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Gênero e sexualidade na formação de docentes em Biologia

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I 
Universidade Federal do Paraná – UFPR 
Setor de Ciências Humanas, Letras e Artes – SCHLA 
Departamento de Ciências Sociais – DECISO 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Gênero e sexualidade na formação de docentes em Biologia 
 
 
 
 
 
 
 
Leandro Corsico Souza 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Curitiba, 2008
 I 
 
Universidade Federal do Paraná – UFPR 
Setor de Ciências Humanas, Letras e Artes – SCHLA 
Departamento de Ciências Sociais – DECISO 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Gênero e sexualidade na formação de docentes em Biologia 
 
 
 
 
 
Monografia apresentada como requisito 
para a obtenção do grau da Bacharelado, 
do Curso de Ciências Sociais, Setor de 
Ciências Humanas, Letras e Artes da 
Universidade Federal do Paraná. 
 
Orientadora: Profª Dra. Marlene Tamanini 
 
 
 
 
 
 
 
Curitiba, 2008 
 
 
 
II 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Dedico este trabalho à minha 
família, pelo auxílio em todos os 
momentos e pelo amor 
incondicional. 
 
 
 
 
III 
Agradecimentos 
Embora seja um clichê, não posso deixar de agradecer, em primeiro lugar, a 
minha orientadora, Profª Marlene Tamanini: pelos ensinamentos, por sua incansável 
disposição em ajudar, por sua paciência infindável e por sua inexplicável confiança de 
que eu poderia concluir este trabalho, mesmo quando eu não lhe dava qualquer indício 
de que isso seria possível. 
Tenho que agradecer, logo em seguida, ao meu orientador de Iniciação 
Científica e grande amigo Prof. Nilson Fernandes Dinis, responsável por me colocar 
nesta surpreendente “viagem pelo mundo da diversidade” (parafraseando aqui a 
dedicatória de um livro que generosamente me foi dado por ele). 
Agradeço também a todos os professores e colegas do Curso de Ciências 
Sociais, sem os quais não teria aprendido o necessário para realizar esta pesquisa. E 
também a todos os colegas de trabalho (docentes, discentes e técnico-administrativos) 
do Setor de Educação da UFPR, pela cooperação e amizade. Embora não seja uma boa 
hora pra distinções, não posso deixar de citar especialmente os nomes da Profª Tânia 
Stoltz, uma grande incentivadora, e de Maria Tereza da Silva, minha companheira de 
trabalho e “mãe adotiva” dentro da instituição. 
Tenho que agradecer igualmente aos sempre solícitos e gentis técnicos/as e 
professores/as do Setor de Ciências Biológicas, assim como aos/às estudantes do Curso, 
que, como objetos de minha investigação, tiveram que agüentar, dentre outras coisas, 
atrasos no seu horário de almoço e insistentes pedidos para conversar em momentos 
nem sempre oportunos para o bem do meu trabalho. 
Agradeço, finalmente, à minha família: aos meus amorosos e dedicados 
pais, que, dentre tantas outras coisas, me ensinaram que o afeto, a gentileza e a 
compreensão devem ser, em detrimento da autoridade e do pré-julgamento, a base das 
relações humanas. E à minha sempre querida irmã, que irradiou sobre esse trabalho sua 
inquietação e seu bom humor. 
 
 
 
 
 
 
 
