Baixe o app para aproveitar ainda mais
Prévia do material em texto
GESTÃO E MAPEAMENTO DE PROCESSOS AULA 3 Prof. Roberto Candido Pansonato 2 CONVERSA INICIAL Por conta das aulas anteriores, neste momento você já é capaz de conhecer e diferenciar o que é gestão por processos, mapeamento de processos e modelagem de processos. Também foram apresentadas as principais notações para modelagem de processos (BPMN, fluxograma, SIPOC, cadeia de valor e mapeamento do fluxo de valor). Você aprendeu como ocorrem as dificuldades de se identificarem as entradas e saídas de um processo bem como os tipos de abordagem (efeito chuveiro e efeito bidê) e, por fim, viu também os dez passos para mapear e modelar um processo (utilize essas informações sempre que tiver que mapear um processo). Nesta aula serão discutidos assuntos relativos à geração de valor para o cliente e às fontes de desperdício. Para esta aula, estão previstos os seguintes temas: 1. Desperdício e valor; 2. Histórico STP; 3. Os sete desperdícios; 4. Agregação de valor e lead time; 5. Cadeia de valor. CONTEXTUALIZANDO Utilizando o exemplo a seguir, onde foram identificados os principais elementos de um processo, é possível constatar que, na ponta final do “mapa”, estão os clientes. 3 Figura 1 – Exemplo básico de SIPOC Fonte: Com Êxito, 2018. Note que são três clientes distintos: a. O estudante, que no intervalo das aulas se alimenta da pipoca para sanar sua fome. b. O frequentador de cinema, que antes do início do filme adquire o produto para consumi-lo durante a reprodução do mesmo. c. A turma do sofá, que geralmente são pessoas que se agrupam para conversar, assistir filmes, futebol ou outro programa na televisão enquanto comem pipoca. Do ponto de vista da perspectiva de valor pelos clientes mencionados no exercício, pode-se dizer que: a. ( ) Os clientes estão consumindo o produto devido às informações obtidas referentes aos benefícios nutricionais; b. ( ) O frequentador de cinema compra o produto porque é o mais adequado, barato e nutritivo para se consumir dentro do cinema; c. ( ) A turma do sofá consome este produto como forma de substituição de uma refeição tradicional, como o jantar, por exemplo. d. ( ) O estudante, o frequentador de cinema bem como a turma do sofá têm valores diferenciados quanto ao consumo do produto; 4 e. ( ) A pipoca é um produto tradicional e todos possuem uma definição de valor similar. Análise Diferente do que muitos pensam, não é a empresa e sim o cliente que define o que é valor em um produto ou serviço. Para ele, a necessidade gera o valor, e cabe ás empresas identificar qual é a necessidade, procurar satisfazê-la e cobrar por isso um preço específico, a fim de manter a empresa no negócio e aumentar seus lucros através da melhoria contínua dos processos, da redução de custos e do aperfeiçoamento da qualidade. Portanto, para cada cliente haverá uma perspectiva de valor diferente (alternativa correta: “d”). TEMA 1 – DESPERDÍCIO E VALOR O mapeamento de processos tem como objetivo compreender os processos existentes, propor modificações relevantes para melhorar o nível de atendimento ao cliente e aumentar o desempenho do negócio. Esse conceito já é de seu conhecimento, no entanto como proceder após mapear um processo no estado atual (As-Is)? Parece fácil, mas propor melhorias que realmente agreguem valor ao processo não é tão simples, pois, além de enxergar os desperdícios, é necessário que se crie nas empresas uma cultura de combate a eles. E é aí que as coisas se complicam um pouco, principalmente em se referindo à cultura brasileira. Antes de entrar na discussão relativa ao desperdício, gostaria de conceituar a diferença entre desperdício e perda. Embora parecem sinônimos, existe uma diferença peculiar entre ambos. Segundo o Dicionário Aurélio: “Desperdício: Despesa inútil e censurável, Esbanjamento [...] Perda: Carência, privação do que se possuía”. Para ilustrar melhor estes significados, seguem duas figuras que vão ajudar a entender melhor: 5 Figuras 2.1 e 2.2 – A diferença entre desperdício e perda Fonte: Boris Franz/Shutterstock; Slavoljub Pantelic/Shutterstock. Conforme se pode deduzir, a Figura 2.1 mostra que existe perda pelos diversos furos no balde onde se desvia a água, necessitando ser recomposto para se manter a condição de cheio. Na Figura 