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UNIVERSIDADE DE CAXIAS DO SUL CIÊNCIAS JURÍDICAS E SOCIAIS DIREITO CONSTITUCIONAL II PROFESSOR: SEGIONEI CORREA ACADÊMICAS: NATÁLIA FIORIO NATHÁLIA MEDEIROS TASSIANE PANZENHAGE ADPF 54/DF – Interrupção de gravidez de feto anencéfalo 2018 SUMÁRIO 1 INTRODUÇÃO........................................................................................2 2 CARACTERIZAÇÃO DA ANENCEFALIA...............................................4 3. PRÍNCIPIOS FRENTE AO ABORTO DE FETOS ANENCEFÁLICOS..5 3.1 Dignidade da Pessoa Humana.................................................................5 3.2 Princípio da Legalidade..................................................................................6 3.3 Direito a Saúde...............................................................................................6 3.4 Princípio da Liberdade....................................................................................7 4. ACÓRDÃO ADPF 54..............................................................................8 4.1 Argumentos contra a ação..............................................................................8 4.2 Argumentos favoráveis...................................................................................10 4.3 Decisão Final..................................................................................................15 5. CONCLUSÃO...................................................................................................15 6. REFERÊNCIAS BIBLIOGRAFICAS.................................................................16 INTRODUÇÃO: O debate acerca da homologação do aborto anencefálico como crime contra a vida gera grandes discussões na atualidade, o mesmo ganhou espaço nos tribunais nos últimos anos fazendo com que o Poder Judiciário se posicionasse diante o problema. Há uma tamanha complexidade perante este tema, permeado de dúvidas, contradições e polêmicas. Considerado como grave embate ético-moral entre o direito à vida do feto e a dignidade da pessoa humana, neste caso, representada pela gestante. A anencefalia é uma má formação fetal congênita, que ocorre entre o 24º e 26º dia após a fecundação, é caracterizado pelo defeito do fechamento do tubo neural durante a gestação, de modo que o feto não apresente os hemisféricos cerebrais havendo apenas a calota craniana, conhecida vulgarmente como “ausência de cérebro”. Uma vez diagnosticada a má-formação, não há nada que a ciência possa fazer. O choque existente entre os direitos fundamentais da pessoa humana e princípios jurídicos, é dado na controvérsia existente entre o feto ter ou não expectativas de vida, já que o direito à vida é tratado como um direito constitucionalmente previsto, possuindo por tanto status de supremacia, inviolabilidade e irrevogabilidade. Sendo assim, significa dizer que o direito à vida deverá se sobrepor a todos os demais direitos, pois o mesmo foi a vontade do legislador constituinte originário na Carta Magna. Dentro do ordenamento jurídico brasileiro, não se admite a interrupção de vida, a não ser nos casos previstos na legislação infraconstitucional e penal quais sejam, pena de morte em caso de guerra declarada. (art. 5º, XLVII, “a”) aborto necessário (art.128, I, CP) e aborto decorrente de estupro ( art.128, II, CP) conhecido na doutrina como aborto sentimental. Uma vez que o homem não é dono da vida, não é a ele que cabe abreviar a vida de outrem. No entanto, grande parte das pessoas são a favor ao aborto em casos de anencefalia, por acreditarem que o sofrimento da mãe, ao gerar um feto anormal é maior do que tirar a vida dele, com base nos princípios da liberdade e da autonomia da pessoa humana. 2- CARACTERIZAÇÃO DA ANENCEFALIA A anencefalia é caracterizada pela ausência do encéfalo e da calota craniana (parte de cima do crânio), podendo ter reduzida a parte de cerebelo e meninge. Todas essas são partes extremamente importantes do cérebro, pois são elas que permitem o pensamento, visão, audição, coordenação de movimentos, entre outras funções. Na maioria dos casos, o tecido cerebral fica exposto, sem ser coberto nem mesmo por pele. Acerca das malformações, Wanderley Rodrigues Belo acredita que As más formações se dividem em dois grupos: estruturais e funcionais. As primeiras significam a falta ou mal funcionamento de uma estrutura no organismo do bebê. Elas podem ir da falta de um dedo à