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LINHA DE SEBENTAS REAIS Direitos Reais Página 2 de 72 Índice As várias conceções de direito real e as subespécies da figura .................................................... 4 As subcategorias de direitos reais e seus conteúdos .................................................................... 4 Direitos reais de gozo versus direitos reais de garantias; direitos reais de aquisição .............. 4 Obrigações Reais (propter rem) e Ónus Reais .......................................................................... 5 Características comuns e princípios orientadores dos direitos reais ............................................ 6 Os Direitos Reais de Gozo ............................................................................................................. 8 Direito de Propriedade: ............................................................................................................. 8 Características do direito de propriedade: ........................................................................... 9 Modos de aquisição: ........................................................................................................... 10 Modos de extinção: ............................................................................................................. 10 A transmissão da propriedade inter vivos .......................................................................... 11 A Compropriedade .................................................................................................................. 13 Noção e natureza ................................................................................................................ 13 Principais aspetos do regime: ............................................................................................. 13 A defesa da propriedade: .................................................................................................... 14 Relações de vizinhança ........................................................................................................ 15 Direito de demarcação: ....................................................................................................... 16 Direito de tapagem: ............................................................................................................ 16 Direito de plantação: ........................................................................................................... 16 Acessão imobiliária .............................................................................................................. 17 Fracionamento e emparcelamento de prédios rústicos: .................................................... 21 A propriedade horizontal, âmbito de aplicação ...................................................................... 22 Partes comuns e frações autónomas: ................................................................................. 22 Título constitutivo e regulamento:...................................................................................... 23 Natureza do direito de condomínio: ................................................................................... 23 Constituição:........................................................................................................................ 24 Direitos e obrigações dos condóminos: .............................................................................. 24 Obras inovadoras: ............................................................................................................... 25 Alteração do título constitutivo: ......................................................................................... 26 Administração do condomínio ............................................................................................ 26 Assembleia dos Condóminos .............................................................................................. 27 Propriedade Fiduciária ........................................................................................................ 27 Direitos Reais Página 3 de 72 Usufruto .............................................................................................................................. 28 Direitos do usufrutuário (Art. 1446º e ss) ........................................................................... 30 Obrigações do usufrutuário (Art. 1468º e ss.) .................................................................... 30 Extinção do usufruto ........................................................................................................... 31 Uso e habitação (Arts. 1484º e ss) ...................................................................................... 31 Direito de superfície (art. 1524º e ss.) ................................................................................ 32 Constituição da superfície: .................................................................................................. 33 Extinção (arts. 1536 e ss) ..................................................................................................... 33 Servidões (arts. 1543 e ss.) .................................................................................................. 34 Exercício das servidões (arts. 1564 e ss) ............................................................................. 35 Extinção (arts. 1569 e ss) ..................................................................................................... 35 Direitos Reais de Garantia ....................................................................................................... 35 Principais garantias reais ..................................................................................................... 36 Hipoteca (art. 686º e ss) ...................................................................................................... 36 Penhor (arts. 666º e ss) ....................................................................................................... 38 Consignação de rendimentos (art. 656º e ss) ..................................................................... 39 Privilégios creditórios (Art. 733 e ss) ................................................................................... 41 Direito de retenção (art. 754º e ss) ..................................................................................... 41 A utilização da propriedade com função de garantia ......................................................... 42 Direitos reais de aquisição .................................................................................................. 43 Penhora e Arresto ............................................................................................................... 43 Posse (art. 1251º e ss) ......................................................................................................... 44 Usucapião ............................................................................................................................ 49 Registo Predial ......................................................................................................................... 50 Efeitos do Registo ................................................................................................................ 51 Vícios do registo .................................................................................................................. 54 Constituição e direitos reais ........................................................................................................ 55 Repetitório de Perguntas ............................................................................................................57 Direitos Reais Página 4 de 72 As várias conceções de direito real e as subespécies da figura É possível definir os direitos reais pela sua natureza privada, pelo seu carácter absoluto, pela sua patrimonialidade e por o seu objeto consistir em coisas corpóreas. Nos direitos reais o titular poderia satisfazer o seu interesse mediante o exercício direto de poderes sobre o objeto, não necessitando da cooperação de qualquer outro sujeito – corrente realista ou clássica. A corrente eclética sublinham que o conceito de direito real envolve um lado interno (consiste num poder direto e imediato de uma pessoa sobre uma coisa) e um lado externo (consistente na oponibilidade erga omnes por essa pessoa desse poder). M. Henrique Mesquita diz-nos que “ o núcleo de qualquer relação é (…) o domínio ou soberania de uma pessoa sobre uma coisa”, explicando que “ é através deste domínio, e não pela via do relacionamento com outras pessoas – mais concretamente, pela via do cumprimento do dever de abstenção a que todas elas se encontram adstritas -, que o titular do direito obtém a satisfação do interesse. Os direitos reais não são direitos contra as pessoas ou em relação a pessoas, mas sim direitos de soberania sobre as coisas.” Essa soberania sobre as coisas está presente não apenas no direito de propriedade, mas também, ainda que em graus diversos, nos outros direitos reais de gozo, nos direitos reais de garantia e nos direitos reais de aquisição. No direito de propriedade a soberania manifestar-se-ia na titularidade do “monopólio das vantagens que a coisa é suscetível de proporcionar.” Nos