2.2, nota-se que o balde recebe mais água do que pode comportar, resultando no transbordamento. A equivalência entre os dois é que ambos consomem mais água do que o supostamente necessário. A diferença entre as duas situações é que o desperdício se manifesta de formas diferentes: para o caso 1 (perda), é necessário encher mais o balde para compensar a água que vazará pelos furos. Isso quer dizer que não se conseguirá atingir o nível máximo do balde. Com relação ao caso 2 (desperdício), é despejado mais água do que o balde consegue acomodar. Isso quer dizer que está sendo fornecida mais água do que seria o necessário para encher o balde. Para a tomada de decisões no modelamento do estado futuro (to be), ambos dão sinais que precisam ser eliminados. O objetivo desta reflexão é entender qual abordagem deve ser considerada. Se considerarmos o balde como uma representação dos ativos (máquinas, instalações, etc.) de uma fábrica e a água como os recursos financeiros da empresa, vemos que esses dois sintomas diferentes podem ter remédios diferentes. Em linhas gerais, ambientes com muitas perdas pedem uma abordagem Kaizen mais focada na gestão de ativos, buscando atingir o nível máximo de desempenho (Ex.: projeto de Total Productive Maintenance – TPM), enquanto ambientes com muito desperdício pedem uma abordagem Kaizen mais focada em fluxo de materiais ou informações, buscando a eliminação dos esforços extras e desnecessários despendidos pela empresa. 6 Voltando ao tema desperdício, que é o nosso grande problema, é fato verificar como isso ocorre de norte a sul do Brasil. Exemplos não faltam, desde os serviços públicos, construção civil, consumo de alimentos nas grandes cidades até os desperdícios de água e energia elétrica, os quais estão afetando diretamente o dia a dia dos cidadãos. Invariavelmente, essa cultura, com algumas exceções, migra para as empresas e causa grandes prejuízos a todos, acarretando perda de competitividade em relação a empresas no exterior e custos mais altos também no mercado doméstico. TEMA 2 – HISTÓRICO STP A indústria automobilística foi e ainda é um grande laboratório no que diz respeito ao emprego de conceitos e técnicas de administração da produção. Começando por Henry Ford, que concebeu o modelo “T” em 1908 e deu o início à produção em massa, passando por Frederick Taylor, que criou o taylorismo (estudo científico da tarefa), também conhecido como administração científica até chegar ao Sistema Toyota de Produção (STP), que será o foco dos estudos relativos a desperdícios e valor. Vale ressaltar que os conceitos e os trabalhos realizados anteriormente (Ford, Fayol, Taylor, etc.) formam a base de muitos conceitos administrativos que se utilizam atualmente, inclusive o STP. Após a Segunda Guerra Mundial, o Japão passava por dificuldades econômicas. No ano de 1950, Eijy Toyoda, então presidente da Toyota, visita os Estados Unidos com o objetivo de verificar o modelo americano de fabricação de automóveis, que na época trabalhava com volumes de produção altíssimos. Para se ter uma ideia, na visita realizada em uma das plantas da Ford, ele recebe a informação de que a planta visitadachegou a produzir 7.000 veículos em um só dia, enquanto a Toyota naquele ano produziria 2.685 carros. A Ford, naquela época, possuía dinheiro e um grande mercado, tanto doméstico quanto internacional. Um dos principais objetivos era produzir veículos em grande escala e com número limitado de modelos. Essa é uma das razões pelas quais os modelos “T” originariamente eram de cor preta. Em contrapartida, a Toyota precisava fabricar pequenos volumes de modelos diferentes utilizando a mesma linha de montagem, pois a demanda dos consumidores era muito baixa para sustentar linhas de montagem dedicadas a um só modelo de veículo. De volta ao Japão, Eijy Toyoda e Taiichi Ohno chegam à conclusão de que o sistema de produção americano jamais funcionaria no Japão. A partir daí, 7 iniciam-se na Toyota vários estudos que mais tarde se tornariam os princípios do Sistema Toyota de Produção, entre eles: kanban, sistema just in time, 5S, fluxo unitário de peças, células de trabalho etc. e, principalmente, o combate incansável aos desperdícios, também conhecido como muda no idioma japonês. Abaixo segue um exemplo de um diagrama conhecido como “Casa do STP”. A incorporação