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LAN-850 - TOXINFECÇÕES ALIMENTARES DE ORIGEM BACTERIANA Claudio Rosa Gallo Os alimentos frescos e processados, exceção daqueles contidos em embalagens herméticas, estão em contato com o ambiente e passíveis, de sofrer alterações por fatores de natureza física, química e biológica. É importante lembrar e salientar os eventuais riscos quanto ao aspecto higiênico-sanitário e de saúde pública, pela contaminação por microrganismos potencialmente patogênicos. De acordo com dados do serviço de Saúde Pública dos Estados Unidos, existem 62 doenças que podem ser transmitidas entre seres humanos ou de animais a seres humanos; destas, 25 podem ser transmitidas através dos alimentos (FOOD PROCESSORS INSTITUTE, 1983). Alimentos de origem animal podem evidenciar a presença do patógeno que infectava inicialmente o animal do qual eles derivaram; no entanto, nenhuma das doenças zoonóticas é transmitida exclusivamente pelos alimentos, apenas servindo estes como veículo de transmissão ocasionalmente, sendo a via oral apenas uma das várias vias de infecção. Doenças como o antraz (causada por Bacillus anthracis), a tuberculose (Mycobacterium tuberculosis), brucelose (Brucella abortus, B. melitensis), listeriose (Listeria monocytogenes), tularemia (Francisella tullarensis), a febre de Query ou Febre Q (Coxiella burnetti), são algumas das doenças zoonóticas de maior importância (ICMSF, 1978). Existe um segundo grupo denominado de "doenças de origem alimentar" (Foodborne Diseases), nas quais fica implícito que o alimento contaminado se constitui no mais importante veículo do agente causal, usualmente servido de substrato para a multiplicação do microrganismo responsável pelo processo patológico. Aqui, a via oral é a principal ou única via de penetração do patógeno no organismo humano. Ao se discutir as doenças de origem alimentar, devemos mencionar alguns termos e conceitos: 1. Reservatório Nicho ecológico inicial do microrganismo patogênico, ou substrato, meio ambiente, no qual 2 ele naturalmente prolifera. Por exemplo: trato intestinal do homem e outros animais, no caso de Salmonella, Shigella, Escherichia coli. 2. Veículo Substrato ou meio responsável pela transmissão do agente patogênico. Pode ser animado (inseto, roedor, ave, etc.) ou inanimado (alimento, utensílio, etc.), ativo (oferece condições para a multiplicação do agente) ou passivo (sem proliferação do patógeno). É interessante lembrar e não confundir veículo com vetor de uma doença, pois uma doença existe com a presença ou não do veículo e não existe sem a presença do vetor (intermediário para que o ciclo da doença se complete; normalmente é um hospedeiro intermediário onde o agente causal da doença se multiplica). 3. Agente Causal É o agente infeccioso responsável pela instalação e desenvolvimento de uma doença. Podemos aqui considerar as bactérias, fungos, vírus, protozoários, etc. Ao falarmos em agente causal de uma doença, devemos considerar as interações com o organismo hospedeiro, para o desenvolvimento ou não da doença. Quando o agente entra em contato pela primeira vez com o hospedeiro, o desenvolvimento da resistência do hospedeiro, ou seja, a sua imunidade, segue em linhas gerais um gráfico como pode ser visto a seguir, onde há uma certa demora do organismo hospedeiro em reconhecer o agente para a conseqüente produção de anticorpos específicos e a imunidade adquirida que pode ser visualizada pelo patamar atingido é dependente do tipo e intensidade do agente. 3 As vezes a virulência do agente é tão grande que mata o organismo hospedeiro antes da produção de anticorpos. Se o hospedeiro já esteve em contato com o agente, a produção de anticorpos normalmente é bastante rápida, uma vez que não temos a fase de reconhecimento do agente, e assim a doença terá dificuldade de se desenvolver. Ainda, quando o agente causal permanece tempo no hospedeiro, acaba se estabelecendo um comensalismo, ou equilíbrio dinâmico entre ambos (latência). Quando por um ou outro motivo, o hospedeiro se debilita, o agente pode se manifestar. 4. Foco Fonte do agente causal em estado de virulência, ou seja, apto ao ataque e desenvolvimento da doença. Portanto, o foco deve ser atacado sempre, ao contrário do reservatório, onde o agente causal nem sempre se encontra na forma virulenta. 5. Universo Diz respeito a população exposta ao risco. As vezes o universo é muito grande e não pode ser aplicado (exemplo: doenças diarreicas em crianças no Brasil); assim tomamos um sub-universo que é denominado amostra e que deve ser significativa do todo. 6. Morbidade Se expressa como incidência, porém difere desta por considerar apenas os casos notificados. Em muitos casos, a morbidade apresenta números muito diferentes da incidência, como por exemplo se tomarmos as doenças gastrointestinais no Brasil, onde os números são bastante 4 errôneos pela notificação de poucos casos. A morbidade pode chegar muito próxima da razão de incidência em doenças graves que normalmente são notificadas. 7. Alimento Infectado Aquele que se apresenta contaminado por microrganismos patogênicos, embora não sendo capaz de provocar doenças de origem alimentar pela sua ingestão. 8. Alimento Infectante Aquele que, pela intensidade da contaminação por patógenos, irá seguramente provocar doenças quando ingerido. As toxinfecções alimentares resultam, na sua quase totalidade, da ignorância ou da inobservância das normas básicas dos procedimentos da manipulação dos alimentos. Assim, pode- se admitir que elas continuarão a ocorrer em níveis desnecessariamente altos enquanto: a) O pessoal em contato com o alimento, em quaisquer das fases de manipulação e processamento, não fizer uso de absoluta higiene em seus hábitos pessoais e na manutenção de sua área de trabalho e equipamento; b) Os alimentos não forem adequadamente refrigerados; c) Os alimentos não forem adequadamente processados; d) Situações de contaminação cruzada não forem evitadas; e) Os setores de comando das indústrias de alimentos não levarem em consideração a importância da prevenção das doenças nascidas no alimento. É importante lembrar que os procedimentos de manipulação adequada dos alimentos envolvem desde técnicas relativamente simples (como a manutenção a temperaturas especificadas) até outras complexas (como o cálculo do binômio tempo/temperatura de processamento ou a previsão das reações bioquímicas que podem resultar de modificações do processamento). As toxinfecções alimentares são causadas principalmente por certas espécies bacterianas (proliferação maior devido ao menor tempo de geração e condições favoráveis, principalmente atividade de água em alimentos perecíveis), embora se saiba que certos vírus, bolores, protozoários e outros agentes biológicos, além de agentes químicos, possam também ser responsabilizados. 5 As doenças nascidas no alimento de origem bacteriana são freqüentemente classificadas em dois tipos: infecções e intoxicações. Infecções alimentares são aquelas nas quais o agente da doença é levado ao hospedeiro através do alimento e aí se desenvolve (com invasão ou não dos tecidos) atingindo números que causarão a doença. Intoxicações alimentares são as doenças nas quais o agente causal cresce no alimento e aí produz uma substância química, tóxica ao homem e/ou aos animais. Embora sejam bem aceitas estas definições, há várias discordâncias, e certos autores optam pelas denominações infecções e envenenamentos alimentares, permanecendo entretanto, a diferenciação entreum e outro com base na ausência ou presença da produção de toxina. Outros autores ainda preferem denominar as doenças nascidas no alimento de envenenamentos alimentares, dividindo em dois grupos: o de origem infecciosa e o de origem toxigênica. Aqui também o que prevalece é a ausência ou presença da produção de toxina no alimento, para a distinção do grupo. A intoxicação pode ser classificada como: neurotóxica, emética e diarréica Neurotóxica: ingestão de toxina pré-formada no alimento produzido quando o C. botulinum encontra condições favoráveis para se multiplicar. Emética: causada por toxina do tipo exoenterotoxina, também pré-formada no alimento, atuando a nível de trato gastrointestinal. Apresenta como sintomas principais dores abdominais, náuseas e vômitos, ausência de febre, podendo ou não ocorrer diarréia. S. aureus e B. cereus (forma vomitiva). Diarréica: endotoxina (controvérsias). Ocorre a nível de trato gastrointestinal e se caracteriza por diarréia profusa, em virtude do desiquilíbrio salino ocorrido no lúmen intestinal pela toxina. Constata-se menor intensidade de vômitos e náuseas, com ausência de febre. Aqui enquadram-se C. perfringens e B. cereus (tipo clássico). 