- rante a etapa de exploração de um canal radicular atre- siado e curvo. A prevenção da formação de um degrau duran- te a instrumentação de um canal radicular inicia-se na abertura coronária. Um acesso coronário adequado, removendo interferências anatômicas dentinárias da embocadura do canal (desgaste compensatório), faci- lita as fases subsequentes da instrumentação do canal radicular. A criação do leito do canal quando realizado ade- quadamente e com princípios mecânicos corretos favo- rece o avanço do instrumento endodôntico no sentido apical do canal radicular. Quanto menor o ângulo de rotação à direita, menores serão o avanço (roscamento) do instrumento no sentido apical do canal radicular e a resistência ao corte da dentina, eventos esses que redu- zem a formação de degraus nas paredes externas dos canais radiculares. A identi!cação precoce da formação de degraus favorece a manobra de retomada da trajetória original do canal radicular. Um degrau criado por um instru- mento de maior diâmetro é mais difícil de ser ultrapas- sado do que o criado por um de menor diâmetro. Isso porque a dimensão do degrau (largura) criada por um instrumento maior apresenta maior probabilidade de impedir o avanço do instrumento explorador além do degrau. A manobra habitualmente empregada para ultra- passar o degrau é um pequeno encurvamento da ex- tremidade de um instrumento endodôntico de aço ino- xidável tipo K no 15 ou menor, se o diâmetro do canal radicular exigir. O instrumento deve ser movimentado girando à direita e à esquerda, com pequeno avanço e retrocesso em sentido apical, para desviar do degrau e encontrar o trajeto original do canal. A ampliação do segmento cervical é recomendável, uma vez que, normalmente, permite o avanço em sentido apical da ponta do instrumento. Além disso, possibilita a incli- nação do cabo do instrumento em sentido do degrau, Figura 12-2. Degrau. Ilustração esquemática. 510 Capítulo 12 ¡ Acidentes e Complicações em Endodontia permitindo que a ponta pré-encurvada do instrumento deslize na parede do canal radicular frontal ao defeito. Quanto mais próximo do cervical estiver localizado o degrau, maior será a possibilidade de ultrapassá-lo. Vencido o degrau, o instrumento endodôntico deve trabalhar com movimento de alargamento parcial à direita combinado ao de limagem até alcançar liber- dade junto às paredes do canal radicular. No desloca- mento longitudinal de retrocesso do instrumento em sentido cervical a ponta não deve ultrapassar o degrau para evitar a perda da trajetória apical do canal. Se o degrau não for ultrapassado, instrumenta-se e obtura- se o canal até esse degrau (Fig. 12-3). Uma avaliação clínica e radiográ!ca periódica é necessária. Canais infectados podem comprometer o resultado do trata- mento endodôntico realizado. Ocorrendo o fracasso, a intervenção cirúrgica é indicada. Nos casos de biopulpectomia realiza-se a obtura- ção imediata do canal radicular preferencialmente com guta-percha termoplasti!cada e cimento, procedimen- to esse que tem como objetivo evitar a contaminação do canal que pode ocorrer em tratamento realizado em várias seções. Nos casos de necrose pulpar é recomen- dável o emprego de medicação intracanal antecedendo a obturação. Nesses casos, o êxito do tratamento de- pende de quanto a porção apical do canal foi preparada antes da formação do degrau. A probabilidade de falha do tratamento endodôntico aumenta quando o degrau é criado antes de uma adequada limpeza e modelagem do segmento apical do canal radicular. Evidências de fracasso podem indicar a necessidade de tratamento cirúrgico. Transporte apical Transporte ou desvio apical é a mudança do tra- jeto de um canal radicular curvo em seu segmento apical. Ocorre devido a um desgaste progressivo da parede externa de um canal radicular curvo (conve- xa da raiz) na região apical. A forma do preparo na região apical adquire o aspecto de ampulheta tam- bém mencionada como pata de elefante. A seção reta transversal obtida nessa região mostra a forma de uma gota. Quando o desvio apical permanece na massa dentinária junto ao comprimento de trabalho sem se exteriorizar, é denominado transporte apical interno. Todavia, quando o desvio apical alcança o comprimen- to de patência e modi!ca a forma original do forame, é denominado transporte apical externo ou zip. Nesse caso, o forame apical original é rasgado. O zip é identi- !cado pela hemorragia persistente na região apical do canal radicular (Fig. 12-4). Figura 12-3. Degrau. Casos clínicos não ultrapassados. Figura 12-4. Transporte apical. Lado esquerdo. Transporte apical interno. Lado direito. Zip. Acidentes e Complicações em Endodontia 511 Para alguns autores5,10,38, zip é o transporte apical interno no preparo de canais radiculares curvos. Con- tudo, segundo o Glossário da American Association of Endodontics1, zip é o transporte apical externo, ou seja, o forame apical original é rasgado. O transporte apical no preparo de um canal ra- dicular curvo basicamente ocorre devido ao emprego do movimento de limagem e ao de instrumentos en- dodônticos rígidos. No movimento de limagem o des- gaste é direcionado à parede externa do canal (conve- xa da raiz) independentemente de o instrumento estar ou não pré-curvado e da vontade do operador. Quan- to maiores a amplitude e a frequência do movimento, bem como do diâmetro e da rigidez do instrumento, maior será o deslocamento da parede externa do canal radicular (convexa da raiz) em relação à sua posição original. O valor do transporte também está relacio- nado com a dureza da dentina e o raio de curvatura do canal radicular. Quanto menor a dureza da dentina em relação à dureza da liga metálica do instrumento, maior será o transporte apical. Também, quanto me- nor o raio de curvatura de um canal radicular, maior será o transporte apical. Quanto à rigidez do instru- mento, quando ela é aumentada, a força de oposição da parede dentinária externa do canal radicular curvo (convexa da raiz) não é su!ciente para manter o pre- paro centrado. Nesses casos há um maior desgaste da parede externa do segmento curvo do canal determi- nando o transporte apical. Outro aspecto importante é que a passagem da base da ponta para a haste de corte helicoidal cônica dos instrumentos deve ser por meio de uma curva de transição e não de um ângulo obtuso denominado ângulo de transição, o qual, associado à rigidez do instrumento, provoca acentuado desloca- mento apical durante a instrumentação de canais ra- diculares curvos. O mecanismo para a formação de um transporte apical interno ou externo é o mesmo, a diferença reside na posição daextremidade apical do instrumento en- dodôntico em relação à abertura do forame apical na parede radicular externa. A prevenção da formação de um transporte apical durante a instrumentação de um canal radicular curvo está condicionada: • Ao uso de instrumentos de maior elasticidade (e- xibilidade). Para canais radiculares com segmentos curvos após a instrumentação apical, correspondente a um instrumento endodôntico tipo K de aço inoxidá- vel, de seção reta transversal triangular de no 25 ou 30, devemos empregar instrumentos de diâmetros maiores fabricados com liga NiTi. Os instrumen- tos endodônticos de NiTi apresentam "exibilidade 500% maior do que os de aço inoxidável. Essa pro- priedade permite que esses instrumentos durante a instrumentação acompanhem a curvatura do canal com facilidade, impedindo ou minimizando o trans- porte apical. Os instrumentos endodônticos de NiTi, por terem menor módulo de elasticidade, são defor- mados elasticamente com níveis inferiores de tensão e acompanham a curvatura do canal radicular du- rante a instrumentação. • Ao emprego do movimento de alargamento. Alargamento é um processo mecânico de usi- nagem destinado a aumentar por meio de corte o diâmetro de um furo cônico (canal radicular) pree- xistente. Para que ocorra o alargamento é necessário que o instrumento trabalhe justamente no interior do furo, ou seja, o diâmetro do instrumento propor- cionalmente deve ser maior do que o do furo (canal). No movimento de alargamento, o pro!ssional para alargar o furo (canal) exerce uma certa pressão no instrumento endodôntico em sentido apical, impri- mindo-lhe uma rotação à direita. Consequentemen- te, nesse tipo de movimento, o corte das paredes de um canal radicular é uniforme e não direcionado a uma parede. O movimento de limagem não deve ser empre- gado na instrumentação apical de um canal radicu- lar. Quando empregado, devido à impossibilidade de se controlar a força lateral