ausência da calota cerebral (anencefalia). (BELO, 1999, p. 83). Durante o nascimento, o bebê pode apresentar funcionamento normal do tronco cerebral, parte do sistema nervoso responsável por diversas atividades involuntárias. Sendo assim, pode haver o funcionamento correto de algumas funções vitais do organismo, como a capacidade de respirar, engolir e manter os batimentos cardíacos. No caso da anencefalia, há um problema nesse processo de “fechamento” do tubo neural. Dessa forma, o tecido cerebral fica exposto ao líquido amniótico que, por sua vez, o degenera. É comum que crianças com essa condição tenham também a chamada espinha bífida, na qual algumas vértebras não se formam e a medula espinhal se projeta para fora dos ossos Não há sinais de que a anencefalia seja hereditária, pois são poucos os casos que ocorrem diversas vezes numa mesma família. Mesmo assim, pais que já tiveram um filho com anencefalia correm um risco um pouco mais elevado de desenvolver o mesmo problema em gestações futuras. Durante a gravidez, a mãe não apresenta nenhum sintoma específico de que o bebê está desenvolvendo uma má-formação. Já o bebê, ao nascer, tem um formato anormal da cabeça: a falta da calota craniana e do encéfalo é evidente. Não possui testa, suas orelhas são malformadas e baixas, além de possuir um pescoço curto. Pode apresentar fenda palatina e globos oculares protuberantes por conta de malformações nos pavilhões oculares (parte onde o olho “se encaixa” no rosto). O bebê é cego, surdo e inconsciente. Dependendo do tanto que o cérebro conseguiu se desenvolver, a criança ainda pode “ouvir” por meio do tato, visto que sons altos provocam vibrações físicas do ar que podem ser sentidas. Nesses casos, infelizmente, o bebê também é capaz de sentir dor. Geralmente, o diagnóstico é feito ainda em período pré-natal, através do exame de ultrassom a partir das 12 semanas de gestação. Esse exame faz parte da rotina pré-natal e revela imagens do desenvolvimento do bebê ao longo da gravidez. Infelizmente, não é possível sobreviver com anencefalia. 50% das mortes por anencefalia ocorrem ainda dentro do útero. Já 99% dos bebês que conseguem sobreviver ao parto morrem logo após. 3- ALGUNS PRINCÍPIOS FRENTE AO ABORTO DE FETOS ANECEFÁLOS 3.1- DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA A dignidade da pessoa humana é uma característica intrínseca, indissociável, irrenunciável e inalienável, ou seja, é essencial ao ser humano. Importante lembrar que não se trata de uma concessão à pessoa humana, de forma que já lhe pertence de forma inata, desde seu nascimento, devendo ser considerado como um fim em si mesmo. A Constituição Federal considera a dignidade da pessoa humana um dos fundamentos do Estado Democrático de Direito (art. 1º, III, CF\88), in verbis: A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se um Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos: a dignidade da pessoa humanaSobre esse princípio, Débora Diniz, Doutora em Antropologia e Pós Doutora em bioética disserta que: O princípio da dignidade da pessoa humana deve ser considerado fundamental para a ética da antecipação terapêutica. O diagnóstico da má formação fetal incompatível com a vida é uma situação de extremo sofrimento para as mulheres e os futuros pais. São situações em que todos os recursos científicos disponíveis para reverter o quadro da má formação são nulos (2004, p.81) Na petição inicial que deu origem a ADPF nº 54, ao tratar do Princípio da Dignidade da Pessoa Humana, Luiz Roberto Barroso faz uma analogia à tortura: Obrigar uma mulher a conservar no ventre por longos meses, o filho que não poderá ter, impõe a ela sofrimento inútil e cruel. Adiar o parto, que não será uma celebração da vida, mas um ritual de morte, viola a integridade física e psicológica da gestante, em situação análoga à tortura (BARROSO, 2005). 3.2 – PRINCÍPIO DA LEGALIDADE A síntese do princípio da legalidade pode ser resumida pela frase em latim: “nullum crimen nulla poena sine lege”, na tradução, quer dizer que nenhum crime será punido sem que haja uma lei. De acordo com art. 5º, II da Constituição Federal “ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer, senão em virtude de lei”, portanto tudo o que não é proibido pelo ordenamento jurídico é permitido, assim, todos tem ampla liberdade de reger suas vidas da forma como bem entender, salvo disposição em contrário. 