6 C. perfringens : a doença aparece quando um número elevado de células vegetativas (geralmente acima de 106 UFC/g ou ml de alimento são ingeridos). Atravessam as condições adversas do estômago, atingem o trato intestinal, onde esporulam, e simultâneamente produzem a endotoxina que origina o desiquilíbrio salino no lúmen intestinal, provocando diarréia. Em virtude da necessidade da ingestão de células viáveis, alguns autores consideram este tipo de doença uma infecção. No entanto, o aparecimento rápido da doença (entre 2 e 10 h após a ingestão do alimento), sua pequena duracão (± 24h) e ausência de febre, sugerem tratar-se de uma intoxicação. B. cereus: presume-se que a intoxicação ocorra devido a liberação, após a lise celular a nível de intestino, da endotoxina contida em células vegetativas oriundas de alimentos, contendo um número elevado da bactéria (acima de 106 UFC/g ou ml). Infecção: Epidemiologicamente, ocorre uma infecção quando são ingeridos alimentos contendo grande número de células viáveis que se multiplicam no trato gastrointestinal, provocando a febre como sintoma característico, que a diferencia fundamentalmente da intoxicação. Dependendo do patógeno, pode haver a produção de toxina, a invasão da parede intestinal ou disseminação para outros órgãos. Infecção: diarréica disentérica Diarréica: Salmonella spp, E. coli enteropatogênica e enterotoxigênica, Y. enterocolitica, C. jejuni, L. monocytogenes, V. cholerae, V.parahaemolyticus. Disentérica: além da febre, apresenta como característica importante a agressão ao epitélio intestinal originando fezes com muco, pus e sangue. S. typhi, S. paratyphi, Shigella spp, E. coli enterohemorrágica e enteroinvasiva. 7 Normalmente as doenças de origem alimentar aparecem por: 50% - serviços comunitários de alimentação 5% - alimentos industrializados 15% - residências (produção caseira) 30% - origem desconhecida Como bactérias causadoras de envenenamentos alimentares de origem infecciosa, podemos citar Shigella spp, Salmonella spp, Yersinia enterocolitica, Campylobacter jejuni, Escherichia coli, Vibrio cholerae, Vibrio parahaemolyticus e Clostridium perfringens (BRYAN, 1979 e SACK et al, 1980). Exemplos clássicos de bactérias causadoras de envenenamentos alimentares de origem toxigênica são Clostridium botulinum, Staphylococcus aureus e Bacillus cereus (BRYAN, 1979 e SACK et al, 1980). As diarréias agudas tem como característica comum a excreção de fezes líquidas em volumes anormalmente altos ou com frequência elevada; para a sua ocorrência, há sempre a necessidade de ingestão de células viáveis do microrganismo, que ultrapassam o ambiente ácido do estômago e colonizam o intestino delgado ou grosso, seguido da invasão dos tecidos ou produção de toxinas, sendo estes processos geralmente exclusivos, ou seja, apenas um deles prevalece. Normalmente, quando há uma diarréia intensa, aquosa, sem sangue ou leucócitos e associada com sinais de desidratação e febre pouco pronunciada, há indicações de uma infecção do intestino delgado, por bactérias toxigênicas, não invasivas; por outro lado, os processos patológicos associados com diarréias freqüentes, mas não volumosas, contendo sangue e pus misturados, dores abdominais intensas, febre pronunciada e desidratação pouco definida, sugerem infecção do intestino grosso, por bactérias invasivas (SACK et al, 1980). A evidência de um quadro patológico típico depende de diversos fatores, relacionados tanto com o agente patogênico (tipo e número), bem como com o indivíduo afetado (idade, estado nutricional, condições gerais de saúde). Dependendo destas variáveis, nos processos de infecção, a ingestão de células viáveis 8 poderá resultar num caso clínico de gastroenterite, ou estas serão destruídas ao longo da passagem pelo trato intestinal, sem originar quaisquer danos ao indivíduo; ainda poderá ocorrer a eliminação (normalmente pelas fezes) das células viáveis durante períodos variáveis, sem evidências de sintomas de infecção, caracterizando a situação de portador assintomático da bactéria. Um dos aspectos mais importantes relacionado com os problemas de intoxicações ou infecções de origem alimentar refere-se ao número de células que devem ser ingeridas ou estar presentes no alimento, de forma a se expressar um quadro clínico de infecção ou intoxicação, respectivamente. Em estudos basicamente com voluntários humanos, demonstrou-se que as doses mínimas de infecção, no caso da necessária ingestão de células viáveis, são extremamente variáveis, dependendo principalmente da espécie da bactéria patogênica, como pode ser visto no quadro a seguir (BRYAN, 1979; SACK et al, 1980). BACTÉRIA DOSE DE INFECÇÃO (UFC)* Shigella dysenteriae 10 – 200 Shigella flexneri 102 – 104 Vibrio cholerae 108 Vibrio parahaemolyticus 106 – 108 Salmonella typhi 104 Salmonella anatum 105 – 107 Salmonella derby 107 Salmonella pullorum 109 Escherichia coli 106 – 108 Clostridium perfringens 106 – 108 Yersinia enterocolitica 109 *UFC = Unidades Formadoras de Colônias Estes dados demonstram que, em função da espécie de bactéria patogênica contaminando um alimento, um mesmo produto pode ser infectante ou não. Assim, um alimento contendo 10 Shigella dysenteriae pode ser responsável por processo infeccioso, quando ingerido; por outro lado, seria necessária a ingestão de 104 células de Salmonella typhi para desencadear o processo infeccioso. Vale a pena lembrar que as doses de infecção referidas no quadro apresentado, foram determinadas em indivíduos adultos sadios; no caso de crianças, pessoas idosas, subnutridas ou 9 doentes, as doses seriam mais reduzidas. Conforme já mencionado anteriormente, nos processos de intoxicação é necessária a multiplicação prévia do agente patogênico no alimento, com liberação da toxina, a qual, ingerida com o alimento, irá provocar o quadro clínico típico da intoxicação. A intoxicação estafilocócica é a mais bem estudada, quanto a quantidade mínima de toxina capaz de desencadear o processo patológico. Dados de CASMAN & BENNETT, 1965; GILBERT et al, 1972, indicam que níveis de enterotoxina variando de 0,01-0,4 µg/g de alimento, já são suficientes para provocar a intoxicação, ao passo que a ingestão de quantidades de enterotoxina inferiores a 1 µg já é capaz de afetar indivíduos mais sensíveis. Por outro lado, para se atingir tais concentrações de enterotoxina no alimento, é necessárioa intensa proliferação do agente patogênico no mesmo, sendo que, no caso específico de S. aureus, números superiores a 106/g seriam necessários (ICMSF, 1978). Antes de considerarmos as bactérias responsáveis pelas toxinfecções alimentares, uma a uma, parece-nos importante exemplificar um "Estudo de Surtos de Origem Alimentar", que é o procedimento a ser adotado para diagnosticar alimentos envolvidos em casos de doenças de origem alimentar, bem como para selecionar possíveis bactérias envolvidas, em função dos sintomas apresentados e do tempo médio de incubação verificado. Logicamente este levantamento para ser bem sucedido deve ser acompanhado de fichas de dados das pessoas doentes, onde apareçam idade, alimentos ingeridos, horários da ingestão, horários dos sintomas, tempo de incubação, sintomatologia, etc., para que possam ser calculadas as razões de ataque de cada alimento em particular e se chegar ao produto provável de estar envolvido no quadro da toxinfecção. Sempre é interessante, se possível, que além das análises efetuadas nas pessoas doentes se realize paralelamente análises nos restos dos alimentos consumidos, para um diagnóstico mais preciso quanto a bactéria envolvida no surto. Isto é muito importante sempre, e principalmente quando estamos diante de um número elevado de pessoas doentes, por ocasião de festas, reuniões, ou em restaurantes, onde a quantidade de alimentos preparada é normalmente grande, podendo se constituir num surto de toxinfecção de grandes proporções e com consequências graves, a menos que medidas adequadas de combate a doença sejam adotadas em tempo hábil. 10 Exemplificando, se após uma recepção onde se ofereceu frango assado com batatas, salada de atum e maionese e rocambole recheado de creme, tivermos as seguintes situações: Pessoa Horário de ingestão (20/08) Início dos sintomas (20/08) Frango assado com batatas Salada de atum com maionese Rocambole com creme D 12h00 14h00 C NC C D 12h30 15h00 NC NC C D 12h30 15h30 C C C D 13h00 15h00 C NC NC D 12h00 15h30 C NC C D 12h00 16h00 NC C NC D 13h00 15h30 C NC C S 12h30 C C NC S 12h30 C C NC S 12h30 C C C S 12h30 NC NC NC S 12h00 C NC C S 13h00 C C NC D = Doente (com dores abdominais, náuseas, vômitos e diarréia); S = sadio; C = comeu; NC = não comeu Para calcularmos a razão de ataque número de casos (-------------------------------------------- x 100) população exposta ao risco para cada alimento, construímos um quadro como a seguir: 11 Alimento Vulnerável Pessoas que comeram Pessoas que não comeram Diferença das razões de ataque (%) D S Total R. Ataque D S Total R. Ataque Frango assado com batatas 5 5 10 5/10 = 50,0% 2 1 3 2/3 = 66,67% -16,67% Salada de atum com maionese 2 4 6 2/6 = 33,33% 5 2 7 5/7 = 71,43% -38,10% Rocambole com creme 5 2 7 5/7 = 71,43% 2 4 6 2/6 = 33,33% +38,10% Para traçarmos a curva epidêmica (em Barras ou Poligonal), utilizamos os números de casos (ordenada) e o tempo de incubação em horas (abscissa): Para o cálculo do período médio de incubação, basta aplicarmos: 2x2 + 2,5x2 + 3x1 + 3,5x1 + 4x1 19,5 Período médio de incubação = ------------------------------------------------- = ----------- = 2,8 h 7 7 12 Concluindo, podemos colocar como alimento suspeito o rocambole com creme, pois foi ele que apresentou a maior (positiva) diferença entre as razões de ataque para as pessoas que o comeram e ficaram doentes e as pessoas que não o comeram e ficaram doentes. Quanto menor e mais negativa for a diferença entre as razões de ataque (∆%), menor a chance do alimento estar envolvido no surto. Assim, quanto maior e positiva for a diferença entre as razões de ataque (∆%), maior a chance do alimento estar envolvido no surto. Ainda, pelos sintomas apresentados pelas pessoas doentes (dores abdominais, náuseas, vômitos e diarréia) aliados ao baixo período médio de incubação, ou seja, 2 horas e 48 minutos, podemos dirigir as análises para Staphylococcus aureus, que é a bactéria responsável pelos sintomas citados em tempo de incubação tão pequeno. 