Baixe o app para aproveitar ainda mais
Prévia do material em texto
GEOMETRIA BA´SICA Luc´ıa Ferna´ndez Sua´rez (luciafsrc@gmail.com) 1 2 Conteu´do I. A axioma´tica da Geometria 5 1 Os axiomas de incideˆncia . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 6 2 Os axiomas de ordem . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 10 3 Axiomas de congrueˆncia . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 21 4 Medida e Axiomas de continuidade . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 45 5 O axioma das paralelas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 47 II. O plano euclidiano 49 1 Um modelo anal´ıtico do plano euclidiano . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 49 2 Triaˆngulos e quadrila´teros . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 61 3 Circunfereˆncias . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 70 4 Construc¸o˜es geome´tricas com re´gua e compasso . . . . . . . . . . . . . . . . . 92 III. Isometrias 97 1 Isometrias na geometria absoluta . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 97 2 Isometrias do plano euclideano . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 104 IV. Introduc¸a˜o ao plano hiperbo´lico 121 1 Inverso˜es . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 121 2 Modelo de Poincare´ do plano hiperbo´lico . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 133 3 Notas: • Estes apontamentos foram preparados para uma disciplina semestral denominada “Geo- metria II” dedicada a` geometria euclideana, na antiga Licenciatura em Ensino da Mate- ma´tica da Universidade do Minho (plano anterior a Bolonha). Dois docentes da UM tiveram o azar de leccionar esta disciplina sendo eu a responsa´vel: o Anto´nio Veloso da Costa e a Ana Cristina Castro Ferreira. E´ grac¸as a eles que estes apontamentos conteˆm muit´ıssimos menos erros do que teriam sem a sua colaborac¸a˜o. Obrigada! • O primeiro cap´ıtulo e´ um resumo das excelentes notas da Ana Maria do Vale [1] embora seja pouco respeituoso com a fonte e com a axioma´tica original de Hilbert [7]. Alterei os axiomas do grupo III, relativos a` congrueˆncia de segmentos e aˆngulos, com o objetivo de dedicar menos tempo a`s verificac¸o˜es preliminares e chegar rapidamente aos resultados ”geome´tricos” (crite´rios de congrueˆncia de triaˆngulos, caracterizac¸o˜es da bissectriz e da mediatriz ...). As alterac¸o˜es podem parecer a` primeira vista pouco significativas (esta˜o indicadas no texto) mas sa˜o um sacrilegio do ponto de vista axioma´tico pois incluem propriedades redundantes. A minha desculpa para estas alterac¸o˜es e´ o desejo de con- seguir tempo para ensinar aos alunos geometria ba´sica pois percebi que conceitos como medianas, ortocentro, reflexo˜es, rotac¸o˜es ... lhes eram completamente alheios. Essa e´ a mate´ria apresentada nos cap´ıtulos 2 e 3: triaˆngulos, circunfereˆncias, isometrias ... O cap´ıtulo 4 e´ uma brev´ıssima introduc¸a˜o ao plano hiperbo´lico. 4 I. A axioma´tica da Geometria Os Elementos de Euclides sa˜o a primeira obra matema´tica grega de importaˆncia de que temos conhecimento, escrita por volta do se´culo III a.c. Compo˜e-se de 13 livros, sendo os quatro primeiros e o sexto dedicados a` Geometria Elementar. A obra comec¸a com uma lista de definic¸o˜es, seguida de cinco axiomas e cinco postulados a partir dos quais se deduzem logica- mente os restantes resultados. Do ponto de vista da matema´tica moderna, Os Elementos de Euclides apresentam certos problemas de rigor: definic¸o˜es sem sentido, axiomas usados im- plicitamente mas na˜o formulados explicitamente ... No entanto, possuiam ja´ uma estrutura dedutiva muito aperfeic¸o˜ada e na˜o podemos esquecer que foi escrito ha´ mais de 2000 anos! Actualmente existem va´rias axiomatizac¸o˜es rigorosas da chamada Geometria Euclidiana, isto e´, sistemas axioma´ticos que permitem provar os resultados dos Elementos de Euclides. A axioma´tica mais conhecida deve-se a Hilbert e e´ formada por 20 axiomas dividos em quatro grupos (incideˆncia, ordem, congrueˆncia e continuidade) e por mais um u´ltimo axioma que e´ equivalente ao famoso V Postulado de Euclides. Neste cap´ıtulo apresentam-se os conceitos ba´sicos da teoria axioma´tica da Geometria, numa versa˜o simplificada da axioma´tica de Hilbert. Nas primeiras treˆs secc¸o˜es estudaremos os axio- mas de incideˆncia, ordem, congrueˆncia e continuidade e as consequeˆncias lo´gicas destes axiomas. Os resultados assim obtidos, sem usar o V Postulado, sa˜o chamados resultados da geometria absoluta. Na u´ltima secc¸a˜o encontram-se os princ´ıpios gerais das geometrias euclidiana e hiperbo´lica, isto e´, as geometrias obtidas se adicionarmos, respectivamente, o V Postulado de Euclides ou a sua negac¸a˜o, o denominado Axioma das Paralelas de Lobachevsky. 5 1 Os axiomas de incideˆncia Definic¸a˜o 1.1. Plano de incideˆncia Um plano de incideˆncia e´ uma estrutura da forma G = (PP,LL, I) onde: 1. PP e´ um conjunto na˜o vazio chamado suporte de G, a cujos elementos chamamos pontos (de G); 2. LL e´ um conjunto, a cujos elementos chamamos rectas (de G); 3. PP ∩ LL = ∅ (pontos e rectas sa˜o coisas distintas); 4. I e´ uma relac¸a˜o de PP para LL, isto e´, I ⊆ PP × LL, chamada relac¸a˜o de incideˆncia de pontos com rectas. Isto e´, se P ∈ PP e r ∈ LL tais que (P, r) ∈ I dizemos que o ponto P e a recta r incidem. Exemplos 1.2. 1. O plano de incideˆncia G = (PP,LL, I) onde: PP = {A,B,C,D} LL = {a, b, c, d} I = {(A, a), (A, b), (A, c), (A, d), (B, a), (B, b)} acd b q C q D A q B q 2. O plano de incideˆncia G = (PP,LL, I) onde: PP = R2 LL = {Rectas vectoriais de R2} e como relac¸a˜o de incideˆncia a relac¸a˜o de pertenc¸a usual. Este plano de incideˆncia chama- se o plano vectorial real. 3. O plano de incideˆncia G = (PP,LL, I) onde: PP = R2 LL = {Rectas afins de R2} e como relac¸a˜o de incideˆncia a relac¸a˜o de pertenc¸a usual. Este plano de incideˆncia chama- se o plano afim real. 4. O plano de incideˆncia G = (PP,LL, I) onde: PP = {Rectas vectoriais de R3} LL = {Planos vectoriais de R3} e como relac¸a˜o de incideˆncia a relac¸a˜o de inclusa˜o. Este plano de incideˆncia chama-se o plano projectivo real. 6 I. Axiomas de incideˆncia. I-1 Para quaisquer dois pontos A e B, existe uma e uma so´ recta que incide com A e B. I-2 Toda recta incide, pelo menos, com dois pontos. I-3 Existem, pelo menos, treˆs pontos na˜o incidentes com a mesma recta. Definic¸a˜o 1.3. Pontos colineares, rectas paralelas • Num plano de incideˆncia, chamamos pontos colineares aos pontos que incidem na mesma recta. • Num plano de incideˆncia, dizemos que duas rectas sa˜o paralelas quando sa˜o iguais ou quando na˜o existir nenhum ponto que incida com ambas duas. Note-se que o axioma I-1 significa que dois pontos sa˜o sempre colineares e o axioma I-3 que existem treˆs pontos na˜o colineares. O axioma I-1 tambe´m implica que dois pontos A e B determinam uma u´nica recta, assim, dados A e B designar-se-a´ frequentemente por < A,B > a u´nica recta que incide em A e em B. Proposic¸a˜o 1.4 Consequeˆncias dos axiomas de incideˆncia Num plano de incideˆncia que verifica o grupo I de axiomas: 1. Duas rectas distintas incidem num u´nico ponto ou sa˜o paralelas; 2. Existem pelo menos duas rectas; 3. Para toda recta existe, pelo menos, um ponto na˜o incidente com ela. Em particular, dados dois pontos existe um terceiro na˜o colinear com eles; 4. Para todo ponto existe, pelo menos, uma recta na˜o incidente com ele; 5. Dadas duas rectas, existe uma outra recta na˜o paralela a nenhuma das anteriores. Exemplos 1.5. 1. A figura seguinte representa um plano de incideˆncia com 7 pontos e 7 rectas que verifica o grupo I de axiomas. r r r r r r r 2. O planos afim real e o plano projectivo real verificam o grupo I de axiomas. O planovectorial na˜o verifica I-1, mas verifica I-2 e I-3. Finalmente, o primeiro plano de incideˆncia desses exemplos verifica I-3, mas na˜o I-1 nem I-2. 7 3. O plano de incideˆncia cujos pontos sa˜o os pontos da esfera de R3 de raio 1 e cujas rectas sa˜o os c´ırculos ma´ximos na˜o verifica o axioma I-1. 4. O semi-plano de Poincare´ Considere um plano de incideˆncia cujos pontos sa˜o os pontos do semi-plano H de R2 com segunda coordenada estritamente positiva, cujas rectas sa˜o a intersecc¸a˜o comH das rectas afins de equac¸a˜o x = a (rectas afins verticais) e a intersecc¸a˜o com H das circunfereˆncias cujo centro se situa no eixo dos xx. A relac¸a˜o de incideˆncia e´ a relac¸a˜o usual de pertenc¸a. Este plano de incideˆncia, chamado semi-plano de Poincare´, verifica o grupo I de axiomas. 5. O Disco de Poincare´ Outro plano de incideˆncia que verifica o grupo I de axiomas e´ o c´ırculo de Poincare´. Neste plano, o conjunto PP de pontos e´ o interior ω do disco unita´rio U de R2 (disco de centro (0, 0) e raio 1); o conjunto de rectas LL e´ formado pelos diaˆmetros da circunfereˆncia unidade (sem os extremos) e a intersecc¸a˜o com ω das circunfereˆncias de R2 ortogonais a U. A relac¸a˜o de incideˆncia e´ a relac¸a˜o usual de pertenc¸a. Salienta-se que, neste plano de incideˆncia e no anterior, fixado um ponto P e uma recta r na˜o incidentes, existem infinitas rectas incidentes em P paralelas a` recta r. 6. A figura seguinte que representa um plano de incideˆncia com 6 pontos, 15 rectas cada uma delas incidente em dois pontos. Este plano de incideˆncia tambe´m verifica o grupo I de axiomas. s ss ss s 7. O plano de incideˆncia G = (PP,LL, I) em que PP e´ o interior do c´ırculo de R2 de centro (0, 0) e raio 1, e as rectas sa˜o as cordas abertas (sem extremos) do c´ırculo tambe´m verifica o grupo I de axiomas. 