outros direitos reais de gozo, a soberania traduzir-se-ia pelo poder de praticar atos que pertenciam à esfera do proprietário, se esses diretos não existissem. Nos direitos reais de garantia a soberania consistiria na possibilidade de causar alienação da coisa, sem a cooperação do seu proprietário, com vista a realizar o valor do crédito garantido. Nos direitos reais de aquisição, a soberania exprimir-se-ia pelo poder de adquirir a coisa, sem a cooperação do devedor. As subcategorias de direitos reais e seus conteúdos Direitos reais de gozo versus direitos reais de garantias; direitos reais de aquisição Direitos Reais Página 5 de 72 Nos direitos reais de gozo as coisas objeto dos direitos são afetadas a que os seus titulares retirem delas utilidades, seja pelo seu uso, seja pela apropriação dos frutos por elas produzidos. Nos direitos reais de garantia as coisas objeto dos direitos são afetadas a que os seus titulares possam obter o cumprimento de uma obrigação pelo valor dessas coisas ou pelos seus rendimentos, com preferência sobre os demais credores dos titulares dessas coisas. O critério de distinção é a função dos direitos e há direitos reais que não se destinam a propiciar a retirada de utilidades nem a garantir créditos: aqueles cuja função é propiciarem a possibilidade aos seus titulares de, em certas circunstâncias, adquirem uma coisa determinada, com preferência sobre terceiros - direitos reais de aquisição. São apontados com direitos reais de gozo o direito de propriedade, o usufruto, o direito de uso e habitação, o direito de superfície, as servidões e o direito real de habitação periódica. São apontados com direitos reais de garantia a hipoteca, o penhor, a consignação de rendimentos, os privilégios creditórios, o direito de retenção, a penhora e o arresto. São apontados como direitos reais de aquisição, principalmente, o direito do beneficiário de promessa de alienação dotada de eficácia real e o direito do titular de preferência dotada de eficácia real. Obrigações Reais (propter rem) e Ónus Reais Obrigações Reais - muitos direitos reais implicam deveres. Dever dos comproprietários de contribuírem para as despesas necessárias à conservação ou fruição de coisas comum (art.1411 nº1), do dever dos condóminos de contribuírem para as despesas necessárias à conservação e fruição das partes comuns (art.1424 nº1) e do dever dos usufrutuários de efetuarem as reparações ordinárias e de suportarem as despesas de administração (art.1472 nº1). As obrigações reais não são direitos reais, mas sim, como dissemos, verdadeiras relações obrigacionais; na medida em que integram o estatuto de alguns direitos reais, convém, por razões didáticas, referi-las no presente contexto. Direitos Reais Página 6 de 72 As obrigações reais dizem-se ambulatórias quando se transmitem automaticamente com o direito real. O interesse da categoria “obrigações reais ambulatórias” é obviamente mais nítido que o da categoria “obrigações reais não ambulatórias” pois estas não parecem ter regime jurídico. O principal problema que as obrigações reais colocam é precisamente, saber se são ambulatórias ou não. Será que quando alguém compra uma fração autónoma assume as dívidas de tal tipo relativas a períodos anteriores à transmissão de propriedade? A lei não esclarece. Procurando apresentar um critério geral para o problema M. Henrique Mesquita sugere que: sejam consideradas ambulatórias as obrigações reais de facere que imponham ao devedor a prática de atos materiais na coisa objeto do direito real; sejam tendencialmente consideradas não ambulatórias todas as demais, nomeadamente a generalidade das obrigações pecuniárias. Já Rui Pinto Duarte considera que são ambulatórias as obrigações que só podem ser cumpridas pelo atual titular do direito real. Ónus Reais – julgamos que se pode dar à expressão um sentido preciso e diferenciado fazendo-a designar uma situação jurídica real caracterizada pela circunstância de uma coisa (a que é objeto do ónus) responder por uma obrigação mesmo após a sua eventual transmissão para um sujeito diferente daquele que é o seu titular no momento da constituição da obrigação, gozando o titular ativo do ónus, em caso de execução, de preferência sobre a coisa onerada, relativamente aos demais credores do titular da coisa em causa. Conclui-se que o adquirente da coisa objeto do ónus real, apesar de não ser devedor da obrigação real transmitida, vê esse seu bem responder pela obrigação em causa – o que, em termos práticos, o conduzirá normalmente a solver a dívida, quando o devedor não o faça. Características comuns e princípios orientadores dos direitos reais Oponibilidade erga omnes – a generalidade da doutrina qualifica os direitos reais como absolutos, no sentido de serem oponíveis erga omnes. Direitos Reais Página 7 de 72 Publicidade – consiste em a existência do direito real ser ostensiva e facilmente cognoscível, seja por força dos sistemas de registo, seja por força da posse. Está obviamente ligada ao carácter absoluto, erga omnes, do direito real: só um direito que é conhecido ou cognoscível pela comunidade pode ser oposto aos seus membros em geral. Sequela – consiste no poder de o titular seguir a coisa por onde quer que ela se encontre, ou seja, independentemente das suas vicissitudes de ordem material; por outras palavras, é a suscetibilidade de invocação do direito contra qualquer detentor da coisa. Esta característica exprime-se na chamada “reivindicação”, ou seja, na exigência judicial de reconhecimento do direito real e da sua restituição (arts.1311º e 1315º). Tipicidade – consiste em os mesmos formarem um elenco fechado, um numerus clausus, não suscetível de alargamento por vontade das partes. Consiste em cada direito real estar organizado por lei como um tipo, isto é, como categoria não encerrável numa definição clássica por a sua caracterização implicar o recurso a um conjunto de traçosidentificadores. O art.1306 nº1 consagra o numerus clausus dos direitos reais. A tipicidade é mesmo coessencial aos direitos reais. Se estes se caracterizam por consistirem em certas formas de aproveitamento dos bens – para gozo ou garantia – oponíveis a todos, parece difícil conceber que o legislador possa deixar a criação de novos tipos de direitos reais na disponibilidade dos sujeitos privados. Elasticidade ou consolidação – consiste em os direitos reais tenderem a abranger o máximo de utilidades que abstratamente podem propiciar; os direitos reais tenderiam a expandir-se até ao máximo das faculdades que podem abstratamente podem comportar. Assim, o direito de propriedade, que pode ser comprimido por outros direitos – o usufruto e o direito de superfície – tende a recuperar a sua plenitude no momento da extinção desses outros direitos. Especialidade ou individualização – consiste em ser necessária a especificação das coisas objeto dos direitos reais; a doutrina chama a “inerência” ou “inseparabilidade” própria dos direitos reais, derivada de os direitos reais só nascerem se os seus objetos existirem e só subsistirem enquanto esses objetos Direitos Reais Página 8 de 72 subsistirem. Como exemplo da projeção na lei da ideia de necessidade de determinação do objeto do direito real são os arts.666 nº1, 686 nº1 e 656 nº1. Imediação e atualidade – consiste em o titular do direito real poder aceder direta e imediatamente à coisa sobre que o mesmo incide. Um corolário da imediação é só poder haver direitos reais sobre coisas presentes, não sobre coisas futuras. Prevalência – consiste no poder de o titular do direito real impor o seu direito a todos os sujeitos que não tenham um direito anterior incompatível sobre a coisa. Curiosamente, o Código Civil (art. 407º) fixa um critério de superação da incompatibilidade aparente entre direitos pessoais de gozo, estabelecendo como princípio a prevalência do direito mais antigo em data. Não é certo que o mesmo critério possa ser utilizado para a colisão de direitos reais. Consensualidade – consiste este princípio em a constituição ou transmissão dos direitos reais resultar, sem necessidade de qualquer outro ato ou formalidade, do negócio jurídico que serve de base à operação económica em que se insere tal constituição ou transmissão. Está afirmado nos arts.408º e 1317º alínea a). Os Direitos Reais de Gozo Direito de Propriedade: Com incidência no mundo dos conceitos jurídicos são três os sentidos mais relevantes da palavra “propriedade”: um tipo de direito de carácter real; qualquer direito real de gozo; o objeto de um direito real. Hoje, em Portugal, na linguagem técnico-jurídica, o vocábulo “propriedade” é utilizado apenas, ou quase apenas, no primeiro sentido. Um exemplo de utilização noutro sentido parece ser o art.62º da CRP. É muito difícil definir direito de propriedade. O nosso legislador, no art.1305º, fornece elementos que ajudam à fixação do conteúdo do direito, mas que não equivalem a uma definição. A primeira destina-se a lembrar a ideia clássica de que o direito de propriedade é o domínio ilimitado e exclusivo de uma pessoa sobre uma coisa. Porque dá ao seu titular tantos poderes sobre a coisa seu objeto que não é possível fazer o elenco dos mesmos. Direitos Reais Página 9 de 72 A segunda nota visa referir a tese que sustenta a impossibilidade de construção de um conceito único de propriedade, ou seja, a existência de vários tipos ou formas de propriedade não reconduzíveis a um só conceito. O conteúdo