13 INTOXICAÇÕES DE ORIGEM ALIMENTAR I. Staphylococcus 1. Introdução A primeira suspeita de produção de enterotoxina por "strains" de Staphylococcus aconteceu no século XIX, na Bélgica (DENYS, 1894). A partir daí, em 1907 (OWEN) relatou a ocorrência de produção de enterotoxina por "strains" de Staphylococcus nos Estados Unidos. BARBER (1914), relatou um surto de intoxicação nas Filipinas, pela ingestão de leite de vacas com mastite, sem refrigeração. Em 1929, DACK relatou que pessoas que ingeriram bolo de natal preparado dois dias antes e mantido sem refrigeração, após a ingestão do mesmo, em poucas horas apresentaram náuseas, vômitos e diarréia. Com a utilização de pessoas voluntárias que ingeriram o bolo, reproduziram-se os sintomas e conseguiu-se mostrar que a causa da intoxicação estava no creme do bolo. De 1930 a 1948, praticamente nenhuma descoberta significante sobre as enterotoxinas estafilocócicas aconteceu e a partir de 1948, vieram grandes descobertas com os trabalhos de CASMAN, BERGDOLL e SARGALLA, propiciando um enorme impulso, tanto para as características de Staphylococcus aureus, processos metabólicos, exigências nutricionais, tolerâncias, condições de crescimento e produção de enterotoxinas, bem como para a caracterização dos diferentes tipos de toxinas produzidas. O crescimento de S. aureus em alimentos representa um risco em potencial para a saúde pública, uma vez que muitas linhagens produzem enterotoxinas que causam intoxicações quando ingeridas. O problema da contaminação após o processamento, envolve sérios riscos, pois o alimento está livre da microbiota normal que atuaria como competidora a este tipo de organismo e que restringiria em muito o seu desenvolvimento e a produção de enterotoxinas. Os alimentos 14 preferencialmente envolvidos com a contaminação estafilocócica são: carnes e subprodutos, saladas, produtos de confeitaria, especialmente os que contenham creme, leite e derivados. Muitos destes alimentos são contaminados durante o preparo em restaurantes e em cozinhas industriais ou domésticas e a seguir refrigerados muitas vezes em condições inadequadas. Em alimentos processados, a contaminação pode ser a partir de fontes humanas e animais ou focos de contaminação ambiental. A produção de enterotoxina é extremamente favorecida, quando os alimentos são expostos à temperaturas que permitam o crescimento de S. aureus, em especial produtos cárneos e de laticínios. Em alimentos processados, nos quais S. aureus é destruído, a sua presença em geral indica contaminação através da pele, boca e nariz dos manipuladores de alimentos. Esta contaminação pode ser introduzida por trabalhadores com algum tipo de lesão cutânea que esteja infectada nas mãos, braços, etc., ou por tosse, espirros que são frequentes em todos os tipos de infecções respiratórias. Outra importante fonte são os resíduos de materiais nas áreas de processamento que em geral ficam expostas à condições que favorecem o crescimento de S. aureus. Em alimentos crus, especialmente em alimentos de origem animal, a presença deste organismo é comum e não necessariamente devida à contaminação humana. Com relação ao número de microrganismosencontrado no alimento, surgem algumas dúvidas, pois nem sempre uma contagem elevada destes organismos implica em o alimento ser responsável por um surto, pois há a necessidade de se comprovar a capacidade destes S. aureus serem capazes de produzir algum tipo de enterotoxina ou de pelo menos alguma das culturas isoladas mostrarem este comportamento. Por outro lado, também não podemos afirmar categoricamente que um alimento apresentando um número baixo de S. aureus não possa ser implicado em surtos de intoxicação. Para tanto, é necessário que se demonstre a presença ou não de alguma das enterotoxinas estafilocócicas, uma vez que os S. aureus são mais sensíveis ao calor e facilmente eliminados por qualquer dos processos térmicos convencionais; já as enterotoxinas por serem resistentes a alguns desses processos e por se tratarem de exotoxinas podem permanecer no alimento em forma ativa e provocar intoxicações quando ingeridas. 15 2. Distribuição de S. aureus S. aureus é largamente disseminado no ambiente, sendo o homem e outros animais seu principal reservatório; ele está presente na mucosa nasal, garganta, cabelos e pele de mais de 50% da população humana (BERGDOLL, 1979). Além disso, é agente causal de uma série de infecções, que variam desde lesões purulentas e localizadas da pele até infecções generalizadas e sistêmicas; a bactéria também é agente causal de mastites em bovinos e outros animais, razão pela qual o leite cru apresenta com frequência contaminações elevadas (National Academy of Sciences, 1975). Com base nas peculiaridades de seu habitat, a presença de S. aureus nos alimentos é relativamente frequente, particularmente naqueles submetidos a manuseio intenso, sob condições precárias de higiene. Em pesquisas conduzidas no Brasil e revistas por FURLANETTO (1982), a ocorrência de S. aureus foi constatada em 35,3 e 100% dos manipuladores, em hospitais e indústrias, respectivamente; por outro lado, no exame de alimentos diversos, incluindo macarrão, carne moída, produtos cárneos embutidos e curados, queijos, doces cremosos, farinhas e amidos, a ocorrência dessa bactéria foi alta, com variação de 1,3% nas farinhas e amidos a 69,5% nos macarrões (FURLANETTO, 1982). 3. Características de Staphylococcus Os estafilococos são membros da família Micrococcaceae, são cocos Gram-positivos, não esporulados, catalase positiva, desprovidos de motilidade, capazes de fermentar a glicose em anaerobiose, produzem uma grande quantidade de enzimas proteolíticas como hemolisinas, coagulase e lipolíticas como lecitinase e outras. S. aureus revela grande resistência a meios contendo elevada concentração salina e baixa atividade de água, sendo o crescimento observado em valores de Aa = 0,86, sendo 0,84 o mínimo tolerável pela bactéria. Segundo TROLLER (1973), a produção de enterotoxina cessa em valores de Aa mais elevados que os capazes de impedir o crescimento, provavelmente devido ao acúmulo de determinados cationtes e aminoácidos, além de haver redução da respiração, com o consequente 16 decréscimo da produção de compostos ricos em energia, essenciais para a síntese da toxina. Outros autores (LEISTNER & RODEL, 1975; CHRISTIAN, 1980), também confirmam que embora S. aureus possa se desenvolver em valores de Aa oscilando entre 0,83 e 0,86, a produção de enterotoxinas não foi conseguida em Aa inferiores a 0,93. Em relação aos limites de pH para crescimento e produção de enterotoxina, há bastante discussão entre os pesquisadores: BAIRD-PARKER (1974), cita que a maioria das cepas de S. aureus desenvolve-se na faixa entre 4,2 e 9,3, com ótimo no intervalo de 7,0-7,5; segundo TATINI (1973), o pH ótimo para crescimento oscila entre 6,0 e 7,0, com crescimento em valores entre 4,5 e 10,0, embora o intervalo para a produção de enterotoxina seja menor, entre 4,5 e 9,8 com ótimo entre 6,0 e 7,0; SMITLE (1977), cita o valor 5,45 como sendo o pH mínimo capaz de permitir a produção de toxinas, enquanto BERGDOLL (1979), menciona valores de 5,15 a 9,0 como capazes de permitir a elaboração de enterotoxina por diferentes cepas de S. aureus. S. aureus também se destaca como a bactéria patogênica mais tolerante ao sal. GENIGIORGIS & RIEMANN (1979), afirmam que S. aureus sobrevive em salmouras contendo 23% de NaCl, multiplicando-se em aerobiose entre 16-18% e, em anaerobiose, entre 14 e 16; para a produção de toxinas nos alimentos, colocam que valores entre 12-13% de NaCl parecem ser limitantes. TATINI (1973), cita que o crescimento de S. aureus ocorre em níveis de NaCl variando de 0 a 20% embora o intervalo para a produção de enterotoxina seja menor, entre 0 e 10%. Em relação à temperatura, S. aureus é uma bactéria mesófila, com ótimo na faixa de 30- 37°C e intervalo de crescimento entre 6,5-47,8°C (TATINI, 1973; BANWART, 1979); a produção ótima de enterotoxina parece ocorrer nas temperaturas mais elevadas, na faixa entre 37-40°C, embora em alimentos, já tenha sido constatada entre 10-45°C (BERGDOLL, 1979). É uma bactéria bastante exigente quanto a aminoácidos necessários ao seu crescimento e produção de enterotoxinas, tendo sido relatada a necessidade de 14 aminoácidos, os quais podem ser fornecidos pelos hidrolisados de proteína que normalmente são adicionados aos meios de cultivo para S. aureus. 