de uma casa como um diagrama é devido à casa ser um sistema estrutural. A casa só é forte se o telhado, as colunas e as fundações são fortes. Uma conexão fraca fragiliza todo sistema. Há várias versões da casa, porém os princípios fundamentais permanecem os mesmos. Figura 3 – A “casa” do STP – Sistema Toyota de Produção Fonte: A Casa..., 2010. Gostaria de ressaltar que um dos objetivos do mapeamento, além de identificar tarefas, atividades e processos, é a de proporcionar melhoria na modelagem e, nessa etapa, os desperdícios devem ser identificados. No período entre 2006 a 2009, quando visitei o Japão a trabalho, tive a oportunidade de verificar de perto e aprender com os japoneses como é feita a abordagem para eliminação dos desperdícios. 2.1 Produção enxuta De acordo com Womack, Jones e Roos (2004), “após a segunda guerra mundial a indústria japonesa desenvolveu um conjunto de novas práticas de 8 manufatura que alavancaram sua competitividade global: trata-se das técnicas da produção enxuta”. Para Womack e Jones (2004), “a palavra alvo da produção enxuta é desperdício, definida como qualquer atividade que absorve recursos e não agrega valor”. Taiichi Ohno (1912-1990), renomado executivo da Toyota, classificou os desperdícios em 7 categorias, que serão vistas adiante. 2.2 Princípios enxutos Para o combate aos desperdícios, felizmente existe uma arma poderosa: o pensamento enxuto. Seguem os princípios que dão sustentação ao pensamento enxuto, definidos por Womack, Jones e Roos (2004). a Valor: a produção enxuta busca eliminar as fontes de desperdícios e criar valor, portanto o ponto de partida do pensamento enxuto é o valor. O valor só pode ser definido pelo cliente, caso contrário corre-se o risco de fornecer eficientemente para o cliente algo que ele efetivamente não deseja. b. Cadeia de valor: a cadeia de valor implica em enxergar o todo. Em geral, o mapeamento da cadeia de valor mostra que ocorrem três tipos de atividades ao longo de sua extensão, ou seja, as atividades que certamente criam valor, as atividades que não criam valor mas que são necessárias e as atividades que não criam valor e que não são necessárias, devendo, portanto ser imediatamente eliminadas. c. Produção puxada: na produção puxada um processo será acionado somente quando o processo seguinte solicitar. O objetivo é construir um processo para fazer somente o que o próximo processo necessita e quando necessita, ou seja, o cliente é quem deve puxar o produto, puxar a produção e puxar o valor; caso contrário os processos fornecedores tenderão a fazer o que os clientes não precisam naquele momento, levando com essa prática ao excesso de produção, á formação de estoques desnecessários, á produção empurrada e consequentemente ao desperdício. d. Fluxo de valor enxuto: especificado o valor com exatidão, mapeada a cadeia de valor e estabelecida a produção puxada, é necessário fazer com que as atividades que criam valor fluam em um fluxo de valor contínuo e estável, o chamado fluxo de valor enxuto. Nesta concepção, os produtos deveriam sempre fluir em fluxo enxuto da matéria prima ao cliente final, sem movimentos inúteis, sem interrupções e sem lotes intermediários. e. Perfeição: à medida que os princípios anteriores sejam alcançados, ocorrerá a todos os envolvidos que as oportunidades de redução de esforço, de tempo e de custo são infinitas, proporcionando a empresa fornecer produtos do mais alto nível e mais próximo daquilo que o cliente almeja TEMA 3 – OS SETE DESPERDÍCIOS Conforme citado anteriormente, a Toyota identificou sete grandes tipos de desperdícios sem agregação de valor nos processos administrativos ou de 9 produção. O reconhecimento por parte do administrador dessas sete categorias é de suma importância no procedimento de mapeamento de processos. Esse conhecimento permite que se tenha o poder de discernimento entre o que é valor e o que é desperdício. Segundo Rother e Shook (2009), “o mapeamento do fluxo de valor ajuda a identificar mais do que os desperdícios. Mapear ajuda a identificar as fontes de desperdício no fluxo de valor”. Algumas literaturas adicionaram um oitavo desperdício aos já catalogados pelo STP (conforme descrito na sequência). Seguem os principais desperdícios identificados pela Toyota. 