aplicada no instrumento, à frequência e à amplitude do movimento, perde-se o controle do desgaste das paredes do canal, alteran- do a sua forma !nal. Geralmente, a forma do preparo é irregular e desviada na região apical em direção à parede externa do canal radicular (transporte api- cal). Essas alterações di!cultam a seleção do cone de guta-percha principal, assim como a compactação e a manutenção do limite apical da obturação do canal radicular (Fig. 12-5). A maioria dos autores5,10,38 indica o dobramento (pré-curvamento) principalmente nos 3 a 4mm apicais de um instrumento endodôntico de aço inoxidável em- pregado na instrumentação de canais radiculares cur- vos com o objetivo de evitar o transporte apical. Toda- via, os instrumentos de aço inoxidável jamais deveriam ser pré-curvados quando empregados na instrumenta- ção de canais radiculares curvos, seja pelo movimento de alargamento, seja pelo movimento de limagem21. Isso porque, ao ser movimentado, o instrumento tende 512 Capítulo 12 ¡ Acidentes e Complicações em Endodontia a ser desdobrado, induzindo assim nas paredes de um canal radicular uma tensão maior do que se ele estives- se em deformação elástica (!exionado). No movimento de alargamento, a extremidade dobrada não gira no eixo do instrumento, mas tende a descrever um círculo com raio igual ao comprimento do segmento dobrado (Fig. 12-6). Consequentemente, a força de oposição das paredes dentárias impostas ao segmento dobrado nem sempre é capaz de manter o corte centrado. Nessas condições, o que observamos é uma maior incidência de transporte apical após a ins- trumentação do segmento apical de um canal radicular curvo com instrumento de aço inoxidável pré-curvado de diâmetro superior ao no 30 (ISO)21. No movimento de limagem o segmento dobrado do instrumento ao ser desdobrado exerce maior força junto à parede externa do segmento curvo do canal radi- cular (convexa da raiz), induzindo o transporte apical21. Em função do exposto podemos a"rmar que, para a instrumentação de um canal radicular curvo, o ins- trumento endodôntico não deve ser pré-curvado, mas sim percorrer e desbastar as paredes dentinárias do segmento curvo do canal no regime elástico e jamais no plástico (dobrado). O aspecto mais importante para se reduzir o transporte apical é a !exibilidade e não o dobramento do instrumento empregado23,24. Os instrumentos de NiTi quando comparados aos de aço inoxidável promovem menor incidência de trans- portes apicais em função de sua superelasticidade7,9,18,33. A instrumentação de um canal radicular curvo por meio de sistemas de instrumentos acionados a motor só é possível de ser realizada se o instrumento não apresentar dobramento (pré-curvamento), ou seja, tra- balhar no regime elástico e não no plástico. Do exposto podemos a"rmar que na instrumentação, denominada manual de um canal radicular curvo, o instrumento também não deve ser pré-curvado, uma vez que os princípios mecânicos do preparo são idênticos. Se o dobramento de um instrumento endodôntico fosse a solução para evitar o transporte apical, não exis- tiria o mito de se ampliar o diâmetro apical de canais radiculares com segmentos apicais curvos até o diâme- tro correspondente a um instrumento de aço inoxidá- vel de no 25 ou 30. Não se empregam instrumentos de aço inoxidável de maiores diâmetros mesmo dobrados, porque a maior rigidez dos instrumentos induz graves iatrogenias nas paredes dos canais radiculares. A so- lução para a ampliação da instrumentação apical é o emprego de instrumentos !exíveis e não dobrados23,24. Nos casos onde o acesso radicular é obtido ape- nas com o instrumento pré-curvado, o seu movimento deverá ser de limagem com pequena amplitude e baixa frequência, o que permite que instrumentos de meno- res diâmetros (nos 25 ou 30) mesmo dobrados (pré-cur- vados), em razão do efeito mola, trabalhem no interior de um canal radicular no regime elástico, reduzindo o transporte apical. O prognóstico de um transporte apical interno é bastante favorável desde que se consiga um correto se- lamento apical pela obturação. Deve-se dar preferência Figura 12-5. Transporte apical. Movimento de limagem. Figura 12-6. Transporte apical. Movimento de alargamento. Seg- mento dobrado do instrumento. Acidentes e Complicações em Endodontia 513 às técnicas de compactação da guta-percha termoplas- ticada. Para os casos de transporte apical externo (zip), a manutenção do material obturador no interior do canal é problemática, ocorrendo frequentemente o extravasa- mento. Nesses casos é aconselhável o emprego do tam- pão apical na obturação do canal radicular (Fig. 12-7A e B) (ver Capítulo 16, Obturação de canais radiculares). Sobreinstrumentação A sobreinstrumentação, também denominada arrombamento do forame apical, é a instrumentação do canal até ou além da abertura foraminal. Descui- dos na determinação e manutenção do comprimento de trabalho podem levar à sobreinstrumentação do canal radicular com o arrombamento do forame api- cal. Esse tipo de acidente ocorre em canais radicula- res retilíneos. Em canais radiculares curvos o arrom- bamento do forame apical é chamado de transporte apical externo (zip)21. Radiograa de má qualidade, determinação in- correta do comprimento de patência e de trabalho, ponto de referência coronário deciente, cursor mal posicionado e falta de atenção no controle da medida obtida do comprimento de trabalho são as causas mais comuns desse acidente. Muitas complicações podem advir desse aciden- te. A perda da constrição apical cria um ápice aberto, que aumenta a possibilidade de sobreobturação, que diculta o selamento apical e favorece a inltração de líquidos advindos dos tecidos perirradiculares. Pode também provocar dor e desconforto ao paciente. A sobreinstrumentação é identicadapela hemor- ragia persistente na região apical do canal radicular e pela diculdade em travar o cone de guta-percha no momento de sua seleção. Em caso de sobreinstrumentação, um novo baten- te apical deve ser estabelecido dentro dos limites do canal radicular, situado aproximadamente de 2 a 3mm a partir do ápice radiográco. A criação desse novo ba- tente tem como objetivo mecânico formar um anteparo para a limitação do material obturador do canal radicu- lar. Todavia, alcançar esse objetivo, principalmente nos casos onde o arrombamento foi determinado por um instrumento de grande diâmetro, é difícil de ser obtido. Nesses casos é aconselhável o emprego do tampão api- cal na obturação do canal radicular (Fig. 12-8A e B). Subinstrumentação Subinstrumentação é o preparo do canal radicular aquém do limite apical de instrumentação estimado. O instrumento endodôntico não atua em toda a extensão do comprimento de trabalho do canal radicular5,21. As causas mais comuns para ocorrência da su- binstrumentação são: • Erros na determinação do comprimento de patência e de trabalho; • Movimento de limagem; • Obstrução do segmento apical do canal radicular por detritos oriundos da instrumentação; • Deciente volume de solução química auxiliar presente no interior do canal durante a instru- mentação; • Deciente frequência de irrigação-aspiração e inun- dação do canal radicular; • Não manutenção da patência do canal cementário durante a instrumentação do canal radicular; • O uso prolongado de instrumentos endodônticos com canal helicoidal de pequena profundidade. Figura 12-7. Casos clínicos. A. Transporte apical interno. Raiz me- sial. B. Zip. Transporte apical externo. Raiz distal. A B 514 Capítulo 12 ¡ Acidentes e Complicações em Endodontia Dentre essas causas destacamos a patência do ca- nal cementário, o movimento de limagem e a profundi- dade do canal helicoidal. A manutenção do canal cementário desobstruído durante a instrumentação de um canal radicular é realiza- da com instrumento de pequeno diâmetro (instrumento patente) utilizado durante a pré-instrumentação do canal e reutilizado até o forame, durante a instrumentação, para evitar a sua obliteração pelo depósito de detritos resul- tantes do preparo do canal. Mantida a patência do canal cementário, não haverá subinstrumentação. O movimento de limagem com amplitude supe- rior a 2mm e frequência alta, estando o instrumento justo no interior do canal, desloca maior volume de detrito em sentido apical do canal radicular. Estando o limite apical de instrumentação aquém da abertura do forame haverá obstrução do segmento apical do canal radicular. Outro fator importante a ser analisado é a profun- didade do canal helicoidal do instrumento. Canal heli- coidal é o canal da haste de corte helicoidal