17 4. Enterotoxinas Estafilocócicas As enterotoxinas produzidas por S. aureus, encontram-se bem estudadas; são proteínas simples, com peso molecular variando de 27.000 a 34.000 D, ponto isoelétrico oscilando de 6,9 a 8,6 e designadas pelas letras A, B, C1, C2, C3, D e E (BERGDOLL, 1979), com base em suas reações com anticorpos específicos. Estas enterotoxinas são resistentes à ação de enzimas proteolíticas como a papaína, renina, tripsina e quimiotripsina, e bastante termoestáveis, não sendo a toxicidade perdida mesmo após o aquecimento à ebulição durante 30 minutos. Assim, o cozimento usualmente dado a muitos alimentos não elimina a toxina produzida no alimento antes da aplicação do processamento térmico. Esses alimentos podem causar envenenamento alimentar, embora não mais contenham estafilococos vivos. Após a ingestão do alimento contaminado, os sintomas de envenenamento alimentar normalmente se desenvolvem em 4 horas, podendo ocorrer em limites de 1-6 horas. Os sintomas consistem de náuseas, vômito, caimbras abdominais severas, diarréias, suor, dor-de-cabeça e algumas vezes queda de temperatura corpórea. Os sintomas geralmente persistem por 24-48 horas e o índice de mortalidade é baixíssimo ou nulo. O tratamento usual para pessoas saudáveis consiste em repouso absoluto e manutenção do equilíbrio fluído. A maioria dos surtos de intoxicação foi atribuída à enterotoxina A, seguida da D. O tipo B raramente foi responsabilizado por surtos de envenenamento alimentar. No Brasil, em pesquisas realizadas em alimentos, cepas enterotoxigênicas de S. aureus foram isoladas com frequência, predominando as do tipo A, seguido dos tipos C, B, D e E (FURLANETTO, 1982). O mecanismo do processo patológico ainda não está suficientemente esclarecido; no entanto, a enterotoxina mostra uma afinidade pelas paredes estomacal e intestinal, causando sua inflamação e irritação, provavelmente estimulando a secreção de sódio e cloretos (BANWART, 1979). Já se sabe que sob condições aeróbias a produção de enterotoxina é melhor e também que, 18 enquanto a toxina do tipo A é produzida ao longo da multiplicação das células da bactéria, a toxina do tipo B tem sua produção maior no final da fase logarítmica e na fase estacionária de crescimento. As análises qualitativas e quantitativas das enterotoxinas são feitas exclusivamente por técnicas sorológicas e entre elas as maisutilizadas são: a) Imunodifusão radial em gel, ou difusão em dupla dimensão (técnica de Ouchterlony e OSP = "Optimum Sensitive Plate", que se trata de uma modificação da Técnica de Ouchterlony). b) Imunodifusão simples ou unidimensional (Técnica de Oudin). c) Radio Imuno Ensaio (RIA). d) Microimunodifusão em lâmina (0,1 µg/ml). e) Ensaio Imuno Enzimático (ELISA). f) Toxigenicidade através de ensaio biológico com macacos Rhesus. As dificuldades relativas a estas metodologias são várias, a começar pelos padrões, antígenos puros e respectivos antissoros que ainda não são encontrados comercialmente para usos rotineiros. 5. Correlação entre a Produção de Enterotoxinas e Outras Características Muitos pesquisadores tem tentado encontrar correlações entre a produção de enterotoxinas e outros caracteres bioquímicos, fisiológicos e culturais dos estafilococos, tais como a produção de coagulase (J.B. EVANS & NIVEN, 1950; EVANS et al, 1950), de DNASE termoresistente ou termoestável (LASHICA et al, 1969) e a fermentação do manitol (GWATKIN, 1937), comprovando-se que nenhuma dessas propriedades isoladas ou em conjunto se constituem num índice absolutamente confiável de produção de enterotoxina (BERGDOLL, 1970). Os primeiros estudos mostraram que a maioria dos estafilococos produtores de intoxicações alimentares são coagulase positivos, ou seja, produzem a enzima coagulase, capaz de coagular o plasma sanguíneo de coelho e do homem. No entanto, existem trabalhos que demonstram a produção de enterotoxinas por linhagens de estafilococos coagulase negativas. Ainda, trabalhos mais recentes demonstraram que muitas linhagens que se mostraram coagulase negativas com 19 plasma de coelho eram coagulase positivas com plasma suíno. Também, trabalhos revelaram que estafilococos coagulase positivos provenientes de pacientes submetidos a tratamento com antibióticos podem não produzir coagulase imediatamente após o seu isolamento. Embora até o presente momento não se tenha uma evidência clara da correlação entre produção de enterotoxina estafilocócica e produção de coagulase e DNAse termoestável, como S. aureus é coagulase positiva e termonuclease positiva, essas provas auxiliam bastante na identificação dessa bactéria frequente em surtos de intoxicação alimentar. Vale lembrar, entretanto, que as espécies Staphylococcus intermedius e S. hyicus subsp. hyicus são também coagulase e termonuclease positivas, embora a enterotoxigenicidade dessas duas espécies não esteja ainda completamente esclarecida. Porisso, embora apesar das dificuldades encontradas para a produção e caracterização da enterotoxina estafilocócica como prática rotineira, é importante que sejam realizadas para se afirmar com certeza o envolvimento de uma linhagem coagulase e termonuclease positivas numa intoxicação alimentar. II. Bacillus cereus Essa bactéria, em forma de bastonetes, anaeróbios facultativos, Gram-positivos, esporulados, pertencente a família Bacillaceae, é largamente distribuída na natureza, sendo o solo seu reservatório natural, a partir do qual contamina diversos alimentos, principalmente vegetais, como cereais e as farinhas e amido resultantes de seu processamento, além de condimentos e especiarias. Os alimentos mais relacionados a surtos de intoxicações alimentares por este microrganismo incluem: pudins, carnes cozidas com vegetais, arroz, cremes que contenham farinhas e amidos. No Brasil, vários autores pesquisaram a ocorrência de B. cereus em alimentos, incluindo produtos de merenda escolar, farinhas e amidos, queijos, alimentos desidratados e carnes moídas, com índices de positividade oscilando de 18,0 a 97,0% e níveis de contaminação variando, nos diversos alimentos, de menos de 103 a 105 UFC/g (FURLANETTO, 1982). Segundo BANWART (1979), a bactéria requer para crescimento atividade de água mínima 20 de 0,95; desenvolve-se em pHs variando de 4,9 a 9,3 e tolera concentrações de NaCl até 7,5%. É uma bactéria mesófila, com temperatura ótima na faixa de 30-35°C, mínima entre 10 e 20°C e máxima entre 35 e 45°C, embora existam relatos de crescimento até 49-50°C. Dentro do gênero Bacillus existe uma grande diversidade de espécies e linhagens, havendo até o presente momento, muitas dificuldades na distinção precisa de muitas delas, como é o caso de B. anthracis, B. thuringiensis, B. mycoides, onde taxonomicamente permanece a dúvida se devem ser consideradas como espécies distintas ou variedades de B. cereus. Estudos recentes de taxonomia numérica e taxonomia molecular tem trazido enormes contribuições na identificação de inúmeras espécies bacterianas e sem dúvida deverão em curto período de tempo eliminar muitas dúvidas na identificação de bactérias pertencentes ao gênero Bacillus. A intoxicação alimentar causada por B. cereus geralmente apresenta curta duração, normalmente não durando mais de 12-24 horas. Porém, algumas pessoas, especialmente crianças de pouca idade, são mais sensíveis e aí o processo pode ser mais grave. A intoxicação alimentar pode se manifestar sob duas formas clínicas distintas: a) A forma clássica (síndrome diarréica): tem um período de incubação médio de 10-13 horas, e se manifesta por sintomas de dores abdominais, diarréia intensa, tenesmos retais e raramente naúseas e vômitos. Esta forma de intoxicação tem uma grande semelhança em seus sintomas e período de incubação com a produzida por Clostridium perfringens. b) A síndrome emética: tem um período de incubação menor, entre 1 e 5 horas, e um quadro clínico com sintomas típicos de gastroenterite aguda, com naúseas e vômitos muito intensos como predominante, parecendo-se, portanto, com a intoxicação estafilocócica. A forma clássica de intoxicação se conhece desde o início do século, porém, foi a partir de 1950 que apareceram numerosos surtos atribuídos de forma definitiva a esta bactéria, tanto em países europeus como nos Estados Unidos e Canadá. Os alimentos normalmente implicados neste tipo de intoxicação são as carnes e produtos cárneos, tortas, pudins, molhos, sopas, vegetais e purê de batatas. 