3.1 Superprodução Produzir mais do que a demanda prevista. Com excesso de produção, há perda com mão de obra, custos com transporte e armazenagem desnecessária devido ao excesso de estoque. Figura 4 – Superprodução 3.2 Espera (tempo sem trabalho) Funcionários que servem apenas para vigiar uma máquina automática ou que ficam esperando pelo próximo passo no processamento, suprimento, peça etc., ou que simplesmente não têm trabalho para fazer devido à falta de estoque, atrasos no processamento, interrupção de funcionamento de equipamento e gargalos de capacidade (desbalanceamento). Figura 5 – Espera 10 3.3 Transporte ou movimentação desnecessários Movimento de estoque em processo em longas distâncias, criação de transporte ineficiente ou movimentação de materiais, peças ou produtos acabados para dentro ou fora do estoque ou entre processos sem necessidade. Figura 6 – Transporte 3.4 Excesso de processo ou processo incorreto Passos desnecessários para processar peças ou serviços. Processamento ineficiente devido a uma ferramenta ou projeto de baixa qualidade do produto, causando movimento desnecessário e produzindo defeitos. Geram-se perdas quando se oferecem produtos com características superiores às que são necessárias. 3.5 Excesso de estoque Excesso de matéria-prima, de estoque em processo ou de produtos acabados, causando longos lead times, obsolescência, produtos danificados, 11 custos com transporte, armazenagem e atrasos. Além disso, o estoque em excesso oculta problemas, como desbalanceamento de produção, entregas atrasadas dos fornecedores, equipamentos em conserto e longo tempo de setup (preparação). Figura 7 – Excesso de estoque 3.6 Movimento desnecessário Qualquer movimento inútil que os funcionários tenham que fazer durante o trabalho, tais como procurar, pegar ou empilhar peças, ferramentas, etc. Caminhar também é perda. Figura 8 – Movimento desnecessário 12 3.7 Defeitos (retrabalho) Produção de peças defeituosas ou correção. Consertar ou retrabalhar, descartar ou substituir a produção por inspeção significamdesperdícios com manuseio, tempo e esforço. Figura 9 – Retrabalho 3.8 Má utilização do pessoal (desperdício de criatividade) (este item não faz parte dos tipos de desperdícios catalogados pela Toyota) Perda de ideias, habilidades, melhorias e oportunidades de aprendizagem devido ao não ouvir os funcionários. Figura 10 – Má utilização de pessoal Por mais paradoxal que seja para um gestor, principalmente o gestor da produção, Ohno considerava o desperdício relativo à superprodução como o principal deles, pois gera a maioria dos outros tipos de desperdícios. 13 TEMA 4 – AGREGAÇÃO DE VALOR E LEAD TIME A figura a seguir mostra um processo de transformação muito simples onde é possível verificar a disparidade entre tempos de valor agregado e valor não agregado. Figura 11 – Disparidade entre tempos de valor agregado e valor não agregado Fonte: Liker, 2005, p. 49. Constatamos que o que agrega valor é o que realmente importa ao cliente. A isto é designado o termo de valor agregado, ou seja, tempo dos elementos que efetivamente transformem o produto ou serviço de uma maneira que o cliente esteja disposto a pagar. Outro elemento, o lead time, refere-se ao tempo que um produto ou um serviço leva para mover-se ao longo de todo um processo ou um fluxo de valor, desde o começo até o fim. O terceiro elemento, o tempo de processamento, é o tempo que um produto ou um serviço é realmente completado em um processo. Para entendermos melhor este conjunto de elementos, vejam o exemplo abaixo: • Fagundes foi ao banco pagar uma conta. Do momento em que ele entrou no banco até a sua saída, percorreram-se 45 minutos. O tempo de 14 atendimento foi de 5 minutos. Associando este acontecimento aos elementos acima, temos o seguinte: • Tempo de fila + atendimento = lead time (45 min.); • Tempo de atendimento = tempo de processamento (5 min.) • Valor agregado para o cliente = 5 min.) • % do valor agregado = Tempo de processamento / lead time *100 Para este caso específico, o cálculo é = 5 min. / 45 min. * 100 = 11,1%, ou seja, de todo tempo gasto neste processo, apenas 11,1% agregaram valor ao que o cliente realmente queria, que era pagar a sua conta. Os conceitos de valor e desperdícios muitas vezes remetem aos gestores a recorrerem erroneamente a literaturas e publicações que defendem que o STP é um conjunto de ferramentas que levam a operações mais eficientes. Não é como uma receita médica, pronta para atacar sintomas de ineficiência. De maneira mais ampla, o STP está relacionado a princípios. O foco está na fábrica, porém os princípios são amplos e aplicam-se em áreas como engenharia e administração, tanto na manufatura quanto a serviços. Figura 12 – Princípios administrativos De acordo com Liker (2005), “Basear as decisões administrativas em uma filosofia de longo prazo, mesmo que em detrimento de metas financeiras de curto prazo”. 