 
IV 
Resumo 
O presente trabalho tem como objetivo verificar as concepções dos/as 
formandos/as do Curso de Ciências Biológicas da Universidade Federal do Paraná – 
UFPR acerca dos temas gênero e sexualidade, buscando assim compreender como foi 
articulada sua formação e quais as posições que estes/as futuros/as docentes de biologia 
levarão à instituição escolar no que tange o relacionamento com pessoas de diferentes 
identidades sexuais e de gênero. Justifica-se a relevância desta investigação na medida 
em que, usualmente, a/o professor/a da disciplina “Biologia” é um/a dos/as agentes que 
irão disseminar saberes acerca dos corpos e da atividade sexual, bem como colaborar 
com a solução de conflitos relacionados a sexualidade de alunas/os, docentes e 
funcionárias/os no ambiente escolar. 
Para tanto, esta pesquisa valeu-se de mais de um expediente metodológico. 
O primeiro esforço, neste sentido, foi a aplicação de um questionário com 28 questões 
sobre gênero, sexualidade e diversidade sexual a 88 (oitenta e oito) alunos/as do curso. 
Como aprofundamento desta investigação, foram realizadas também 5 (cinco) 
entrevistas não-diretivas, a fim de, a partir destas falas, entender melhor os 
posicionamentos expressos no questionário. 
A análise foi realizada a partir de uma revisão teórica centrada na relação 
entre sexo e gênero e na normatização das condições sexuais, assim como na relação 
destes dois eixos com as práticas educativas. Deste modo, constatou-se que as 
concepções dos entrevistados do que seja gênero e condição sexual são marcadas por 
uma conciliação das dimensões biológica e cultural. Tais concepções refletem-se na 
articulação de um posicionamento que pode ser classificado como politicamente 
correto, com idéias essencialistas e normatizadoras no que diz respeito à conduta do 
homossexual e à divisão dos sexos em masculino e feminino. 
Por fim, o trabalho mostra o vínculo destas concepções com a formação 
recebida pelas/os alunas/os do curso de ciências biológicas, além de discutir suas 
possíveis implicações no campo da educação. 
 
Palavras-chave: formação de professores; gênero; sexualidade. 
 
 
 
 
 
 
V 
SUMÁRIO 
 
Resumo............................................................................................................................IV 
Introdução.........................................................................................................................6 
1. Estrutura da Pesquisa...................................................................................................10 
1.1 Justificativa.......................................................................................................10 
1.2 Objetivos...........................................................................................................13 
1.2.1 Objetivos gerais....................................................................................13 
1.2.2 Objetivos específicos............................................................................13 
1.3 Hipóteses de pesquisa.......................................................................................14 
1.4 Questões metodológicas...................................................................................14 
2. Gênero, sexualidade e educação: uma breve revisão...................................................20 
2.1 Sexo e Gênero...................................................................................................20 
2.1.1 Do dado biológico à construção social.................................................21 
2.1.2 Gênero pela perspectiva pós-estruturalista...........................................25 
2.2 Gênero e sexualidade........................................................................................29 
2.2.1 Um esboço da Sociologia da sexualidade.............................................29 
2.2.2 Foucault e a sexualidade.......................................................................30 
2.3 Ensino de biologia e controle de identidades na educação...............................31 
3. Algumas considerações preliminares sobre as concepções de gênero e sexualidade 
nas ciências biológicas..................................................................................................35 
3.1 No reino do empírico, governo do politicamente correto.................................36 
3.2 Aceitação condicional e limites da diversidade................................................39 
4. Percepção de gênero e sexualidade e formação de docentes.......................................42 
4.1 O que você entende porgênero e sexualidade?................................................42 
4.2 O que lhe ensinaram sobre gênero e sexualidade?...........................................46 
5. Conclusões...................................................................................................................51 
6. Referências Bibliográficas...........................................................................................56 
 
 
 
 
 
 
 