do direito de propriedade seria diverso consoante os seus objeto e natureza, em função de se tratar de propriedade de solo urbano ou de solo natural, de bens de produção ou de bens de consumo. A terceira destas observações prévias tem por fim sublinhar que o direito de propriedade é não só o direito real máximo como o paradigmático, é por referência a ele que os outros direitos reais se constroem e que a teoria dos direitos reais é feita. Características do direito de propriedade: Plenitude – consiste em o direito de propriedade tender a abranger todos os poderes que podem existir sobre uma coisa; na medida em que esses poderes são todos, eles dificilmente elencáveis, gozam de alguma indeterminabilidade; numa enunciação clássica, recebida no art.1305º, esses poderes respeitam ao uso, à fruição e à disposição das coisas objeto do direito de propriedade, contudo há limites e restrições. Elasticidade – se se pode discutir se ela abrange os outros direitos reais, parece certo que se aplica ao direito de propriedade; ele tende a expandir-se até ao máximo das faculdades que pode comportar. Perpetuidade – o direito de propriedade é perpétuo, não tem prazo, não cessa pelo decurso do tempo; o nº 3 do art.298º diz que “os direitos de propriedade, usufruto, uso e habitação, enfiteuse, superfície e servidão não prescrevem, mas podem extinguir-se pelo não uso nos casos especialmente previstos na lei; de frisar que são concebíveis casos de propriedade temporária, como o art.1307º nº2 anuncia. Transmissibilidade – a possibilidade de transmissão abrange a generalidade dos direitos privados patrimoniais, sejam eles obrigacionais ou reais; tendo em vista a sua importância, não é, porém, excessivo sublinhá-la, referindo-a como característica do direito de propriedade; acresce que há direitos reais intransmissíveis, como é o caso do direito de uso e habitação (art.1488º). Direitos Reais Página 10 de 72 Modos de aquisição: São referíveis como de resto o faz o art.1316º, os seguintes: contrato, sucessão por morte, usucapião, ocupação e acessão. Usucapião: é a aquisição (de imóveis ou móveis) resultante da manutenção da posse por certo lapso de tempo; quando estudarmos a posse, aprofundaremos esta figura; Ocupação: consiste na apropriação de uma coisa sem dono ou, por outras palavras, na apreensão material de uma coisa sem dono com a intenção de a adquirir; só podem ser ocupadas coisas sem dono. A relevância social da ocupação como modo de aquisição do direito de propriedade é, nos nossos dias, muito baixa. Só as coisas móveis são suscetíveis de ocupação (art.1318º). As coisas imóveis sem dono conhecido consideram-se do património do Estado. O art.1318º inclui ainda nas coisas que podem ser adquiridas por ocupação as coisas perdidas ou escondidas, sendo que, os arts.1323º e 1324º desenvolvem essas hipóteses. Acessão: é a aquisição por incorporação na coisa do objeto do direito de propriedade de outra coisa pertencente a terceiro; os requisitos são dois: a incorporação de uma coisa noutra e a diversidade de titulares das coisas unidas; a incorporação em causa pode resultar de fenómenos naturais ou de facto humano; tanto pode respeitar a coisas móveis como imóveis; segundo a lei é exemplo de acessão natural o acréscimo de terreno de um prédio resultante do depósito sucessivo e impercetível de areias (art.1328º) e é exemplo de acessão industrial a construção em terreno próprio com materiais alheios (art.1339º). Modos de extinção: O direito de propriedade, apesar da sua já referida tendencial perpetuidade, pode extinguir-se. As principais causas de extinção do direito de propriedade são a perda da coisa, o abandono e a renúncia. A perda da coisa é o seu perecimento físico. Em resultado da perda da coisa seu objeto, o direito real extingue-se. Direitos Reais Página 11 de 72 Quanto ao abandono, a lei refere-se nos arts.1318º e 1397º. No primeiro para dizer que podem ser adquiridos por ocupação as coisas móveis que foram abandonadas. No que àrenúncia respeita, há que começar por dizer que o legislador nada diz acerca da possibilidade de renunciar ao direito de propriedade sobre prédios ou de os abandonar. O CC prevê a renúncia como causas de extinção do direito de compropriedade (art.1411º), do usufruto e dos direitos de uso e habitação (art.1472º nº3, 1476º e 1490º) da servidão, do penhor (art.677º), da consignação de rendimentos e dos privilégios creditórios. Antes de abandonar diretamente as dúvidas em causa, vale a pena abordar os conceitos de abandono e de renúncia. A renúncia pode ser definida como negócio jurídico unilateral pelo qual o seu autor extingue um direito de que é titular. O abandono é uma modalidade de renúncia especializada por o negócio consistir não num texto mas numa conduta (exemplo: o lançamento de um objeto para a lixeira). Há ainda que distinguir a renúncia abdicativa da renúncia liberatória. Na primeira a extinção do direito é pura e simples, na segunda a extinção é feita a favor de alguém, não gratuitamente, mas como meio de obter a exoneração de uma obrigação. Sirvam de exemplos de renúncia liberatória a renúncia ao usufruto prevista no art.1472 nº3, a renúncia à compropriedade prevista no art. 1411º e a renúncia ao direito de propriedade sobre prédio onerado com servidão prevista no art.1567º nº4. Quando se discute a possibilidade de renúncia ao direito de propriedade sobre prédios o que está em causa é a renúncia abdicativa e não a renúncia liberatória. A transmissão da propriedade inter vivos Contrato e transmissão da propriedade: O principal meio de transmissão inter vivos do direito de propriedade é sem dúvida o contrato. Do ponto de vista jurídico, porém, a ligação entre contrato e transmissão de propriedade não se dá sempre pelo mesmo modo. Três paradigmas de relação entre o contrato e transmissão inter vivos do direito de propriedade: um sistema em que o efeito transmissivo resulta meramente do contrato que serve de base à operação económica em causa; um sistema em que o Direitos Reais Página 12 de 72 efeito transmissivo resulta meramente de um ato autónomo do contrato; um sistema em que o efeito transmissivo só se dá pela força conjugada do contrato que serve de base à operação económica em causa com ato autónomo desse contrato. O ato autónomo de transmissão da propriedade que constitui o núcleo do segundo sistema e que integra também o terceiro sistema é tipicamente: no que respeita a bens móveis a entrega da coisa; no que respeita a bens imoveis, a inscrição no registo, a qual pode existir um contrato separado. O segundo paradigma é alemão. Vigora aí o princípio da separação, segundo o qual a transmissão da propriedade é resultado de um negócio real abstrato, autónomo do contrato obrigacional. Esse negócio diz-se abstrato por as suas validades e eficácia serem independentes da validade e da eficácia do contrato obrigacional. Ao primeiro sistema pode chamar-se sistema de título, ao segundo sistema, sistema do modo e ao terceiro sistema de título e modo. No direito português, como já referimos, a regra base, resultante dos arts.408 nº1 e 1317º, alínea a), é a de que a constituição ou transferência de direitos reais sobre a coisa determinada se dá por mero efeito de contrato. Efeitos reais dos contratos e os terceiros: É de notar que a questão do efeito translativo do contrato não interessa apenas às partes, mas também aos terceiros – em especial aos credores das partes. Visto o problema deste modo, a principal preocupação a ter em conta é a da publicidade da titularidade dos bens: à comunidade interessa que a titularidade dos bens seja conhecida, nomeadamente para que seja possível assegurar a garantia dos direitos de crédito. Quando esta titularidade depende de algo mais do que um contrato, como, por exemplo, da entrega ou do registo, a certeza é acrescida e os interesses dos credores mais facilmente asseguráveis. As aquisições a non domino: Há na verdade, situações em que os direitos determinam transmissões de propriedade inter vivos por força de atos praticados por quem não é dono da coisa. A Direitos Reais Página 13 de 72 generalidade desses casos são os casos em que alguém aparenta ser proprietário de um bem móvel e um terceiro o adquire, ou aparenta adquirir, uma coisa a esse proprietário aparente. O nosso direito não consagra tal princípio. Assim, terceiros que se relacionam com quem não é dono de um bem móvel, mas aparentam sê-lo, não adquirem a propriedade do bem. A Compropriedade Noção e natureza A compropriedade é a situação de titularidade plural do direito de propriedade sobre uma coisa (art.1403º). Essa situação dá a cada comproprietário faculdades sobre a coisa no seu todo, mas não sobre partes especificadas da coisa (art.1408º). Os direitos dos comproprietários, como diz o art. 1403º nº2, são qualitativamente iguais, embora possam ser quantitativamente diferentes. Entre nós, para além daquela que dissemos perfilhar (existência de um único direito com vários titulares), as principais teses têm sido as seguintes: existência de vários direitos sobre partes alíquotas do mesmo objeto; a existência de vários direitos sobre o mesmo objeto. Deste modo parece significar que a compropriedade é a contitularidade do direito de propriedade do direito de propriedade. Entre outros, vão nesse sentido os arts.1403º nº1, 1405º nº2 e 1404. Principais aspetos do regime: Uso da coisa comum: é possível os comproprietários regularem