8 Exerc´ıcios 1.6. 1. Enuncie os axiomas de incideˆncia usando a linguagem lo´gica. 2. Considere-se o plano de incideˆncia afim G = (PP,LL, I) onde: PP = R2 LL = { Rectas afins de R2} e como relac¸a˜o de incideˆncia a relac¸a˜o de pertenc¸a usual. (Recorde-se que uma recta afim de R2 e´ um subconjunto definido por uma equac¸a˜o cartesiana ax+ by + c = 0, com (a, b)=/ (0, 0)) (a) Mostre que este plano verifica os axiomas de incideˆncia. (b) Qual a condic¸a˜o nas equac¸o˜es cartesianas para duas rectas serem paralelas? Determine a equac¸a˜o cartesiana da recta incidente num ponto M = (m1,m2) e paralela a` recta definida por ax+ by + c = 0. 3. Considere o plano de incideˆncia G = (PPLL, I) onde: • PP = R2; • LL e´ o conjunto das circunfereˆncias em R2 de raio 1, isto e´, uma “recta” deste plano e´ uma circunfereˆncia C(a,b) de raio 1 centrada num ponto (a, b) ∈ R2; • a relac¸a˜o de incideˆncia e´ definida como: um “ponto” M incide numa “recta” C(a,b) quando o ponto for o centro da circunfereˆncia, isto e´, M = (a, b). Analise se este plano verifica cada um dos axiomas de incideˆncia. Comente a afirmac¸a˜o: “neste plano de incideˆncia duas rectas distintas sa˜o sempre paralelas”. 4. Prove a proposic¸a˜o 1.4 A partir de agora chamaremos plano apenas aos planos de incideˆncia que verificam os axiomas I-1, I-2 e I-3. 9 2 Os axiomas de ordem Definic¸a˜o 2.1. Relac¸a˜o “estar entre” Seja G = (PP,LL, I) um plano. Chamaremos relac¸a˜o “estar entre” a uma relac¸a˜o terna´ria no conjunto de pontos PP , isto e´, a um subconjunto O ⊂ PP × PP × PP . Dizemos que um ponto C esta´ entre o ponto A e o ponto B e escrevemos A− C −B se se verificar (A,C,B) ∈ O. II. Axiomas de ordem. II-1 Se C esta´ entre A e B, enta˜o A, B e C sa˜o treˆs pontos distintos incidentes numa mesma recta e C esta´ entre B e A. II-2 (II Postulado de Euclides) Dados A e C existe sempre um ponto B sobre a recta < A,C > tal que C esta´ entre A e B. q A q C q B II-3 Dados treˆs pontos quaisquer de uma recta, na˜o ha´ mais do que um deles entre os outros dois. II-4 (Axioma de Pasch) Sejam A, B e C treˆs pontos na˜o incidentes com uma recta e r uma recta do plano que na˜o incide com nenhum desses pontos. Se a recta r incide num ponto entre A e B, enta˜o incide tambe´m num ponto entre A e C ou num ponto entre B e C. q A q C q B Definic¸a˜o 2.2. Segmento, recta suporte Seja G = (PP,LL, I) um plano munido de uma relac¸a˜o “estar entre” O que verifica o grupo II de axiomas. Sejam A e B dois pontos do plano de incideˆncia. • Chamamos segmento de extremos A e B e designamos por AB ao conjunto formado por A, B e os pontos do plano que esta˜o entre A e B. Isto e´: AB = {A,B} ∪ {C ∈ PP : (A,C,B) ∈ O} = {A,B} ∪ {C ∈ PP : A− C −B} • Se A=/ B recta < A,B > diz-se recta suporte do segmento AB. • Dizemos que uma recta e um segmento se intersectam se existir um e um so´ ponto do segmento que incide na recta. 10 Proposic¸a˜o 2.3 Rectas e segmentos Seja G = (PP,LL, I) um plano munido de uma relac¸a˜o “estar entre” O que verifica o grupo II de axiomas. Enta˜o: 1. AB = BA, para todos os pontos A e B do plano; 2. Se A=/ B, todos os pontos do segmento AB incidem na recta suporte < A,B >; 3. Se A, B e C sa˜o pontos na˜o colineares enta˜o AB ∩BC = {B}. Definic¸a˜o 2.4. Figuras Seja G = (PP,LL, I) um plano munido de uma relac¸a˜o “estar entre” O que verifica o grupo II de axiomas. • Sejam A, B e C treˆs pontos do plano na˜o colineares. Chamamos triaˆngulo e designamos por △ABC o subconjunto de PP : △ABC = AB ∪BC ∪ CA Os pontos A B e C sa˜o chamados ve´rtices do triaˆngulo e os segmentos AB, BC e CA lados do triaˆngulo rA rB r C • Sejam A, B, C e D pontos do plano tais que no conjunto {A,B,C,D} na˜o ha´ treˆs pontos colineares. Chamamos quadraˆngulo ou quadrila´tero na˜o degenerado e designamos por �ABCD o subconjunto de PP : �ABCD = AB ∪BC ∪ CD ∪DA Os pontos A B, C e D sa˜o chamados ve´rtices do quadrila´tero e os segmentos AB, BC, CD e DA lados do quadrila´tero. sD s A sB sC tD t A tC tB Dizemos ainda que os lados AB e CD e os lados BC e DA sa˜o lados opostos no quadrila´tero e que os segmentos AC e BD sa˜o as diagonais do quadrila´tero. • Um quadrila´tero na˜o degenerado �ABCD diz-se quadrila´tero convexo se as diagonais AC e BD se intersectam (figura a` esquerda). 11 Teorema 2.5 Consequeˆncias dos axiomas de incideˆncia e ordem Seja G = (PP,LL, I) um plano munido de uma relac¸a˜o “estar entre” O que verifica o grupo II de axiomas. 1. Dados dois pontos A e B distintos ha´ um ponto C entre A e B. 2. De treˆs pontos incidentes com uma recta tem-se obrigatoriamente que um e um so´ esta´ entre os outros dois. 3. Se uma recta incide num lado de um triaˆngulo e na˜o incide com nenhum ve´rtice intersecta um e um so´ dos outros lados. 4. (Lema fundamental sobre segmentos.) Se C esta´ entre A e B enta˜o AC ∩ CB = {C} e AB = AC ∪ CB. 5. Qualquer segmento conte´m uma infinidade de pontos. (Demonstrac¸a˜o) 1. Considere um ponto P na˜o incidente em < A,B > e defina depois R e E usando o axioma II-2 e C usando o axioma de Pasch. s A s B R P E s C 2. Suponha que A na˜o esta´ entre B e C, e que C na˜o esta´ entre A e B. Considerem-se D na˜o incidente na recta < A,B > e G ponto tal que D esta´ entre B e G. Aplique o axioma de Pasch aos triaˆngulos adequados para definir un ponto E entre G e C e um ponto F entre A e G. De novo, pelo axioma de Pasch, D esta´ entre A e E e entre C e F e enta˜o B esta´ entre A e C. s A B C G s s F E D s s s s 12 3. Designemos por ∆ABC o triaˆngulo e por r a recta. Suponha-se que existem P ∈ AB, Q ∈ BC e R ∈ CA incidentes em r. s A s C s B s Q s P s R Aplicando o axioma de Pasch ao triaˆngulo △QRC e a` recta < A,B > obtemos que P na˜o esta´ entre R e Q. De maneira ana´loga, aplicando esse axioma ao triaˆngulo △PBQ e a` recta < A,C> obtemos que R na˜o esta´ entre P e Q, e aplicando-o a △APR e a < B,C > obtemos que Q na˜o esta´ entre R e Q. 4. Este “lema” aparentemente inofensivo esconde de facto uma se´rie de resultados interme´dios. Primeiro resultado: Se C esta´ entre A e B e M esta´ entre A e C, enta˜o C esta´ entre M e B. s A s M s C s B s L s K s T sR (a) Considera-se um ponto K na˜o incidente na recta < A,B > e um ponto L tal que K fica entre L e B. (b) Como A na˜o esta´ entre C e B, mas K esta´ entre L e B, aplicando o axioma de Pasch ao triaˆngulo △LBC, a recta < A,K > intersecta o segmento LC num ponto T . (c) Note-se que, como C esta´ entre A e B, e L na˜o esta´ entre K e B, aplicando o axioma de Pasch ao triaˆngulo △AKB e a recta < C,L >, deduzimos que esse ponto T tambe´m esta´ entre A e K. (d) Como C na˜o esta´ entre A e M , mas T esta´ entre A e K, aplicando o axioma de Pasch ao triaˆngulo △AKM , a recta < C,L > intersecta o segmentoMK num ponto R. (e) Como R esta´ entre K e M , mas L na˜o esta´ entre K e B, aplicando o axioma de Pasch ao triaˆngulo △MKB, obtemos que a recta < R,L > intersecta o segmento MB. (f) Tem-se que < R,L >=< C,L >, e assim, o ponto de intersec¸a˜o de < R,L > com MB e´ o ponto C. 13 Segundo resultado: Se C esta´ entre A e B e M esta´ entre A e C, enta˜o M esta´ entre A e B. t L t B t A t Q t M tK t C (a) Consideramos um ponto K na˜o incidente na recta < A,C > e um ponto L tal que K esta´ entre L e C. (b) Como M na˜o esta´ entre C e B (pelo resultado anterior sabe-se que C ∈ BM), mas K esta´ entre L e C, aplicando o axioma de Pasch ao triaˆngulo △CLB, a recta < M,K > intersecta o segmento LB num ponto Q. (c) Por outro lado, como M esta´ entre A e C, e K esta´ entre L e C, aplicando a al´ınea 3 ao triaˆngulo △ALC, tem-se que a recta < M,K > na˜o intersecta o segmento AL. (d) Se a recta < M,K > na˜o intersecta o segmento AL, mas intersecta o segmento LB, pelo axioma de Pasch aplicado ao triaˆngulo△ALB, tem-se que < M,K > intersecta o segmento AB. O ponto de intersecc¸a˜o e´ M e assim M ∈ AB. Note-se que, por simetria, tem-se tambe´m que, se C esta´ entre A e B, e M esta´ entre C e B, enta˜o M na˜o esta´ entre A e C, e assim AC ∩ CB = {C} E tambe´m, por simetria, se C esta´ entre A e B e M esta´ entre C e B tem-se que M esta´ entre A e B e assim AC ∪ CB ⊂ AB Terceiro resultado: Sejam M e C entre A e B. Se M esta´ entre C e B tem-se que M ∈ CB ⊂ AC ∪ CB Podemos enta˜o supor que M na˜o esta´ entre entre C e B e usar uma construc¸a˜o ana´loga a` anterior para verificar que M encontra-se enta˜o, obrigatoriamente, entre A e C, pelo que M ∈ AC ⊂ AC ∪ CB donde AB ⊂ AC ∪ CB. 5. Prova-se por reduc¸a˜o ao absurdo supondo que existe um nu´mero finito de pontos inci- dentes no segmento. 14 Exemplo 2.6. Relac¸a˜o “estar entre” no plano afim real No plano afim real (cf 1.2), a seguinte relac¸a˜o “estar entre” verifica o grupo II de axiomas: “dados A, B e C, dizemos que C esta´ entre A e B se −→ AC = λ −−→ AB com λ ∈]0, 1[” Se A e B sa˜o dois pontos de R2, o segmento AB e´ o conjunto: AB = {A+ λ−−→AB : λ ∈ [0, 1]} = {(1− λ)A+ λB : λ ∈ [0, 1]} A partir de agora, chamaremos plano apenas aos planos de incideˆncia que verificam os grupos de axiomas I e II. Definic¸a˜o 2.7. Incidir na mesma semi-recta, incidir no mesmo semi-plano 1. Seja r uma recta incidente num ponto O. Dizemos que dois pontos P e R incidentes em r e distintos de O incidem na mesma semi-recta de r com origem O se P = R ou se O∈/ PR. s P ′ s O s P s R O∈/ PR O ∈ PP ′ 2. Seja r uma recta do plano de incideˆncia. Dados R e P pontos do plano na˜o incidentes em r, dizemos que R e P incidem no mesmo semi-plano definido por r se P = R ou se r na˜o intersectar o segmento PR. sP s P ′ s R r Proposic¸a˜o 2.8 1. Fixadas uma recta r e um ponto O incidente em r, a relac¸a˜o “incidir na mesma semi-recta de r com origem O” e´ uma relac¸a˜o de equivaleˆncia no conjunto dos pontos incidentes em r, distintos de O, que define apenas duas classes de equivaleˆncia. 