do instru- mento formado pelas superfícies adjacentes às arestas laterais de corte (hélices). Serve para transportar resí- duos e para a entrada da substância química auxiliar da instrumentação em sentido apical do canal radicu- lar. Quanto menor o núcleo de um instrumento, maior a profundidade de seu canal helicoidal. O uso de ins- trumentos com pouca profundidade do canal helicoi- dal pode favorecer o bloqueio apical do canal radicular devido à di!culdade de remoção de detritos oriundos do preparo e à di!culdade de permitir a passagem da solução química auxiliar. Para superar essa de!ciência o instrumento deve ser retirado mais frequentemente do interior do canal radicular e limpo por meio de um pedaço de gaze seguro pelos dedos indicador e pole- gar. O instrumento é posicionado na gaze a partir do intermediário e a seguir girado à esquerda. Após a limpeza, o instrumento é examinado e descartado caso tenha ocorrido deformação plástica em sua haste de corte helicoidal cônica. A cada retirada do instrumento devem ser realizadas uma abundante irrigação-aspira- ção e uma inundação do canal radicular. A desobstrução do segmento apical do canal radi- cular é realizada com instrumentos endodônticos tipo K de aço inoxidável. Esses devem apresentar: resistên- cia à "exocompressão; de preferência ponta, com pe- queno ângulo (menor que 75º) e vértice pontiagudo. O instrumento deve ser empregado com o movimento de alargamento parcial à direita, estando o canal radicular preenchido com solução química auxiliar (hipoclorito de sódio). Irrigação-aspiração abundante favorece a manobra de desobstrução. A desobstrução do segmen- to apical é tarefa fácil para canais retos, onde o canal cementário tem a mesma direção do dentinário. Para canais curvos essa manobra tende a levar à criação de um falso canal ou mesmo de uma perfuração radicular apical. Se a obstrução não for vencida, instrumenta-se o canal até ela (Fig. 12-9A e B). Uma avaliação clínica e radiográ!ca periódica é necessária. Canais infectados podem comprometer o resultado do tratamento endo- dôntico realizado. Ocorrendo o fracasso, a intervenção cirúrgica é necessária. A recomendação de uso de soluções quelantes para facilitar a desobstrução apical de canais radicu- lares não procede. Isso porque o volume de solução quelante é pequeno devido às dimensões exíguas dos canais radiculares; a área de contato da solução que- lante com o material obliterador é reduzida e a solução quelante tem di!culdade em "uir (penetrar) no mate- rial obliterante do segmento apical do canal radicular. A B Figura 12-8. Sobreinstrumentação. Casos clínicos. A. Emprego do tampão apical na obturação do canal radicular. B. Sobreinstrumentação acompanhada de sobreobturação (raiz mesial). Acidentes e Complicações em Endodontia 515 Falso canal É a formação de um canal dentinário sem comu- nicação com o ligamento periodontal, devido a erro da instrumentação. Geralmente é criado a partir de um degrau. Pode advir também em decorrência da di!- culdade de remoção do material obturador, de canais atresiados, de canais curvos com pequenos raios de curvaturas e de segmentos apicais de canais obstruídos (raspas de dentina, fragmentos metálicos)5,13,14,21. Os fatores que favorecem a sua formação e pre- venção, assim como as manobras utilizadas na solu- ção desses acidentes, são os mesmos abordados no degrau. A retomada da trajetória do canal original é uma tarefa bastante difícil. Enquanto o degrau detectado no início da instrumentação pode na maioria das vezes ser contornado e eliminado, isso não acontece com um falso canal. A di!culdade se torna maior quando loca- lizado no segmento apical de canais curvos. Localizado o trajeto original do canal, ele deve ser instrumentado, e a obturação geralmente preencherá o canal original, assim como o falso. Se o falso canal não foi vencido, instrumenta-se até ele (Fig. 12-10A e B). Quando não se consegue retomar a trajetória do canal, ele, não sendo instrumentado e nem obturado, tem prognóstico desfavorável, exigindo avaliação clí- nica e radiográ!ca periódica. Figura 12-9. Subinstrumentação. Casos clínicos. A. Desobstrução do canal radicular obtida. (Gentileza de Aires Pereira.) B. Desobstrução não obtida. A B Figura 12-10. Falso canal. A. Trajetória original retomada. B. Trajetória original do canal não retomada (raiz mesial). A B 516 Capítulo 12 ¡ Acidentes e Complicações em Endodontia Fraturas dos instrumentos Durante o preparo químico-mecânico de um ca- nal radicular, os instrumentos endodônticos são sub- metidos a grave estado de tensão e deformação que variam com a anatomia do canal e com a habilidade do prossional. Nessa condição, os instrumentos sofrem carregamentos extremamente adversos que modicam continuamente a sua resistência à torção, à exão em rotação e ao dobramento. Por essa razão, em alguns ca- sos se observa a falha prematura do instrumento endo- dôntico principalmente nosde menores diâmetros19-21. Os instrumentos endodônticos, por apresentarem pequenas dimensões, forma complicada e geometria com variações bruscas de dimensões, são difíceis de ser produzidos. Durante a fabricação, defeitos de aca- bamento supercial podem ser introduzidos na super- fície da parte de trabalho do instrumento. A presença desses defeitos pode atuar como concentrador de ten- são, induzindo a fratura do instrumento aos níveis in- feriores de tensão dos teoricamente esperados19,20. Em uso clínico a fratura dos instrumentos endo- dônticos pode ocorrer por torção, por dobramento al- ternado, por exão rotativa ou por combinações. Para ocorrer a fratura por torção, a extremidade do instrumento necessita estar imobilizada e na outra (cabo) ser aplicada uma força de rotação (torque). Não havendo imobilização, não ocorrerá a fratura do instru- mento independentemente do valor do torque aplica- do. Ocorrendo a imobilização da ponta do instrumento no interior do canal radicular, se o torque aplicado ao cabo do instrumento não ultrapassar o seu limite de resistência à fratura por torção, a falha do instrumento também não ocorrerá2,19,20. A imobilização de um instrumento no interior de um canal radicular durante o movimento de alarga- mento pode ser minimizada: • Para instrumentos acionados a motor, reduzindo o carregamento e o avanço do instrumento em sen- tido apical. O carregamento axial aplicado ao ins- trumento deve ser o suciente para promover um avanço do instrumento em sentido apical por volta de 1 a 3mm. Para instrumentos manuais, o controle do avanço está relacionado com o ângulo de rotação aplicado no cabo da ferramenta. Para instrumentos delgados, o ângulo de rotação não deve ser superior a 45°. Quanto menor o avanço, menores a resistência de corte e a força de atrito na dentina, o que reduz a possibilidade de imobilização da ponta do instru- mento no interior do canal radicular. • Pela dilatação prévia do segmento cervical do canal radicular. Isso permite que o instrumento de menor diâmetro empregado na instrumentação apical do canal que submetido a um menor carregamento, o que diminui o esforço de corte e a possibilidade de sua imobilização. Ocorrendo a imobilização de um instrumento no interior do canal radicular, o prossional deve retro- cedê-lo por tração até obter um ligeiro afrouxamento. Essa manobra diminui a resistência de corte da dentina, permitindo a liberação do instrumento empregado. Para instrumentos manuais, principalmente os de diâmetros menores, sentir o momento da imobilização e de cessar a aplicação do torque sem causar deforma- ção plástica (distorção) ou a fratura do instrumento é um procedimento difícil de ser obtido, cando atrelado ao conhecimento, à habilidade e à experiência do pro- ssional. Para instrumentos mecanizados, a imobilização é visível, enquanto a interrupção do giro dos instru- mentos pode ser desencadeada pelo prossional ou por dispositivos mecânicos. Por dispositivos mecâni- cos destacamos os motores com torques programados pelo operador ou preestabelecidos pelo fabricante. Independentemente de como o giro do instrumento será interrompido, é imprescindível que o torque no momento da imobilização do instrumento seja inferior ao limite de resistência a fratura por torção do instru- mento empregado19,21. Alcançar esse objetivo é difícil pelas seguintes razões: • O operador deve conhecer o valor provável do tor- que que induzirá a fratura de cada instrumento en- dodôntico empregado. Vale ressaltar que esses valo- res não são informados pelos fabricantes. • O torque é uma grandeza relacionada com o raio. Tendo a haste