3.3- DIREITO A SAÚDE Deve ser levado em consideração a questão do direito a saúde, onde o mesmo engloba a integridade física e psíquica da gestante e sua violação representaria uma afronta ao princípio da dignidade humana. A Organização Mundial da Saúde classifica a saúde como “o completo bem-estar físico, mental e social”, assim sendo, negar à gestante o direito de praticar a interrupção da gravidez nestas ocasiões seria o mesmo que negar-lhe o direito à saúde, um bem jurídico constitucionalmente tutelado. A grande parte dos doutrinadores, médicos e juristas acreditam que existem maiores complicações à saúde, decorrente desta situação, se comparada a uma gestação de feto saudável. Neste sentido, Maíra Costa Fernandes, advogada, afirma: A vida da gestante também corre sérios riscos, já que, não raras vezes, o feto morre ainda dentro do corpo da mulher caso em que o atendimento médico deve ser de maior urgência. Ademais, elevados são os riscos de hemorragia deslocamento prematuro de placenta, entre outras complicações. Uma vez diagnosticada a referida anomalia, não há nada que se possa fazer para reverter o quadro fetal. 3.4- PRINCÍPIO DA LIBERDADE De acordo com o Princípio da liberdade, é dever do Estado defender e garantir a liberdades individual, devendo assegurar o respeito a pluralidade de ideias, opiniões, de crenças e harmonizar as mesmas com os demais direitos fundamentais. Por representar um conceito aberto, o direito a liberdade engloba uma infinidade de direitos, dentre os quais podemos destacar a liberdade religiosa, liberdade de pensamento, liberdade de imprensa e etc. Dessa forma, antes do julgamento da ADPF nº 54, quando as decisões proibiam a interrupção da gravidez nestes casos, restringiam e ofendiam, também, a liberdade da gestante. Devemos deixar claro que a lesão de princípios constitucionais é considerada gravíssima, conforme demonstra de Celso Antônio Bandeira de Mello: Violar um princípio é mais grave que transgredir uma norma. A desatenção ao princípio implica ofensa, não apenas a um específico mandamento obrigatório, mas, a todo sistema de comandos. É a mais grave forma de ilegalidade ou inconstitucionalidade, conforme o escalão do princípio atingido, porque representa insurgência contra seus valores fundamentais, contumácia irremissível a seu arcabouço lógico e corrosão de sua estrutura mestra. Isto porque, com ofendê-lo, abatem-se as vigas que sustêm e alui-se toda a estrutura nele esforçada. De nada adiantaria a Constituição Federal assegurar outros direitos fundamentais, como igualdade, a intimidade, a liberdade, o bem-estar, se não erigisse a vida humana a uma condição de supremacia. 4- ACÓRDÃO ADPF 54 A Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental nº. 54 alegou, no Brasil, a interrupção da gestação de feto anencéfalo. A ação relatada pelo ministro Marco Aurélio Mello, foi proposta em 2004 pela Confederação Nacional dos Trabalhadores na Saúde (CNTS), e somente foi julgada oito anos depois, numa votação com a participação dos 11 ministros do Supremo Tribunal Federal durante os dias 11 e 12 de abril de 2012 e aprovado com placar de 8 votos a favor, e 2 votos contra. Neste julgamento foi decidido pelos ministros que: os médicos que fazem a cirurgia e as gestantes que decidem interromper a gravidez, não cometem nenhum crime. Com a decisão, para interromper a gravidez em caso de anencefalia, as mulheres não precisam de decisão judicial que as autorize, basta somente ser diagnosticado. Em seu voto, o ministro Marco Aurélio afirmou que “anencefalia e vida são termos antitéticos”. O ministro afirmou que existe um conflito apenas aparente entre direitos fundamentais, já que não há qualquer possibilidade de o feto sem cérebro sobreviver fora do útero da mãe. O que estava em jogo, disse Marco Aurélio, é saber se a mulher que interrompe a gravidez de feto em caso de anencefalia tem de ser presa. Os ministros decidiram que não. O decano do Supremo lembrou que há várias teses científicas, dentre elas genética, embriologia e neurologia, que discutem o início da vida, e que a Constituição não estabelece seu começo. 