2. Fixada uma recta r do plano, a relac¸a˜o “incidir no mesmo semi-plano definido por r” e´ uma relac¸a˜o de equivaleˆncia no conjunto dos pontos do plano na˜o incidentes em r que define apenas duas classes de equivaleˆncia. 15 (Demonstrac¸a˜o) 1. A relac¸a˜o e´ reflexiva por definic¸a˜o e sime´trica por 2.3. Para verificar a transitividade, use o lema fundamental. Finalmente, note-se que existem B e B′ tais que O ∈ BB′. Usando o lema fundamental, se X e´ um ponto da recta, tem-se uma e uma so´ das possibilidades seguintes: incide na mesma semi-recta de origem O que B ou X incide na um ponto mesma semi-recta de origem O que B′) 2. De novo, a reflexividade e simetria sa˜o directas. A transitividade deduz-se do axioma de Pasch, se os pontos formam triaˆngulo, ou do lema fundamental, se os pontos sa˜o colineares. Finalmente, note-se que existem P e P ′ na˜o incidentes em r tais que a recta r intersecta o segmento PP ′. Se R for um ponto do plano na˜o incidente em r, usando o lema funda- mental ou a al´ınea 3 do teorema 2.5, tem-se uma e uma so´ das possibilidades seguintes: r intersecta PR ou r intersecta P ′R. Definic¸a˜o 2.9. Semi-rectas, semi-planos 1. Sejam r uma recta e O um ponto incidente em r. Chamamos semi-recta definida em r de origem O a cada uma das duas classes de equivaleˆncia para a relac¸a˜o definida em 2.7, al´ınea 1. Dado um ponto P distinto de O, designar-se-a´ por [O,P > a classe de equivaleˆncia de P e diremos que [O,P > e´ a semi-recta de origem O incidente em P . s O s P r+ Para simplificar as notac¸o˜es e se na˜o houver ambiguidade, as duas classes de equivaleˆncia definidas numa recta r por um ponto O designar-se-a˜o as vezes por r+ e r−. Diremos que r+ e r− sa˜o semi-rectas opostas e que a recta r e´ a recta suporte das semi-rectas. r+ s O r− 2. Seja r uma recta do plano. Chamamos semi-plano definido por r a cada uma das duas classes de equivaleˆncia para a relac¸a˜o definida em 2.7, al´ınea 2. Dado um ponto P na˜o incidente em r, designar-se-a´ por HP a classe de equivaleˆncia de P e diremos que HP e´ o semiplano definido por r que incide em P . 16 Proposic¸a˜o 2.10 Incideˆncia de semi-rectas e semi-planos Sejam h e r duas rectas distintas do plano incidentes num ponto O. Dois pontos A e A′ de r, distintos de O, incidem na mesma semi-recta definida em r de origem O se e so´ se incidem no mesmo semi-plano definido por h. s O r− s A s A′ r+ h sO r− s A s A′ r+ h Por outras palavras, nas condic¸o˜es da proposic¸a˜o, os pontos incidentes numa semi-recta incidem no mesmo semi-plano e os pontos incidentes em semi-rectas opostas incidem em semi-planos opostos. (Demonstrac¸a˜o) r e h distintas portanto o u´nico ponto que poderia incidir em AA′ e h e´ precisamente O. Aplicar II-3 e < A,A′ > =/ h. Definic¸a˜o 2.11. Aˆngulo Sejam r e r′ duas rectas distintas incidentes num ponto O, P e P ′ dois pontos distintos de O e incidentes, respectivamente, em r e r′. Chamamos aˆngulo definido por P , O e P ′ e designamos por ∠POP ′ a` intersecc¸a˜o do semiplano definido por r que incide em P ′ e o semiplano definido por r′ que incide em P . r O r r′ r P r P ′ Note-se que esta definic¸a˜o e´ sime´trica em relac¸a˜o ao P e P ′, isto e´, ∠POP ′ = ∠P ′OP. Proposic¸a˜o 2.12 Sejam r e r′ duas rectas distintas incidentes num ponto O. Sejam P e R dois pontos incidentes em r, P ′ e R′ dois pontos incidentes em r′ tais que P e R esta˜o na mesma semi-recta definida por O e P ′ e R′ esta˜o na mesma semi-recta definida por O, enta˜o: ∠POP ′ = ∠ROR′ r O r r′ r P r R r R′ r P ′ (Demonstrac¸a˜o) Directa a partir da proposic¸a˜o 2.10.17 Definic¸a˜o 2.13. Aˆngulo de duas semi-rectas Dadas duas semi-rectas h+ e r+ de origem um ponto O, com suportes distintos, definimos o aˆngulo formado por h+ e r+ e designamos por ∠{h+, k+} como ∠{h+, k+} = ∠POP ′ sendo P , P ′, pontos quaisquer das semi-rectas h+ e k+, respectivamente. s O s P s h+ P ′ k+ Os pontos de ∠{h+, k+} sa˜o chamados pontos interiores ao aˆngulo. Nota 2.14. Os aˆngulos que foram definidos aqui (aˆngulos geome´tricos) sa˜o subconjuntos do conjunto PP de pontos do plano. Note-se que na˜o sa˜o considerados como aˆngulos geome´tricos os “aˆngulos rasos”, so´ aˆngulos entre semi-rectas com suportes distintos. Definic¸a˜o 2.15. Aˆngulos suplementares, aˆngulos verticalmente opostos • Dado um aˆngulo ∠{h+, k+}, chama-se aˆngulo suplementar de ∠{h+, k+} ao aˆngulo for- mado por uma das semi-rectas do aˆngulo ∠{h+, k+} e a semi-recta oposta a` outra recta. Por definic¸a˜o, qualquer aˆngulo ∠{h+, k+} tem dois aˆngulos suplementares: ∠{h+, k−} e ∠{h−, k+}. s k+k− h+ h− • Dado um aˆngulo ∠{h+, k+}, chama-se aˆngulo verticalmente oposto ao aˆngulo formado pelas semi-rectas opostas a h+ e k+, ∠{h−, k−}. s k+k− h+ h− 18 Proposic¸a˜o 2.16 Aˆngulos e semi-rectas Sejam h+ e k+ duas semi-rectas de origem O, com suportes distintos, h e k, respectivamente. 1. Um ponto P do plano, na˜o incidente em h ou k, e´ interior a um e um so´ dos seguintes aˆngulos: ∠{h+, k+} ∠{h−, k+} ∠{h+, k−} ∠{h−, k−} s k+k− h+ h− O 2. Se um ponto P e´ interior ao aˆngulo ∠{h+, k+}, todos os pontos da semi-recta r+ de origem O e incidente em P sa˜o interiores ao dito aˆngulo. s O h+ s P k+ 3. Se uma semi-recta com origem O e´ interior ao aˆngulo ∠{h+, k+}, a semi-recta oposta e´ interior ao aˆngulo verticalmente oposto ∠{h−, k−}. s r+r− h+ k+h− O k− 4. Se uma semi-recta r+, com suporte r e origem O, e´ interior ao aˆngulo ∠{h+, k+}, as semi-rectas h+ e k− incidem no mesmo semi-plano definido por r. 5. Se uma semi-recta r+, com suporte r e origem O, e´ interior ao aˆngulo ∠{h+, k+}, as semi-rectas h+ e k+ incidem em semi-planos opostos definidos por r. 19 (Demonstrac¸a˜o) 1. Directa da definic¸a˜o. 2. Directa a partir da proposic¸a˜o 2.10. 3. Directa a partir da proposic¸a˜o 2.10. 4. Como r+ e´ interior ao aˆngulo ∠{h+, k+}, as semi-rectas r+ e k+ incidem no mesmo semi- plano definido por h e assim r+ e k− incidem em semi-planos opostos definidos por h. Portanto, dados dois pontos S ∈ k− e R ∈ r+, distintos de O, a recta h intersecta o segmento SR num ponto T . s T s s R s S r+ h+ k+ O k− Note-se que o segmento TR na˜o intersecta a recta k (se intersectar seria no ponto S e S∈/ TR) e portanto T e R incidem no mesmo semi-plano definido por k. Como R ∈ r+, e r+ e h+ incidem no mesmo semi-plano definido por k, obte´m-se que T incide, de facto, na semi-recta h+. Recorde-se que R∈/ ST , por tanto S e T incidem no mesmo semi-plano definido por r, e assim, k− e h+ incidem no mesmo semi-plano definido por k. 5. Directa a partir da al´ınea anterior e da proposic¸a˜o 2.10. Exerc´ıcios 2.17. 1. Complete as demonstrac¸o˜es das proposic¸o˜es e teoremas enunciados. 2. As semi-rectas sa˜o conjuntos infinitos? 3. Prove que as diagonais de um quadrila´tero convexo se intersectam num u´nico ponto. 4. Prove que a relac¸a˜o “estar entre” no plano afim real definida em 2.6 verifica efectivamente o grupo II de axiomas. 5. Prove a seguinte caracterizac¸a˜o de paralelismo Duas rectas distintas sa˜o paralelas se e so´ se todos os pontos incidentes numa delas incidem no mesmo semi-plano definido pela outra. 6. Seja r uma recta de um plano de incideˆncia que verifica os grupos de axiomas I e II. Sejam O e I dois pontos distintos e incidentes com r e r+ a semi-recta de origem O e incidente em I. Sejam X e Y pontos incidentes com a recta r • se X ∈ r+ ou X = O e Y ∈ r− ou Y = 0, dizemos que Y e´ menor o igual que X; • se X,Y ∈ r+ e Y ∈ OX dizemos que Y e´ menor o igual que X; • se X,Y ∈ r− e X ∈ OY dizemos que Y e´ menor o igual que X. Prove que esta relac¸a˜o “menor ou igual” e´ uma relac¸a˜o de ordem total no conjunto dos pontos incidentes com r. 20 3 Axiomas de congrueˆncia Considere-se um plano de incideˆncia que verifique os axiomas dos grupos I e II e tal que esta˜o definidas duas relac¸o˜es de equivaleˆncia1, chamadas relac¸o˜es de congrueˆncia e designadas por ≡, no conjunto dos segmentos do plano e no conjunto dos aˆngulos do plano. III. Axiomas de congrueˆncia. III-1 (Transporte de segmentos) Sejam A e B dois pontos incidentes numa recta r; e seja A′ um ponto incidente numa recta r′ na˜o necessariamente distinta de r. Enta˜o, em qualquer das semi-rectas definidas em r′ pelo ponto A′ existe um e um so´ ponto B′ tal que o segmento AB e´ congruente com o segmento A′B′. s A s B ′′ r r′B′2 A ′ B′1 s s s′′ ′′ III-2 (Soma de segmentos) Sejam A, B, C, A′, B′ e C ′ tais que B esta´ entre A e C e B′ esta´ entre A′ e C ′. Se AB ≡ A′B′ e BC ≡ B′C ′ enta˜o AC ≡ A′C ′ s A s B ′′ s C ′ A′ B′ C ′ s s s′′ ′ III-3 (Transporte de aˆngulos) Consideremos um aˆngulo ∠{h+, k+}, uma recta r, um dos semi- planos H definido por r, um ponto O′ de r e finalmente uma das semi-rectas r+ definidas em r por O′, Enta˜o, existe no semi-plano fixado uma e uma so´ semi-recta m+ de origem O′ tal que ∠{h+, k+} ≡ ∠{r+,m+} e tal que os pontos de ∠{r+,m+} incidem no semi-plano fixado. r O h+ k+ r O′ m+ r+ m′+ 1Na axioma´tica de Hilbert NA˜O e´ exigido que sejam relac¸o˜es de equivaleˆncia [7], prova-se posteriormente. 