21 A segunda forma de intoxicação foi descrita mais recentemente na Inglaterra, Austrália, Canadá e Holanda. Em todos os casos houve a ingestão de arroz frito ou aferventado, preparado de várias horas a três dias antes de ser servido em restaurantes chineses. Bacillus cereus causa estes processos patológicos apenas quando o alimento contaminado contém número muito elevado de células, geralmente acima de 107 UFC/g (ICMSF, 1978) ou entre 106-108 UFC/g (BANWART, 1979). Em relação a produção de enterotoxinas, acredita-se que ela ocorra durante a fase logarítmica de crescimento da bactéria e liberadas quando as células sofrem lise (KRAMER et al, 1982). Estudos mostraram que a enterotoxina causadora da síndrome diarréica é de natureza protéica, antigênica, sensível a tripsina, termolábil (destruída em 5 minutos a 56°C) e sensível a meios ácidos. Ainda, produz acúmulo de fluídos em alça ligada de coelhos, altera a permeabilidade vascular na pele de coelhos (necrose dérmica) e induz a diarréia quando administrada oralmente a macacos (SPIRA & GOEFERT, 1975). GILBERT (1979), relata que a enterotoxina responsável pela síndrome emética, parece ser totalmente diferente, ou seja, de baixo peso molecular (< 5.000 D), muito estável, resistente a temperatura e ao meio ácido, bem como à ação de enzimas proteolíticas. JOHNSON (1984), revela que a toxina diarréica é uma proteína, de PM 50.000 D, ponto isoelétrico 4,9, produzida durante a fase de crescimento exponencial da bactéria, sem necessidade de lise da célula para a sua liberação, é termolábil e atua estimulando o sistema adenilato ciclase-AMP cíclico com acúmulo de fluídos nos intestinos. Já a toxina emética, de natureza diversa, está presente em filtrados de culturas, sendo termoestável (resiste ao aquecimento a 126°C/90 minutos), com PM de 1.000 D e não inibida pela tripsina e pepsina. O controle de B. cereus em alimentos baseia-se na prevenção de sua multiplicação, uma vez que é difícil ou impossível, impedir a presença da bactéria nas matérias-primas. Porisso é importante que os alimentos preparados e prontos para o consumo, sejam mantidos em refrigeração adequada 22 ou mantidos em temperaturas superiores a 55°C. A resistência térmica dos esporos é relativamente baixa, razão pela qual alimentos de baixa acidez submetidos a esterilização comercial, não oferecem riscos quanto a presença de B. cereus. Para se diagnosticar um surto de intoxicação provocado por B. cereus, a análise dos alimentos suspeitos é essencial, já que nas fezes do indíviduo doente o número vai ser sempre baixo, diferindo assim da infecção ocasionada por Clostridium perfringens onde o número de esporos é elevado podendo ser reativados por choque térmico durante a análise. Medidas Preventivas e Controle: A própria distribuição e a grande quantidade de esporos de Bacillus no solo e em alimentos de origem vegetal, torna inevitável a sua presença nos alimentos. Entretanto, sua presença em números baixos usualmente não se constitue em problema, já que a ingestão de pequenos números não é perigosa. Consequentemente, a prevenção efetiva e as medidas de controle dependem de: - Controle da germinação dos esporos - Prevenção da multiplicação das células vegetativas em alimentos aquecidos prontos para comer. A ingestão de alimentos preparados por aquecimento tão logo estejam prontos é sempre desejável, para se evitar que esporos sobreviventes possam germinar e células vegetativas se multiplicar no alimento. Temperaturas de 100°C ou pouco abaixo no aquecimento, irão permitir a sobrevivência de alguns esporos de Bacillus. Portanto, condições desfavoráveis à germinação desses esporos como baixa temperatura, baixa atividade de água e baixo pH, devem ser escolhidas como medidas de prevenção de intoxicação alimentar. Sempre que um alimento necessitar ser mantido no estado morno, a temperatura deve ser maior que 60°C para evitar problemas com a multiplicação de células vegetativas. 23 Para prevenção de surtos de intoxicação por B. cereus associado a arroz, recomenda-se: 1. Arroz deve ser cozido (preparado) em pequenas quantidades, se necessário mais de uma vez ao dia, reduzindo assim o tempo de estocagem após o preparo. 2. Após a fervura, o arroz deve ser acondicionado ainda quente ou resfriado rapidamente e transferido a um refrigerador no máximo em 2h após o cozimento. É aconselhável a divisão de grandes quantidades em pequenas porções para um resfriamento mais rápido. 3. Arroz cozido ou frito nunca devem ser estocados em condições de temperatura mornas (entre 15 e 50°C). Jamais estocar arroz cozido ou frito a temperatura ambiente na cozinha por tempo maior que 2h. III. Clostridium botulinum O botulismo é conhecido há muito tempo, ocorrendo o primeiro caso que se tem notícia em 1793. O agente etiológico da doença foi isolado pela primeira vez em 1895, na Bélgica, por E. Van Ermengem, sendo o organismo denominado Bacillus botulinum, a espécie derivada do latim botulus, que significa salsicha. O botulismo por alimentos é uma intoxicação devida ao consumo de alimentos contendo toxina botulínica pré-formada, produzida pela multiplicação prévia nos alimentos de Clostridium botulinum. Acredita-se que o "habitat" para o C. botulinum seja o solo, uma vez que esporos foram encontrados tanto em terras cultivadas como em terras virgens. Acredita-se que do solo o organismo encontre caminho para as águas. Nestes locais, podem chegar os alimentos contaminando-os, e pela multiplicação celular, produzir toxinas que se ingeridas leverão ao desenvolvimento desta doença alimentar tão séria. São conhecidos, 7 tipos antigênicos de C. botulinum, designados pelas letras A, B, C, D, E, F 24 e G, e esta variabilidade é definida pela especificidade entre os diferentes tipos de toxinas por eles produzidas e a sua neutralização pelo soro homólogo correspondente. Os tipos A, B, E e F estão relacionados ao desenvolvimento da intoxicação no homem; os tipos C e D, relatados como envolvidos em surtos de intoxicação em animais, principalmente em aves, bovinos e equinos. O tipo G, isolado em solos Argentinos, não se encontra suficientemente estudado, não estando ainda caracterizado adequadamente. Todas as cepas do tipo A e algumas dos tipos B e F são proteolíticas. As cepas restantes dos tipos B e F e todas as do tipo E, não são proteolíticas. As cepas dos tipos C e D, não são proteolíticas e fermentam muito poucos açúcares. O C. botulinum é uma bactéria anaeróbia, não apresentando, portanto, o sistema de citocromo oxidase, catalase negativa, em forma de bastonetes e Gram-positiva. Quanto ao ótimo de temperatura para crescimento, é mesófila; os tipos proteolíticos A e B, tem ótimo na faixa de 35-37°C, sendo o máximo tolerável ao redor de 48°C e o mínimo a 10°C (HOBBS et al, 1982); os tipos E, B e F, não proteolíticos, crescem no intervalo de 3,3 a 45°C, embora a produção de toxina seja ótima na faixa de 25 a 30°C. Em relação ao pH, o crescimento de C. botulinum ocorre num amplo intervalo, sendo o valor máximo tolerável de 8,5; os tipos proteolíticos tem ótimo na faixa de 6,8-7,0, geralmente não crescendo abaixo de pH 4,7, embora haja relato de crescimento do tipo A em pH 4,0; os tipos não proteolíticos tem pH ótimo também na faixa de 6,8-7,0 e mínimo entre 5,0-5,2. LYNT et al (1982), estudando o comportamento dos tipos proteolíticos A, B e F e não proteolíticos B, E e F, em relação à temperatura mínima de crescimento e concentração máxima de sal capaz de permitir a multiplicação, verificaram que os primeiros eram inibidos a 10°C e 10% de NaCl, enquanto os não proteolíticos cresciam até 3,3°C, sendo, no entanto, inibidos com 5% de NaCl. Em relação a atividade de água mínima para início da germinação dos esporos e da fase de desenvolvimento da célula vegetativa, observou-se em vários estudos que os tipos A, B e E iniciavam a germinação em meios com Aa = 0,93, não se verificando a segunda etapa mesmo 25 depois de 6 semanas com Aa inferior a 0,96, nos casos dos tipos A e B, e abaixo de 0,97 para o tipo E. Apresentam esporos bastante resistentes ao calor. O tratamento térmico para destruição dos esporos está na dependência da espécie de alimento, tipos e linhagens do organismo, composição do meio em que os esporos foram produzidos, temperatura em que foram produzidos e número de esporos presentes. Em geral, os esporos dos tipos A e B são mais resistentes ao calor, com valores "D" a 121°C, variando de 0,10 a 0,25 minutos; os esporos dos tipos não proteolíticos são mais sensíveis com "D" a 80°C, oscilando de 0,6 a 3,3 minutos (HOBBS et al, 1982). A toxina botulínica se encontra associada ao catabolismo celular (final da fase exponencial e fase estacionária de crescimento), sendo liberada por autólise da célula. A toxina parece ser codificada por elementos extracromossômicos, uma vez que fagos podem tornar uma linhagem não toxigênica em toxigênica. As toxinas botulínicas são proteínas simples, antigênicas, solúveis em água, estáveis em meios ácidos, estáveis em salmouras com até 26% de NaCl, termolábeis, sendo destruídas pelo aquecimento a 80°C durante 30 minutos ou a 100°C em alguns minutos. O peso molecular é bastante variável, oscilando entre5.000 e 900.000 D, sendo mais frequente entre 25.000 e 250.000 D e aparentemente necessitam de ativação por proteases, como é o caso da tripsina presente no trato digestivo, para evidenciarem máxima toxicidade. As toxinas no intestino atravessam as paredes e passam à corrente sanguínea, através do sistema linfático e atacam o sistema nervoso central. Esta proteína se une aos terminais pré- sinápticos dos nervos colinérgicos, interferindo com a liberação de acetilcolina nas ligações mioneurais. Assim, há um bloqueio de impulsos nervosos, provocando desta forma um bloqueio neuro-muscular com consequente paralisia muscular. O período de incubação da doença é em geral de 12 a 48 horas, podendo variar até 8 dias, 26 dependendo da quantidade e tipo de toxina ingerida, da resistência individual e tipo de alimento contaminado. Antes do desenvolvimento de sintomas neurológicos, perturbações gastrointestinais podem ocorrer como naúseas, vômito, diarréia, dores abdominais, seguidas muitas vezes de prisão de ventre. Após o surgimento destes sintomas, irão aparecer os sintomas neurológicos, caracterizados por fraqueza, tonturas ou vertigens, visão embaçada, diplopia, pupilas dilatadas e fixas, paralisia faringolaringeal causando dificuldade para falar (disfonia) e para engolir (disfagia), desidratação da boca, língua e garganta, dificuldade de locomoção. A medida que a intoxicação progride os músculos respiratórios e diafragmáticos são paralisados, resultando em dificuldade na respiração, asfixia