15 TEMA 5 – CADEIA DE VALOR Num pensamento mais amplo, devemos considerar que é premissa que nenhuma empresa sobrevive sem lucro. Para alcançar este objetivo comum a todas as empresas, há dois caminhos a serem percorridos: a. Aumentar o preço de venda; b. Reduzir o custo. Nos dias de hoje, com a competitividade entre as empresas cada vez maior e com um consumidor mais crítico quando ao custo e a qualidade, torna- se quase que impossível concentrar-se na opção “a”, ou seja, aumentar o preço de venda. Resta então a opção “b”, que é a de reduzir o custo, mas para que isso ocorra, é necessária a redução dos desperdícios, a percepção do que é valor para o cliente e o entendimento de como funciona a cadeia de valor. 5.1 Definição de cadeia de valor Introduzido por Michael Porter em 1985, a ideia de cadeia de valor compreende um conjunto de atividades desempenhadas por uma organização, desde as funções de fornecimento, passando pelos ciclos de manufatura até a distribuição final e tem como objetivo identificar os principais processos dentro de uma organização. Baseia-se em um diagrama que representa uma visão macro de uma empresa, com a identificação das atividades primárias e de apoio, como veremos a seguir. Também tem por característica não se limitar à própria organização, expandindo as relações até os fornecedores e os distribuidores. 5.2 Identificação da cadeia de valor Uma forma eficiente de identificar tais atividades é analisar que quanto mais pessoas e áreas funcionais participarem de um processo, ou quanto mais níveis de aprovação existirem, maior a probabilidade de esse processo conter alta proporção de trabalhos que não agregam valor. Em muitos casos, os processos administrativos e de apoio têm mais atividades que não agregam valor do que os processos diretamente ligados à fabricação de um produto ou de prestação 16 de um serviço a um cliente. Quanto mais demorados os processos, maior a probabilidade de eles conterem etapas que não agregam nenhum valor. Segundo Dias (2005, p. 81), “a cadeia generalista de Porter é composta pelos conjuntos de atividades primárias e de atividades de apoio desempenhadas por uma organização, pela margem de valor acrescentado em cada uma das atividades e pelas relações estabelecidas entre si”. A seguir vamos entender em detalhes a identificação proposta por Porter. 5.2.1 Atividades primárias As atividades primárias relacionam-se diretamente com a elaboração física de um determinado bem, venda, manutenção e suporte de um produto ou serviço. As atividades primárias são as seguintes: a. Logística de entrada: Todos os processos relacionados com a recepção, controle de inventário, armazenagem de insumos, etc. Neste ponto, as relações com os fornecedores são um fator decisivo para a criação de valor. b. Operações: Atividades relacionadas com a transformação das matérias-primas em componentes ou produtos finais. Inclui maquinaria, embalagens, montagens e outras atividades de criação de valor que transformam inputs no produto final (outputs), para ser vendido aos clientes. c. Logística de saída: São as atividades associadas com a entrega do produto ou serviço ao cliente, incluindo sistemas de recolha, armazenamento e distribuição e podem ser internos ou externos à organização. d. Marketing e Vendas: Atividades relacionadas com a comercialização e a promoção do produto. São os processos que a empresa utiliza para convencer os clientes a comprarem os seus produtos ou serviços. As fontes de criação de valor aqui são os benefícios que se oferecem e o modo como os transmitem. e. Serviço: Atividades relacionadas com o serviço pós-venda que acrescentam valor ao produto oferecido. Referem-se a atividades que mantêm e aumentam o valor dos produtos ou serviços após a compra. Aqui, incluem-se o apoio ao cliente, serviços de reparação e/ou instalação, formação, atualizações, etc. (Porter, 1989). 