21 III. Axiomas de congrueˆncia. III-4 Sejam A, B e C treˆs pontos na˜o colineares e A′, B′ e C ′ treˆs pontos tambe´m na˜o colineares. Se AB ≡ A′B′, AC ≡ A′C ′ e ∠CAB ≡ ∠C ′A′B′, tem-se ∠ABC ≡ ∠A′B′C ′ e ∠BCA ≡ ∠B′C′A′ sB r s A upslopeupslopeupslope s C sB′ r sA′ −−− sC ′ Nota 3.1. Note-se que, num plano de incideˆncia que verifique os axiomas I, II e III se tem: 1. Dados treˆs pontos A, B1 e B2 do plano, se AB1 ≡ AB2 e B1 e B2 incidem na mesma semi-recta de origem A, enta˜o B1 = B2 (axioma III-1) 2. Dados quatro pontos A, B, C1 e C2, se ∠C1AB ≡ ∠C2AB e C1 e C2 incidem no mesmo semi-plano definido pela recta < A,B >, enta˜o A, C1 e C2 sa˜o colineares e incidem na mesma semi-recta de origem A(axioma III-3) A partir de agora, chamaremos plano aos planos de incideˆncia que verificam os grupos de axiomas I, II e III. Proposic¸a˜o 3.2. Diferenc¸a de segmentos Sejam A, B e C treˆs pontos tais que B esta´ entre A e C e outros treˆs pontos A′, B′ e C ′ tais que B′ e C ′ esta˜o numa semi-recta de origem A′. Se AB ≡ A′B′ e AC ≡ A′C ′, enta˜o B′ esta´ entre A′ e C ′ e BC ≡ B′C ′ (Demonstrac¸a˜o) Considerar o ponto C ′′ na semi-recta oposta a` semi-recta de origem B′ e incidente em A′ que verifica BC ≡ B′C ′′. Por III-2 tem-se que AC ≡ A′C ′′, e como AC ≡ A′C ′ obtemos A′C ′ ≡ A′C ′′. Como C ′ e C ′′ incidem na mesma semi-recta de origem A′ tem-se que C ′=C ′′. 22 Definic¸a˜o 3.3. Aˆngulos internos de um triaˆngulo Seja ∆ABC um triaˆngulo. Os aˆngulos ∠ABC, ∠BCA e ∠CAB sa˜o chamados aˆngulos internos do triaˆngulo. sB s A s C Definic¸a˜o 3.4. Congrueˆncia de triaˆngulos Dizemos que dois triaˆngulos ∆ABC e ∆A′B′C ′ sa˜o congruentes quando sa˜o congruentes os lados e os aˆngulos internos, isto e´, AB ≡ A′B′ BC ≡ B′C ′ CA ≡ C ′A′ ∠ABC ≡ ∠A′B′C ′ ∠BCA ≡ ∠B′C ′A′ ∠CAB ≡ ∠C ′A′B′ Se ∆ABC e ∆A′B′C ′ forem congruentes, escrevemos ∆ABC ≡ ∆A′B′C ′. sB r s A upslopeupslopeupslope s Crr sB′ r sA′ −−− sC ′ upslopeupslope Teorema 3.5. Crite´rios de congrueˆncia de triaˆngulos Sejam ∆ABC, ∆A′B′C ′ dois triaˆngulos. 1. Caso LAL (lado, aˆngulo, lado) Se AB ≡ A′B′, AC ≡ A′C ′ e ∠CAB≡ ∠C ′A′B′, os triaˆngulos ∆ABC e ∆A′B′C ′ sa˜o congruentes. sB r s A upslopeupslopeupslope s C sB′ r sA′ −−− sC ′ 23 2. Caso ALA (aˆngulo, lado, aˆngulo) Se ∠CAB ≡ ∠C ′A′B′, ∠ABC ≡ ∠A′B′C ′ e AB ≡ A′B′ , os triaˆngulos ∆ABC e ∆A′B′C ′ sa˜o congruentes. sB r s A s C sB′ r sA′ sC ′ (Demonstrac¸a˜o) 1. (Crite´rio LAL) Sejam △ABC e △A′B′C ′ nas condicc¸o˜es indicadas. Pelo axioma III-4 tem-se que ∠ABC ≡ ∠A′B′C ′ e ∠BCA ≡ ∠B′C′A′ So´ falta provar que BC ≡ B′C ′. sB r s A upslopeupslopeupslope s Ct B1 sB′ r sA′ −−− sC ′ Considere-se, aplicando III-1, um ponto B1 na semi-recta de origem C e incidente em B tal que B1C ≡ B′C ′. Aplicando o axioma III-4 aos triaˆngulos △AB1C e △A′B′C ′ obtemos ∠AB1C ≡ ∠A′B′C ′ ∠B1AC ≡ ∠B′A′C ′ donde ∠BAC ≡ ∠B1AC. Como B e B1 incidem na mesma semi-recta de origem C, B e B1 incidem no mesmo semi-plano definido por < A,C > (proposic¸a˜o 2.10). Aplicando III-3, deduz-se que B e B1 incidem na mesma-semi recta de origem A. B1 incide enta˜o em < A,B > e em < B,C > logo B1 = B. 24 2. (Crite´rio ALA) Sejam △ABC e △A′B′C ′ nas condic¸o˜es indicadas. Considere-se, usando III-1, um ponto C1 na semi-recta de origem A e incidente em C tal que AC1 ≡ A′C ′ sB r s A t C1upslopeupslopeupslope s C sB′ r sA′ −−− sC ′ Aplicando o crite´rio LAL, tem-se que os triaˆngulos △ABC1 e △A′B′C ′ sa˜o congruentes, em particular ∠ABC1 ≡ ∠A′B′C ′ donde ∠ABC1 ≡ ∠ABC. Por argumentos ana´logos a` al´ınea anterior, tem-se que C1 e C incidem na mesma semi-recta de origem B. Assim C1 incide em < B,C > e em < A,C > logo C1 = C. Teorema 3.6 A congrueˆncia respeita a diferenc¸a de aˆngulos Sejam h+, r+ e k+ (respectivamente h ′ +, r ′ +, k ′ +) treˆs semi-rectas de origem O (respectivamente O′) com suportes distintos e tais que os pontos incidentes na semirecta r+ sa˜o interiores ao aˆngulo ∠{k+, h+}. Suponha-se ainda que h′+ e r′+ incidem no mesmo semi-plano definido por k′. Se ∠{k+, r+} ≡ ∠{k′+, r′+} e ∠{k+, h+} ≡ ∠{k′+, h′+} enta˜o r′+ e´ interior ao aˆngulo ∠{k′+, h′+} e ∠{r+, h+} ≡ ∠{r′+, h′+} r r+ k+ h+ O r r′+ k′+ h′+ O′ 25 (Demonstrac¸a˜o) Considere-se um ponto A na semi-recta h+, um ponto B na semi-recta k+, um ponto A ′ na semi-recta h′+ e um ponto B ′ na semi-recta k′+ tais que OA ≡ O′A′′ e OB ≡ O′B′. r O h+ r+ k+ r A r B r O′ h′+ r′+ k′+ r A′ r B′ Note-se que, por LAL, △OAB ≡ △O′A′B′ O teorema deduz-se directamente dos lemas indicados de seguida, cuja demonstrac¸a˜o sera´ indicada ao final: Lema I Existe um ponto R incidente no segmento AB e na semi-recta r+ Lema II Existe um ponto R′ incidente no segmento A′B′ e tal que △ORB ≡ △O′R′B′ e △ORA ≡ △O′R′A′ Lema III O ponto R′ incide na semi-recta r′+ r O h+ r+ k+ r A r B r R r O′ h′+ r′+ k′+ r A′ r B′ R′ r Observe-se que, pelo lema III ∠{r′+, h′+} = ∠R′O′B′, e, pelo lema II, como ∠R′O′A′ ≡ ∠ROA obtemos ∠{r′+h′+} ≡ ∠{r+h+} Note-se que r′+ e´ interior ao aˆngulo ∠{k′+, h′+} porque R′ e´ interior a esse aˆngulo (lema II) e podemos aplicar a proposic¸a˜o 2.16. 26 Provemos agora os resultados anunciados: • Lema I: r O h+ r+ k+ r A r B r R As semi-rectas h+ e k+ incidem em semi-planos opostos definidos por r (proposic¸a˜o 2.16) e portanto existe R incidente em r tal que R ∈ AB. Tem-se enta˜o que R e A incidem no mesmo semiplano definido por k e que R e B incidem no mesmo semi-plano definido por h. O ponto P e´ interior ao triaˆngulo logo P ∈ r+ (pela proposic¸a˜o 2.16 na˜o pode incidir em r−). • Lema II: r O h+ r+ k+ r A r B r R r O′ h′+ r′+ k′+ r A′ r B′ R′ r Seja R′ o ponto na semi-recta de origem B′ e incidente em A′ que verifica RB ≡ R′B′. Usando a proposic¸a˜o 3.2, sabemos que R′ esta´ entre A′ e B′ e que A′R′ ≡ AR. R′ e A′ incidem assim na mesma semi-recta de origem B′ e tem-se ∠O′B′R′ ≡ ∠O′B′A′ ≡ ∠OBA ≡ ∠OBR Como R′ e B′ incidem na mesma semi-recta de origem A′, tem-se ∠O′A′R′ ≡ ∠O′A′B′ ≡ ∠OAB ≡ ∠OAR Aplicando o crite´rio LAL aos triaˆngulos △O′B′R′ e △OBR e aos triaˆngulos △O′A′R′ e △OAR obtemos △ORB ≡ △O′R′B′ e △ORA ≡ △O′R′A′ • Lema III: A semi-recta r′+ e o ponto R ′ incidem no mesmo semi-plano definido por k e enta˜o, por III-3, a semi-recta de origem O′ e incidente em R′ e´ igual a` semi-recta r′+, logo R ′ ∈ r′+. 27 Corola´rio 3.7 A congrueˆncia respeita a soma de aˆngulos Sejam h+, r+ e k+ (respectivamente h ′ +, r ′ +, k ′ +) treˆs semi-rectas de origem O (respectivamente O′) com suportes distintos e tais que os pontos incidentes na semirecta r+ (respectivamente na semirecta r′+) sa˜o interiores ao aˆngulo ∠{h+, k+} (respectivamente ao aˆngulo ∠{h′+, k′+}). r O h+ r+ k+ r O′ h′+ r′+ k′+ Enta˜o: ∠{h+, r+} ≡ ∠{h′+, r′+} ∠{r+, k+} ≡ ∠{r′+, k′+} } =⇒ ∠{h+, k+} ≡ ∠{h′+, k′+} (Demonstrac¸a˜o) Considere-se, usando III-3, uma semi-recta h′′+ incidente no mesmo semi-plano definido por k ′ que r′+ e tal que ∠{h+, k+} ≡ ∠{h′′+, k′+} Aplica-se o teorema 3.6 e o axioma III-3 para deduzir que h′+ = h ′′ +. Proposic¸a˜o 3.8 Se dois aˆngulos sa˜o congruentes qualquer dos suplementares de um deles e´ congruente com qualquer dos suplementares do outro. Em particular, dois aˆngulos verticalmente opostos sa˜o congruentes. (Demonstrac¸a˜o) Sejam h+, r+ semi-rectas de origem O e h ′ + e r ′ + semi-rectas de origem O ′ tais que ∠{h+, r+} ≡ ∠{h′+, r′+} Considerem-se pontos A ∈ r+, A′ ∈ r′+, B ∈ h+, B′ ∈ h′+, C ∈ r− e C ′ ∈ r− tais que OA ≡ O′A′ OB ≡ O′B′ OC ≡ O′C ′ r C r O h+ r+ r B r A r C ′ r O′ h′+ r′+ r B′ r A′ Usando o crite´rio LAL, obtemos que △ABO ≡ △A′B′O′, em particular ∠OAB ≡ ∠O′A′B′ e AB ≡ A′B′. Aplicando o axioma III-2 e o crite´rio LAL obtemos enta˜o que △CAB ≡ △C ′A′B′, e, de novo por LAL, que △COB ≡ △C ′O′B′, donde ∠{r−, h+} ≡ ∠COB ≡ ∠C ′O′B′ ≡ ∠{r′−, h′+} 28 Definic¸a˜o 3.9. Aˆngulos rectos, rectas perpendiculares • Dizemos que um aˆngulo e´ recto se foˆr congruente com qualquer um dos seus suplementares. • Dizemos que duas rectas saˆo perpendiculares se incidem num ponto O e se o aˆngulo de ve´rtice O e cujos lados teˆm como suporte essas rectas e´ recto. Atenc¸a˜o! Note-se que noc¸a˜o de aˆngulo recto esta´ bem definida por causa da proposic¸a˜o 3.8. Ainda, da proposic¸a˜o 3.8, podemos concluir que se um aˆngulo for congruente com um aˆngulo recto enta˜o e´ recto. Mas ainda na˜o foi provado que dois aˆngulos rectos quaisquer sa˜o congruentes. Proposic¸a˜o 3.10 Consequeˆncias dos axiomas de incideˆncia, ordem e congrueˆncia 1. (O teorema do triaˆngulo iso´sceles ) Num triaˆngulo ∆ABC tem se AC ≡ BC se e so´ se ∠ABC ≡ ∠CAB. ′′ ′′C B A C B A ⇐⇒ 2. (Existeˆncia de aˆngulos rectos e perpendicular) Seja r uma recta e P um ponto do plano. Existe uma recta perpendicular a r e incidente em P . Em particular, existem aˆngulos rectos. 3. (O IV Postulado de Euclides) Todos os aˆngulos rectos sa˜o congruentes. 4. (Unicidade da perpendicular) Seja r uma recta e P um ponto do plano. Existe uma u´nica recta perpendicular a r e incidente em P . 