e morte. A morte em geral é provocada por parada cardio-respiratória e normalmente ocorre entre 2 a 6 dias após o aparecimento dos primeiros sintomas, porém este período pode ser prolongado até 3 semanas aproximadamente. A terapia a ser adotada, envolve a neutralização da toxina através de soro específico (antitoxina), que tem pouco valor se os sintomas já estiverem estabelecidos; respiração artificial, repouso absoluto e equilíbrio do balanço fluídico. O botulismo é felizmente raro, devendo receber porém muita atenção pelo alto índice de mortalidade que apresenta. É doença típica de sub-processamento dos alimentos, sendo uma preocupação constante nos países onde a preparação de conservas domésticas é comum. Nos EUA, de 1899 a 1977, foram registrados 766 surtos nos quais 1961 casos foram registrados, com 999 casos fatais. Nestes surtos a distribuição dos diferentes tipos de toxinas foi: 199 devidos ao tipo A, 60 ao tipo B, 32 ao tipo E e 1 ao tipo F. No Brasil, a ocorrência dos vários tipos de C. botulinum já foi descrita por vários autores. TOKARNIA et al (1970), descreveram surtos de botulismo em bovinos no Piauí; DOBEREINER (1979) e LANGENEGGER (1980), relataram surtos de botulismo animal em Goiás; SARAIVA (1978), mostrou o isolamento de C. botulinum em galinhas no Rio Grande do Sul; WARD et al (1967), isolaram os tipos A, B, C e F em amostras de areias e sedimentos lacustres e marinhos no Ceará; DELAZARI et al (1981/1982), encontraram 27% de amostras de pescado marinho capturado no litoral de São Paulo contaminados com C. botulinum e LEITÃO & DELAZARI (1983), examinando amostras de solos no Estado de São Paulo, provenientes de pastagens e hortas comerciais, 27 detectaram C. botulinum em 35% das originadas de hortas, predominando os tipos A, B e F. A patologia de C. botulinum, pode ser expressa de 3 maneiras diversas: a) Botulismo por lesões ("Wound Botulism") - de ocorrência rara, com apenas 15 casos descritos nos EUA, no período de 1943-1974; normalmente associado com casos de lesões ou feridas ocorridas no campo, constatando-se a presença dos tipos A e B. Os sintomas são semelhantes aos do botulismo clássico, de origem alimentar, embora diarréia, vômitos e outros sintomas gastrointestinais nunca tenham sido observados. b) Botulismo infantil ("Infant Botulism") - descrito a partir de 1976 é devido à produção de toxina botulínica "in vivo", após multiplicação da bactéria no trato intestinal. A enfermidade resulta da germinação de esporos seguida de crescimento de microrganismos e produção de toxina botulínica no trato gastrointestinal. De 1976 a 1981, 239 casos foram registrados nos EUA. Dados do "Center for Disease Control - CDC", dos EUA, revelaram que muitos destes casos estavam associados à ingestão de mel, contaminado por esporos de C. botulinum tipos A ou B. Todos os casos diagnosticados ocorreram em crianças com menos de 6 meses de idade. c) Botulismo de origem alimentar ("Foodborne Botulism") - ou botulismo clássico, é sem dúvida o mais grave processo de doença de origem alimentar, sendo tipicamente uma intoxicação, provocada pela ingestão de toxina pré-elaborada no alimento. Os alimentos que em geral servem de veículo a esta enfermidade são alimentos enlatados com pH superior a 4,5. Prevenir a formação de toxina botulínica constitui um objetivo essencial nos processos de conservação e industrialização dos alimentos. Os métodos aplicados devem: destruir todos os esporos de C. botulinum, impedir a sua germinação, ou proporcionar um ambiente que não permita a multiplicação do microrganismo e a produção de toxina. Assim, para alimentos que não apresentam propriedades inibidoras da bactéria, deve-se executar ou um adequado tratamento térmico ou conservação a baixas temperaturas (congelados ou no máximo a 3-4°C). O diagnóstico clínico para associação de C. botulinum a um surto de intoxicação, envolve a confirmação da toxina botulínica no alimento e checagem através da confirmação da toxina nas fezes e vômitos. 28 A determinação da toxina "in vivo" é a metodologia mais importante para o diagnóstico, e é realizada através de ensaio em camundongos. Uma vez isolado o microrganismo, o mesmo é colocado para crescer em meio líquido apropriado; em seguida procede-se a centrifugação, obtendo- se o sobrenadante que deve conter a toxina produzida; preparam-se 3 séries diferentes como a seguir: 1) Inoculação do sobrenadante puro sem tratamento térmico, ocasionando a morte dos camundogos; 2) Inoculação do sobrenadante aquecido, neutralizando a toxina e, portanto, sem ocasionar a morte dos camundongos; 3) Inoculação do sobrenadante puro sem tratamento térmico, porém em camundongos que receberam previamente as antitoxinas. Assim, se não morrerem os que administramos a antitoxina A, sabemos que a toxina presente é do tipo A. Se pretendemos estimar a dose letal mínima, basta diluírmos a toxina e inoculá-la em um conjunto de camundongos, determinando assim, a quantidade mínima necessária à morte do animal. 29 INFECÇÕES DE ORIGEM ALIMENTAR I. Salmonella O gênero Salmonella foi, inicialmente denominado Bacterium. Posteriormente foi reclassificado como Eberthele (em homenagem a Eberth), sendo sua nomenclatura atual em homenagem ao bacteriologista americano D.E. Salmon. São organismos amplamente distribuídos na natureza, tendo o trato intestinal do homem e animais, como principal reservatório natural. A partir do seu reservatório natural, através de inúmeros veículos, as salmonelas irão contaminar matérias-primas e alimentos processados, tanto de origem vegetal, como animal. São bactérias em forma de bastonetes, pequenos, Gram-negativos, não esporulados, que fermentam glicose usualmente com produção de gás, mas não fermentam lactose e sacarose. A atividade de água limitante para o crescimento encontra-se situada entre 0,94 e 0,95; é importante observar que na faixa de Aa entre 0,20 e 0,90, a razão de destruição das células aumenta à medida em que há acréscimo de Aa. Este fato evidencia que, em alimentos desidratados, é grande a capacidade e o período de sobrevivência das salmonelas, sendo que em valores de Aa abaixo de 0,20 elas permanecemviáveis durante longos períodos, mesmo sob condições adversas de acidez e temperatura. Em relação ao pH, as salmonelas crescem no intervalo de 4,5 a 9,0, com ótimo entre 6,5 e 7,5, e de um modo geral são lentamente destruídas em pHs abaixo de 4,0 e acima de 9,0. São microrganismos anaeróbicos facultativos, sendo assim pouco afetados pelas variações do potencial de oxirredução do substrato. As salmonelas apresentam relativa sensibilidade ao NaCl, havendo relatos de inibição de crescimento em concentrações salinas de 8%. 30 Em relação a temperatura ótima para crescimento, são mesófilas, sendo 35 a 37°C a faixa ideal para multiplicação. O intervalo de temperatura no qual se verifica crescimento está entre 5 e 45°C, embora abaixo de 10°C a velocidade de crescimento é bastante reduzida. Em alimentos congelados, embora haja uma boa redução da população inicial, muitas células sobrevivem ao armazenamento prolongado sob congelamento; de modo geral, a sobrevivência é maior em baixas temperaturas de congelamento do que naquelas mais elevadas e próximas ao ponto de congelamento do produto (GEORGALA & HURST, 1963). A resistência térmica de salmonelas ao calor é muito baixa, havendo redução significativa após aquecimento a 60°C por 1 a 5 minutos. Segundo STUMBO (1973), o aquecimento de suspensões de células a 65,5°C durante 0,02 a 0,25 minutos, reduz em 90% a população viável da maioria das salmonelas. A possibilidade de infecção pelo consumo de alimento contendo Salmonella depende da resistência do consumidor, da capacidade de infecção da linhagem envolvida e do número de células ingeridas. A Salmonella aparentemente pode atingir grandes números no alimento sem causar alterações detectáveis na aparência, odor e mesmo sabor. Naturalmente, quanto maior o número de patógenos presente no alimento, maiores serão as chances de infecção e menores os tempos de incubação. As salmonelas pertencem a Família Enterobacteriaceae. A diferenciação em relação às outras enterobactérias se faz com o auxílio de reações bioquímicas e principalmente sorologia. Dentre as salmonelas mais de 1.700 sorotipos são conhecidos e dentre estes 50 podem provocar doenças ao homem, sendo que com maior frequência encontramos as espécies S. typhimurium, S. newport e S. enteritidis. Estes organismos em geral são transmitidos via oral através de alimentos como ovos, cremes, carnes e derivados, derivados do leite e água, e quando atingem o trato gastrointestinal, penetram nas células do tecido epitelial do intestino delgado, de forma semelhante a Escherichia coli enteropatogênica, sendo que esta penetração parece estar favorecida pela ação de fragmentos de lipopolissacarídeos da parede celular do microrganismo, processo este essencial para o aparecimento da sintomatologia característica desta síndrome. 