por acordo o uso da coisa comum; na falta de regulação, todos se podem servir dela, com dois limites: não a empregarem para diferente fim da sua destinação e não privarem os demais de uso similar (art.1406º). Obrigação de comparticipar nas benfeitorias necessárias: é obrigação dos comproprietários contribuírem, na proporção das suas quotas, para as despesas necessárias à conservação ou fruição da coisa comum (art.1411º); Administração da coisa comum: todos têm, salvo acordo em contrário, igual poder para administrar (art.1407º); Direitos Reais Página 14 de 72 Direito à divisão: é possível convencionar a indivisão, mas só por prazos de cinco anos, não vigorando tal convenção, qualquer comproprietário pode pedir a divisão da coisa (arts.1412º e 1413º); Alienação da quota na comunhão: a alienação da quota está sujeita a preferência por cada um dos demais comproprietários; esse direito de preferência é oponível a terceiros, tendo, pois, carácter real (arts.1408º, 1409º e 1410º); A defesa da propriedade: A propriedade pode ser defendida tanto judicial como extrajudicialmente; o art.1314º é expresso na admissão da defesa por meio de ação direta, nos termos do art.336º. A mais relevante das ações judiciais para defesa do direito de propriedade é a chamada reivindicação, cuja finalidade é a obtenção da restituição da coisa (art.1311º). A ação de reivindicação caracteriza-se, pois, pelo pedido (que é o de restituição da coisa) e pelo fundamento do pedido (que é a titularidade da propriedade). Expropriação, confisco, nacionalização e requisição: O art. 1308º determina que “ninguém pode ser privado, no todo ou em parte, do seu direito de propriedade senão nos casos fixados na lei”. O art.1310º acrescenta que “havendo expropriação por utilidade pública ou particular ou requisição de bens, é sempre devida a indemnização adequada ao proprietário e aos titulares dos outros direito reias afetados.” Expropriação designa qualquer modo de privação de um direito patrimonial. Nesta aceção, o termo abarca não apenas a expropriação propriamente dita, mas também outrasfiguras, como a perda em benefício do Estado, por efeitos de condenação penal, o confisco e a nacionalização. Quanto à nacionalização, o que parece especializá-la dentro da noção ampla de expropriação é o seu objeto: a nacionalização teria como objeto característico as empresas. Seria também característico da nacionalização que a mesma fosse determinada por ato legislativo – ao passo que a expropriação por utilidade pública resultaria sempre de um ato administrativo. A ideia de nacionalização não tem um Direitos Reais Página 15 de 72 conteúdo técnico-jurídico preciso, o conceito envolve uma intenção de mudança do tipo de afetação do bem seu objeto que juridicamente não parece fácil de receber. Relações de vizinhança Considerações gerais: Cada prédio é necessariamente vizinho de outros. Daí a inevitabilidade dos problemas juridicamente designados por relações de vizinhança. A primeira reflexão azada é sobre o caráter não absoluto do direito de propriedade. Pelo menos no que respeita a prédios, é óbvio que não é, nem nunca foi possível caracterizar o direito de propriedade como ilimitado. É, e sempre foi, frequentíssimo os proprietários prediais terem de se relacionar com os proprietários dos prédios vizinhos. A segunda observação destina-se a sublinhar a ligação das relações de vizinhança com as figuras dos atos emulativos e do abuso de direito. A terceira reflexão visa sublinhar as relações reais, no sentido que Oliveira Ascensão deu à expressão: o de relações entre titulares de direitos reais. Em nossa opinião, o conceito em causa não é apto a servir de centro à teorização dos Direitos Reais, mas é, com certeza, uma excelente formulação para os problemas em jogo nas relações de vizinhança. A quarta nota tem por objeto o nexo entre as limitações ao direito de propriedade resultantes das relações de vizinhança e a figura da servidão predial. A quinta nota dirige-se ao caráter tradicional das regras em causa. Essa dimensão tradicional tem repercussões algo contraditórias: por um lado, algumas dessas regras mostram-se hoje pouco úteis, por serem superadas, na sua eficácia prática, por regras administrativas; por outro lado, essas regras estão abertas a novas aplicações, apropriadas aos problemas atuais, nomeadamente os relativos à proteção do ambiente. Direitos Reais Página 16 de 72 Direito de demarcação: Uma das faculdades tradicionalmente compreendidas no direito de propriedade sobre o prédio é a de demarcação; o proprietário tem direito a exigir o concurso dos proprietários confinantes para a demarcação (art.1353º). Os pressupostos da demarcação são: a existência de dois prédios contíguos, a sua pertença a titulares diferentes e a existência de dúvidas ou divergências quanto às suas linhas divisórias. A demarcação consiste em colocar sinais permanentes das linhas divisórias de prédios contíguos. Um interessado na demarcação que se depare com a recusa de um proprietário confinante em proceder a ela extrajudicialmente pode solicitar que a demarcação seja feita judicialmente. Se um proprietário quiser alterar uma demarcação feita extrajudicialmente, terá de invocar outro direito, por exemplo a anulação do negócio jurídico de demarcação celebrado. Direito de tapagem: Outra das faculdades tradicionalmente reconhecidas ao proprietário é a de tapar – no sentido de marcar, valar, rodear de sebes e praticar atos análogos – o seu prédio. O CC consagra essa faculdade, limitando-a no que respeita às valas (art.1357º) e às sebes vivas (art.1359º). Direito de plantação: As árvores e os arbustos que tocam mais de um prédio levantam vários tipos de problemas. Raízes, troncos e ramos invasores – a regra base (art.1366º, nº1) é a da permissão da plantação de árvores e arbustos até à linha divisória dos prédios. O contraponto da permissão dada pela nossa lei é o direito atribuído ao proprietário cujo prédio seja invadido por raízes, troncos ou ramos de arrancar e cortar essas raízes troncos ou ramos – desde que o dono das mesmas não o faça no prazo de três dias. Frutos caídos noutro prédio – art. 1367º, o dono da árvore ou arbustos de que os frutos caiam, não perde a propriedade deles e tem o direito a que o dono do prédio onde eles caiam lhe permita fazer a apanha dos mesmos. Direitos Reais Página 17 de 72 Acessão imobiliária Considerações gerais: Tanto pode ser natural ou industrial. O CC trata da acessão imobiliária natural nos arts. 1327º a 1332º. Os casos mais relevantes serão os do aluvião e da avulsão regulados nos arts. 1328º e 1329º. A acessão imobiliária industrial é tratada nos arts. 1339º a 1343º. Entre eles merece especial relevo o art. 1340º, sobretudo na parte em que estabelece que quem de boa-fé, faz obra em terreno alheio tem o direito a adquirir esse terreno se o valor que as obras tiverem trazido à totalidade do prédio for maior do que o valor que o mesmo tinha antes. O art. 1339º trata de obras, sementeiras e plantações em terreno próprio com materiais alheios. Os arts. 1340º e 1341º tratam de obras, sementeiras e plantações em terreno alheio, distinguindo várias sub-hipóteses em função de: o autor da incorporação estar de boa-fé; o valor acrescido ser igual, maior ou menos que o valor do terreno. Quem, de boa-fé, faz obra em terreno alheio, tem o direito a adquirir esse terreno se o valor das obras que fez for maior quo valor que o prédio tinha antes das mesmas – 1340/4. Nestes casos, há que distinguir se o valor acrescentado é superior, igual ou menor que o valor do terreno antes da incorporação: 1. Se for menor: as obras, sementeiras ou plantações ficam a pertencer ao dono do terreno, cabendo a este indemnizar o autor da incorporação pelo valor das mesmas ao tempo da incorporação – nº3. 2. Se for maior: o autor da incorporação pode adquirir o terreno, pagando o valor que o mesmo tinha antes das obras – nº1. 3. Se for igual: licitação entre o dono do terreno e o autor da incorporação – nº2. Se o autor das obras estiver de má-fé, ou seja, conhecer o carácter alheio do terreno, o dono do terreno tem direito à sua escolha de: Ficar com a obra, pagando o valor calculado segundo as regras do enriquecimento sem causa. Direitos Reais Página 18 de 72 Exigir que a incorporação seja desfeita `custa do autor da incorporação. 1342º: obra ou sementeira com materiais alheios em terreno alheio. NOTA: dono dos materiais não tem de ser o dono do terreno. Cabem ao dono dos materiais os direitos conferidos no artigo 1340º ao autor da incorporação, esteja o dono dos materiais de boa ou má-fé. Havendo culpa do dono dos materiais, o seu direito é só de receber o valor dos mesmos segundo as regras do enriquecimento sem causa, devendo repartir esse valor com o autor da incorporação – 1342/2. Autor da incorporação não tem direito nenhum, a não ser neste último caso. 1343º: no decurso da construção em terreno próprio, alguém prolonga, de boa-fé, o edifício por uma parcela do tereno alheio. Se, num prazo de três meses, o dono do terreno ocupado não se opuser, o autor da ocupação pode adquirir a propriedade da parcela em causa, pagando o respetivo valor e reparando o prejuízo causado (Ex. desvalorização do resto do terreno). Se houver reclamação, o autor da construção deverá, a contrario, destruir o que tiver edificado. DIVERGÊNCIAS DOUTRINÁRIAS: A SUPERFÍCIE CEDE SEMPRE PERANTE O SOLO: O QUE SE CONSTRUIR NO TERRENO PERTENCE AO PROPRIETÁRIO DO TERRENO – PRINCÍPIO ROMANÍSTICO. Artigo 1340º: solução não é unanime, pois contrarie este princípio – superficies solo cedit. Será que isto é justo e faz sentido em todos os casos? O artigo interpretado literalmente levaria a soluções absurdas: Contrato de arrendamento que permite a construção, não faz sentido que depois o inquilino venha dizer que é dele. Assim como não faz sentido que um empreiteiro contratado para construir vem de pois reivindicar o terreno. Direitos Reais Página 19 de 72 ASSIM, quer doutrina quer Jurisprudência não tomam o preceito à letra. A interpretação do artigo deve ser muito restritiva – o caminho para o resultado varia. Através de um confronto entre o regime da acessão e das benfeitorias a doutrina assenta essa restrição. Esta em causa a fronteira entre a acessão e as benfeitorias. Benfeitorias: possuidor que detém materialmente a coisa pode ser indemnizado se fizer melhoramentos nas coisas. 