5.2.2 Atividades de apoio ou suporte As atividades de apoio ou suporte, como o próprio nome diz, têm a função de suportar as atividades primárias. Conforme Porter (1989), são as seguintes: a. Infraestrutura: atividades relacionadas com a gestão global e a gestão da rede de relacionamentos da organização (planejamento, gestão da qualidade, administração, contabilidade, finanças); b. Gestão de Recursos Humanos: atividades associadas ao recrutamento, desenvolvimento (educação / treinamento), retenção e compensação de colaboradores e gestores. Uma vez que as pessoas são uma fonte de valor significativa, as empresas podem criar grandes vantagens se utilizarem boas práticas de RH. 17 c. Desenvolvimento Tecnológico: investimento aplicado em tecnologia que contribuipara a melhoria dos produtos ou processos. Inclui o desenvolvimento tecnológico para apoiar as atividades da cadeia de valor, como Pesquisa e Desenvolvimento (P&D), automação de processos, design, etc. d. Aquisição: atividades relacionadas com a compra de matérias- primas e outros inputs. Abrange todos os processos que a empresa realiza para adquirir os recursos necessários para se trabalhar: aquisição de matérias-primas, serviços, edifícios, máquinas, etc. Aqui também se inclui encontrar fornecedores com qualidade e negociar os melhores preços. Figura 13 – Esquema da cadeia de valor de Porter Fonte: Porter, 1989. 5.2.3 Margem Como mencionado anteriormente, a formação do preço de um produto passa obrigatoriamente pelo entendimento de valor do cliente. Não vamos entrar no detalhamento entre lucro (valor que sobra após todos os custos e despesas, sendo este positivo) e margem (diferença entre o valor de compra ou de produção de um produto e o valor de venda), no entanto, na cadeia de valor de Porter, margem é o valor que consiste no montante que os compradores estão dispostos a pagar pelo produto que uma organização oferece. Uma organização é rentável se o valor que o produto representa para o comprador é superior ao valor envolvido na sua criação. “A margem é a diferença entre o valor total e o custo coletivo da execução das atividades de valor” (Dias, 2005, p. 145). 5.2.4 Como utilizar a cadeia de valor de Porter (resumo) Os seguintes passos são necessários para identificação e compreensão da cadeia de valor em uma empresa: 18 1. Identificar as subatividades para cada atividade primária e determinar que subatividades específicas criam valor. Deve ter em conta que existem 3 tipos diferentes de subatividades: Atividades diretas: criam valor por si próprias Atividades indiretas: permitem que as atividades diretas funcionem sem problemas Atividades de garantia de qualidade: asseguram que as atividades anteriores cumprem os padrões necessários. 2. Identificar as subatividades para cada atividade de apoio. Determinar as subatividades que criam valor dentro de cada atividade primária. Por exemplo, como é que a gestão de recursos humanos pode criar valor na logística de entrada, operações, logística de saída, etc. Também aqui deve tentar encontrar atividades diretas, indiretas e de garantia de qualidade. Depois identifique as subatividades que criam valor na infraestrutura da empresa. 3. Identificar ligações. Encontrar as ligações entre todas as atividades de valor identificadas. Vai demorar tempo, mas estas ligações são cruciais no aumento da vantagem competitiva da estrutura da cadeia de valor. 4. Procurar oportunidades para aumentar o valor. Rever cada uma das subatividades e ligações identificados e pense como é que pode mudá-las ou melhorá-las de modo a maximizar o valor que oferece aos seus clientes. 