31 As salmoneloses mais frequentes descritas no homem são: a) Febre Entérica ou Febre Tifóide: provocada principalmente por S. typhi e S. paratyphi A, B e C, afetando os primatas (seres humanos e macacos). Há uma invasão do sistema linfático e disseminação a outros órgãos, em geral da cavidade abdominal (fígado, vesícula biliar, rins, intestinos). Em portadores desta síndrome encontrou-se lesões hiperplásicas e necrose do tecido linfático, necrose local do fígado, inflamação da vesícula biliar e dos pulmões. A ocorrência da situação de portador assintomático por períodos bastante longos é frequente nesta infecção, o que se torna muito delicado e perigoso em relação a manipuladores de alimentos. Estas bactérias, altamente invasivas, passam pela membrana intestinal, são englobadas por macrófagos, os quais são drenados nos nodos linfáticos mesentéricos através do duto toráxico, atingindo a corrente sanguínea e se disseminando rapidamente, levando a um quadro de bacteremia ou septicemia. As células bacterianas vão sendo liberadas dos macrófagos, sendo novamente englobadas por células do retículo endotelial, sendo novamente liberadas e assim sucessivamente, razão do aparecimento de febres intermitentes, à cada liberação. A contaminação nesse caso é frequentemente devida a ingestão de água ou alimentos contaminados; a transmissão pessoa-pessoa é rara devido ao alto número de bactérias necessário ao desenvolvimento da doença. Em voluntários humanos, com a administração de 109 bactérias, houve aparecimento da doença em mais de 90% das pessoas; com 105 bactérias, apenas entre 25 e 55% das pessoas apresentaram a doença e com a administração de 103 bactérias, não houve desenvolvimento da doença. b) Septicemia: causada por Salmonella cholerae, onde a bactéria se dissemina através da corrente sanguínea a vários órgãos, provocando quadros bastantes sérios e frequentemente fatais. c) Gastroenterites: as espécies mais importantes envolvidas são Salmonella typhimurium e S. enteritidis. Nesta enfermidade, mais benígna que os outros tipos, o comprometimento do organismo infectado é bem menor, pois não há invasão da corrente sanguínea nem veias linfáticas, não havendo, portanto, migração do agente a outros órgãos. Assim, a ação é restrita a uma inflamação e irritação das mucosas intestinais. Aqui, o índice de mortalidade é extremamente baixo, podendo haver sequelas ou complicações em crianças e pessoas idosas. 32 Neste caso, as salmonelas também são invasivas, porém somente a nível de trato gastrointestinal. O mecanismo de ação ainda não se encontra totalmente elucidado. Inicialmente atribuiu-se a uma endotoxina, porém quando administrada diretamente no hospedeiro, não produziu doença. Pensa-se então que existe uma exotoxina, pois há um pouco de destruição da parede intestinal, antes da colonização. Seria, assim, um processo semelhante ao estabelecido por Vibrio cholerae. Ocorre a ativação da enzima adenilciclase → transformação de ATP em AMP cíclico → desbalanço eletrolítico (Cl-, CO3-, Na+) → desbalanço hídrico no lúmen intestinal → diarréia devido a falta de reabsorção. Em 1975, KOUPAL & DEIBEL, isolaram uma toxina (fator tóxico não puro associado a parede celular), e em experimentos de íleo ligado de coelho, ora obtinham acúmulo de fluído, ora não, ficando assim, com resultados não conclusivos. 33 O quadro a seguir (RIEMANN, 1972), ilustra bem as infecções provocadas pelas principais espécies de Salmonella: Febres Entéricas Septicemia Gastroenterites (S. typhi e (S. cholerae) (S. typhimurium, S. paratyphi) S. enteritidis, S. newport) Período de incubação 7-20 dias (médio 14 dias) variável 08 - 48 horas Início insidioso abrupto abrupto Febre gradual com platô ascensão rápida não ou baixa Duração da doença semanas variável 2 - 5 dias Sintomas constipação inicial, diarréia nenhum náuseas, vômitos, gastrointestinais com sangue diarréia Cultura/sangue positiva = 1ª, 2ª semanas positiva = período negativafebril Cultura/fezes positiva = a partir da 3ª se- negativa (geralmente) positiva mana (circulação pelo organis- mo e volta ao intestino). A identificação das linhagens de Salmonella é realizada quase que exclusivamente com base na análise antigênica. A diferenciação entre as espécies e tipos, é feita normalmente por testes de aglutinação para antígenos somáticos (O = lipopolissacarídeo) e flagelares (H = natureza protéica). A S. typhi, apresenta também o antígeno K(Vi), ou capsular, um carboidrato, tendo como unidade básica o ácido N-acetilgalactosaminurônico. H (Hauch = flagelar) K(Vi) = capsular O (Ohne = somático) 34 PREVENÇÃO DA DOENÇA A completa prevenção da contaminação dos alimentos, principalmente os de origem animal, é praticamente impossível, face à ampla distribuição da bactéria no ambiente e a existência frequente de portadores assintomáticos. No entanto, a adoção de medidas higiênico-sanitárias no manuseio e processamento de alimentos; o controle de rações e alimentos para animais; a rígida adoção de práticas higiênicas na criação, transporte e abate de animais; a distinta separação a nível industrial, das operações com matérias-primas daquelas com produtos em processo ou terminados; a rigorosa adoção de programas de limpeza e desinfecção das instalações e equipamentos; a prevenção de contaminações cruzadas, seja por meio de utensílios, equipamentos ou manuseio seriam alguns exemplos de medidas que sem dúvida contribuíriam para a redução dos níveis de contaminação. Sem dúvida, a temperatura é um dos principais fatores no controle, recomendando-se que alimentos preparados ou processados sejam rapidamente resfriados abaixo de 7°C e armazenados sob congelamento ou refrigeração. Devido a baixa resistência térmica de Salmonella, pode-se destruir as bactérias que contaminaram o alimento pela pasteurização do mesmo entre 60 a 75°C, onde teremos garantia do produto sob o ponto de vista de saúde pública, lembrando que a refrigeração em seguida dará total segurança ao alimento quanto a infecção por Salmonella. II. Shigella O gênero Shigella é constituído por bactérias Gram-negativas, aeróbias, não esporuladas, sem motilidade, pertencente à família Enterobacteriaceae. Apresenta em comum com as salmonelas, inúmeras características morfológicas e bioquímicas. Não descarboxilam a LYS nem hidrolisam a uréia e apenas um sorotipo, a Shigella flexneri-6 produz gás. Não utilizam citrato ou acetato e são negativas ao teste de Voges-Proskauer. Com exceção de S. sonnei as demais não fermentam a lactose. 35 O gênero Shigella apresenta quatro espécies: S. dysenteriae (sorogrupo A), S. flexneri (sorogrupo B), S. boydii (sorogrupo C) e S. sonnei (sorogrupo D). As shigelas são parasitas do homem e de outros primatas (macacos e chipanzés), de onde podem chegar à água e outros alimentos. É uma moléstia infecciosa transmitida mais frequentemente de pessoa a pessoa (número muito baixo de microrganismos requeridos para desenvolvimento da doença) e que afeta principalmente crianças muito pequenas incapazes de zelar por suas próprias condições de higiêne pessoal, e aquelas pessoas de condições sócio-econômicas baixas que habitam zonas de precárias e inadequadas condições higiênico-sanitárias. O número de organismos que constitui uma dose infectiva é bastante baixo, ao redor de 10 organismos. Este fato é, portanto, um grande desafio aos microbiologistas para a detecção de números tão baixos e que constituem doses infectivas em alimentos. Os alimentos tornam-se contaminados através do contato com matéria fecal contendo Shigella; isto ocorre usualmente através das mãos de manipuladores de alimentos, e principalmente aqueles alimentos compostos de múltiplos ingredientes tais como sanduíches, saladas, pratos a base de carne moída ou picada, onde o manuseio é excessivo, se constituem nos principais veículos da bactéria. Vegetais consumidos sem cozimento, podem ser importantes veículos do microrganismo se irrigados com água contaminada pela bactéria. Estes organismos quando presentes no intestino invadem a mucosa através das células do tecido epitelial, induzindo a uma perda de água e eletrólitos cujo efeito se traduz em diarréia. Esta enfermidade pode se agravar quando ocorrem microulcerações nas paredes da mucosa intestinal, provocando hemorragias acompanhadas de dores abdominais intensas. As shigelas não são constatadas com grande frequência em alimentos, aparecendo em menos de 10% do total de casos e surtos de doenças de origem alimentar relatados nos EUA (BANWART, 1979). 36 Um ponto importante a se considerar, é a transmissão da moléstia através de veículos ativos, por exemplo moscas, principalmente em razão do baixo número requerido no alimento para desenvolvimento da doença. Em relação a invasividade e produção da doença, sabe-se que o antígeno somático O, que se trata de um lipopolissacarídeo (LPSO, constituído de lipídeos, D-Manose e N-acetilglucosamina- Ramnose) é o responsável, sendo tóxico e levando a irritação da parede intestinal. A sua ação ficou evidenciada, uma vez que, com a perda da parede celular da bactéria e consequentemente do Ag O que nela se localiza, não se conseguia a produção da doença. Ainda, adicionando-se à estes mutantes rugosos (sem LPSO) o antígeno LPSO, os mesmos readquirem a invasividade e a patogenicidade. Pensa-se tratar de uma toxina (exotoxina), que exibe três ações: neurotóxica (quando inoculada em pequenos animais), citotóxica e enterotoxigênica (diarréia). A infecção provocada por S. dysenteriae é mais severa do que a acarretada pelas demais espécies, sendo caracterizada por um súbito início de dores abdominais agudas, diarréia pronunciada, acompanhada de perda de sangue e muco (devido a abcessos na parede intestinal, necrose da mucosa e ulcerações) e podendo ainda ocorrer naúseas e vômitos. A infecção provocada por S. sonnei é menos grave, sendo que apenas pequena proporção dos doentes apresenta fezes sanguinolentas. As demais espécies de Shigella, apresentam sintomas intermediários e variáveis. O período de incubação varia com o indivíduo, patogenicidade da bactéria e número de células ingeridas, oscilando entre 12 e 50 horas. São praticamente inexistentes estudos com relação ao comportamento das shigelas frente aos fatores intrínsecos e extrínsecos, mas é provável que haja bastante semelhança ao demonstrado pelas salmonelas. 