216º + 1273º e seguintes Eventual indemnização é uma mera compensação pelo custo das benfeitorias, não havendo qualquer poder de aquisição do terreno. Doutrina: só podemos ir para o 1340º quando não é aplicável o regime das benfeitorias. Quando aplicar um ou outro? Posição 1: algumas decisões jurisprudenciais vão no sentido de só poder haver acessão quando as obras são feitas por quem não tinha uma relação jurídica anterior com a coisa beneficiada, sendo aplicado o regime das benfeitorias quando tal relação exista. o Ex. Anterior do arrendatário; caso do empreiteiro com contrato de empreitada nunca poderiam adquirir por acessão, por haver essa relação anterior com a coisa beneficiada. o Antunes Varela e Pires de Lima Posição 2: Manuel Rodrigues e Manuel de Andrade. o Só há acessão quando há uma obra inovadora e transformadora da substância da coisa. o Ou seja, o regime da acessão não é aplicável quando a obra é qualificável como benfeitoria, que consistiria em simples melhoramentos da coisa. Posição 3: Critério que cumula os dois primeiros: Direitos Reais Página 20 de 72 o Só há acessão se houver uma obra inovadora e transformadora da substancia da coisa se feita por alguém que não tinha uma relação jurídica anterior com a coisa beneficiada. NOTA: letra da lei não permitia nada disto, mas a jurisprudência tem o sentido de justiça presente e esta sempre a fazer interpretações restritivas (sem base legal forte). Há que encontrar caminhos que permitam a restrição do âmbito de aplicação do artigo. NOTA1: a possibilidade de acessão está excluída nos casos em que o proprietário do terreno tenha comparticipado na obra. Professor prefere a posição de uma interpretação o mais restritiva possível. O brocado latino é que faz sentido. Problemas levantados pelo artigo 1340º: 1340º: imaginando que existe mesmo acessão esta incide sobre todo o prédio ou a parte do terreno ocupado? 1340º: aquisição é de todo o prédio. Mas há jurisprudência (law in action) contra a letra da lei que diz que é possível adquirir só a parte ocupada e não todo o prédio. Isto contorna as normas que impõem o fracionamento dos prédios. A tendência natural é para haver fracionamento, o objetivo é evitar esta tendência, evitar o aparecimento de minifúndios. Daí que Rui Pinto Duarte considere que a orientação jurisprudencial dominante não seja a correta, pois prejudica os proprietários e favorece a fragmentação dos prédios, para além de não ter suporte na letra da lei. A aquisição é automática ou trata-se de um direito potestativo dependente de uma declaração negocial? Perante a letra da lei, é mais fácil defender que é automático. Posição também sustentada por pires de lima e Antunes Varela. Outra parte da Doutrina defende que há uma necessidade de declaração negocial do autor das obras-defende que há um direito potestativo. Direitos Reais Página 21 de 72 Assim, o que fazer quando não se exerce o direito potestativo? Há alguma alternativa ao direito de adquirir? o Ou adquire ou não tem nenhum direito ou o Assumir que a não-aquisição configura uma lacuna: 1341º -para a obra feita de má-fé, em que o seu autor tem sempre direito a algo, embora à escolha do dono do terreno. 1340/3: obra feita de boa-fé em que o valor acrescentado é inferior ao valor do prédio antes das obras. Se não quiser o terreno, mas quiser ser indemnizado? Lei não responde diretamente, temos de fazer uma analogia e tentar sustentar que quem fez a obra tem direito a compensação, recorrendo por exemplo à figura do enriquecimento sem causa. Qual o valor a pagar pela aquisição? Valor do imóvel anterior à obra Valor do imóvel anterior à obra, mas atualizado (pois os processos em tribunal demoram muito tempo) – mercado imobiliário pode valorizar exponencialmente. Valor atualizável em função da depreciação da moeda Rui Pinto Duarte Valor atual do imóvel Fracionamento e emparcelamento de prédios rústicos: O fracionamento da propriedade é uma tendência histórica facilmente comprovável. Desde há dezenas de anos, o estado tenha formulado medidas não apenas no sentido de evitar esse fracionamento como também no de promover a reconfiguração das propriedades, sobretudo pela aglutinação dos prédios de cada indivíduo que não atinja a dimensão mínima desejada – o chamado emparcelamento. Algumas regras consagradas no CC: proibição do fracionamento dos terrenos aptos para cultura em parcelas de área inferior à fixada como superfície mínima – arts.1376º, 1377º e 1379º; atribuição aos proprietários de prédios de área inferior à unidade de cultura de direito de preferência na alienação, a quem não seja titular de Direitos Reais Página 22 de 72 prédio confinante, de prédios confinantes de área também inferior à unidade de cultura, arts. 1380º e 1381º. A propriedade horizontal, âmbito de aplicação Referimos sempre a propriedade horizontal a edifícios. Na verdade, no art. 1414º resulta apenas que podem ser submetidos ao regime de propriedade horizontal edifícios isoladamente considerados, mas do art. 1438º – A resulta também que podem ser submetidos ao mesmo regime conjuntos de edifícios contíguos, funcionalmente ligados entre si, pela existência de partes comuns afetadas ao uso de todas ou algumas unidades ou frações que os compõem. Será de prevenir que nem todos os edifícios podem ser constituídos em propriedade horizontal: a lei (arts. 1414º e 1415º) exige que as partes dos edifícios destinadas a constituírem frações autónomas tenham condições de ser unidades independentes, distintas e isoladas entre si, com saída própria para a parte comum do prédio ou para a via pública. Partes comuns e frações autónomas: A existência de propriedade horizontal implica a existência de frações autónomas e de partes comuns. A lei determina que certos elementos do prédio sejam obrigatoriamente partes comuns (art. 1421 nº1). Um pátio ou jardim que, pela sua situação, se destine a ser usado pelos utilizadores de uma fração autónoma sem que, contudo, se verifique a exclusividade referida na alínea em causa (alínea e) do art. 1421 nº2) poderá ser considerado, apesar dessa não exclusividade, como parte integrante dessa fração, se houver elementos nesse sentido. É de dizer que do elenco de partes necessariamente comuns, constante do art. 1421 nº1, e da presunção de caráter comum de outros elementos dos prédios constante no nº2 do mesmo artigo não resulta a resolução de todos os problemas que podem surgir quanto à qualificação de certos elementos dos prédios submetidos a propriedade horizontal. Eis alguns exemplos das dúvidas que se podem suscitar: as fachadas e os revestimentos exteriores dos edifícios são necessariamente comuns? Aalínea a) do art. 1421º diz que são comuns as paredes-mestras e todas as restantes Direitos Reais Página 23 de 72 que constituem a estrutura do prédio; quais as instalações de água, eletricidade e de outros serviços que são gerais, para efeitos da alínea d) do nº1 do art. 1421º? A lei permite que o título constitutivo afete ao uso exclusivo de um dos condóminos certas zonas das partes comuns (art. 1421º nº3). Exemplo óbvio de objeto possível de tal permissão são os terrenos de cobertura (art. 1421 nº1 b)). Título constitutivo e regulamento: A propriedade horizontal é estabelecida por um documento que tem de especificar as partes do edifício que correspondem às várias frações e atribuir um valor relativo a cada fração (art. 1418º nº1). O título constitutivo pode conter um regulamento do condomínio (art. 1418º nº2). Algumas dúvidas que podem surgir: é possível alterar o regulamento que conste do título constitutivo por mera maioria ou é necessária, para tanto, a unanimidade? Nesse caso temos dois artigos que consagram posições distintas (art. 1419º nº1 e o art. 1432º nº3); é possível o regulamento estabelecer maiorias mais exigente que as da lei, nomeadamente para efeitos do art. 1422º nº3 e do art. 1425º nº1? E menos exigentes? A favor disso joga o princípio da autonomia privada contra joga um certo entendimento da tipicidade dos direitos reais; é possível o regulamento dispor sobre outras matérias que não o uso, fruição e conservação das partes comuns, nomeadamente sobre o funcionamento da assembleia de condóminos e o exercício do cargo de administrador? Dos artigos 1418º e 1429º – A retirar-se-ia que não, contudo o art. 1435º nº4 refere que o regulamento pode conter outras matérias. Natureza do direito de condomínio: A propriedade horizontal consiste na existência de uma pluralidade de