4.1- ARGUMENTOS CONTRA A AÇÃO: Os ministros Ricardo Lewandowski e Cezar Peluso votaram contra a ação. Ricardo Lewandowski, foi o sexto a votar no julgamento, e votou pela improcedência do pedido. O ministro seguiu duas linhas de raciocínio. Na primeira, ele destacou os limites objetivos do controle de constitucionalidade das leis e da interpretação conforme a Constituição, com base na independência e harmonia entre os Poderes. Para Ricardo Lewandowski, O STF, à semelhança das demais cortes constitucionais, só pode exercer o papel de legislador negativo, cabendo a função de eliminar do ordenamento jurídico as normas incompatíveis com a Constituição. Mesmo este papel, segundo seu voto, deve ser exercido com “cerimoniosa parcimônia”, diante do risco de usurpação de poderes atribuídos constitucionalmente aos integrantes do Congresso Nacional. “Não é dado aos integrantes do Judiciário, que carecem da unção legitimadora do voto popular, promover inovações no ordenamento normativo como se fossem parlamentares eleitos”, salientou. Nesse fator, o ministro observou que o Congresso Nacional, “se assim o desejasse”, poderia ter alterado a legislação para incluir os anencéfalos nos casos em que o aborto não é criminalizado, mas até hoje não o fez. O tema, assinalou, é extremamente controvertido, e ambos os lados defendem suas posições com base na dignidade da pessoa humana. “Nosso parlamento se encontra profundamente dividido, refletindo, aliás, a abissal cisão da própria sociedade brasileira em torno da matéria”, disse, acrescentando que pelo menos dois projetos de lei sobre o tema tramitam desde 2004 sem que se tenha chegado a consenso. O segundo ponto enfatizado pelo ministro Lewandowski foi a possibilidade de que uma decisão favorável ao aborto de fetos anencéfalos torne lícita a interrupção da gestação de embriões com diversas outras patologias que resultem em pouca ou nenhuma perspectiva de vida extrauterina. Citando dados da Organização Mundial de Saúde(OMS) sobre malformações congênitas, deformidades e anomalias cromossômicas, Lewandowski ressaltou que existem dezenas de patologias fetais em que as chances de sobrevivência são nulas ou muito pequenas – como acardia (ausência de coração), agenesia renal, hipoplasia pulmonar, atrofia muscular espinhal e outras. Para o ministro, uma decisão judicial isentando de sanção o aborto de fetos portadores de anencefalia, “ao arrepio da legislação penal vigente”, além de “discutível do ponto de vista ético, jurídico e científico”, abriria a possibilidade de interrupção da gestação de inúmeros outros casos. “Sem lei devidamente aprovada pelo parlamento, que regule o tema com minúcias, precedida de amplo debate público, provavelmente retrocederíamos aos tempos dos antigos romanos, em que se lançavam para a morte, do alto de uma rocha, as crianças consideradas fracas ou debilitadas”, afirmou. Finalmente, o voto destaca a existência de diversos dispositivos legais em vigor que resguardam a vida intrauterina – sobretudo o Código Civil, que, no artigo 2º, estabelece que a lei ponha a salvo, “desde a concepção”, os direitos do nascituro. Tais normas, segundo Lewandowski, também teriam de ser consideradas inconstitucionais ou merecer interpretação conforme a Constituição. O presidente do STF, ministro Cezar Peluso, foi o último a votar, e se manifestou pela improcedência da ADPF 54. O ministro frisou a “diferença abissal” entre este caso e a discussão sobre o uso de células tronco embrionárias em pesquisas. De acordo com o ministro, no caso dos embriões não havia processo vital – ao contrário do feto anencéfalo, o qual, em seu entendimento, é portador de vida e, portanto, tem de ter seus direitos tutelados. “O anencéfalo morre, e ele só pode morrer porque está vivo”, assinalou. O ministro lembrou, ainda, que a questão dos anencéfalos tem de ser tratada com “cautela redobrada”, diante da imprecisão do conceito, das dificuldades do diagnóstico e dos dissensos em torno da matéria. 4.2-ARGUMENTOS FAVORÁVEIS: O ministro Marco Aurélio, relator, considerou procedente o pedido feito pela Confederação Nacional dos Trabalhadores na Saúde (CNTS). O ministro concluiu que a imposição estatal da manutenção de gravidez cujo resultado final será a morte do feto vai de encontro aos princípios basilares do sistema constitucional. Para ele, obrigar a mulher a manter esse tipo de gestação significa colocá-la em uma espécie de “cárcere privado em seu próprio corpo”, deixando-a desprovida do mínimo essencial de autodeterminação, o que se assemelha à tortura. Para o Ministro Marco Aurélio, Cabe à mulher, e não ao Estado, sopesar valores e sentimentos de ordem estritamente privada, para deliberar pela interrupção, ou não, da gravidez. Na interpretação do ministro, ao Estado cabe o