de corte helicoidal geometria cônica, o limite de resistência à fratura por torção de um instru- mento endodôntico é variável. Consequentemente, o valor do torque é dependente do diâmetro da haste de corte helicoidal junto ao ponto de imobilização do instrumento no interior de um canal radicular. • As variações acentuadas entre os diâmetros reais e os nominais propostos, assim como os defeitos de acabamento supercial (ranhuras, rebarbas e micro- cavidades) presentes nos instrumentos endodônti- cos, funcionam como pontos concentradores de ten- são, levando-os a uma fratura prematura com níveis de torques abaixo dos previsíveis. Acidentes e Complicações em Endodontia 517 O torque máximo de fratura de um instrumento durante o uso clínico depende da anatomia do canal ra- dicular. Para a fratura de um instrumento imobilizado em um segmento reto, é maior do que em um segmen- to curvo de um canal radicular. Quanto menor o raio de curvatura, menor o torque necessário para induzir a fratura do instrumento endodôntico. Em um canal cur- vo, o instrumento é submetido a carregamentos combi- nados de !exão ou dobramento e de torção. Essa con- dição é mais grave do que a observada quando o ins- trumento é submetido a um carregamento isolado19,20. Na fratura por torção, a ruptura ocorre junto ao ponto de imobilização do instrumento, ou seja, o compri- mento do segmento fraturado corresponde ao com- primento do segmento imobilizado. A superfície da fratura geralmente apresenta aspecto plano e perpen- dicular ao eixo do instrumento. Em algumas condições de carregamento a superfície de fratura apresenta as- pecto dilacerado. Na fratura por torção sempre há de- formação plástica da haste de corte helicoidal cônica do instrumento endodôntico19,20. A fratura por dobramento ocorre quando um instrumento endodôntico de aço inoxidável dobrado é movimentado no interior de um canal radicular. No movimento de limagem na área dobrada de um instru- mento endodôntico de aço inoxidável, tensões trativas são observadas na superfície externa e tensões com- pressivas na superfície interna. Com a repetição cíclica do dobramento e desdobramento surgem trincas na área dobrada, as quais se propagam até a fratura do instrumento endodôntico20. No movimento de alargamento com rotação par- cial à direita ou com rotação parcial oscilatória, o seg- mento dobrado não gira no eixo do instrumento, mas tende a descrever um arco com raio igual ao compri- mento do segmento pré-curvado. Devido à resistência das paredes do canal o deslocamento do segmento pré-curvado do instrumento é reduzido, ocorrendo no ponto crítico de dobramento concentração de ten- são por torção. Esses carregamentos de dobramento alternado e de torção combinados podem ultrapassar o limite de resistência do material, conduzindo o instru- mento à fratura. A superfície da fratura pode ser plana ou dilacerada20. A fratura por dobramento pode ser evitada, em- pregando-se no preparo de canais radiculares curvos instrumentos endodônticos no limite elástico e jamais no limite plástico. Para canais atresiados e curvos, devemos empregar instrumentos de aço inoxidável de pequenos diâmetros e seção reta transversal qua- drangular sem pré-curvamento. Para instrumentos de maior diâmetro, devemos empregar os de aço inoxidá- vel de seção reta transversal triangular ou de níquel-ti- tânio. Essas características geométricas e a !exibilidade permitem que os instrumentos de maiores diâmetros trabalhem no limite elástico mesmo em canais grave- mente curvos. Nos casos onde o acesso apical é obtido apenas com o instrumento pré-curvado, o deslocamento line- ar durante o movimento de limagem ou o ângulo de rotação durante o movimento de alargamento deverá ser de pequena amplitude e de baixa frequência. Esse procedimento induz menor nível de tensão no instru- mento, o que permite que o instrumento de pequeno diâmetro mesmo dobrado devido ao efeito mola tra- balhe por limagem ou alargamento no interior de um canal radicular, dentro do limite elástico, reduzindo a possibilidade de sua fratura19,21. A fratura por !exão rotativa (fadiga de baixo ciclo)é observada nos instrumentos endodônticos de NiTi acionados a motor e ocorre quando esses instrumentos giram no interior de um canal radicular curvo. Na re- gião de !exão de um instrumento em rotação contínua são geradas tensões que variam alternadamente entre tração e compressão. Essas tensões promovem mudan- ças microestruturais acumulativas que podem levar o instrumento à fratura por fadiga. A fratura é imprevisí- vel, pois acontece sem que haja qualquer aviso prévio e não depende do valor do torque aplicado11,19,26,32. A resistência de um instrumento endodôntico à fratura por fadiga é quanti"cada pelo número de ciclos que ele é capaz de resistir em uma determinada con- dição de carregamento. O número de ciclos é obtido pela multiplicação do tempo para ocorrer a fratura pela velocidade de rotação empregada no ensaio mecânico. É acumulativo e está relacionado com a intensidade das tensões trativas e compressivas impostas na região de !exão rotativa de um instrumento. A intensidade das tensões é um parâmetro especí"co e está relacio- nada com o raio de curvatura do canal, o comprimento do arco e o diâmetro do instrumento empregado26,32. Quanto menor o raio de curvatura do canal e maiores o comprimento do arco e o diâmetro do instrumento empregado, maior será a incidência de fratura por fa- diga do instrumento endodôntico, ou seja, menor será a vida útil do instrumento26. A fratura por fadiga de um instrumento sub- metido a !exão rotativa no interior do canal curvo ocorre no ponto médio do comprimento do arco do canal. Isso ocorre porque o ponto máximo de con- centração de tensão na haste de corte helicoidal cô- nica de um instrumento endodôntico, submetido à 518 Capítulo 12 ¡ Acidentes e Complicações em Endodontia exão rotativa, está situado próximo ao ponto médio do comprimento do arco. Na fratura por fadiga não ocorre deformação plástica da haste de corte helicoi- dal cônica do instrumento. A superfície da fratura pode ser plana, quando oriunda da propagação de uma única trinca, ou apresentar degraus, quando oriunda da propagação de várias trincas em planos paralelos26,32. Durante o uso clínico, devido à grande diversi- dade anatômica dos canais radiculares, é impossível determinar com segurança o número de ciclos de car- regamento e a intensidade das tensões na região de e- xão de um instrumento endodôntico acionado a motor. Consequentemente, informar o número de vezes que um instrumento de NiTi acionado a motor pode ser empregado no preparo de canais radiculares curvos é uma a!rmação empírica e incorreta. Todavia, algumas das seguintes recomendações clínicas podem reduzir a incidência de fratura por exão rotativa de instrumen- tos endodônticos: • permanecer o menor tempo possível com o instru- mento girando no interior de um canal curvo; • manter o instrumento no interior de um canal curvo em constante avanço e retrocesso em sentido apical (pecking motion); • não ambar (aplicar força axial) o instrumento no interior de um canal radicular; • quanto menor o raio de curvatura do canal e maior o comprimento do arco, menor deverá ser a conici- dade do instrumento empregado; • durante movimento de retrocesso, não pressionar lateralmente (pincelamento) o instrumento contra as paredes dos canais radiculares; • descartar preventivamente o instrumento antes de ele alcançar o limite de vida em fadiga. Para a resolução clínica de um instrumento fratu- rado existem quatro opções: • ultrapassagem e remoção do fragmento via coro- nária; • ultrapassagem e não remoção do fragmento; • não ultrapassagem do fragmento; • remoção cirúrgica do fragmento. Ultrapassagem e remoção do fragmento do instrumento fraturado A ultrapassagem pelo fragmento do instrumento fraturado é dependente das condições anatômicas do canal radicular: • Diâmetro do canal é maior do que o diâmetro do fragmento metálico. Isso é observado quando o instrumento é fratura- do em segmentos achatados de canais radiculares. • Diâmetro do canal igual ao diâmetro do fragmento metálico. Isso é observado quando o instrumento é fraturado em segmentos de canais radiculares com seção circu- lar. Nesse caso, a ultrapassagem !ca condicionada ao comprimento do fragmento metálico, à profundidade do canal helicoidal e ao ângulo agudo de inclinação das hélices da haste de corte do instrumento. Quanto à profundidade do canal helicoidal, é importante que seja acentuada, criando um espaço entre as paredes do canal radicular e