direitos de propriedade sobre um prédio onde exista um edifício, incidindo cada um de tais direitos, isoladamente, sobre uma parte especificada do prédio. Parte da Doutrina sustenta que a propriedade horizontal é mesmo a soma de duas situações jurídicas distintas: propriedade individual sobre as frações autónomas e compropriedade das partes comuns. A diferença entre a propriedade horizontal e a compropriedade resulta da comparação dos poderes dos condóminos com os poderes dos comproprietários. Direitos Reais Página 24 de 72 Merece talvez figurar em primeiro lugar a referência aos poderes dos condóminos sobre as frações autónomas. Na expressão da lei “cada condómino é proprietário exclusivo da fração que lhe pertence” (art. 1420º nº1); como vimos, na compropriedade nenhum dos contitulares tem qualquer direito sobre qualquer parte especificada da coisa. Em segundo lugar, avulta a indivisibilidade da propriedade horizontal (art.1423º), contraposta à divisibilidade da compropriedade (art. 1412 e 1423º). Em terceiro lugar são diferentes os poderes dos comproprietários e os poderes dos condóminos relativamente às partes comuns. Em quarto lugar, os condóminos, ao contrário dos comproprietários, não gozam do direito legal de preferência na alienação dos objetos dos direitos pelos outros condóminos (art. 1423º e 1409º). Constituição: A propriedade horizontal pode resultar de negócio jurídico, usucapião, decisão administrativa e decisão judicial proferida em ação de divisão de coisa comum ou processo de inventário (art.1417º nº1). Em qualquer caso o título constitutivo tem de (art.1418º nº1): especificar as partes do edifício ou edifícios correspondentes às várias frações; fixar o valor relativo de cada fração, em percentagem, do valor total do prédio. Para além disso o título constitutivo pode ainda (art.1418º nº2): atribuir fins às frações e às partes comuns; estabelecer um regulamento do condomínio; estabelecer um compromisso arbitral. Direitos e obrigações dos condóminos: Os principais direitos dos condóminos são os seguintes: o direito sobre a fração autónoma (art. 1414º e 1420º nº1); o direito sobre as partes comuns (art. 1420 nº1); o direito de participar na administração do condomínio (arts. 1430º e ss.); o direito de promover reparações indispensáveis e urgentes das partes comuns (art.1427º); o direito de, em caso de destruição do edifício ou de parte dele que represente três quartos ou mais do seu valor, exigir a venda do prédio e participar na partilha do produto da venda (art. 1428º nº1). As principais obrigações dos condóminos são as seguintes: afetar a sua fração apenas no fim a que esteja destinada (art. 1422º nº2 c)); suportar as despesas necessárias à conservação e fruição das partes comuns e para os serviços de interesse Direitos Reais Página 25 de 72 comum (art.1424º); no que respeita aos condóminos não residentes no prédio, comunicar o seu domicílio ou o do seu representante (art. 1432º nº9); contribuir, em proporção do valor das frações, para as despesas com obras que não sejam mera conservação (art. 1426º); efetuar seguro contra incêndio da fração autónoma e das partes comuns (art. 1429º); contribuir para o fundo de reserva do condomínio; respeitar o título constitutivo (art. 1422º nº2 d)); não praticar quaisquer atos ou atividades que sejam proibidos por deliberação da assembleia de condóminos aprovada sem oposição (art. 1422º nº2 d)); não prejudicar, por ação ou omissão, a segurança, a linha arquitetónica ou o arranjo estético do edifício (art. 1422º nº2 a)). Obras inovadoras: O art. 1422º nº3, diz que as obras que modifiquem a linha arquitetónica ou o arranjo estético do edifício podem ser realizadas mediante autorização prévia dos condóminos, deliberada por maioria representativa de dois terços do valor total do prédio. Já o nº2 do mesmo, como vimos, diz que é vedado aos condóminos, prejudicar, nomeadamente com obras novas, a segurança, a linha arquitetónica e o arranjo estético. Aparentemente, desta parte do nº2 do art. 1422º resulta, assim, que nenhuma maioria pode impor um prejuízo de tal tipo. Ou seja, condóminos minoritários podem opor-se a deliberações de autorização de modificação da linha arquitetónica ou do arranjo estético com fundamento em que a modificação em causa prejudica aquela linha ou arranjo. A ideia de prejuízo invocada na alínea a) do nº2 do art. 1422º parece diversa da ideia de modificação invocada no nº3 do mesmo artigo. O art. 1425º trata de obras inovadoras – não sendo claro se apenas abrange as obras nas partes comuns ou também as obras na frações autónomas. O nº2 do artigo refere-se especificamente às partes comuns. Será que isso quer dizer que o nº1 abrange as obras nas frações autónomas e portanto, que as obras inovadoras nas frações também dependem de autorização dos condóminos, deliberando por maioria representativa de dois terços do valor total do prédio? A doutrina encontra-se dividida. Pires de Lima e Antunes Varela: só as obras inovadoras nas partes comuns dependem da autorização dos condóminos – vai mais de encontro com a prática em Portugal. Direitos Reais Página 26 de 72 Rui Vieira Miller sustenta o contrário. A Maioria doutrinária defende que se podem fazer quaisquer obras na fração autónoma desde que estas não afetem partes comuns. Rui Pinto Duarte considera que o artigo 1425º, quer nº1 quer nº2, só regula obras nas partes comuns. O que acrescenta o nº3 do art. 1422º relativamente ao nº1 do art. 1425º? Não serão todas as obras previstas no nº3 do art. 1422º inovações para efeitos do art. 1425º só abrange as partes comuns e que o nº3 do art. 1422º tem em vista apenas as frações autónomas? Inclinamo-nos a pensar que sim. Alteração do título constitutivo: As alteraçõesao título constitutivo têm de merecer o acordo de todos os condóminos (art. 1419º nº1). São exceções a esta regra: as alterações consistentes na junção de duas ou mais frações do mesmo edifício (art. 1422º – A nº1,4 e 5); as alterações consistentes na divisão de uma fração. Todas as alterações ao título constitutivo têm de ser formalizadas por escritura pública (arts. 1419º nº1 e 2 e 1422 – A nº 4 e 5). Administração do condomínio A lei diz que a administração das partes comuns compete à assembleia de condóminos e a um administrador. Administrador – compete à assembleia de condóminos elegê-lo e exonerá-lo (art.1435º nº1,2,3). São elegíveis para o cargo não apenas os condóminos mas também terceiros (art.1435º nº4). O período de funções é de um ano que pode ser renovável (art. 1435º nº1). Na maioria dos prédios em propriedade horizontal, as funções de administrador são exercidos pelos vários condóminos rotativamente e sem remunerações. Cabe ao administrador representar os condóminos na medida do seu interesse comum. A lei atribui ao administrador legitimidade para agir em juízo quer contra terceiros quer contra condóminos (art. 1437º nº1). Dos actos do administrador cabe recurso para a assembleia. Direitos Reais Página 27 de 72 As principais funções do administrador são as elencadas no art. 1436º. Assembleia dos Condóminos É o órgão representativo de todos os condóminos, onde manifestam as opiniões sobre matérias que a lei remete para a Assembleia. É o órgão principal, não por ser o órgão que mais atua, mas por ser o órgão que toma as decisões mais importantes, que se podem impor às do Administrador, se for preciso. Art. 1430º/2 CC – Cada um dos condóminos tem tantos votos quanto o valor da sua fração. Não contribuem todos na mesma forma na constituição das maiorias. A Assembleia deve reunir pelo menos uma vez por ano, na primeira quinzena de Janeiro. No entanto, não há sanção para o facto de não ocorrer em Janeiro. Deve, nela, ser aprovado o orçamento para o ano que se inicia. Existem matérias que a lei reserva para a Assembleia de condóminos. Nessas, o Administrador não pode decidir. Por iniciativa dos condóminos, a Assembleia pode decidir sobre todas as matérias. Existem matérias que o Administrador deve tratar – art. 1436º - mas, nada disso implica que a competência seja retirada à Assembleia. Art. 1438º CC - Não há matérias sobre as quais a Assembleia não possa decidir; pode decidir sobre tudo! Mesmo que a matéria em causa não esteja legalmente prevista nas matérias de competência reservada. Art. 1432º CC – Para funcionar, a Assembleia tem de ser convocada. Quem é que pode convocar? R: o Administrador – art. 1431º/1 + art. 1431º/2 CC – ou pelos condóminos que representarem pelo menos 25% do capital investido. Há ainda uma terceira hipótese, a do art. 1438º CC. Art. 1432º CC – Convocação e funcionamento da Assembleia. Como acontece em todas as reuniões, existe um quórum. – Art. 1432º/3 CC – Só há possibilidade de votar deliberações, quando está presente a maioria dos condóminos; os casos especiais correspondem às maiorias qualificadas. Propriedade Fiduciária A propriedade fiduciária existe nos casos em que a atribuição do direito de propriedade a determinado sujeito cumpre uma função limitada. Direitos Reais Página 28 de 72 São aqueles casos em que se atribui o direito de propriedade a uma pessoa, não para ela exercer o direito na sua plenitude, mas para que o direito exerça na sua esfera jurídica uma função limitada. Essa função pode ser: De garantia; De mandato. A fidúcia suscita problemas jurídicos porque constitui a negação do próprio direito de propriedade, funcionalizando a propriedade para que ela cumpra com