6 
Introdução 
 
Uma máxima bastante conhecida e repetida quando se trata de discussões de 
metodologia de pesquisa e da escolha de um tema é: “não escolhi este objeto, ele me 
escolheu”. A afirmação, na maioria das vezes, denota uma situação de atração inevitável 
entre questões de ordem pessoal/subjetiva e um problema de pesquisa. É custoso 
reconhecer, contudo, que nada era mais distante disto do que meu posicionamento frente 
às discussões de gênero e sexualidade. 
Ao ingressar no curso de Ciências Sociais da UFPR no já distante ano de 
2001 e ao tomar progressivamente conhecimento dos grandes temas sociológicos e das 
discussões políticas que ocorriam na Universidade, estava impregnado daquele 
deslumbramento com a vida acadêmica e daquele engajamento político típicos do 
estudante de esquerda iniciante. Classe social, cidadania, participação política e Estado 
– tais eram meus temas de interesse, e eu contava que as ciências sociais me ajudassem 
a entendê-los. 
Questões de gênero e de sexualidade me pareciam menores do ponto de 
vista teórico e político. De um lado, desagradava-me que meu (tosco) ideal de 
emancipação dos seres humanos, em sua totalidade, fosse perturbado por problemas que 
me pareciam ou pontuais ou meros sintomas de uma disputa social muito mais profunda 
e complexa. De outro, acreditava que trazer para o debate público questões relativas ao 
“doméstico” ou ao “pessoal” era menosprezar lutas muito mais urgentes e relevantes, 
quando não uma manifestação acadêmica do “emocionalismo” e da exposição da 
intimidade que tomam conta das relações de sociabilidade em nossos tempos. Ora, era 
razoável supor que o cumprimento integral do estatuto dos direitos civis e políticos já 
bastava para dar conta da pauta dos movimentos feministas e gays. E que, desta forma, a 
abordagem sociológica do problema não poderia ir além da discussão da cidadania e dos 
direitos humanos. Simples assim. 
Por sorte, com o passar do tempo e do Curso, comecei a valorizar mais 
temas ligados à dimensão da cultura e do simbólico. Ao mesmo tempo, um positivo 
ceticismo que adquiri frente minhas antigas ilusões de ordem política contribuíram para 
que eu dedicasse maior atenção às reivindicações dos chamados “novos sujeitos”. Ainda 
assim, essa aproximação com os temas não refletia-se em qualquer tipo de ação mais 
efetiva. Não me imaginava realizando pesquisas no campo de gênero e sexualidade e 
não era tão difícil encontrar os porquês. 
 
 
 
7 
Havia cursado algumas disciplinas nas quais o tema gênero foi abordado e a 
referência bibliográfica era quase que exclusivamente feminina. Meu pensamento era de 
que o campo permitia apenas acesso às mulheres e que eu, como homem, devia portar-
me no máximo como um espectador simpatizante. Do mesmo modo, não me sentia 
confortável em trabalhar temas como homossexualidade publicamente – o assunto me 
interessava na sua dimensão psicológica, mas meu contato com ele limitava-se às 
conversas e trocas de experiência com pessoas íntimas, com quem eu havia estabelecido 
relação de confiança. 
Assim, minha aproximação com estas temáticas se deram de maneira quase 
acidental. Em 2004 ingressei no quadro técnico-administrativo da UFPR, sendo lotado 
no Setor de Educação, onde conheci o professor Nilson Fernandes Dinis, da área de 
Psicologia da Educação, que realizava pesquisas dentro dos eixos temáticos educação, 
gênero e sexualidade. Através do nosso contato profissional e pessoal, contribuindo 
também a orientação multidisciplinar das suas pesquisas, fui tendo maior contato com 
textos teóricos sobre gênero e diversidade sexual, o que redundou na minha participação 
no projeto intitulado “Representações sobre homossexualidade e gênero na formação de 
docentes”. 
Com vistas à possibilidade de reformulação curricular e à maior inserção 
das discussões de gênero e sexualidade nos cursos de licenciatura, o referido projeto 
buscava mapear algumas das representações/concepções que os/as futuros/as docentes 
levariam à educação infantil, ensino fundamental e ensino médio. Dada a limitação de 
tempo e recursos do projeto, decidiu-se priorizar o levantamento nos cursos onde gênero 
e sexualidade assumiam uma posição mais decisiva, tais como psicologia, pedagogia, 
educação física, ciências sociais1 e ciências biológicas. Coube a mim a aplicação de 
questionários e análise preliminar dos dados deste último. A participação na pesquisa 
despertou-me definitivamente para as questões de gênero e sexualidade, a ponto de 
torná-las um dos meus principais interesses dentro das ciências sociais. 
A revisão teórica ali realizada, bem como a discussão da metodologia e dos 
dados, mostrava-me que as questões de gênero e sexualidade eram relacionais e, 
portanto, diziam respeito a todos, ainda que a experiência destas relações seja diferente 
para cada um. A representação do eu está ligada diretamente à representação do outro. 
 