5. (Caso LLL de congrueˆncia de triaˆngulos) Se AB ≡ A′B′, BC ≡ B′C ′ e CA ≡ C ′A′, os triaˆngulos ∆ABC e ∆A′B′C ′ sa˜o congru- entes. sB r s A upslopeupslopeupslope s Crr sB′ r sA′ −−− sC ′ upslopeupslope 29 (Demonstrac¸a˜o) 1. (O teorema do triaˆngulo iso´sceles ) Num triaˆngulo ∆ABC tem se AC ≡ BC se e so´ se ∠ABC ≡ ∠CAB. ′′ ′′C B A C B A ⇐⇒ Aplicar o crite´rio LAL aos triaˆngulos △BCAe △ACB. Para o rec´ıproco, aplicar o crite´rio ALA aos triaˆngulos △BCA e △ACB. 2. (Existeˆncia de aˆngulos rectos e perpendicular) Suponha-se, em primeiro lugar, que o ponto P na˜o incide na recta r e considerem-se O e A pontos incidentes em r. Usando o axioma III-3 e o axioma III-1, podemos definir um ponto Q, no semi-plano oposto definido por r e incidente em P , tal que ∠POA ≡ ∠AOQ e OP ≡ OQ s O r s P s Q s A′ s A Seja A′ o ponto de incideˆncia do segmento PQ com a recta r. Ha´ duas possibilidades: A′ = O ou A′=/ O. No primeiro caso, os pontos P , O e Q sa˜o colineares e enta˜o a recta < P,Q > e´ perpendicular a r. No segundo caso podemos aplicar LAL para deduzir que △POA′ ≡ △QOA′ (se A′ incidir na semi-recta oposta ao ponto A aplica-se a proposic¸a˜o 3.8) donde ∠PA′O ≡ ∠QA′O e por tanto ∠PA′O e´ recto. Finalmente, se P incidir na recta r, podemos considerar um ponto P ′ na˜o incidente em r e usar o racioc´ınio anterior para construir uma perpendicular a r incidente em P ′. Pelo axioma III-3 e pela proposic¸a˜o 3.8, existira´ uma perpendicular a r em P . 30 3. (O IV Postulado de Euclides) Suponha-se que existem semi-rectas h+, r+, h ′ +, r ′ + tais que ∠{h+, r+} e ∠{h′+, r′+} sa˜o rectos. Pelo axioma III-1, existe uma semi-recta h′′+ no semi-plano definido por r e incidente em h+ tal que ∠{h′′+, r+} ≡ ∠{h′+, r′+} E´ preciso provar que h′′+ = h+ e assim ∠{h+, r+} = ∠{h′′+, r+} ≡ ∠{h′+, r′+} Podemos supor as semi-rectas h+ e r+ no mesmo semi-plano definido por h ′′. r+ h′′+ h+ s C s A ′′ s B ′′ sC ′ s O Seja O a origem destas semi-rectas, por III-1, existe um ponto A na semi-recta r− e um ponto B na semi-recta r+ tais que OB ≡ OA. Fixado C ∈ h+, existe um ponto C ′ incidente na semi-recta h′′+ e no segmento AC (proposic¸a˜o 2.16 e consequeˆncias). Note-se que C e C ′ incidem no mesmo semi-plano definido por r. Como ∠C ′OB e´ recto, aplicando LAL obtemos △AOC ′ ≡ △C ′OB. Analogamente, como ∠COB e´ recto, obtemos que △AOC ≡ △COB. Em particular ∠C ′AO ≡ ∠C ′BO ∠CAO ≡ CBO Mas C ′ e C incidem na mesma-semirecta de origem A donde ∠CAO = ∠C ′AO e assim ∠C ′BO ≡ ∠CBO Pelo axioma III-3, C e C ′ incidem tambe´m na mesma semi-recta de origem B. Em particular, C ′ incide na recta < A,C > e na recta < B,C > donde C = C ′ e assim h+ = h ′′ + 31 4. (Unicidade da perpendicular por um ponto dado) Sejam r uma recta e P um ponto do plano. Se P incidir em r, pelo axioma III-3 e a al´ınea anterior, existe uma u´nica perpendicular a r incidente em P . Suponhamos que P na˜o incide na recta r e que existem duas perpendiculares a r, s e s′, incidentes em P . Sejam K e K ′ os pontos de incideˆncia de s e s′, respectivamente, com r. Seja A um ponto da recta r tal que K ∈ AK ′. r s′ s s A sP s K s K ′ s P ′′ s P ′ = = − − Definimos dois pontos P ′, P ′′, incidentes, respectivamente, nas semi-rectas de origem K ′ e K opostas a P e verificando PK ′ ≡ K ′P ′′ e PK ≡ KP ′. E´ preciso provar que P ′ = P ′′. Note-se que, pelo crite´rio LAL, tem-se △APK ′ ≡ △AP ′K ′ e △APK ≡ △AP ′′K Em particular AP ′ ≡ AP ≡ AP ′′ Por outro lado, P ′ e P ′′ incidem no mesmo semi-plano definido por r e verificam ∠P ′′AK ′ ≡ ∠PAK ′ ≡ PAK ≡ P ′AK portanto, por III-3, P ′ e P ′′ incidem na mesma semi-recta de origem A e por III-1 tem-se P ′ = P ′′. 32 5. (Caso LLL de congrueˆncia de triaˆngulos) Se AB ≡ A′B′, BC ≡ B′C ′ e CA ≡ C ′A′, os triaˆngulos ∆ABC e ∆A′B′C ′ sa˜o congru- entes. rB r r A r A′′ upslopeupslopeupslope r Crr rB′ r rA′ −−− rC ′ upslopeupslope Define-se um ponto A′′ no semi-plano definido por < B,C >, oposto ao ponto A e tal que △A′′BC ≡ △A′B′C ′ (usar axiomas III-3 e III-1 e o crite´rio LAL). Seja K o ponto de incideˆncia do segmento AA′′ a recta < B,C >. Os triaˆngulos △ABA′′ e △ACA′′ sa˜o iso´sceles, donde ∠BAK ≡ ∠BA′′K ∠KAC ≡ ∠KA′′C Note-se que ha´ duas possibilidades: o ponto K incide no segmento BC ou K na˜o incide no segmento BC. rB r r A r A′′ r K upslopeupslopeupslope r Crr rB r A r A′′ r CrK rr No primeiro caso, usando a proposic¸a˜o 3.7 obtemos que ∠BAC ≡ BA′′C e enta˜o, pelo crite´rio ALA, obtemos △ABC ≡ △A′′BC ≡ △A′B′C ′ No segundo caso, podemos supor B ∈ KC e aplicar enta˜o o corola´rio 3.6. 33 Definic¸a˜o 3.11. Comparac¸a˜o de segmentos e de aˆngulos • Sejam AB e CD dois segmentos de um plano. Seja B1 o ponto incidente na semi-recta de origem C e incidente em C que verifica AB ≡ CB1. Dizemos que o segmento AB e´ menor que o segmento CD e escrevemos AB < CD se B1 esta´ entre C e D. r r r r A B C D r B1 • Sejam ∠{h+, k+} e ∠{m+, n+} dois aˆngulos do plano. Seja k˜+ a semi-recta incidente no mesmo semi- plano definido por m que n+ que verifica ∠{h+, k+} ≡ ∠{m+, k˜+} Dizemos que o aˆngulo ∠{h+, k+} e´ menor que o aˆngulo ∠{m+, n+} e escrevemos ∠{h+, k+} < ∠{m+, n+} se k˜+ e´ interior ao aˆngulo ∠{m+, n+} r k+ h+ r k˜+ m+ n+ Teorema 3.12 Propriedades da comparac¸a˜o de segmentos e de aˆngulos. 1. Sejam AB, A′B′, CD e C ′D′ segmentos do plano tais que AB ≡ A′B′ e CD ≡ C ′D′. Se AB < CD enta˜o A′B′ < C ′D′. 2. Sejam ∠{h+, k+}, ∠{h′+, k′+}, ∠{m+, n+} e ∠{m′+, n′+} aˆngulos do plano tais que ∠{h+, k+} ≡ ∠{h′+, k′+} ∠{m+, n+} ≡ ∠{m′+, n′+}. Se ∠{h+, k+} < ∠{m+, n+} enta˜o ∠{h′+, k′+} < ∠{m′+, n′+}. 3. Sejam AB e CD dois segmentos do plano. Tem-se uma e uma so´ das seguintes possibi- lidades: AB < CD AB ≡ CD CD < AB 4. Sejam ∠{h+, k+} e ∠{m+, n+} dois aˆngulos do plano. Tem-se uma e uma so´ das seguintes possibilidades: ∠{h+, k+} < ∠{m+, n+} ∠{h+, k+} ≡ ∠{m+, n+} ∠{m+, n+} < ∠{h+, k+} 5. As relac¸o˜es definidas sa˜o transitivas. 34 (Demonstrac¸a˜o) 1. Sejam B1 e B ′ 1 os pontos nas semi-rectas de origem C e C ′ incidentes nos pontos D e D′, respectivamente, que verificam AB ≡ CB1 e A′B′ ≡ C ′B′1 Note-se que, como AB ≡ A′B′ tem-se CB1 ≡ C ′B′1 Por hipo´tese CD ≡ C ′D′ e B1 entre C e D. Pela proposic¸a˜o 3.2, tem-se que B′1 esta´ entre C ′ e D′, logo A′B′ < C ′D′. r r r r A B C D r B1 r r r r A′ B′ C D′ r B′1 2. Sejam k˜+ e k˜ ′ + as semi-rectas nos semi-planos definidos por m e m ′ incidentes em n+ e n′+, respectivamente, que verificam ∠{m+, k˜+} ≡ ∠{h+, k+} e ∠{m′+, k˜′+} ≡ ∠{h′+, k′+} r k+ h+ r k˜+ m+ n+ r k′+ h′+ r k˜′+ m′+ n′+ Note-se que ∠{m+, k˜+} ≡ ∠{m′+, k˜′+} e, por hipo´tese, que k˜+ e´ interior ao aˆngulo ∠{m+, n+}. O resultado deduz-se do teorema 3.6. 35 3. Seja B1 o ponto na semi-recta de origem C tal que AB ≡ CB1. Suponhamos que na˜o se tem AB ≡ CD nem AB < CD. Por hipo´tese, o ponto B1 na˜o pertence ao segmento CD. Tem-se que D esta´ entre C e B1. r r r r r A B C D B1 r r r r A B C D r D1 Considere-se o pontoD1 incidente na semi-recta de origem A e incidente em B que verifica AD1 ≡ CD. Pela proposic¸a˜o 3.2, D1 esta´ entre A e B e portanto CD < AB 4. Suponha-se que ∠{h+, k+} na˜o e´ menor nem congruente com o aˆngulo ∠{m+, n+}. Seja k˜+ a semi-recta no semi-plano definido porm e incidente em n+ que verifica ∠{m+, k˜+} ≡ ∠{h+, k+}. Nas hipo´teses indicadas, pela proposic¸a˜o 2.16, a semi-recta n+ deve ser interior ao aˆngulo ∠{m+, k˜+}. r n˜+ h+ k+ r n+ m+ k˜+ Considere-se enta˜o, no semi-plano definido por h e incidente em k+, a semi-recta n˜+ que verifica ∠{h+, n˜+} ≡ ∠{m+, n+} Usando o lema 3.6, obtem-se que n˜+ e´ interior ao aˆngulo ∠{h+, k+} donde ∠{m+, n+} < ∠{h+, k+} 5. Aplicar a proposic¸a˜o 3.2 e lema fundamental para a comparac¸a˜o de segmentos. Usar o lema 3.6 para a comparac¸a˜o de aˆngulos. Nota 3.13. A partir do teorema anterior, se AB < CD, tem-se tambe´m AB < DC, BA < CD ... ja´ que AB ≡ BA, CD ≡ DC ...Note-se que estes resultados na˜o eram, a priori, evidentes, pois na definic¸a˜o da comparac¸a˜o e´ feita uma construc¸a˜o que passa por uma determinada ”escolha” dos pontos. E analogamente para os aˆngulos ... 36 Definic¸a˜o 3.14. Aˆngulos agudos, obtusos Um aˆngulo diz-se obtuso se for maior que o seu suplementar. Um aˆngulo diz-se agudo se for menor que o seu suplementar. Proposic¸a˜o 3.15. Um aˆngulo obtuso e´ maior que um aˆngulo recto. Um aˆngulo agudo e´ menor que um aˆngulo recto. (Demonstrac¸a˜o) Seja ∠{h+, k+} um aˆngulo obtuso, isto e´ ∠{h−, k+} < ∠{h+, k+} Seja m+ a semi-recta no semi-plano definido por h e incidente em k+ tal que ∠{h+,m+} e´ recto. h− h+ m+ k+ Se ∠{h+, k+} < ∠{h+,m+} tem-se que k+ e´ interior ao aˆngulo ∠{h+,m+} e portanto m+ e´ interior ao aˆngulo ∠{h−, k+} donde ∠{h−,m+} < ∠{h−, k+} Mas, como ∠{h+,m+} ≡ ∠{h−,m+} tem-se tambe´m ∠{h+, k+} < ∠{h+,m+} ≡ ∠{h−,m+} donde ∠{h+, k+} < ∠{h−, k+} (absurdo). A demonstrac¸a˜o da segunda afirmac¸a˜o e´ ana´loga (note-se que sa˜o rec´ıprocas uma da outra) Definic¸a˜o 3.16. Aˆngulo exterior de um triaˆngulo Seja△ABC um triaˆngulo do plano. Os aˆngulos suplementares aos aˆngulos internos do triaˆngulo sa˜o chamados aˆngulos exteriores do triaˆngulo. s A s C s B Teorema 3.17 O Teorema do aˆngulo exterior Seja △ABC um triaˆngulo do plano. Cada aˆngulo exterior e´ maior que os aˆngulos interiores que na˜o lhe sa˜o suplementares. 