determinadas funções. A fidúcia dita ao proprietário que só pode agir de determinada maneira, de acordo com a função que ele cumpre. Uma das formas típicas da fidúcia é a “trust” (Direito comparado, na comparação com o Direito Common Law). De acordo com o Direito Common Law, a propriedade está atribuída a uma determinada pessoa, o trustee. Só que, de acordo com as regras, essa propriedade que é exclusiva, está limitada em função do beneficiário, o beneficiary. Em muitos casos, o próprio proprietário é o beneficiário. A trust surgiu naquelas situações/épocas históricas em que os homens, ao irem para a guerra, atribuíam a administração e conservação a outra pessoa. A propriedade é do guerreiro, mas o beneficiário é o administrador. O beneficiário é, assim, proprietário, mas detém uma propriedade limitada. Se houver abusos, o beneficiário é, por isso, punido. Em vez de se imporem limitações, impendem-se sobre a pessoa um conjunto de obrigações, que, por sua vez, é que irão limitar o exercício do direito de propriedade da pessoa. Assim, a propriedade fiduciária é uma criação de confiança entre estes dois sujeitos, porque assegura-se ao proprietário pleno que o proprietário fiduciário não possa alienar a coisa; se alienar, é punido e a coisa pode ser exigida de volta. Usufruto É mais um dos Direitos Reais de gozo. É um direito de gozo menor. Direitos Reais Página 29 de 72 Os direitos de gozo menores continuam a ser DR e direitos de gozo, mas são menores, precisamente porque, comparativamente à propriedade, só incluem alguns poderes e faculdades previstos para a propriedade. Só são direitos reais de gozo aqueles que a lei prevê como tal – Art. 1306º CC. Este artigo não me proíbe que crie outras formas de direitos de gozo, mas esses direitos terão eficácia puramente obrigacional. Art. 1439º e ss. O usufruto é temporário (2ª característica), contrariamente à propriedade, que se presume eterna. Carácter transitório. O usufruto não permite alterar a forma ou substância da coisa (3ª característica). O usufrutuário recebe a coisa, mas terá de voltar a entrega-la ao proprietário sem que esteja alterada a forma ou substância da coisa. Não implica obrigação de conservação. O usufruto nunca existe sozinho. Incide sempre sobre uma determinada coisa, em simultâneo com um direito de propriedade. O direito de propriedade nunca se extingue quando o usufruto é criado. A propriedade mantém-se sempre ( “Nua propriedade” – designa-se assim, porque a propriedade está despida de todas as suas características de gozo). NOTA: a transmissão da propriedade não afeta direitos reais menores. Art. 1440º CC – A constituição do usufruto só pode ser feita pelo proprietário, porque só ele tem coisa suficiente para dar esse direito. Assim, o contrato, que constitui uma forma de constituição, é um contrato celebrado entre o proprietário e o usufrutuário. Usufruto simultâneo – quando temos mais do que uma pessoa como usufrutuário. Mais do que um usufrutuário, sobre a mesma coisa. Regem-se pelo regime da compropriedade. Usufruto sucessivo – Aqui, não há usufrutuários simultâneos. Há usufrutuários que se sucedem. Ex.: quando A constitui o usufruto em B, C, D e E, pode constituí-lo de Direitos Reais Página 30 de 72 forma sucessiva, ou seja, B, C, D e E serão usufrutuários exclusivos em determinados períodos de tempo. O primeiro usufrutuário será o B, o segundo será o C, o terceiro será o D, etc… Direitos do usufrutuário (Art. 1446º e ss) É deixada para a autonomia privada a possibilidade de as partes regularem a forma como as partes exercem os direitos de usufruto e propriedade, desde que se respeitem os requisitos/características do art. 1439º CC. Se não forem respeitados, viola-se o art. 1306º CC. Regime do art. 1445º CC. Mas, em geral, o que éque o usufrutuário pode fazer? Pode dispor do seu direito (juridicamente, não materialmente). O seu direito é transmissível, mas não a coisa. Art. 1444ºCC. Ou seja, o usufrutuário pode dispor do seu direito (o usufruto), mas não da propriedade. Pode dispor sem autorização do proprietário, a não ser que haja requisito de autorização no título constitutivo ou na Lei. Art. 1444º/2 CC – Ou seja, se A, usufrutuário, transmitir o seu direito a B, e foram provocados danos na coisa por culpa do novo usufrutuário, tanto B como A são responsáveis pelos danos perante o proprietário da coisa. São corresponsáveis! Se o dano não foi culpa de B, mas de A, só A será responsável perante o proprietário. Obrigações do usufrutuário (Art. 1468º e ss.) Quais as principais obrigações? Art. 1468º CC – o dever de relacionar permite que, no final do direito do usufruto, se consiga perceber se todas as coisas são devidamente restituídas. Se, no final, as coisas não forem restituídas como deve ser, o usufrutuário deve indemnizar o proprietário. A caução é, então, uma garantia. Esta caução deve ser restituída ao usufrutuário se as coisas forem devidamente restituídas; deve servir como indemnização em caso de restituição indevida; Art. 1472º CC – dever de conservação. Para além das obrigações deste capítulo, há as que vêm de trás: O usufrutuário tem de agir como bom pai de família, atendendo aos interesses do proprietário; nunca pode alterar a forma e substância da coisa; se o título constitutivo assim o referir, deve respeitar o destino económico da coisa. Direitos Reais Página 31 de 72 Extinção do usufruto Sendo um direito temporário, irá extinguir-se. (Art. 1476º CC e ss). Morte do primitivo usufrutuário (caso o usufruto seja vitalício) ou decurso do prazo, caso não seja vitalício. Reunião: quando se reúne na mesma pessoa o direito de propriedade e o direito de usufruto. Não exercício do usufruto durante 20 anos. Ver 298º/3. Perda total da coisa usufruída. o Se houver lugar a indemnização, o usufruto passa a incidir sobre a mesma – 1480º + 1481º. Artigo 1478º: quando o usufruto incidir sobre uma exploração agrícola e cessar antes de uma colheita cujos frutos o usufrutuário já tenha alienado, a contrapartida da alienação cabe ao proprietário, deduzida das despesas de produção a que o usufrutuário tem direito. Proprietário substitui o ex-usufrutuário, não ficando com a simples posição de seu credor, pois, na maioria dos casos, no momento da alienação já houve um pagamento parcial dos frutos. Efeito da extinção do usufruto sobre o contrato de locação, quando o locador seja o usufrutuário – 1051/1)c) - caducidade do contrato de locação. Ver 1091/1/b). Uso e habitação (Arts. 1484º e ss) Uma coisa é o direito de uso; outra coisa é o direito de habitação. São dois direitos diferentes. O direito de uso recai sobre quaisquer coisas; o direito de habitação recai apenas sobre uma habitação. São direito diferentes porque, embora tenham igual natureza, têm objetos diferentes. O direito de habitação é uma espécie de direito de uso. Art. 1484º/1 CC – descrição do direito de uso. Daqui, conseguimos extrair as características fundamentais: É um direito que recai sobre coisa alheia; ou seja, que recai sobre a propriedade de outrem – mas, qualquer dos direitos menores recai sobre Direitos Reais Página 32 de 72 coisa alheia, porque implica a existência prévia do direito de propriedade; estão em causa as faculdades de uso e fruição – uma característica que aproxima o uso do usufruto. O usufrutuário goza e usufrui plenamente da coisa; o usuário goza da coisa, mas apenas em condições limitadas. Esta é a grande diferença entre usufruto e uso. O usuário apenas pode gozar da coisa “na medida das necessidades”; Art. 1486º CC – ajudam-nos a perceber que necessidades estão em causa. Neste caso, são as necessidades pessoais. Quando a lei remete para as necessidades pessoais, remete para um critério abstrato. Por isso, para saber quais são as necessidades pessoais, devemos ter em conta cada caso concreto avaliando a sua condição social. Estas necessidades sociais não podem implicar condições relacionadas com a atividade profissional. O que estamos a procurar conciliar é o direito de propriedade e o direito de uso. Por isso, pretende encontrar-se um critério de previsibilidade. Pretende-se, com isso, encontrar uma fronteira entre os dois direitos, para que o proprietário possa criar expectativas quanto à previsibilidade da conduta do usuário. O proprietário espera determinados comportamentos do usuário, que corresponderão à sua condição social. O que não pode acontecer é que o usuário muda a sua condição social pelo facto de, agora poder usar determinada coisa. Não pode mudar a sua condição social com base nesse fundamento. Mas, pode mudar a sua condição social por si mesmo. Isso é-lhe permitido. Direito de superfície (art. 1524º e ss.) Art. 1524º CC – Quando temos direito de superfície, temos duas propriedades a incidir sobre um imóvel: temos a propriedade do solo – fundeiro – e a propriedade do edifício – superfície. Na superfície podemos ter uma obra ou uma plantação. Assim, existe um proprietário sobre o solo, e um proprietário sobre o direito de superfície. O direito de superfície é limitativo do direito do fundeiro, mas coexistem. O direito de superfície, é o poder que se confere a uma pessoa de constituir uma obra ou constituir uma plantação em terreno alheio. O direito de superfície pode ser constituído quando a obra ou plantação já existem ou quando a obra ou a plantação ainda não existem. Direitos Reais Página 33 de 72 Por isso é que o direito de superfície é o direito de construir (caso