5.2.5 Análise do fluxo de valor Para análise do fluxo de valor em uma empresa, deve-se identificar e separar os processos que efetivamente geram valor para o cliente (tanto externo quanto interno) daqueles que não agregam valor. Os primeiros devem ser maximizados e os demais, minimizados. Os que não geram valor e não são necessários para manutenção dos negócios da empresa devem ser eliminados. Após a identificação, separação e eliminação dos processos que agregam e não agregam valor, tem-se como premissa que os processos devam fluir dentro das organizações de uma maneira contínua, ou seja, obter uma fluidez. A visão de fluidez e continuidade dos processos organizacionais é comparada com a água que corre num rio, pelos autores Tapping e Shuker (2010) no livro Lean Office: gerenciamento do fluxo de valor para áreas administrativas. O fluxo de valor pode ser comparado ao fluxo de um rio onde não haja restrições e curvas acentuadas, de modo que a água corra tranquilamente e sempre num só sentido (sem retorno). Algumas empresas de origem japonesa fazem o uso do termo nagarê, que, em japonês, significa “correnteza, movimento ininterrupto” e é nisso que um sistema de fluxo de valor consiste. O que quer que esteja abaixo, na corrente, receberá, sem grande esforço, o fluxo vindo de cima. Cada processo da organização pode ser encarado como parte do rio na medida em que passa o resultado de seu trabalho (saída) para o próximo cliente interno da corrente. No gerenciamento do fluxo de valor, é desejável que as unidades de trabalho 19 fluam até os consumidores tão tranquilamente quanto possível, no entanto o que ocorre na prática (pelo menos na grande maioria das empresas) é existência de curvas acentuadas e restrições no processo que impedem esse fluxo tranquilo e contínuo. Para se chegar a essa fluidez nos processos, é necessário utilizar princípios e ferramentas adequadas, as quais serão apresentadas no decorrer dos nossos estudos. TROCANDO IDEIAS Nesta aula foi mencionado o caso da fila de um banco como exemplo de não agregação de valor. Para complementação dos nossos estudos, segue o resumo de um processo para abertura de uma microempresa com as principais atividades. O objetivo não é o de apenas e tão somente criar um ambiente crítico ao formato utilizado no Brasil, mas principalmente que vocês exercitem a observação dos processos e os avaliem em função do que vimos nesta aula, determinando quais atividades agregam valor (A) e quais não agregam valor (NA). Os processos foram descritos em forma de tabela para facilitar o entendimento. Eventualmente alguma atividade pode ter sido descartada, porém como o objetivo desse exercício é acadêmico, não afetará o resultado. Após o preenchimento das colunas “A” e “NA”, compartilhe com outros colegas e compare os resultados. 20 Tabela 1 – Esboço de um processo para abertura de uma microempresa Fonte: Passo..., 2017. Saiba mais Para aprimorar o conhecimento, leia as páginas 105 e 151 do seguinte livro, disponível na biblioteca virtual: WILDAWER, W. E.; WILDAWER, L. D. B. S. Mapeamento de processos: conceitos, técnicas e ferramentas. Curitiba: InterSaberes, 2015 NA PRÁTICA Muito se fala em redução de desperdícios, porém na prática do dia a dia não é bem isso que se vê. Desperdícios são observados nas mais diversas áreas, começando com o manuseio de alimentos, que é algo vital para a sobrevivência do ser humano. Segundo a Embrapa (Cruz, 2016), “40.000 ton. de 21 alimentos são desperdiçados por dia no Brasil”. Na construção civil, com processos nem um pouco otimizados, há um grande desperdício na utilização de materiais, e, como mais um exemplo, temos também o desperdício de água potável no Brasil, que segundo a ONU, está em torno de 40% do potencial hídrico. O exemplo apresentado no artigo “Reduza desperdícios na panificação com a pré-pesagem” mostra de forma simples uma forma de reduzir desperdício na panificação. Leia o artigo para responder às questões sobre ele, disponível em <http://www.sebrae.com.br/sites/PortalSebrae/artigos/reduza-desperdicios- na-panificacao-com-a-pre- pesagem,e97c9a6053947510VgnVCM1000004c00210aRCRD>. 1. Quais dos tipos desperdícios estudados nessa aula foram utilizados nesse caso? 2. Qual a dificuldade de se implantar esse tipo de melhoria? FINALIZANDO Desperdício e valor, no contexto de mapeamento de processos, estão em posições opostas. Por que o que parece tão óbvio, como distinguir o que é valor para o cliente e o que é desperdício, normalmente deixa de ser atacado pelas empresas? As respostas poderiam ser falta de foco, ausência de uma cultura de combate aos desperdícios, não reconhecimento das reais necessidades dos clientes etc. O exemplo do forte trabalhode eliminação de desperdícios executado pela Toyota reforça a necessidade de se inserir esse item como uma das metas do gestor. Mais do que isso, vale ressaltar que não basta apenas combater o desperdício; é necessário também verificar onde ele ocorre e eliminá-lo de forma sistêmica, para que não volte a ocorrer. Por experiência, muitas vezes as empresas tentam iniciar um programa baseado na cultura STP (ou just in iime, ou lean manufacturing, ou produção enxuta, como queiram denominar), no entanto o que acontece é uma abordagem totalmente ineficaz, em que se atacam pontos isolados de um processo macro, e os resultados prosperam apenas por um espaço curto de tempo. Como o resultado não atende aos objetivos imediatistas da empresa, o programa é abandonado e normalmente se ouve o seguinte: “os conceitos do TPS não funcionam nesta empresa”. 