37 s A s C s B (Demonstrac¸a˜o) Seja △ABC um triaˆngulo. Suponha-se que o aˆngulo exterior em A e´ menor ou congruente ao aˆngulo interior em C. Usando o axioma III-3 e a proposic¸a˜o 2.16 existe um ponto B1 no segmento AB tal que o aˆngulo ∠B1CA e´ congruente com o aˆngulo exterior em A. r A r C r B r B1 r D Considere-se o ponto D, incidente na semi-recta de origem A oposta a` semi-recta incidente em B e B1, um ponto D tal que DA ≡ B1C Pelo crite´rio LAL, tem-se △DAC ≡ △B1CA em particular ∠CAB1 ≡ ∠ACD. Como ∠CAB1 e ∠CAD sa˜o suplementares, obtem-se (axioma III-3) que ∠ACD e ∠ACB1 sa˜o suplementares, donde D incide na recta < C,B1 > (absurdo). Teorema 3.18 Seja △ABC um triaˆngulo. Se AB < AC enta˜o o aˆngulo interior em C e´ menor que o aˆngulo interior em B. Em particular, em todo triaˆngulo, ao maior lado opo˜e-se o maior aˆngulo. (Demonstrac¸a˜o) Seja △ABC um triaˆngulo. Vamos provar que, se AB < AC, enta˜o o aˆngulo interior em C e´ menor que o aˆngulo interior em B. s A s B s C s B′ Considere-se o ponto B′, na semi-recta de origem A e incidente em C que verifica AB ≡ AB′. Como AB e´ menor que AC, tem-se que B′ esta´ entre A e C e enta˜o ∠B′BA < ∠CBA 38 O triaˆngulo △BAB′ e´, por construc¸a˜o, iso´sceles, por tanto ∠B′BA ≡ ∠BB′A. Pelo teorema do aˆngulo exterior obtem-se que ∠BCB′ < ∠BB′A < ∠CBA Definic¸a˜o 3.19. Ponto me´dio, Bissectriz interior • Sejam A e B pontos distintos do plano. Um ponto C diz-se ponto me´dio do segmento AB se C esta´ entre A e B e verifica AC ≡ CB • Sejam h+ e k+ duas semi-rectas de origem O. Uma semi-recta r+ de origem O diz-se bissectriz interior do aˆngulo ∠{h+, k+} se r+ for interior ao aˆngulo e verificar ∠{h+, r+} ≡ ∠{r+, k+} Proposic¸a˜o 3.20 Existe e e´ u´nico o ponto me´dio de um segmento. Existe e e´ u´nica a bissectriz interior de um aˆngulo. (Demonstrac¸a˜o) 1. Existeˆncia e unicidade do ponto me´dio. Sejam A e B pontos distintos do plano. Considere-se um ponto P na˜o incidente na recta < A,B >. Defina-se, usando os axiomas III-3 e III-1, um ponto P ′, no semi-plano definido por < A,B > oposto ao incidente em P que verifique ∠PAB ≡ ∠ABP ′ AP ≡ P ′B Seja C o ponto de incideˆncia do segmento PP ′ com a recta < A,B >. s C s A s B s P s P ′ Verifiquemos que, se C esta´ entre A e B, enta˜o C e´ o ponto me´dio. Aplicando o crite´rio LAL deduz-se que △PAB ≡ △P ′BA em particular, ∠BAP ′ ≡ ∠PBA e AP ′ ≡ BP . Aplicando o crie´rio LLL obtem-se que △APP ′ ≡ △BP ′P ∠PAP ′ ≡ ∠PBP ′ e enta˜o, pelo crite´rio ALA , tem-se que △APC ≡ △BP ′C 39 donde AC ≡ CB. So´ falta verificar que C esta´ efectivamente entre A e B. Vamos provar que as condic¸o˜es C = B ou B entre C e A levam ao absurdo (os casos C = A ou A entre C e B sa˜o ana´logos). s P ′ s A sB = C s P s P ′ s A sC s P s B Se C = B, aplicando o teorema do aˆngulo exterior, vem que ∠P ′BA > ∠PAB (absurdo ∠P ′BA ≡ ∠PAB) Se B estiver entre C e A aplicando o teorema do aˆngulo exterior, obter-se-ia que ∠ABP ′ > ∠BCP ′ > ∠CAP = ∠BAP (absurdo, ∠ABP ′ e ∠BAP sa˜o congruentes). Se M e M ′ sa˜o pontos me´dios de AB podemos usar o lema fundamental sobre segmentos e a comparac¸a˜o de segmentos para verificar que a u´nica possibilidade e´ AM ≡ AM ′ donde (III-1) M =M ′. 2. Existeˆncia e unicidade da bissectriz interior Sejam h+ e k+ duas semi-rectas de origem O. Considerem-se pontos A ∈ h+ e B ∈ k+ verificando OA ≡ OB k+ h+ r A rC rB r Seja C o ponto me´dio do segmento AB. Pelo crite´rio LLL, △OAC ≡ △OBC e portanto a semi-recta de origem O e incidente em C e´ a bissectriz interior do aˆngulo ∠{h+, k+}. A unicidade deduz-se da unicidade do ponto me´dio. 40 Teorema 3.21. Paralelas na geometria absoluta 1. Se r e r′ sa˜o perpendiculares a uma terceira recta s, enta˜o r e r′ sa˜o paralelas. 2. Dado um ponto P na˜o incidente numa recta r, existe pelo menos uma recta r′ incidente em P e paralela a r. 3. Sejam r e r′ duas rectas distintas incidentes numa terceira recta s em pontos O e O′ respectivamente. Considerem-se r+ e r ′ − as semirectas de origem O e O ′, com suporte r e r′, respectivamente, situadas em semiplanos opostos definidos por s. Sejam sO e sO′ as semirectas de origem O e O′ que na˜o incidem O′ e O, respectivamente. s s r+r r′ sO′ sO O O′r′+ Se os aˆngulos ∠{sO, r+} e ∠{sO′ , r′+} sa˜o congruentes, as rectas r e r′ sa˜o paralelas. Atenc¸a˜o ... • o teorema anterior justifica a existeˆncia de paralela, NA˜O a unicidade; • o teorema afirma que, se duas rectas formam com uma terceira aˆngulos correspondentes congruentes, as duas rectas sa˜o paralelas mas NA˜O assegura o rec´ıproco!!!!! • por exemplo, se r e r′ sa˜o paralelas, e s e r sa˜o perpendiculares, NA˜O foi provado que s e r′ tambe´m sa˜o perpendiculares!!!! 41 Exerc´ıcios 3.22. 1. Prove os resultados desta secc¸a˜o. 2. (Primeira caracterizac¸a˜o da bissectriz) Sejam h+, k+ semi-rectas de origem O com suportes distintos e r+ uma semi-recta de origem O interior ao aˆngulo ∠{h+, k+}. Considerem-se um ponto C de r+ e a recta s perpendicular a r incidente em C. Suponhamos que existem A e B, incidentes na perpendicular s e nas semi-rectas h+ e k+. Enta˜o C e´ o ponto me´dio entre A e B se e so´ se r+ e´ a bissectriz interior do aˆngulo. k+ h+ r A rC rB r O Nota A condic¸a˜o exigida de que s incida num ponto A de h+ e num ponto B de k+ e´ necessa´ria. Existem modelos de plano que verifica os axiomas de incideˆncia, ordem e congrueˆncia, onde a perpendicular a bissectriz nem sempre intersecta as semi-rectas que definem o aˆngulo. 3. Sejam h+, k+ semi-rectas de origem O de suportes distintos, r+ a bissectriz interior do aˆngulo ∠{h+, k+}. Prove que ∠{h+, r+} e´ sempre menor que um aˆngulo recto. Por outras palavras, se um aˆngulo e´ bissector de outro, enta˜o e´ um aˆngulo agudo. k+ k− m+ r+ h+ s O (Sugesta˜o: considere a semi-recta m+, incidente no mesmo semi-plano definido por k que r+ e h+, tal que ∠{k+,m+} e´ recto. Assuma que m+ e´ interior ao aˆngulo ∠{k+, r+} e, usando a transitividade e o facto que r+ e h+ sa˜o enta˜o interiores ao aˆngulo recto ∠{m+, k−}, chegue a um absurdo) 42 4. (Congrueˆncia de triaˆngulos rectaˆngulos) Um triaˆngulo △ABC diz-se triaˆngulorectaˆngulo quando algum dos seus aˆngulos internos e´ recto. Sejam △ABC e △A′B′C ′ triaˆngulos rectaˆngulos com ∠BAC e ∠B′A′C ′ rectos. Prove que, se AB ≡ A′B′ e BC ≡ B′C ′, enta˜o △ABC ≡ △A′B′C ′. Note-se que este resultado NA˜O E´ o crite´rio LAL!!! q C qBqA qC ′′ q C ′ qB′qA′ (Sugesta˜o: supor que A′C ′ < AC e considerar, na semi-recta de origem A e incidente em C, o ponto C ′′ tal que AC ′′ ≡ A′C ′. O triaˆngulo △CC ′′B resulta ser iso´sceles. Aplicar o teorema do triaˆngulo exterior para chegar a um absurdo) 5. (Outro crite´rio de congrueˆncia de triaˆngulos) Sejam△ABC e△A′B′C ′ dois triaˆngulos do plano. Prove que, se AB ≡ A′B′, ∠BAC ≡ ∠B′A′C ′ e ∠BCA ≡ ∠B′C ′A′, enta˜o △ABC ≡ △A′B′C ′. Note-se que este resultado NA˜O E´ o crite´rio ALA!!! q C qBqA qC ′′ q C ′ qB′qA′ (Sugesta˜o: Supor que A′C ′ < AC e considerar o ponto C ′′ entre A e C tal que AC ′′ ≡ A′C ′. Aplicar LAL para obter △C ′′AB ≡ △C ′A′B′ e depois, usando o teorema do aˆngulo exterior, chegar a um absurdo) 6. (Segunda caracterizac¸a˜o da bissectriz) Sejam h+ e k+ duas semi-rectas de origem O, R um ponto interior ao aˆngulo ∠{h+, k+}. Definem- se os pontos A e B que sa˜o, respectivamente, os pe´s das perpendiculares 2 a h e k incidentes em R. Prove que R incide na bissectriz interior do aˆngulo ∠{h+, k+} se e so´ se A ∈ h+, B ∈ k+ e AR ≡ BR h+ k+ q O qR qA q B (Sugesta˜o: se R incidir na bissectriz interior, usar o teorema do aˆngulo exterior e o exerc´ıcio 3 para 2Sejam r e´ uma recta, P um ponto do plano e s a perpendicular a r incidente em P . O ponto de incideˆncia de r e s chama-se o pe´ da perpendicular do ponto P na recta r 43 obter que A ∈ h+ e B ∈ k+. Aplicar de seguida o segundo crite´rio de congrueˆncia de triaˆngulos rectaˆngulos. Para o rec´ıproco, aplicar o primeiro crite´rio.) 7. Mediatriz de um segmento Sejam A eB dois pontos distintos do plano. Chamamosmediatriz do segmento AB a` perpendicular a` recta < A,B > incidente no ponto me´dio entre A e B. Prove que um ponto do plano M incide na mediatriz de um segmento se e so´ se AM ≡ BM . 8. O plano racional Estude se o plano Q×Q satisfaz os axiomas de incideˆncia, ordem e congrueˆncia relativamente a`s relac¸o˜es de incideˆncia, ordem e congrueˆncia ana´logas a`s de R×R. Ajuda: uma segmento com extremos racionais pode ter declive ou comprimento na˜o racional ... 44 4 Medida e Axiomas de continuidade Definic¸a˜o 4.1. Medida de segmentos Seja S o conjunto de segmentos do plano. Umamedida de segmentos e´ uma aplicac¸a˜o µ : S −→ R+ tal que 1. Se AB e CD sa˜o segmentos do plano, tem-se AB ≡ CD se so´ se µ(AB) = µ(CD). 2. Se B esta´ entre A e C enta˜o µ(AC) = µ(AB) + µ(BC). 3. ha´ um segmento previamente fixado o que se atribui medida igual a` unidade. Definic¸a˜o 4.2. Medida de aˆngulos SejaA o conjunto de aˆngulos do plano. Umamedida de aˆngulos e´ uma aplicac¸a˜om∠ : A −→ R+ tal que 1. Se ∠{h+, k+} e ∠{m+, k+} sa˜o aˆngulos do plano, ∠{h+, k+} ≡ ∠{m+, n+} ⇐⇒ m∠{h+, k+} = m∠{m+, n+} 2. Se h+, r+ e k+ sa˜o semi-rectas de origem O tais que r+ e´ interior ao aˆngulo ∠{h+, k+}, enta˜o m∠{h+, k+} = m∠{h+, r+}+m∠{r+, k+} 3. um aˆngulo recto tem por medida um nu´mero real positivo, previamente fixado. Exerc´ıcio 4.3. Congrueˆncia de segmentos no plano afim real Recorde-se que, no plano afim real, foi definida uma relac¸a˜o “estar entre” que verifica os axiomas de ordem (exemplo 2.6). Dados A e B pontos do plano, define-se o comprimento do segmento AB e designa-se como AB por AB := √ (b1 − a1)2 + (b2 − a2)2 onde A = (a1, a2) e B = (b1, b2). Dois segmentos AB e CD dizem-se congruentes quando tiverem o mesmo comprimento, isto e´, quando AB = CD. 1. Sejam A e B pontos do plano afim real. Verifique que um ponto C incide na semi-recta de origem A incidente em B se e so´ se C = A+ λ −−→ AB com λ > 0. O vector −→ AB diz-se um vector director da semi-recta de origem A e incidente em B. Note-se que um ponto C incide enta˜o na semi-recta oposta a` semi-recta incidente em B quando C = A + λ −→ AB com λ < 0 ou, equivalentemente, quando C = A + λ′(−−→AB) com λ′ > 0, assim −−→AB e´ um vector director da semi-recta de origem B oposta a` incidente em B. 2. Prove que existe um ponto I, na semi-recta de origem A e incidente em B, tal que AI = 1 3. Prove que a relac¸a˜o de congrueˆncia definida nos segmentos do plano afim real verifica os axiomas III-1 e III-2 de congrueˆncia. 