do canal helicoidal capaz de per- mitir a passagem de um instrumento endodôntico delgado e exível. Quanto ao comprimento do frag- mento metálico, a ultrapassagem !ca condicionada ao comprimento do canal helicoidal e ao ângulo de inclinação da hélice. Quanto menor o ângulo de incli- nação da hélice e o comprimento do canal helicoidal contidos no fragmento metálico, maior a facilidade de ultrapassagem de um instrumento endodôntico através do canal helicoidal do fragmento metálico. A ultrapassagem por fragmentos de iguais com- primentos de uma lima Hedstrom é mais difícil de acontecer do que a de um instrumento tipo K. Isto ocor- re porque para as limas Hedstrom o ângulo agudo da hélice é de 65° enquanto para os instrumentos do tipo Kerr é de no máximo 45°. Além disso, as limas Heds- trom apresentam apenas um canal helicoidal, enquan- to os instrumentos tipo K possuem três ou quatro. Para a tentativa de ultrapassagem do fragmen- to de um instrumento fraturado, inicialmente se deve procurar ampliar o diâmetro do canal até o nível do fragmento metálico. A seguir, com um instrumento de aço inoxidável tipo K no 8 ou 10 procura-se encontrar um espaço entre o fragmento metálico e a parede do canal radicular. Uma vez encontrado, com movimento de exploração cauteloso de avanço em sentido apical e de retrocesso em sentido cervical, procura-se ultra- passar o fragmento metálico. O avanço e o retrocesso devem ser curtos, procurando evitar a imobilização do instrumento, o que poderia induzir a sua fratura. Avanços maiores também podem determinar a criação de degraus ou de perfurações radiculares. A radiogra!a nesse momento é muito importante para se detectarem possíveis desvios do canal radicu- lar e, no caso de ter ultrapassado o fragmento metálico, de!nir o comprimento de patência e de trabalho. Acidentes e Complicações em Endodontia 519 Obtida a ultrapassagem, a remoção de um frag- mento metálico de um instrumento fraturado do inte- rior de um canal radicular depende: • Do tipo de fratura A remoção de um fragmento de um instrumento fraturado por torção é muito mais difícil de se con- cretizar do que diante de uma fratura por fadiga ou por dobramento alternado. Isso ocorre porque na fratura por torção o segmento fraturado do instru- mento está imobilizado no interior do canal radicu- lar, enquanto na fratura por fadiga ou dobramento, teoricamente, está em liberdade. • Da anatomia do canal radicular A remoção de um fragmento de um instrumento fraturado em um canal radicular achatado e reto é mais provável de ocorrer do que em um canal cir- cular e curvo. Quanto menor o raio de curvatura de um canal radicular, menor a possibilidade de ultra- passagem e de remoção do fragmento metálico. Uma vez realizada a ultrapassagem do fragmen- to, o canal radicular principalmente de dentes infe- riores deve ser preparado com cautela de modo a não deslocá-lo em sentido mais apical. A velocidade do jato, da turbulência e do re!u- xo, assim como do volume de solução irrigante, é um auxiliar importante na remoção do fragmento metálico do interior de um canal radicular durante a irrigação- aspiração (Figs. 12-11, 12-12 e 12-13). Alguns recursos e aparelhos podem ser utilizados na tentativa de remoção de instrumentos fraturados, destacando-seo Ultra-Som30, o Masserann Kit29 e o Endo Extractor8. Figura 12-11. Instrumento fraturado. Remoção do fragmento fra- turado de uma lima tipo H. (Gentileza de Renata S. Lima.) Figura 12-12. Instrumento fraturado. Remoção de fragmento fra- turado de uma expiral Lentulo. Figura 12-13. Instrumento fraturado. Remoção de fragmento fra- turado de instrumento endodôntico. O Ultra-Som é um excelente recurso empregado para a remoção de instrumentos fraturados do interior de um canal radicular. Todavia, o resultado de seu em- prego está condicionado que parte ou preferencialmen- te, todo o fragmento metálico seja ultrapassado por um instrumento endodôntico. Inicialmente isso deve ser obtido com um instrumento tipo K de aço inoxidável de pequeno diâmetro (nos 8 ou 10) por meio de explo- ração manual. A seguir, um instrumento tipo K de aço inoxidável no 15 acoplado ao aparelho ultrassônico é introduzido no espaço obtido e, então, acionado com o objetivo de expulsar o instrumento fraturado do inte- rior do canal radicular via coronária. 520 Capítulo 12 ¡ Acidentes e Complicações em Endodontia O Masserann Kit é um sistema para a remoção de fragmento metálico (instrumentos fraturados, cones de prata) composto de um dilatador de canal, semelhan- te a um alargador Gates Glidden, um trépano oco e um dispositivo de apreensão. Inicialmente, com o dilatador, amplia-se o segmento do canal radicular até a proximi- dade do fragmento metálico. Com o trépano oco, que tem sua extremidade serrilhada, procura-se desgastar a dentina ao redor do fragmento metálico, expondo-o em uma extensão tal, que permita sua apreensão. A seguir, o dispositivo de apreensão (extrator) é posicionado no canal com o objetivo de apreender o fragmento metáli- co. Obtida a apreensão, o conjunto extrator e fragmento é tracionado em sentido cervical do canal radicular. Outro sistema empregado para a remoção do segmento fraturado de um instrumento endodôntico é o Endo Extrator. Esse sistema é composto por alarga- dores Gates Glidden, trépano oco e extrator. É usado de modo semelhante ao Masserann Kit. Após ampliar o canal até o fragmento metálico, com o trépano oco procura-se desgastar em volta da extremidade do seg- mento fraturado do instrumento, expondo-a em uma extensão que permita a sua apreensão pelo extrator. Se- lecionado o extrator aplicam-se uma ou duas gotas de Super Bonder em sua extremidade oca, levando-o de encontro ao fragmento metálico. Após alguns minutos para que a cola endureça, o extrator é removido por tração (Fig. 12-14A a C). O Masserann Kit e o Endo Extrator também po- dem ser usados na remoção de cones de prata e pinos metálicos presentes no interior de um canal radicular. Todavia, pelo desgaste acentuado que provocam na dentina e pela rigidez do material empregado na fa- bricação dos instrumentos componentes dos sistemas, têm emprego muito limitado, sendo recomendados apenas para canais radiculares retos ou segmentos re- tos de canais curvos e raízes dentárias volumosas. Ultrapassagem e não remoção do segmento fraturado do instrumento Nas situações em que se consegue ultrapassar o segmento fraturado do instrumento e não se consegue Figura 12-14. Instrumento fraturado com a extremidade além do forame apical. A. Tentativa de remoção fracassada (manual e ultrassônica). B. Utilização de um cone de guta-percha com a ponta amolecida para rastrear a posição do fragmento metálico em relação às paredes do canal. C. Remoção do fragmento metálico com agulha metálica e Super Bonder. Obturação do canal. A B C Acidentes e Complicações em Endodontia 521 removê-lo, instrumenta-se o canal radicular e realiza-se a sua obturação. O material obturador sepulta o frag- mento do instrumento no interior do canal radicular, uma vez que a sua permanência não interfere no resul- tado do tratamento endodôntico (Figs. 12-15 e 12-16). Nos casos em que a extremidade do segmento fra- turado do instrumento ultrapassar o forame apical, a sua não remoção, principalmente nos casos de dentes infectados, pode comprometer o resultado do trata- mento endodôntico realizado. Ocorrendo o fracasso, a intervenção cirúrgica é indicada. Não ultrapassagem do segmento fraturado do instrumento Dependendo da forma da seção reta transversal do canal radicular e do instrumento endodôntico fratu- rado, podem não ser possíveis a ultrapassagem e con- sequentemente a sua remoção. A di!culdade de ultrapassagem é maior quan- do a seção reta transversal do canal é circular e a seção reta transversal do instrumento revela canal helicoidal pouco profundo. Também o ângulo agudo de inclinação das hélices e o comprimento do canal helicoidal contidos no fragmento metálico podem interferir, ou seja, quanto maior o ângulo de inclina- ção da hélice e do comprimento do canal helicoidal, maior a di!culdade de ultrapassagem pelo canal he- licoidal do segmento fraturado do instrumento en- dodôntico. A tentativa de ultrapassagem pelo canal helicoi- dal pode determinar desvios, fratura do instrumento empregado e, na insistência, a perfuração radicular. Figura 12-15. Instrumento fra- turado. Ultrapassagem e sepul- tamento do fragmento metálico junto ao material obturador. Figura 12-16. Instrumento fra- turado. Ultrapassagem e não re- moção do segmento fraturado. Controle de 2 anos. 522 Capítulo 12 ¡ Acidentes e Complicações em Endodontia No caso de não ultrapassagem, o canal radicular é preparado até o nível do segmento fraturado do instru- mento, executando-se, então, a obturação. É importan- te usar como solução química auxiliar hipoclorito de sódio com concentração mínima de 2,5% de cloro ativo. Para a obturação do canal radicular, devemos dar prio- ridade à técnica da compactação da guta-percha termo- plasti!cada (Figs. 12-17 e 12-18). As condições do tecido pulpar do canal, além do segmento fraturado do instrumento, terão in"uência direta no resultado do tratamento endodôntico. A pos- sibilidade de sucesso é maior nos casos de polpa viva e em canais já preparados. Nos casos de necrose, é im- portante usar uma medicação intracanal com atividade antimicrobiana. Nesse caso, se a fratura do instrumento ocorreu após o canal ter sido esvaziado, o prognóstico é mais favorável do que se a fratura ocorreu no início do esvaziamento. Spili et al.35 analisaram o impacto da permanência de um instrumento endodôntico fraturado no interior de um canal radicular no resultado de um tratamen- to endodôntico realizado. Foram avaliados 277 dentes contendo um ou mais fragmentos de instrumentos (to- tal = 301 fragmentos). Desses, 235 (78,1%) eram de ins- trumentos de NiTi mecanizados, 48 (15,9%) de instru- mentos manuais de aço inoxidável, 12 (4%) de expiral Lentulo e 6 (2%) de espaçadores endodônticos digitais. Quanto à localização do fragmento, 1 (0,5%) estava no segmento cervical, 57 (18,9%) no segmento médio, 232 (77,1%) no segmento apical e em 11 (3,7%) a extremida- de do fragmento estava além do forame apical. Quanto à condição perirradicular, 153 (52,2%) dos dentes eram portadores de lesão perirradicular pré-operatória en- quanto 124 (44,8%) não tinham lesão perirradicular. No estudo de controle foram avaliados, um grupo de 146 dentes com instrumento fraturado retido no interior do canal e outro de 146 dentes, controle equiparado (sem a presença de instrumento fraturado). O percentual de sucesso foi de 91,8% para o grupo contendo instrumen- to fraturado e de 94,5% para o grupo controle equipa- rado. Para ambos os grupos o percentual de sucesso foi de 86,7% para dentes portadores de lesão perirradicu- lar pré-operatória, contra 92,9% para dentes não porta- dores de lesão perirradicular. Finalizando, concluíram que a permanência de um instrumento fraturado no in- Figura 12-17. Instrumento fraturado.Não ultrapassagem do segmento fraturado. Controle de 5 anos. Figura 12-18. Instrumento fraturado. Não ultrapassagem do seg- mento fraturado. Controle de 4 anos. Acidentes e Complicações em Endodontia 523 terior de um canal radicular tratado endodonticamente não teve nenhuma inuência adversa no resultado. A presença de uma lesão perirradicular pré-operatória foi clinicamente um indicador de prognóstico mais sig- ni!cativo do que a presença de um fragmento de um instrumento retido no interior de um canal radicular tratado endodonticamente. Fraturas de alargadores Gates Glidden e Largo Os alargadores Gates Glidden e Largo são instru- mentos mecanizados fabricados por usinagem de uma haste de aço inoxidável. Durante o uso clínico a fratura desses instrumentos pode ocorrer por torção, exão ro- tativa e por combinação desses carregamentos17,21. Esses instrumentos geralmente fraturam junto ao raio de concordância, próximo à haste de !xação e acionamento, e independem do diâmetro do alargador, assim como da natureza do carregamento (torção ou exão rotativa). Geralmente, a extremidade do seg- mento fraturado está aquém da embocadura do canal radicular, o que permite a fácil remoção, através de sua apreensão por meio de uma pinça clínica ou porta- agulhas17. Um fato importante a ser considerado é que os alargadores Gates Glidden e Largo de diâmetros me- nores, por apresentarem maior exibilidade, podem avançar durante a instrumentação em segmentos cur- vos de canais radiculares, induzindo a fratura não pró- xima ao raio de concordância, mas em qualquer outro ponto do corpo do instrumento. Nesses casos, a falha ocorre no ponto do corpo em que houver maior ten- são de solicitação. A remoção do fragmento fraturado não apresenta grande di!culdade, visto que a parte de trabalho apresentando passo da hélice incompleto e canal helicoidal profundo permite a passagem de ins- trumentos endodônticos manuais, possibilitando a sua remoção pela ação de limagem, vibração sônica ou ul- trassônica17 (Fig. 12-19). Quando o segmento fraturado não puder ser re- movido, não impedindo contudo a passagem no sen- tido apical, ele poderá ser sepultado junto ao material obturador do canal radicular17,21 (Fig. 12-20). Os alargadores Gates Glidden em razão da for- ma da parte do trabalho e da capacidade de deforma- ção elástica (exão) do intermediário não devem ser pressionados lateralmente durante o uso clínico com o intuito de desgaste lateral das paredes dentinárias de segmentos de canais achatados ou mesmo no desgaste anticurvatura, pelo fato de induzirem esforços de exão rotativa maiores, promovendo a fratura do instrumen- to. A maior causa de fratura de alargadores Gates Glid- den é a aplicação de uma força lateral acompanhada da movimentação de avanço e retrocesso do instrumento no interior do canal radicular17,21. Os alargadores Ga- tes Glidden devem ser empregados na direção do eixo do segmento cervical de um canal, imprimindo-se-lhe suave força em sentido apical e jamais serem pressio- nados em lateralidade (movimento de pincelamento ou de escovagem). Os alargadores Largo, por apresentarem menor capacidade de deformação elástica do intermediário sob exão do que os Gates Glidden, podem ser pressio- Figura 12-19. Instrumento fraturado. Remoção do fragmento fra- turado de alargador Gates Glidden. Figura 12-20. Instrumento fraturado (Gates Glidden). Ultrapassa- gem e sepultamento do fragmento metálico junto ao material ob- turador do canal radicular. 524 Capítulo 12 ¡ Acidentes e Complicações em Endodontia nados lateralmente durante o uso clínico17,21. Nos casos onde o procedimento clínico fracassou podemos optar pela resolução cirúrgica. Perfurações endodônticas É uma comunicação acidental da cavidade pulpar de um dente com o meio bucal e/ou com os tecidos pe- rirradiculares. Essa comunicação pode ocorrer durante a abertura coronária e/ou durante a instrumentação dos canais radiculares, complicando a resolução de um tratamento endodôntico. São classi!cadas em coroná- rias e radiculares. Perfurações coronárias É uma comunicação acidental da câmara pulpar de um dente com o meio bucal e/ou com os tecidos pe- rirradiculares. Ocorre em um tratamento endodôntico durante a abertura coronária5,6,21,37. Câmara pulpar atresiada, canais atresiados, des- consideração da inclinação do dente na arcada dentá- ria, desconhecimento da anatomia externa e interna da câmara pulpar, presença de coroas protéticas, uso de brocas e instrumentos endodônticos inadequados po- dem induzir as perfurações durante a abertura coroná- ria e a localização de canais atresiados. Nos casos onde há di!culdade na localização dos canais radiculares, um aumento da abertura co- ronária nos dentes anteriores e maior divergência da parede mesial nos posteriores melhoram a visualiza- ção da câmara pulpar, reduzindo a possibilidade de perfuração ao se usarem instrumentos cortantes (bro- cas esféricas ou com pontas ativas) na busca desses canais. Essa é uma das etapas em que mais proveito podemos tirar do microscópio óptico de uso clínico. A ampliação da cavidade costuma mostrar a posição da embocadura dos canais radiculares ou revelar a obli- teração de sua entrada por dentina reacional, que tem coloração mais escura. Havendo obliteração da entrada do canal radicu- lar podemos utilizar brocas LN (Long Neck-Maileffer, Suíça) que são de aço inoxidável e empregadas em bai- xa rotação. São brocas esféricas (cabeça) com diâmetros ISO 0,5mm, apresentam o intermediário !no e longo com diâmetro menor do que o da cabeça da broca. O comprimento total do instrumento é de 28mm. Podem ser empregadas também unidades de ultrassom e pon- tas especiais desenvolvidas para o desgaste da dentina e interferências anatômicas que di!cultam a localização de canais atresiados. As pontas de ultrassom são mais seguras do que as brocas. Aplicadas sobre as obstru- ções vão implodindo-as, sendo removidas em "ocos, reduzindo o risco de perfurações. Didaticamente as perfurações coronárias podem ser classi!cadas em supragengivais, subgengivais – su- praósseas e intraósseas. Perfuração coronária supragengival Está