dever de informar e prestar apoio médico e psicológico à paciente antes e depois da decisão, independente de qual seja ela, o que hoje é perfeitamente viável no Brasil. Por isso no entendimento do relator, não há que se falar em direito à vida ou garantias do indivíduo quando se trata de um ser natimorto, com possibilidade quase nula de sobreviver por mais de 24 horas, principalmente quando do outro lado estão em jogo os direitos da mulher. Em relação ao fato de não haver menção no Código Penal aos casos de anencefalia como quesito autorizador de interrupção de gravidez, o ministro Marco Aurélio argumentou que nas décadas de 30 e 40, quando foi editado o Código Penal hoje vigente, a medicina não possuía os recursos técnicos necessários para identificar previamente esse tipo de anomalia fetal. Ao proferir seu voto, o ministro reforçou ainda o caráter laico do Estado brasileiro, previsto desde a Carta Magna de 1891, quando da transição do Império à República. “A questão posta nesse processo – inconstitucionalidade da interpretação segundo a qual configura crime a interrupção de gravidez de feto anencéfalo - não pode ser examinada sob os influxos de orientações morais religiosas”, frisou. Assim como ocorreu no julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 3510 - sobre possibilidade de realização das pesquisas científicas com células-tronco embrionárias, em que o STF primou pela laicidade do Estado - para o ministro, as concepções morais e religiosas não podem guiar as decisões estatais, devendo ficar circunscritas à esfera privada. “O Estado não é religioso, tampouco é ateu. O Estado é simplesmente neutro”, concluiu. Ao sustentar seu entendimento, o ministro Marco Aurélio também afastou a premissa utilizada em prol da defesa do anencéfalo de que os seus órgãos poderiam ser doados. Segundo ele, além de ser vedada a manutenção de uma gravidez somente para viabilizar a doação de órgãos, essa possibilidade é praticamente impossível no caso de anencefalia, pois o feto terá outras anomalias que inviabilizariam a prática. Obrigar a mulher a manter a gravidez apenas com esse propósito, para o relator, seria tratá-la a partir de uma perspectiva utilitarista, de instrumento de geração de órgãos para doação, o que também fere o princípio da dignidade da pessoa humana. A ministra Rosa Weber acompanhou o voto do relator da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental 54, ministro Marco Aurélio, também defendendo a exclusão da interrupção ou antecipação do parto de feto anencéfalo do rol dos crimes contra a vida. Por isso, julgou procedente a ação, ajuizada pela Confederação Nacional dos Trabalhadores na Saúde (CNTS). Logo após o voto da ministra, votou no mesmo sentido o ministro Joaquim Barbosa, ao pedir a juntada, com algumas modificações, do voto por ele elaborado sobre esta matéria na análise do Habeas Corpus (HC) 84025. Em seu voto, a ministra Rosa Weber sustentou que, para o direito, o que está em jogo, não é o direito do feto anencefálico à vida, já que, de acordo com o conceito de vida do Conselho Federal de Medicina, jamais terá condições de desenvolver uma vida com a capacidade psíquica, física e afetiva inata ao ser humano, pois não terá atividade cerebral que o qualifique como tal. O que está em jogo, portanto, segundo ela, é o direito da mãe de escolher se ela quer levar adiante uma gestação cujo fruto nascerá morto ou morrerá em curto espaço de tempo após o parto, sem desenvolver qualquer atividade cerebral, física, psíquica ou afetiva, própria do ser humano. Ministro Luiz Fux foi o quarto a votar na sessão Plenária a favor da possibilidade da interrupção da gravidez de fetos anencéfalos. Com base em inúmeros estudos e dados científicos, o ministro Luiz Fux afirmou ser possível chegar a “três conclusões lastimáveis” sobre a gestação de anencéfalos: que a expectativa de vida deles fora do útero é absolutamente efêmera, que o diagnóstico de anencefalia pode ser feito com razoável índice de precisão e que as perspectivas de cura da deficiência na formação do tubo neural são absolutamente inexistentes nos dias de hoje. Diante dessas conclusões, o ministro ressaltou a importância de se proteger a saúde física e psíquica da gestante, dois componentes da dignidade humana da mulher. Ele desafiou a possiblidade de qualquer pessoa comprovar, à luz do princípio da razoabilidade e da proporcionalidade, que é justo relegar a gestante de um