a coisa não exista) ou de manter (caso a coisa já exista). – Momento de constituição do direito de superfície. Para construir a coisa que pretende, implica que já tenha o direito de superfície na sua esfera jurídica. Do ponto de vista jurídico, falar de dois direitos de propriedade diferentes e autónomos não é correto. Porque, quando o titular de direito de superfície quer construir, não pode fazê-lo como e quando bem entender. Constituição da superfície: Contrato; testamento; usucapião. (art. 1428º) Também pode ser constituído no momento em que as obras ou plantações já existem, ou no momento em que ainda não existem, sem que seja transmitida a propriedade do solo. Vigora apenas o direito sobre a construção. O proprietário do terreno tem de consentir o acesso ao prédio e à plantação. (art. 1529º). A constituição da superfície pode ser onerosa ou gratuita. O mesmo acontecia com o usufruto, uso e habitação. (art. 1530º). Extinção (arts. 1536 e ss) Art. 1536º/1 CC – elenco das causas de extinção da superfície. Algumas destas causas de extinção são comuns a outros direitos reais melhores. Ex.: alínea c); alínea d) – Confusão; alínea e) – princípio da inerência; alínea f). Nenhuma destas alíneas é específica da superfície. Quando se extingue a superfície, o que acontece é que a propriedade expande o seu direito de propriedade, passando a voltar a poder exercer o seu direito de forma plena e exclusiva. O titular do direito de superfície pode, regra geral, fazer tudo aquilo que quiser à obra ou à plantação. Só não pode prejudicar o exercício do direito de fumeiro pelo titular do direito do solo. O proprietário pode receber as obras ou plantações meramente como consequência da extinção da superfície. O ordenamento jurídico não tutela qualquer proteção do proprietário do solo sobre as coisas. Protege-se o proprietário de superfície. – Art. 1538º/2 CC. Na outrasituação, parte-se do princípio que as coisas existem na superfície no interesse do superficiário e do proprietário do solo. Assim, qualquer deterioração que ocorra nas coisas, o proprietário do solo deve ser indemnizado. – Art. 1538º/3 CC. Direitos Reais Página 34 de 72 Servidões (arts. 1543 e ss.) Para que exista servidão, é preciso que existam dois prédios. É aquilo que onera um prédio em benefício do outro. Um dos prédios será o dominante, o outro será serviente. Art. 1544 CC – “por intermédio” – têm de ser utilidades que o prédio dominante propicia ao seu proprietário. Não pode ser uma utilidade em abstrato; é preciso ser uma utilidade que, em concreto, irá beneficiar o proprietário do prédio dominante. Art. 1545º CC – princípio da inseparabilidade – as servidões beneficiam e oneram prédios. Por isso, são inseparáveis do prédio. Na situação do exemplo acima, se se recusa a servidão, recusa-se a própria propriedade do prédio serviente. A propriedade é inseparável da servidão. Art. 1546º CC – princípio da indivisibilidade – a servidão é una. Mantém-se una independentemente da divisão do prédio serviente ou do prédio dominante. As servidões podem ser: aparentes – aquelas que envolvem um qualquer nível de perceção por terceiros. No exemplo, a observação dos prédios permite concluir que há ali uma servidão; não-aparentes – aquelas cuja observação não permite percecionar que ali existe uma servidão. Podem também ser: Legais – arts. 1550º e ss. Voluntárias – Arts. 1547º e ss. Exemplo: Os prédios 1 e 2 são propriedade de A. A precisava de aceder ao prédio 2 e, por isso, fazia-o regularmente. Não há servidão. No entanto, quando vende o prédio 2 ao proprietário B, e A continua a ter de passar pelo prédio 2 e vice-versa, essa faculdade é também transmitida ao B. Transmite-se a servidão, que passa a existir nesta situação. Só as servidões aparentes é que podem ser constituídas por usucapião. Porque só se sabe se a servidão existe há x tempo quando é observável, quando é percetível por terceiros. Caso contrário, nunca pode ser declarada. Direitos Reais Página 35 de 72 Exercício das servidões (arts. 1564 e ss) Extinção (arts. 1569 e ss) Existem mais DR menores para além dos previstos no CC. Estão em legislação extravagante. DR de habitação periódica – DL 275/93, 5 de Agosto 1ª ideia – da tipicidade (v. Páginas anteriores) 2ª ideia – o que a lei nos dá é um elenco de direitos, com elementos essenciais. Uma vez verificados os elementos, podem ajustar-se ainda mais os DR. O princípio da tipicidade só obriga, para que haja eficácia real, que se respeite os elementos essenciais. 3ª ideia – Respeitados os elementos essenciais, é o título constitutivo que passa a valer. Os títulos só não podem: alterar estes elementos, e contrariar quaisquer imposições do legislador. Na omissão do título, temos de recorrer ao regime supletivo que a lei estabeleceu. A não estipulação do título não implica o vazio! 4ª ideia – o regime que a lei prevê para cada DR menor, é um regime complexo, virado para a resolução de muitos problemas concretos. Por isso, é importante conhecer os regimes para conhecer, não as soluções, mas os problemas quando nos são apresentados. Direitos Reais de Garantia Não estão regulados no Livro III, mas no Livro II. Porque estes correspondem às garantias especiais das obrigações. Toda a obrigação tem garantia geral; a esta podem, ou não, somar-se garantias especiais. Garantia geral – conjunto de meios que o ordenamento jurídico põe à disposição do credor pelo simples facto de ele ser credor. Toda a situação jurídica tem uma garantia associada. Aquilo que é tutelado pelo Direito tem garantias. As garantias são gerais quando assistem a todos os credores. – art. 601º e ss. O CR está estruturalmente dependente da satisfação de um interesse por outro sujeito. Direitos Reais Página 36 de 72 Quando o devedor não colabora, o meio jurídico disponibiliza meios/instrumentos ao credor para satisfazer o seu interesse recorrendo ao património do devedor que entra em incumprimento. Estes instrumentos das garantias gerais, todos os credores têm os mesmos instrumentos. Estes assistem de igual forma a todos os credores. As garantias especiais são aquelas que as partes ou a lei fazem acrescer às garantias gerais. Não assistem de igual forma a todos os credores; permitem que um ou outro credor tenha mais meios que os façam destacar dos restantes credores. Estas garantias pretendem aumentar a proteção do credor e aumentar a expectativa da satisfação do seu interesse. A forma como esta proteção aumenta pode assumir duas formas distintas: garantias pessoais e garantias reais. De acordo com a garantia geral das obrigações, esta tem um limite, e este limite é património do devedor – aquilo que responde em última instância é o património do devedor – art. 601º + 817º + 818º. Principais garantias reais Art. 656º – consignação de rendimentos; art. 666º – penhor; art. 686º – hipoteca; art. 733º e ss; art. 754º e ss; art. 409º – reserva de propriedade. O que é que distingue o penhor e a hipoteca? R: o seu objeto. art. 686º CC – definição da hipoteca – incide sobre coisas imóveis e equiparadas (aquelas coisas móveis sujeitas a registo, regra geral). art. 666º CC – definição de penhor – incide sobre coisa móvel, créditos ou outros direitos não suscetíveis de hipoteca. Hipoteca (art. 686º e ss) Existe um conjunto de disposições que são gerais, para todas as hipotecas, e um conjunto de disposições especiais, que só podem ser aplicadas a algumas hipotecas. Existem três formas de hipoteca – art. 703º: hipoteca legal; hipoteca judicial – art. 710º a 711º; hipoteca voluntária – art. 712º a 717º. Regime geral - Art. 686º – definição de “hipoteca” e de “garantia real de obrigações”. Temos a noção de garantia real e a distinção do regime da hipoteca. Direitos Reais Página 37 de 72 Art. 688º– para além de definir o objeto, diz-nos que a hipoteca onera sempre um direito. A situação jurídica de base é qualquer direito real sobre bens imóveis, que seja transmissível (como a propriedade ou usufruto). Se o direito que se tem não é transmissível, não se pode constituir hipoteca sobre a coisa que corresponde a esse direito. Enquanto a hipoteca não é executada, a propriedade mantém-se una. Quando há execução, obriga-se a que a coisa, que não era autónoma, se torne como tal, para não se afetar o direito de propriedade de outros. Assim, se não estamos na execução, a hipoteca só exige que a coisa seja autonomizável. Se a coisa não se tornar autónoma antes do momento de execução, irá alienar-se direito de outra pessoa e, por isso, será uma venda de coisa alheia. Quando há execução por hipoteca, o terceiro que executa torna-se titular do direito hipotecado, porque na hipoteca o que se executa não é o bem; é o direito sobre o bem. As garantias reais nunca existem sozinhas. São sempre instrumentais à satisfação de um DC. Portanto, a lei também se preocupa em regular a situação jurídica garantia, ou seja, as obrigações que podem ser garantidas. A primeira regra é, apesar de a hipoteca ser acessória de uma obrigação garantida, não se exige que essa obrigação seja atual. Pode constituir-se hipoteca para uma obrigação futura – art. 686/2 – Pretende-se assegurar a prioridade. Se se torna certo que a obrigação não vai nascer, a hipoteca extingue-se; mas, enquanto a obrigação for suscetível de existir, enquanto for possível, a hipoteca mantém-se. Segunda regra – art. 693 – A hipoteca garante o DC e os seus
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