localizada aquém da inserção gengival. Ocor- re através das paredes circundantes (mesial, distal, vestibular, lingual ou palatina) da câmara pulpar. São tratadas promovendo o seu selamento via interna e/ ou externa com materiais habitualmente empregados em dentística restauradora. Nos casos de perfurações extensas a reconstrução protética pode ser indicada. Devemos ressaltar que a perfuração (acesso coronário) através da parede oclusal ou incisal da câmara pulpar é intencional para permitir o acesso ao canal radicular, não sendo considerada um acidente e sim uma etapa do preparo químico mecânico. Perfuração coronária subgengival – supraóssea Está localizada além da inserção gengival e aquém do nível ósseo. Ocorre através das paredes circundan- tes (mesial, distal, vestibular, lingual ou palatina) da câmara pulpar. São tratadas pela exposição cirúrgica da perfuração ou através da extrusão ortodôntica e se- ladas com os materiais restauradores. Perfuração coronária intraóssea Comunica acidentalmente a câmara pulpar com o tecido ósseo. Para dentes multirradiculares comunica o assoalho da câmara pulpar com o tecido ósseo através da furca ou de qualquer outra parede radicular circun- dante (mesial, distal, vestibular, lingual ou palatina). A contaminação microbiana e o processo in"amatório re- sultante podem levar a problemas endoperiodontais. No momento em que ocorre a perfuração intraós- sea, a área frontal a ela (ligamento periodontal e osso alveolar) é destruída em maior ou menor intensidade, dependendo da extensão da penetração e do diâmetro do instrumento que a determinou.Em consequência dela, estabelece-se um processo in"amatório de inten- sidade variável. Destruído o osso alveolar, forma-se um tecido de granulação, o qual poderá invaginar para o interior do dente através do trajeto da perfuração, formando um pólipo, cujo pedículo se acha aderido ao ligamento periodontal. O não tratamento dessa perfu- ração permite a contaminação via meio bucal, deter- minando a progressão do processo in"amatório que, por sua vez, leva à maior destruição do osso alveolar. Acidentes e Complicações em Endodontia 525 Dependendo do nível da crista óssea e do grau de des- truição do osso na área da perfuração, pode-se instalar um processo endoperiodontal determinando uma bol- sa periodontal5,6. Junto a esses eventos, o cemento e a dentina adja- centes à área da perfuração poderão se apresentar com variado grau de reabsorção. Outra possibilidade é que os restos epiteliais de Malassez que circundam a raiz sejam estimulados, podendo dar origem a um cisto5,6. Uma vez reconhecida e localizada a perfuração coronária intraóssea, essa deverá ser fechada o mais rápido possível. O não selamento da perfuração per- mite a in!ltração de "uidos bucais para o interior da cavidade pulpar, que favorece o desenvolvimento mi- crobiano responsável pela indução e manutenção do processo in"amatório. Nos casos em que a perfuração ocorre e não há contaminação da área, o selamento do defeito deve ser realizado imediatamente após o acidente e se possível antes mesmo de dar continuidade ao tratamento endo- dôntico. Vários materiais podem ser empregados no fe- chamento das perfurações intraósseas. Dentre eles des- tacamos a pasta L&C (Dentisply, Brasil) e o MTA (Den- tisply, Suíça, ou Angelus Odonto, Logika Ind. de Prod. Odontológica Ltda., Londrina, PR)3,4,12,27,34,36. Nesses casos recomendamos que o local da per- furação seja limpo com abundante irrigação-aspiração (hipoclorito de sódio a 1%), e se necessário a remoção de resíduos com auxílio de curetas. Cessada a hemor- ragia, sendo o diâmetro da perfuração pequeno, ime- diatamente colocamos a pasta L&C ou o MTA. Após secagem com pontas de papel absorvente, o material é levado com um instrumento adequado (curetas, espá- tula Hollenback ou calcadores de cimento) na perfura- ção e, a seguir, compactado, sendo o excesso removi- do. Em casos de perfurações amplas, devemos evitar o extravasamento do material de preenchimento da perfuração para dentro do espaço periodontal. Nesses casos podemos recorrer a uma matriz (barreira) interna colocada no fundo da perfuração para controlar a he- morragia e prevenir a sobreobturação. O hidróxido de cálcio na forma de pó ou associado a um veículo aquo- so ou viscoso pode ser empregado. Outro material em- pregado é o sulfato de cálcio31,39. Esses materiais funcio- nam como uma barreira mecânica, são bem tolerados pelos tecidos e reabsorvidos lentamente, permitindo posteriormente o contato do tecido conjuntivo com o material de preenchimento (pasta L&C ou MTA). A co- locação e a compactação do material de preenchimen- to na perfuração devem ser comprovadas pelo exame radiográ!co. Após esse procedimento o local não deve ser irrigado para evitar o deslocamento do material. O tratamento endodôntico deverá ser realizado em uma próxima intervenção. Nos casos onde a perfuração coronária intraós- sea está localizada muito próximo da embocadura de canal radicular torna-se difícil realizar e manter o pre- enchimento de!nitivo da comunicação durante o tra- tamento endodôntico subsequente desse canal. Nesses casos, recomendamos o preenchimento temporário da perfuração preferencialmente com sufato de cálcio ou pasta de hidróxido de cálcio com veículo viscoso (glice- rina ou polietilenoglicol) que serão removidos e substi- tuídos pelo material selador de!nitivo (pasta L&C ou MTA) após a obturação do canal radicular. Os demais canais do dente poderão ser tratados na mesma sessão ou em outras subsequentes. Nos casos onde após a perfuração coronária in- traóssea se observa hemorragia intensa, a perfuração deve ser preenchida com sulfato de cálcio ou com pasta de hidróxido de cálcio associada a veículo hidrossolú- vel, com o objetivo de cessar a hemorragia e cauterizar super!cialmente o tecido junto à área da perfuração. Três a sete dias após, retira-se o material e realiza-se o selamento da perfuração com as opções mencionadas. Quando ocorrer contaminação da área intraóssea, a destruição tecidual geralmente é extensa e pode de- senvolver um abscesso. Nessa situação é necessário o uso de solução química representada pelo hipoclorito de sódio a 2,5% de cloro ativo, remover mecanicamen- te por meio de instrumentos endodônticos ou curetas o material ou tecido contaminado presente na perfuração, sendo as vezes necessário ampliá-la. Usar uma medica- ção com efetiva atividade antimicrobiana (pasta HIPG) (ver Capítulo 14, Medicação intracanal). Debelados os sinais e sintomas do processo infeccioso, procede-se ao selamento da perfuração (Fig. 12-21). Dependendo das condições anatômicas, quando o tratamento proposto fracassar, pode-se optar pela resolução cirúrgica. Outra opção de tratamento para as perfurações coronárias intraósseas é o seu preenchimento com pas- tas à base de hidróxido de cálcio. Essas devem ser reno- vadas até ocorrer o selamento biológico da perfuração. Obtida a formação de um tecido mineralizado que sela a perfuração, a pasta de hidróxido de cálcio é removi- da. A seguir, procede-se à obturação do canal radicu- lar e ao preenchimento da cavidade pulpar de modo semelhante ao descritos anteriormente. Essa proposta terapêutica pouco utilizada na clínica tem como incon- veniente retardar a restauração de!nitiva do dente. Isso pode favorecer a contaminação da perfuração e do 526 Capítulo 12 ¡ Acidentes e Complicações em Endodontia canal radicular, a fratura do dente e retardar o restabe- lecimento da função mastigatória e da estética. Deve- mos ressaltar que o selamento biológico da perfuração ocorre não em razão das trocas de curativos à base de hidróxido de cálcio, mas pela ausência de infecção e pelo tempo decorrido do tratamento. Perfuração radicular É uma comunicação acidental de um canal radi- cular com o tecido ósseo5,16,21. A principal manifestação clínica de uma perfura- ção radicular é a hemorragia intensa. O diagnóstico de se houve ou não perfuração pode ser con!rmado pelo exame radiográ!co. Também é de grande valia para lo- calização da perfuração o preenchimento total do canal radicular com pasta de hidróxido de cálcio contendo contrastante com veículo viscoso (iodofórmio ou car- bonato de bismuto e glicerina). O tratamento endodôntico de um dente acome- tido de uma perfuração radicular deve ser realizado o mais rápido possível com o objetivo de evitar a conta- minação da área radicular perfurada. Nos casos de contaminação da área perfurada, a destruição tecidual é extensa e pode desenvolver um abscesso. Nessa situação é necessário o combate à in- fecção pelo