feto anencéfalo aos “bancos de um tribunal de júri” para responder penalmente por aborto. “Por que punir essa mulher que já padece de uma tragédia humana?”, questionou. Para Luiz Fux, esse intuito punitivo que não só não se coaduna com a sociedade moderna, como está desconectado “da necessidade de se reservar para o direito penal apenas aquelas situações realmente aviltantes para a vida em comunidade”.O ministro enquadrou a interrupção da gravidez de fetos anencefálicos como matéria de saúde pública que aflige, em sua maioria, mulheres de menor poder aquisitivo, sendo, portanto, uma questão a ser tratada como política de assistência social. A ministra Cármen Lúcia Antunes Rocha se uniu aos votos dos ministros que a antecederam. Em seu voto, ela se manifestou favorável quanto à possibilidade de interrupção da gravidez de fetos anencéfalos. Segundo a ministra, todos, tanto as contribuições dadas durante a audiência pública realizada sobre o tema, bem como os ministros da Corte, estão preocupados com o direito à vida e à dignidade da pessoa humana, “com a visão que cada um tem de mundo e da própria vida”. Ela avaliou que essa situação reflete o momento democrático brasileiro, “de pluralidade e de respeito absoluto pelas opiniões contrárias, o qual precisa ser dito exatamente na perspectiva constitucional”. Frisou também que o STF não está decidindo nem permitindo a introdução do aborto no Brasil, menos ainda a possibilidade de aborto em virtude de qualquer deformação. Para ela, essa é uma questão posta à sociedade e o STF está tratando, de saber qual interpretação que deve ser dada aos dispositivos do Código Penal no sentido de se considerar crime ou não a interrupção da gravidez nesse caso. Ministro Ayres Britto afirmou que, Levar às últimas consequências esse martírio contra a vontade da mulher corresponde a tortura, a tratamento cruel. Ninguém pode impor a outrem que se assuma enquanto mártir. O martírio é voluntário Com o voto do ministro Ayres Britto, formou-se uma maioria na Corte pela procedência da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 54, o objetivo da entidade é que seja declarada inconstitucional qualquer interpretação do Código Penal no sentido de penalizar o que a entidade chama de “antecipação terapêutica de parto de fetos anencéfalos”. Para o ministro Britto, a gravidez se destina à vida, e não à morte. Ele disse que é “até lógica” a opção da mulher no sentido de interromper a gestação de um feto anencéfalo. “É preferível arrancar essa plantinha ainda tenra do chão do útero do que vê-la precipitar no abismo da sepultura”, afirmou. Por fim, o ministro ressaltou que a mulher, mesmo se sabendo portadora de um feto anencéfalo, poderá assumir sua gravidez até as últimas consequências. “Ninguém está proibindo. É opcional“, disse. Ministro Gilmar Mendes considerou a interrupção da gravidez de feto anencefálo como hipótese de aborto, mas entende que essa situação está compreendida como causa de excludente de ilicitude, já prevista no Código Penal, por ser comprovado que a gestação de feto anencefálo é perigosa à saúde da gestante. No entanto, o ministro ressalvou ser indispensável que as autoridades competentes regulamentem de forma adequada, com normas de organização e procedimentos, o reconhecimento da anencefalia a fim de “conferir segurança ao diagnóstico dessa espécie”. Enquanto pendente de regulamentação, disse o ministro, "a anencefalia deverá ser atestada por, no mínimo, dois laudos com diagnósticos produzidos por médicos distintos e segundo técnicas de exames atuais e suficientemente seguras”. Apesar de entender que a regra do Código Penal é a vedação do aborto, o ministro Gilmar Mendes avaliou que a hipótese específica de aborto de fetos anencéfalos está compreendida entre as excludentes de ilicitude, estabelecidas pelo Código Penal. Citou que, conforme a legislação brasileira, o aborto não é punido em duas situações: quando não há outro meio de salvar a vida da mãe (aborto necessário ou terapêutico) e quando a gravidez é resultante de estupro, caso em que se requer o consentimento da gestante, porque a intenção é proteger a saúde psíquica dela. O ministro Gilmar Mendes ressaltou a questão de que, o Brasil já possui medidas que priorizam a prevenção e não apenas a repressão da interrupção da gravidez. Conta ele que o Ministério da Saúde homologou resolução do Plenário do Conselho Nacional de Saúde na qual se atribui ao