4. O comprimento de um segmento e´ uma medida de segmentos? 45 IV Axiomas de continuidade. IV-1 (O Axioma de Arquimedes) Sejam r uma recta e (An)n uma sucessa˜o de pontos incidentes em r tais que An+1 esta´ entre An+2 e An e A0A1 ≡ AnAn+1 para todo o n ∈ N. Enta˜o, para todo B incidente em na semi-recta de origem A0 incidente em An, existe k tal que B esta´ entre A0 e Ak. s A0 s A1 s A2 · · · s An s An+1 · · · s B s Ak IV-2 (O Axioma de Cantor) Sejam r uma recta, (An)n e (Bn)n duas sucesso˜es de pontos inci- dentes em r tais que, para todos os n, k ∈ N, o ponto Bn+1 esta´ entre Ak e Bn e o ponto An+1 esta´ entre An e Bk. A intersecc¸a˜o ⋂ nAnBn conte´m um segmento ou e´ um e um so´ ponto. s A1 s A2 · · · s An s Bn · · · s B2 s B1 Nota 4.4. Os axiomas de congrueˆncia III permitem construir, por recorreˆncia, uma sucesa˜o de pontos que verifique as condic¸o˜es iniciais do axioma de Arquimedes, isto e´, uma uma sucesa˜o de pontos (An)n incidentes numa recta r tal que A0A1 ≡ AnAn+1 Teorema 4.5. Existeˆncia de medidas de segmentos e aˆngulos Num plano verificando os grupos de axiomas I, II, III e o axioma IV-1 existe uma medida de segmentos e existe uma medida de aˆngulos. Terminamos esta secc¸a˜o enunciando o chamado Teorema Fundamental da Geometria Absoluta. Teorema 4.6. O Teorema Fundamental da Geometria Absoluta Em qualquer triaˆngulo, a soma das medidas dos aˆngulos internos e´ inferior ou igual a soma das medidas de 2 rectos. Exerc´ıcios 4.7. 1. Considere-se um plano verificando os grupos de axiomas I, II, III e IV e A o conjunto de aˆngulos do plano. Prove que se existir uma medida m∠ : A −→ R+, dado k ∈ R+ e´ poss´ıvel definir uma medida m∠′ : A −→ R+ tal que a medida do aˆngulo recto seja precisamente k. 2. O plano afim real R×R verifica os axiomas de continuidade? 46 5 O axioma das paralelas Durante se´culos, os matema´ticos pensaram que o V Postulado de Eclides era na realidade um teorema e tentaram prova-lo a partir dos outros axiomas e postulados. Existem inu´meras demonstrac¸o˜es falsas, muitas de elas obtidas usando resultados “evidentes” que resultavam ser, de facto, enunciados equivalentes ao tal V Postulado. O V Postulado de Euclides : – sejam r e s duas recta incidentes no mesmo plano, intersectadas por uma recta t em pontos R e S respectivamente. Fixemos os pontos S1 e R1 incidentes com s e r respectivamente e no mesmo semiplano definido por t. Suponhamos que os aˆngulos ∠R1RS e ∠RSS1 teˆm soma das medidas inferior a 2 rectos. Enta˜o as rectas r e s incidem num ponto desse semiplano. r s t s R s R1 s S sS1 Apresentamos de seguida alguns dos enunciados equivalentes ao V Postulado: • Existe um triaˆngulo em que a soma das medidas dos aˆngulos internos e´ igual a dois rectos; • Em qualquer triaˆngulo a soma das medidas dos aˆngulos internos e´ igual a dois rectos; • Existem treˆs pontos equidistantes de uma recta pertencentes a um dos semi-planos definido pela recta e que sa˜o colineares; • Ha´ um ponto P e uma recta r na˜o incidentes tais que na˜o ha´ mais do que uma recta incidente com P e paralela a r. • (Axioma das paralelas de Playfair) Dados um ponto P e uma recta s quaisquer na˜o incidente em P na˜o existe mais do que uma recta incidente com P e paralela a s; • Duas rectas paralelas a uma terceira sa˜o paralelasentre si; • Por um ponto interior de um aˆngulo incide sempre uma recta que intersecta ambos os lados do triaˆngulo So´ no se´culo XIX, a partir dos trabalhos de Bolay e de Lobachevsky, ficou definitivamente estabelecido que o V Postulado era independente dos outros e que era preciso considera-lo para conseguir os resultados de Euclides. 47 Actualmente, chama-se geometria euclideana a` geometria definida axiomaticamente pelos grupos de axiomas I-II-III-IV (axiomas da Geometria Absoluta) mais qualquer um dos enun- ciados anteriores, equivalentes ao V postulado de Euclides. Chama-se geometria hiperbo´lica a` geometria constituida pelos resultados que dependem logicamente dos axiomas da Geometria Absoluta e do axioma das paralelas de Lobastchevsky: “ Ha´ um ponto P e uma recta r nao incidentes, tais que existe mais do que uma recta incidente com P e paralela a r.” O modelo ba´sico do plano euclidiano e´ o plano real R2 com a estrutura bem conhecida. Modelos do plano hiperbo´lico sa˜o, por exemplo, os planos 5 e 7 de 1.5. Atenc¸a˜o !! Existem noc¸o˜es na geometria hiperbo´lica definidas na geometria absoluta como paralelismo, equidistaˆncia ... que aparecem com distintas propriedades a`s da geometria eu- clideana, se calhar um bocadinho longe da nossa intuic¸a˜o geome´trica. Por exemplo, na geome- tria hiperbo´lica ... • dada uma recta, na˜o existe uma outra recta equidistante dessa; • para dois triaˆngulos serem congruentes basta que o sejam os aˆngulos; • a soma dos aˆngulos internos de um triaˆngulo e´ sempre inferior a dois rectos; • ha´ treˆs pontos na˜o incidentes numa recta que na˜o definem nenhuma circunfereˆncia; • a relac¸a˜o de paralelismo na˜o e´ uma relac¸a˜o de equivaleˆncia no conjunto das rectas... Exerc´ıcios 5.1. 1. Verifique que o plano 6 de 1.5 na˜o verifica o axioma das paralelas de Playfair. E´ um plano hiperbo´lico segundo a nossa definic¸a˜o? 2. O plano afim real R×R verifica o axioma de paralelas de Playfair? 48 II. O Plano Euclidiano 1 Um modelo anal´ıtico do plano euclidiano Um plano euclidiano e´ um plano de incideˆncia que verifica os axiomas de incideˆncia, ordem, congrueˆncia, continuidade e o V Postulado de Euclides. O modelo ba´sico de plano de incideˆncia euclidiano (PP,LL, I) e´ o plano afim real: • os pontos sa˜o os pontos de R2, PP = R2; • as rectas (os elementos de LL), sa˜o as rectas afins de R2, isto e´, subconjuntos r de R2 do tipo: r = {(x, y) ∈ R : ax+ by + k = 0} onde (a, b)=/ (0, 0) • a relac¸a˜o de incideˆncia e´ a relac¸a˜o usual de pertenc¸a, i.e., um ponto M = (x, y) incide em r se e so´ se ax+ by + k = 0. • a relac¸a˜o “estar entre” define-se do seguinte modo: sejam A e B pontos do plano R2, dizemos que um ponto C do plano esta´ entre A e B se existir λ ∈]0, 1[ tal que: −→ AC = λ −−→ AB r A r C r B • a relac¸a˜o de congrueˆncia de segmentos define-se do modo seguinte: Dados A e B, pontos de R2 definimos o comprimento do segmento AB e denotamos por AB como AB := √ (a1 − b1)2 + (a2 − b2)2 se A = (a1, a2) e B = (b1, b2). Dados A, B, A ′ e B′ pontos de R2, dizemos que os segmentos AB e A′B′ sa˜o congruentes quando tiverem o mesmo comprimento, AB = A′B′. 49 Note-se que para completar o nosso modelo anal´ıtico do plano euclidiano precisamos de definir a congrueˆncia de aˆngulos e verificar os axiomas de incideˆncia, ordem, congrueˆncia, continuidade e o V Postulado de Euclides (ou um enunciado equivalente, como o axioma das paralelas de Playfair). A congrueˆncia de aˆngulos definir-se-a´ a partir do chamado cosseno de um aˆngulo geome´trico. Este cosseno, por sua vez, e´ definido usando o produto escalar usual, designado por ·, e a norma euclidiana, designada por ‖·‖. No final da secc¸a˜o lembram-se as propriedades ba´sicas do produto escalar usual e da norma euclidiana. De facto, a norma euclidiana ja´ foi implicitamente usada na definic¸a˜o de comprimento AB de um segmento AB: AB := √ (a1 − b1)2 + (a2 − b2)2 = ‖−−→AB‖ Proposic¸a˜o 1.1. Seja h+ uma semi-recta de origem O. Existe um u´nico vector u ∈ R2 verificando: 1. ‖u‖ = 1; 2. um ponto P incide em h+ se e so´ se −−→ OP = λu λ ∈ R+. (Demonstrac¸a˜o) Seja P0 um ponto fixado da semi-recta h+. No exerc´ıcio 4.3 verificou-se que um ponto P incide em h+ se e so´ se −−→ OP = µ −−→ OP0 com µ ∈ R+. Considere-se o vector u := −−→ OP0 ‖−−→OP0‖ . Se P incidir em h+ enta˜o −−→ OP = λu com λ = µ ‖−−→OP0‖ ∈ R+. Reciprocamente, se −−→OP = λu, com λ ∈ R+, tem-se que −−→OP = µ−−→OP0 com µ = λ‖−−→OP0‖ ∈ R+ e portanto P incide em h+. Sejam u e u′ verificando as condic¸o˜es 1 e 2. O ponto P0 incide em h+ por tanto −−→ OP0 = λu e −−→ OP0 = λ ′u′ com λ, λ′ ∈ R+. Em particular ‖−−→OP0‖ = λ = λ′ donde u = u′. Definic¸a˜o 1.2. Vector director unita´rio de uma semi-recta Seja h+ uma semi-recta de origem O. O vector u nas condic¸o˜es da proposic¸a˜o anterior diz-se vector director unita´rio da semi-recta h+. Note-se que, se u e´ o vector director unita´rio da semi-recta h+, enta˜o −u e´ o vector director unita´rio da semi-recta oposta h−. 50 Definic¸a˜o 1.3. Cosseno do aˆngulo entre semi-rectas Sejam h+ e k+ semirectas de origem O e vectores directores unita´rios respectivos v e w. Defi- nimos o cosseno do aˆngulo ∠{h+, k+} como c˜os∠{h+, k+} = v ·w Definic¸a˜o 1.4. Congrueˆncia de aˆngulos Dizemos que dois aˆngulos sa˜o congruentes quando o cosseno for igual. Nota 1.5 Cosseno de um aˆngulo ∠POR Sejam P , O e R treˆs pontos do plano na˜o colineares. O cosseno do aˆngulo ∠POR e´ o escalar: c˜os∠POR = −−→ OP · −−→OR ‖−−→OP‖ ‖−−→OR‖ Estudamos de seguida algumas propriedades do cosseno de aˆngulos. Proposic¸a˜o 1.6 Propriedades do cosseno de aˆngulos Sejam h+ e k+ semi-rectas de origem O. Tem-se 1. −1 < c˜os∠{h+, k+} < 1; 2. c˜os∠{h+, k+} = −c˜os∠{h+, k−}, em particular, um aˆngulo ∠{h+, k+} e´ recto se e so´ se c˜os{h+, k+} = 0; 3. se r+ e´ uma semi-recta de origem O interior ao aˆngulo ∠{h+, k+} enta˜o c˜os∠{h+, k+} < c˜os∠{h+, r+} r r+ k+ h+ O (Demonstrac¸a˜o) 1. Deduz-se da desigualdade de Cauchy-Schwarz. 