uso de solução química representada pelo hipoclorito de sódio a 2,5% de cloro ativo e pela ação mecânica de instrumentos endodônticos ou curetas na remoção do tecido contaminado presente na perfu- ração, sendo às vezes necessário ampliá-la. O uso de uma medicação com efetiva atividade antimicrobiana é indicado (pasta HIPG). Dependendo das condições anatômicas, quando o tratamento proposto fracassar, pode-se optar pela resolução cirúrgica. Didaticamente, as perfurações radiculares quanto à localização podem ser classi!cadas em cervicais, mé- dias e apicais. Perfuração radicular cervical Está localizada no segmento cervical da raiz den- tária. Ocorre através das paredes circundantes (mesial, distal, vestibular e lingual ou palatina) da raiz dentária. É frequente em canais curvosde raízes achatadas. Nes- ses casos a parede afetada é a interna do canal (côncava da raiz). É advinda do uso de brocas e de alargadores (Gates Glidden, Largo, Peeso) ou de instrumentos tipo K ou H de aço inoxidável, rígidos e de diâmetros não compatíveis com as dimensões radiculares. Nos casos de canais curvos de dentes molares onde o arco inicia-se próximo da embocadura, o contorno da perfuração geralmente se estende para o assoalho da câmara pulpar em sentido da furca. Há a formação de um rasgo na direção do eixo da raiz comunicando o ca- nal radicular com o periodonto. O prognóstico dessas perfurações é desfavorável quando comparado às per- furações localizadas nos segmentos médios e apicais. Seu sucesso depende do tamanho e do nível da perfu- ração, bem como da contaminação ou não da área. O tratamento endodôntico de um dente acome- tido de uma perfuração radicular cervical deve ser re- alizado o mais rápido possível. Recomendamos que a perfuração radicular cervical seja selada durante a ob- turação do canal radicular. Nesses casos, após o prepa- ro químico-mecânico do canal radicular, o selamento da perfuração é alcançado com o cimento obturador. Como material obturador devemos associar os cones de guta-percha com cimentos Sealapex, AH-Plus ou com a pasta L&C. Nos casos de contaminação da área radicular per- furada é recomendado o combate à infecção para pos- terior selamento da perfuração. A técnica de compactação lateral ou de cone úni- co com compactação vertical (compressão hidráulica) deve ser empregada. Na técnica de compactação lateral após a seleção do cone principal de guta-percha, sua porção terminal é envolvida pelo cimento obturador e a seguir adaptada até a posição determinada. Com um espaçador digital de NiTi introduzido entre o cone principal e a parede frontal (oposta) à perfuração do canal executamos a compactação lateral do material obturador. Com essa manobra, os cones de guta-percha e o cimento obturador são pressionados de encontro à parede perfurada, selando o defeito. Essa manobra também evita que os cones acessórios ultrapassem o dente via perfuração. A operação é acompanhada ra- diogra!camente. Os cones que protraem na câmara pulpar são cortados com instrumentos aquecidos dire- cionados em sentido lateral, ao nível da embocadura do canal radicular. Imediatamente depois do corte realiza- Figura 12-21. Perfuração coronária intraóssea. Assoalho da câmara, vedação da perfuração como MTA. Acidentes e Complicações em Endodontia 527 se uma suave compactação vertical do material obtu- rador, usando-se compactador frio. Após a limpeza da câmara pulpar, ela é preenchida com material selador provisório ou material restaurador. Não devemos usar esse canal para receber retentor intrarradicular. Para perfurações de maiores diâmetros outra op- ção é o selamento da perfuração com MTA ou pasta L&C, mantendo-se o lume do canal vazio. Após o pre- paro químico-mecânico o canal radicular, um pouco além da perfuração, deverá ser obstruído com um cone de papel absorvente ou até mesmo de guta-percha. Em seguida, o segmento cervical do canal radicular é pre- enchido com material selador (pasta L&C ou MTA), sendo o mesmo compactado na embocadura do canal para assegurar o preenchimento da perfuração. A operação é acompanhada radiogra!camente. A seguir, busca-se retomar a trajetória do canal radicular pela remoção do material de preenchimento e de ve- dação (cone de papel absorvente ou guta-percha) com instrumentos tipo K ou H de diâmetros adequados. A limpeza !nal do lume do canal radicular é realizada com cone de papel absorvente de diâmetros adequa- dos, !cando apenas a área da perfuração selada com o material de preenchimento devidamente compactada. Após a cura (endurecimento) do material, o canal radi- cular deve ser obturado pela técnica do cone único com suave compactação vertical. Não devemos usar o canal que tem perfuração para receber retentor intrarradicu- lar (Figs. 12-22 e 12-23A e B). Perfuração radicular média Está localizada no segmento médio da raiz den- tária. Ocorre através das paredes circundantes (mesial, distal, vestibular, lingual ou palatina) da raiz dentária. Degraus, falsos canais, canais atresiados e curvos, canais atresiados e com obstruções do segmento mé- dio (material obturador do canal, fragmento metálico de instrumentos, cones de prata seccionados, resíduos de material obturador coronário, detritos advindos da instrumentação) podem induzir as perfurações radicu- lares médias durante a instrumentação. Nos casos onde foram possíveis a remoção das obstruções e a retomada da trajetória original do ca- nal, a perfuração radicular média será considerada e tratada como sendo um canal lateral de um sistema de canais radiculares. Não havendo contaminação, a ob- turação do canal deverá ser realizada imediatamente após o preparo químico-mecânico (Fig. 12-24A e B). Nos casos de contaminação da área radicular per- furada é recomendado o combate à infecção para pos- terior selamento da perfuração. Sendo a perfuração ampla, devemos substituir os cimentos à base de óxido de zinco-eugenol pelos cimentos Sealapex, AH-Plus ou pela pasta L&C (Figs. 12-25 e 12-26). Figura 12-22. Perfuração radicular cervical. Área da perfuração contaminada. Perfuração na parede interna da raiz mesial do molar inferior. Contaminação da área perfurada. Selamento mediato da perfuração com cimento MTA. Controle de 18 meses. Figura 12-23. Perfuração radicular cervical. Área da perfuração contaminada. A. Radiografia inicial. Perfuração na parede interna da raiz distal do molar inferior. B. Selamento mediato da perfuração com pasta L&C. Controle de 1 e 6 anos. A B 528 Capítulo 12 ¡ Acidentes e Complicações em Endodontia A não remoção das obstruções e a não retomada da trajetória original do canal sugerem um prognós- tico desfavorável ao tratamento endodôntico, princi- palmente diante de um dente com lesão perirradicular. Diante de evidência do fracasso, pode-se optar pela resolução cirúrgica. Perfuração radicular apical Está localizada no segmento apical da raiz, ocor- rendo através das paredes circundantes (mesial, dis- tal, vestibular, lingual ou palatina) da raiz dentária e sendo mais frequente na parede externa do segmento apical curvo de um canal radicular (parede convexa da raiz). Falsos canais, canais atresiados e com segmen- tos apicais curvos, canais atresiados e com obstru- ções do segmento apical podem induzir as perfura- ções radiculares apicais durante a instrumentação. Figura 12-24. Perfuração radicular média. Ausência de contaminação. Selamento imediato da perfuração com pasta L&C. A. Parede interna da raiz mesial do molar inferior. B. Parede distal da raiz do incisivo lateral. A B Figura 12-25. Perfuração radicular média. Área da perfuração con- taminada. Perfuração na parede distal do incisivo lateral. Selamento mediato da perfuração com pasta L&C. Controle de 4 anos. Figura 12-26. Perfuração radicular média. Área da per- furação contaminada. Lado esquerdo. Perfuração da pa- rede externa da raiz mesial do molar inferior. Perfuração cervical da parede interna da raiz distal. Centro. Selamento mediato das perfurações com cimento endodôntico (óxido de zinco e eugenol). Lado direito. Controle de 3 anos. (Gentileza de RC Morais.) Acidentes e Complicações em Endodontia 529 Geralmente, são provocadas por instrumentos endo- dônticos tipo K de aço inoxidável. Devemos evitar o emprego de instrumentos com pontas cônicas pira- midais e com vértices pontiagudos. Para canais com segmentos apicais curvos, instrumentos de maiores diâmetros deverão ser de NiTi em substituição aos de aço inoxidável. Nas perfurações radiculares apicais, a retoma- da da trajetória do canal original
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