22 Entender o que o cliente de fato deseja e trabalhar para que seus desejos sejam realizados também é crucial na gestão de uma organização. É nesse ponto que se começa a entender o conceito de valor e como ele se relaciona com o cliente. De posse dos conhecimentos de como eliminar os desperdícios e de como gerar valor aos clientes, fica muito mais fácil e “agradável” partir para o mapeamento de processos. Segundo Rother e Shook (2009), no livro Aprendendo a enxergar, “sempre que há um produto para um cliente, há um fluxo de valor. O desafio é enxergá-lo”. 23 REFERÊNCIAS A “CASA” do STP – Sistema Toyota de Produção. Blog do David, 20 jun. 2010. Disponível em: <https://davidkond.wordpress.com/2010/06/28/casastp/>. Acesso em: 28 maio 2018. COM ÊXITO – CURSOS GRAVADOS. Disponível em: <http://comexito.com.br/>. Acesso em: 28 maio 2018. CRUZ, E. P. Brasil desperdiça 41 mil toneladas de alimento por ano, diz entidade. Agência Brasil, 30 jun. 2016. Disponível em: <http://agenciabrasil.ebc.com.br/economia/noticia/2016-06/brasil-desperdica- 40-mil-toneladas-de-alimento-por-dia-diz-entidade>. Acesso em: 28 maio 2018. DIAS, J. C. Q. Logística global e macrologística. Lisboa: Edições Sílabo, 2005. FERREIRA, A. B. H. Novo Aurélio Século XXI: o dicionário da língua portuguesa. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1990. LIKER, J. K. O modelo Toyota: 14 Princípios de gestão do maior fabricante do mundo. Porto Alegre: Bookman, 2005. OLIVER, P. R. C. Projetos de ECM/BPM – os segredos da construção, v. 1. São Paulo: Biblioteca 24 Horas, 2010. SEBRAE – Serviço Brasileiro de Apoio à Micro e Pequena Empresa. Passo a passo para o registro de sua empresa. 17 jul. 2017. Disponível em: <http://www.sebrae.com.br/sites/PortalSebrae/artigos/passo-a-passo-para-o- registro-da-sua-empresa,665cef598bb74510VgnVCM1000004c00210aRCRD>. Acesso em: 28 maio 2018. PAVANI JUNIOR, O.; SCUCUGLIA, R. Mapeamento e gestão por processos – BPM. São Paulo: M. Books 2011. PORTER, M. P. Vantagem competitiva: criando e sustentando um desempenho superior. 27. ed. Rio de Janeiro: Campus, 1989. ROTHER, M.; SHOOK, J, Aprendendo a enxergar – mapeando o fluxo de valor para agregar valor e eliminar o desperdício. São Paulo: Lean Institute Brasil, 2009. 24 SERAFIM, A. O modelo de cadeia de valor de Michael Porter. Portal Gestão, 13 mar. 2013. Disponível em: <https://www.portal-gestao.com/artigos/6991-o- modelo-de-cadeia-de-valor-de-michael-porter.html>. Acesso em: 28 maio 2018. TAPPING, D.; SHUKER, T. Lean Office – Gerenciamento do fluxo de valor para áreas administrativas. São Paulo: Hemus, 2010. WILDAWER, W. E.; WILDAWER, L. D. B. S. Mapeamento de processos: conceitos, técnicas e ferramentas. Curitiba: InterSaberes, 2015. WOMACK, J. P.; JONES, D. l. T.; ROOS, D. A máquina que mudou o mundo. 2. ed. Rio de Janeiro: Campus, 2004. Conversa inicial Contextualizando TEMA 1 desperdício e valor TEMA 2 histórico stp TEMA 3 os sete desperdícios TEMA 4 agregação de valor e lead time TEMA 5 cadeia de valor TROCANDO IDEIAS NA PRÁTICA FINALIZANDO REFERÊNCIAS CRUZ, E. P. Brasil desperdiça 41 mil toneladas de alimento por ano, diz entidade. Agência Brasil, 30 jun. 2016. Disponível em: <http://agenciabrasil.ebc.com.br/economia/noticia/2016-06/brasil-desperdica-40-mil-toneladas-de-alimento-por-dia-diz-entidad... SERAFIM, A. O modelo de cadeia de valor de Michael Porter. Portal Gestão, 13 mar. 2013. Disponível em: <https://www.portal-gestao.com/artigos/6991-o-modelo-de-cadeia-de-valor-de-michael-porter.html>. Acesso em: 28 maio 2018. TAPPING, D.; SHUKER, T. Lean Office Gerenciamento do fluxo de valor para áreas administrativas. São Paulo: Hemus, 2010.
Compartilhar