próprio ministério a responsabilidade de promover ações que visem à prevenção de anencefalia, disponibilizando ácido fólico na rede básica de saúde para acesso de todas as mulheres no período pré-gestacional e gestacional, além de assegurar a integração de ácido fólico nos insumos alimentícios. O ministro Celso Mello afirmou que, esta malformação fetal seja diagnostica e comprovadamente identificada por profissional médico legalmente habilitado”, reconhecendo à gestante “o direito de submeter-se a tal procedimento, sem necessidade de prévia obtenção de autorização judicial ou permissão outorgada por qualquer outro órgão do Estado”, afirmou o ministro, ao concluir seu voto. Em seu voto, ele endossou proposta do ministro Gilmar Mendes no sentido de que seja solicitada ao Ministério da Saúde e ao Conselho Federal de Medicina a adoção de medidas que possam viabilizar a adoção desse procedimento. “Nós não estamos autorizando práticas abortivas, legitimando a prática do aborto”, disse o ministro, observando que “esta é outra questão que poderá ser submetida à apreciação desta Corte, em outro momento, mas não é o caso”. Ele fez questão de afirmar que há uma grande diferença entre legalização do aborto e a antecipação terapêutica do parto em caso de anencefalia. Em seu voto, ele lembrou que há diversos conceitos de vida, sobre seu início e fim, e que a Constituição não define quando ela se inicia. Lembrou também, que na Assembleia Nacional Constituinte foram apresentadas variadas emendas estabelecendo o início da vida humana a partir do momento da concepção, poém foram todas negadas. 4.3- DECISÃO FINAL: Por maioria de votos, o Plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) julgou procedente o pedido contido na ADPF 54, ajuizada na Corte pela Confederação Nacional dos Trabalhadores na Saúde (CNTS), para declarar a inconstitucionalidade de interpretação segundo a qual a interrupção da gravidez de feto anencéfalo é conduta tipificada nos artigos 124, 126 e 128, incisos I e II, todos do Código Penal. Ficaram vencidos os ministros Ricardo Lewandowski e Cezar Peluso, que julgaram a ADPF improcedente. 5. CONCLUSÃO Ao analisar a questão da interrupção terapêutica da gestação de fetos anencéfalos, a maioria dos ministros do Supremo Tribunal Federal, entendeu, reconheceu e acolheu os argumentos trazidos pelo Conselho Nacional dos Trabalhadores em Saúde, que defendiam a possibilidade de ocorrência, alegando que os fetos na verdade são natimortos cerebrais, não possuem expectativa de vida extrauterina e que por isso não há que se falar em direito a vida, mas que por outro lado, obrigar a gestante a levar a gestação a termo, sabendo que a qualquer tempo durante a gravidez ou invariavelmente após o nascimento, o feto ou recém nascido, viria a falecer, equipara-se a uma situação de tortura, ferindo princípios constitucionais. Decidindo procedência da ADPF/54, reconhecendo o direito e a autonomia da mulher gestante de feto anencéfalo, e a ela conferindo o poder de decidir sobre sua vontade, sobre seu próprio corpo, de acordo com a sua essência e com as suas crenças, da melhor forma como lhe prouver, o Supremo Tribunal Federal deu um grande passo, não rumo ao futuro, mas sim finalmente se chegando ao presente. Deste modo percebe-se que a anencefalia é uma doença de origem desconhecida e que acaba matando o feto durante a gravidez ou após seu nascimento, sendo que este também e pode nascer cego, surdo, mudo, entre diversos outros problemas. Sem sinais de terem origens genéticas, esta doença continua a ser estudada por cientistas,a fim de encontrar uma cura para tal. Sabe-se que existem fatores de riscos que podem contribuir para o desenvolvimento do feto anencéfalo. 6- REFERÊNCIAS BIBLIOGRAFICAS: SILVA, Kátia Costa da, et alli, Aborto e Legalidade- malformação congênita; Algumas Patologias Incompatíveis com a Vida. São Caetano do Sul: Editora Yendis, 2007. SILVA, César Dário Mariano da. Manual do Direito Penal: Parte Geral 2. ed. São Paulo: EDIPRO, 2002. SARLET, Ingo Wolfgan, Dignidade da Pessoa Humana e os Direitos Fundamentais na Constituição Federal de 1988, in LIMA, Carolina A. de Souza, Aborto e Anencefalia, Curitiba: Editora Juruá, 2008. Anencefalia. Disponível em: www.anencephalie-infor.org/p/perguntas CASTILO, Eduardo. O que é anencefalia? Disponível em www.ghente.org/entrevista/oqueé anencefalia.com.
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