37 Medidas de Controle As medidas de controle baseiam-se fundamentalmente em cuidados higiênicos na manipulação de alimentos, emprego de sistemas eficazes de limpeza e sanificação no ambiente industrial e controle da entrada de insetos, roedores e aves no recinto de processamento. A refrigeração de alimentos é uma prática desejável, porém vale lembrar que neste caso específico não impedirá o alimento contaminado de ser infectante devido aos baixos números da bactéria requeridos para a manifestação da doença. Também é útil enfatizar que por se tratar de uma bactéria não esporulada, sua resistência térmica é baixa sendo facilmente destruída pela pasteurização. É interessante também pensarmos que estaremos agindo eficazmente no controle desta infecção se tivermos um bom tratamento de esgotos, um bom controle sanitário da água, se identificarmos portadores assintomáticos da doença e evitar que os mesmos manipulem alimentos. III. Yersinia enterocolitica Os relatos de infecções humanas por Y. enterocolitica tem sido mais ou menos frequentes nos últimos anos, despertando uminteresse maior por parte dos microbiologistas para melhor conhecimento desta espécie bacteriana envolvida em infecções alimentares. A exemplo de outras enterobactérias, é encontrada primariamente no trato intestinal do homem e outros animais, especialmente cães e suínos. Também tem sido possível o isolamento dela a partir de fezes de bovinos, felinos, aves e animais selvagens, bem como a partir da água e de vários alimentos. Y. enterocolitica foi responsabilizada por 2 grandes surtos de gastroenteritis: em 1973, no Japão e em 1976 nos EUA. São bastonetes, Gram-negativos, anaeróbios facultativos, realizam fermentação com pouca ou nenhuma produção de gás, apresentam motilidade quando cultivadas abaixo de 25°C e são geralmente urease positiva e redutores de nitrato. 38 Ao contrário dos demais representantes da família Enterobacteriaceae, esta espécie cresce bem em baixas temperaturas, inclusive sob refrigeração. Exibem crescimento em ampla faixa de temperatura, oscilando de 1 a 40°C, e como as demais enterobactérias não crescem em temperaturas tão baixas, utiliza-se como enriquecimento nas análises a temperatura de 4°C/20 dias. Como as linhagens desta bactéria crescem a baixa temperatura, os alimentos com baixa contaminação inicial servem não somente como veículos mas como meios de proliferação. A infecção por estes organismos provoca vômitos, diarréia (com fezes sanguinolentas ou não), sendo febre e dores abdominais menos frequentes. Outros sintomas podem incluir septicemia, meningite e infecção do trato urinário. O mecanismo da patogenicidade de Y. enterocolitica ainda não é bem conhecido, parecendo ser de natureza invasiva. Normalmente as manifestações clínicas incluem 3 estágios: 1º estágio: fase aguda (2-3 dias após a infecção), caracterizado por enteritis, com sintomas parecidos aos da apendicite e estado inflamatório do intestino, dor de garganta, febre. 2º estágio: 1-3 semanas após a primeira fase, caracterizando-se por hemorragia de pele, artrite reumatóide e obstruções vasculares. 3º estágio: continua a artrite reumatóide e inflamações inespecíficas. Uma outra diferença importante em relação as outras enterobactérias, é que Y. enterocolitica predomina no inverno. A água não clorada, carnes pouco cozidas, leites não pasteurizados e vegetais frescos, são os principais tipos de alimentos aos quais se associam as Yersinias. 39 Logicamente, todas as medidas higiênico-sanitárias já descritas como importantes no controle de outras infecções alimentares, são também aqui válidas; no entanto, vale lembrar que a refrigeração de alimentos preparados, é de menor validade no controle de Y. enterocolitica, que como já vimos se multiplica em temperaturas de refrigeração. IV. Campylobacter jejuni As bactérias aqui incluídas apresentam forma de bastonetes, curvos, com movimento característico de sacarolha, Gram-negativos, microaerófilos onde a mistura de 5% de O2, 10% de CO2 e 85% de N2 é indicada para uma boa multiplicação bacteriana. Algumas diferenças que estas bactérias apresentam e que podem ser úteis para sua diferenciação e caracterização se referem a temperatura ótima para crescimento de 42°C, não se multiplicando em temperaturas inferiores a 30°C; reações negativas tanto para a prova de fermentação ácido-mista (VM-) como para fermentação butanodióica (VP-) e também que não retiram a energia de carboidratos e sim de aminoácidos e intermediários do ciclo de Krebs (ácidos oxálico e succínico). Bactérias do gênero Campylobacter tem sido isoladas frequentemente a partir de matéria fecal de vários animais, parecendo ser as aves os principais reservatórios naturais. Sua ocorrência já foi relatada em bovinos, suínos, roedores, cães e gatos há muitos anos e mais recentemente mencionada como patógena ao homem. São pertencentes a microflora intestinal de aves e outros animais, onde por ocasião da evisceração podem contaminar as carcaças, contaminando então as pessoas. Ainda, as fezes de animais portadores podem contaminar a água e/ou outros alimentos, atingindo assim as pessoas. Em vários trabalhos de pesquisa efetuados tanto no Brasil como em outros países, detectou- se Campylobacter em alimentos diversos como água, leite, carne de suínos e principalmente em carcaças de frangos e perus. 40 Estudos recentes tem chamado a atenção para a importância de Campylobacter envolvidos em surtos de infecção alimentar, para se conhecer melhor as suas características culturais e bioquímicas, visando medidas de controle, uma vez que, em vários países da Europa ela foi responsabilizada em mais surtos de doenças de origem alimentar do que Salmonella, entre 1979 e 1984. Ainda, em 1964, na Escócia, Campylobacter foi a segunda bactéria mais isolada a partir de casos de doenças de origem alimentar, o mesmo ocorrendo no Japão em 1982. Sabe-se que a resistência térmica de Campylobacter é bastante baixa, com valores D a 50°C e 55°C, de 7,3 e 1,1 minutos, respectivamente, em leite. A incidência de Campylobacter relatada em carcaças de frangos, provavelmente está relacionada a não destruição de todas as células pelo escaldamento a 58-60°C, durante 120-170 segundos (OOSTEROM et al, 1983). Duas constatações importantes como situações adversas a multiplicação e manutenção da viabilidade celular, foram de que a ventilação para o resfriamento da pele de suínos após o escaldamento, reduzia em mais de 100 vezes a população de células viáveis e que superfícies secas normalmente não evidenciavam células viáveis de C. jejuni. Embora se encontre em muitos trabalhos que 3 espécies de Campylobacter podem ser patogênicas ao homem (C. fetus subsp. fetus, C. jejuni e C. coli), de acordo com SMIBERT (1974), apenas 2 subespécies de C. fetus é que devem ser consideradas: C. fetus subsp. intestinalis e C. fetus subsp. jejuni. Esses organismos têm sido associados com gastroenterite, endocardite, meningite, lesões de pele, artrite, peritonite, colicistite e infecções do trato urinário. Casos de bacteremia, sem infecções localizadas têm sido também descritos com febre, cefaléia, dores abdominais, e aqui normalmente se atribui a C. fetus subsp. intestinalis. O período de incubação nas gastroenteritis varia de 2 a 5 dias e a dose mínima necessária para infecção ainda não foi exatamente esclarecida. No entanto, existem dados que mostram que a ingestão de 180 ml de leite pasteurizado contendo 500 UFC de C. jejuni, levou a um processo diarréico após 4 dias; também que a ingestão de 106 células desta bactéria, desencadeou o 41 processo patológico após 3 dias. No processo de gastroenterite, a sintomatologia é caracterizada por dores abdominais, cefaléia, febre e diarréia aquosa eventualmente com sangue. O quadro da doença pode persistir de 1 dia a 3 semanas. Neste caso, como já discutimos para outras infecções alimentares, a presença de portadores assintomáticos da bactéria, pode se verificar após 6-8 semanas depois de desaparecidos os sintomas, o que se constitui em grande risco no aspecto de saúde pública, uma vez que a forma de propagação da doença é via fecal-oral. O controle industrial para Campylobacter, baseia-se principalmente em rigorosa higiêne no processamento e manuseio dos alimentos, refrigeração e tratamento térmico adequados. V. Clostridium perfringens São bactérias em forma de bastonetes, Gram-positivos, anaeróbicos facultativos, esporulados com esporo subterminal, sem motilidade, produzem lecitinases, hemolisinas e H2S, reduzem o nitrato, fermentam lactose, liquefazem a gelatina e durante a fase de esporulação produzem toxina de natureza protéica. A enfermidade provocada
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