2. Sejam u e v os vectores directores unita´rios de h+ e k+, respectivamente. O vector −v e´ enta˜o o vector director de k−. Tem-se c˜os∠{h+, k+} = u · v e c˜os∠{h+, k−} = u · (−v) = −(u · v) O aˆngulo ∠{h+, k+} e´ recto se e so´ se ∠{h+, k+} e ∠{h+, k−} sa˜o congruentes, isto e´, se e so´ se c˜os∠{h+, k+} = c˜os∠{h+, k−} donde u · v = 0. 51 3. Sejam u, v e w os vectores directores unita´rios das semi-rectas h+, r+ e k+, respectiva- mente. Se a semi-recta r+ e´ interior ao aˆngulo ∠{h+, k+} tem-se que v = λu+ µw com λ, µ ∈ R+ (exerc´ıcios 1.16). Seja K = c˜os∠{h+, k+} = u ·w. Pelas propriedades do produto escalar, como u e w sa˜o vectores unita´rios, c˜os{h+, r+} = u · v = u · (λu+ µw) = λ+ µK E´ preciso provar enta˜o que λ+ µK > K (∗) Note-se que, como v e´ um vector unita´rio, os escalares positivos λ e µ verificam ainda 1 = ‖v‖2 = v · v = λ2 + µ2 + 2λµK (1) Considerem-se separadamente os casos 0 < K < 1 e −1 < K < 0 (se K = 0 a desigualdade (*) e´ directa ja´ que λ > 0). Se 0 < K < 1, tem-se, em particular, que µ < 1 (desigualdade (1)) Assim,usando ainda (1), λ+ µK > K ⇔ (λ+ µK)2 > K2 ⇔ λ2 + µ2K2 + 2λµK > K2 ⇔ 1− µ2 + µ2K2 > K2 ⇔ 1− µ2 > (1− µ2)K2 Se −1 < K < 0, podemos supor µ > 1 e λ+ µK < 0. (Se µ ≤ 1 ou λ+ µK ≥ 0 a desigualdade (*) e´ directa) Usando argumentos ana´logos aos anteriores obtemos λ+ µK > K ⇔ (λ+ µK)2 < K2 ⇔ λ2 + µ2K2 + 2λµK < K2 ⇔ 1− µ2 + µ2K2 < K2 ⇔ 1− µ2 < (1− µ2)K2 Teorema 1.7 Teorema dos cossenos Seja △ABC um triaˆngulo do plano. Verifica-se BC2 = AB2 +AC2 − 2(AB)(AC)c˜os∠BAC (Demonstrac¸a˜o) Directa, usando que −−→ BC = −−→ BA+ −→ AC e as propriedades do produto escalar. 52 Corola´rio 1.8 OTeorema de Pita´goras Seja △ABC um triaˆngulo do plano. O aˆngulo ∠BAC e´ recto se e so´ se BC2 = AB2 +AC2 (Demonstrac¸a˜o) Directa, recorde-se que o aˆngulo ∠BAC e´ recto se e so´ se c˜os∠BAC = 0. Teorema 1.9. O plano R2 verifica os axiomas de incideˆncia, ordem, continuidade, congrueˆncia, continuidade e o axioma das paralelas de Playfair. Este teorema foi provado quasi na totalidade nos exerc´ıcios do cap´ıtulo anterior. O esquema de demonstrac¸a˜o dos axiomas III-3 e III-4 apresenta-se nos exerc´ıcios. Em resumo O plano R2 e´ um modelo anal´ıtico do plano euclidiano ATENC¸A˜O!!!! O “cosseno” do aˆngulo definido por duas semi-rectas e´ simplesmente um nu´mero real associado a cada aˆngulo geome´trico do plano, ou seja, se A designa o conjunto de aˆngulos do plano, c˜os e´ uma aplicac¸a˜o c˜os : A −→]− 1, 1[ e NA˜O a func¸a˜o real de varia´vel real chamada cosseno. Existe, obviamente, uma ligac¸a˜o entre estas duas aplicac¸o˜es, que podemos estabelecer usando a func¸a˜o trigonome´trica inversa arco-cosseno. Como a imagem de c˜os esta´ contida no intervalo [-1,1], podemos compor esta aplicac¸a˜o com a func¸a˜o bijectiva arco-cosseno arccos : [−1, 1] −→ [0, π] e associar a cada aˆngulo ∠{h+, k+} do plano um u´nico real α ∈]0, π[ que verifica: c˜os∠{h+, k+} = cosα (Eis a relac¸a˜o entre os dois “cossenos”!!!) 53 A func¸a˜o composta A c˜os−→]− 1, 1[arccos−→ ]0, π[ permite identificar cada classe de aˆngulos congruentes do plano com um escalar α ∈]0, π[. De facto, esta aplicac¸a˜o e´ uma medida no conjunto de aˆngulos. (No final da secc¸a˜o, na nota 1.15, lembram-se as propriedades ba´sicas das func¸o˜es trigonome´tricas e trigonome´tricas inversas) Proposic¸a˜o 1.10 Medida de aˆngulos A aplicac¸a˜o m∠ : A −→]0, π[ definida pela composta m∠ := arccos ◦ c˜os verifica: 1. dois aˆngulos ∠{h+, k+} e ∠{m+, n+} sa˜o congruentes se e so´ se m∠{h+, k+} = m∠{m+, n+}; 2. se r+ e´ interior ao aˆngulo ∠{h+, k+} enta˜o m∠{h+, k+} = m∠{h+, r+}+m∠{r+, k+}; 3. um aˆngulo e´ recto se e so´ se a medida for π/2; 4. a soma das medidas de dois aˆngulos suplementares e´ π. Em particular, m∠ e´ uma medida de aˆngulos. (Demonstrac¸a˜o) As propriedades 1, 3 e 4 sa˜o directas a partir da proposic¸a˜o 1.6 e das propriedades da func¸a˜o arco-cosseno (consultar nota 1.15). Sejam h+, k+ e r+ semi-rectas de origem O tais que r+ e´ interior ao aˆngulo ∠{h+, k+}. Pela proposic¸a˜o 1.6, tem-se que −1 < c˜os∠{h+, k+} < c˜os∠{h+, r+} < 1 e enta˜o, como o arco-cosseno e´ uma func¸a˜o decrescente π > m∠{h+, k+} > m∠{h+, r+} > 0 54 Designemos α = m∠{h+, r+} β = m∠{r+, k+} γ = m∠{h+, k+} Como α < γ, tem-se 0 < γ − α < π e enta˜o γ = α+ β ⇐⇒ β = γ − α⇐⇒ cosβ = cos(γ − α) rO k+ r+ h+ α β γ Sejam u,v e w os vectores unita´rios respectivos das semi-rectas h+, r+ e k+. Note-se que, α, β, γ ∈]0, π[ e verificam cosα = c˜os{h+, r+} = u · v cosβ = c˜os{r+, k+} = v ·w cos γ = c˜os{h+, k+} = u ·w Como r+ e´ interior ao aˆngulo ∠{h+, k+} existem λ, µ ∈ R+ tais que v = λu+ µw. Tem-se 1 = v · v = λ2 + µ2 + 2λµ cos γ cosβ = v ·w = λ cos γ + µ cosα = u · v = λ+ µ cos γ Usando a primeira e a terceira igualdade podemos deduzir sinα = √ 1− cos2 α = √ 1− µ2 cos2 γ − λ2 − 2λµ cos γ = µ( √ 1− cos2 γ) E tem-se tambe´m sin γ = √ 1− cos2 γ. Usando a conhecidas fo´rmulas trigonome´tricas e os resultados anteriores obtem-se: cos(γ − α) = cos γ cosα+ sin γ sinα = cos γ(λ+ µ cos γ) + µ(1− cos2 γ) = µ+ λ cos γ = cosβ Definic¸a˜o 1.11. Medida de aˆngulos Sejam h+ e k+ duas semi-rectas de origem O com vectores directores unita´rios v e w. Definimos a medida do aˆngulo ∠{h+, k+}, e designamos por m∠{h+, k+} como : m∠{h+, k+} = arccos (v ·w) 55 O Teorema indicado de seguida e´ o rec´ıproco (va´lido unicamente na geometria euclidiana) do teorema 3.21 sobre as paralelas na geometria absoluta. Teorema 1.12 Paralelismo na geometria euclideana 1. A relac¸a˜o de paralelismo e´ uma relac¸a˜o de equivaleˆncia no conjunto das rectas; 2. Sejam r e r′ duas rectas distintas de um plano euclideano incidentes numa terceira recta s em pontos O e O′ respectivamente. Considerem-se r+ e r′− as semirectas de origem O e O′, com suporte r e r′, respectivamente, situadas em semiplanos opostos definidos por s. Sejam sO e sO′ as semirectas de origem O e O ′ que na˜o incidem O′ e O, respectivamente. s r+r r′ sO′ sO O O′r′+ Enta˜o, se as rectas r e r′ sa˜o paralelas, os aˆngulos ∠{sO, r+} e ∠{sO′ , r′−} sa˜o congru- entes; 3. Sejam r e r′ duas rectas paralelas. Uma recta s e´ perpendicular a r se e so´ se e´ perpen- dicular a r′. (Demonstrac¸a˜o) 1. A reflexividade e simetria sa˜o directas da definic¸a˜o de paralelismo (o problema na geome- tria absoluta esta´ na transitividade) Sejam r′ e r′′ paralelas a uma recta r. Se r′ e r′′ na˜o sa˜o paralelas entre si, existe um ponto P incidente em r′ e r′′. Assim, existem duas rectas incidentes em P e paralelas a r (absurdo). 2. Sejam r e r′ paralelas. Usando o axioma III-3, podemos definir uma semi-recta r′′+ com origem o ponto O′, incidente no semi-plano definido por s oposto ao incidente em r+, e tal que ∠{r′′+, sO′} ≡ ∠{sO, r+}. Pelo teorema 3.21 (cap´ıtulo I), a recta r′′ e´ enta˜o paralela a recta r e incide em O′. Usando o axioma de Playfair, r′′ = r′ e assim r′ e r formam aˆngulos correspondentes iguais. 3. Sejam r e r′ rectas paralelas, e s uma perpendicular a r no ponto O. Note-se que r′ e s na˜o sa˜o paralelas, pois, pela al´ınea 1, se fossem, ter-se-ia que s e´ paralela tambe´m a r (absurdo). Seja O′ o ponto de incideˆncia de r′ e s. Pelo al´ınea anterior, como r e r′ sa˜o paralelas, os aˆngulos correspondentes sa˜o congruentes e portanto, s e´ perpendicular a r′. 56 Nota 1.13 Geometria Anal´ıtica em R2 • Equac¸o˜es das rectas afins A equac¸a˜o ax+ by+k = 0 diz-se uma equac¸a˜o cartesiana da recta afim r e a recta vectorial ax + by = 0 diz-se recta vectorial associada a r. Se P = (p1, p2) e´ um ponto incidente em r e v = (v1, v2) e´ um vector gerador da recta vectorial associada a r, a expressa˜o r ≡ P+ < v > diz-se uma equac¸a˜o vectorial de r. Um ponto M = (x, y) incide em r se e so´ se existir λ ∈ R tal que: { x = p1 + λv1 y = p2 + λv2 Estas equac¸o˜es sa˜o chamadas equac¸o˜es parame´tricas da recta r. • Paralelismo em R2 Duas rectas de equac¸o˜es cartesianas ax+ by + k = 0 e a′x+ b′y + k′ = 0 sa˜o paralelas se e so´ se (a, b) e (a′, b′) sa˜o proporcionais. Usando as equac¸o˜es vectoriais, as rectas r ≡ P+ < v > e r′ = P ′+ < v′ > sa˜o paralelas se so´ se v e v′ sa˜o proporcionais. • Recta incidente em dois pontos Sejam A = (a1, a2) e B = (b1, b2) dois pontos distintos de R 2. A recta r, r ≡ A+ < −−→AB >= (a1, a2)+ < (b1 − a1, b2 − a2) > ou, equivalentemente, a recta r definida pela equac¸a˜o cartesiana det ( x− a1 y − a2 b1 − a1 b2 − a2 ) = 0 incide em A e em B. Nota 1.14 Produto escalar e norma usual em R2 No plano vectorial real R2 recorde-se que o produto escalar usual ou produto interno usual, designado por · e´ a aplicac¸a˜o (R2) × (R2) −→ R definida por v · w = v1w1 + v2w2, sendo v,w ∈ R2, v = (v1, v2) e w = (w1, w2). Dados u,v, e w vectores de R2 tem-se: 1. (u+ v) ·w = u ·w + v ·w; 2. u · (v +w) = u · v + u ·w; 3. u · (λw) = λ(u ·w) = (λu) ·w; 4. v ·w = w · v; 5. v · v ≥ 0; 6. se u · v = 0, ∀v ∈ R2, enta˜o u = 0. 57 Recorde-se ainda que o produto interno num espac¸o vectorial permite definir uma norma. No plano vectorial real R2 munido do produto interno usual define-se a norma de um vector v ∈ R2, que se designa por ‖v‖ como ‖v‖ = √v · v. A norma verifica: 1. ‖v‖ ≥ 0; 2. ‖v‖ = 0 se e so´ se v = 0; 3. ‖λv| = |λ|‖v‖; 4. |v ·w| ≤ ‖v‖ ‖w‖ (desigualdade de Cauchy-Schwarz) e tem-se a igualdade se e so´ se v e w sa˜o proporcionais; 5. ‖v +w‖ ≤ ‖v‖+ ‖w‖
Compartilhar