1
 Infelizmente, por razões de ordem pessoal e administrativa, não foi possível dar seqüência aos 
levantamentos que haviam sido realizados. Assim, o curso de ciências sociais foi o único, entre os 
citados, nos quais não foi realizado o levantamento. 
 
 
 
8 
Alteridade, neste sentido, não é um mero chavão politicamente correto, mas um 
princípio epistemológico. 
Além dessa decisiva contribuição, o trabalho especificamente com o curso 
de ciências biológicas trouxe-me uma via de entrada para verificar as seguintes questões 
sociológicas/educacionais que sempre me interessaram e que perpassam todo este 
trabalho: a) qual a relação entre o biológico e o social/cultural no que se refere ao 
gênero e à condição sexual e quais as conseqüências de explicar as relações sociais pela 
idéia do natural na formação de docentes? b) Este discurso de naturalização opera, 
atualmente, na formação em ciências biológicas? c) É correto supor que o conhecimento 
produzido no campo das ciências biológicas, mais especificamente na formação de 
professores de biologia, contribui para a difusão de noções de que a diferenças entre 
gêneros e a heterossexualidade são fenômenos naturais? 
Certamente não tenho a pretensão nem a vontade de responder estas 
questões de forma definitiva neste trabalho. Desejo, contudo, cartografar algumas das 
concepções sobre gênero e sexualidade de estudantes de licenciatura e, portanto, 
futuros/as docentes de ciências biológicas da Universidade Federal do Paraná - UFPR, 
buscando discutir como estas se refletem no discurso da biologia aplicado à instituição 
escolar. Além de aprofundar a análise dos dados já coletados – conforme resultados da 
pesquisa mencionada, da qual fui participante -, busco ampliar o tema através de uma 
nova abordagem metodológica, a fim de delimitar com mais clareza a operação das 
categorias de biológico e cultural no discurso das ciências biológicas e seu reflexo 
nestas concepções. 
O ato de cartografar, aqui, se dá no sentido esboçado por Rolnik (2006, 
apud SILVA, 2008, p. 10), ou seja, como uma ação que vai para além do simples 
mapeamento dos aspectos fixos, exteriores e visíveis de uma determinada realidade. A 
cartografia destas percepções relacionadas ao saber das ciências biológicas, portanto, 
vai na direção da capacidade de apreender, sem nenhuma ambição de revelação da 
verdade ou de totalização, aqueles aspectosmais dinâmicos e invisíveis das relações de 
poder, utilizando-se de todas as falas possíveis, sem hierarquização, para se atingir este 
fim. 
Para tanto, no primeiro capítulo, irei esboçar o tema da minha pesquisa, a 
justificativa desta abordagem e o desenvolvimento da metodologia. Este 
desenvolvimento, conforme adiantei genericamente acima, consistiu na passagem de 
uma análise sustentada em questionários para a uma pesquisa de campo que conciliou 
 
 
 
9 
entrevistas semi-estruturadas com a observação dos conteúdos programáticos que 
constituem o curso de ciências biológicas da UFPR. 
No segundo capítulo, faço uma breve revisão teórica dos conceitos de 
gênero e sexualidade à luz das ciências sociais e dos estudos em educação, no sentido de 
explicitar o viés da nossa abordagem e a terminologia que utilizarei ao longo do meu 
trabalho. Como seria óbvio supor, tentei trazer aqui autores e obras que promovem uma 
discussão entre biologia e cultura, bem como aqueles que provem uma problematização 
entre saber, poder regulador/normatizador e, dentro das possibilidades, a educação. 
A partir do terceiro capítulo apresento os resultados, de natureza 
quantitativa e discursiva, que obtive em minha primeira ida a campo, ainda vinculada à 
proposta inicial do projeto de pesquisa do Setor de Educação. A partir dos elementos 
mais destacados dessa análise preliminar, construirei a discussão do capítulo seguinte, 
onde irei expor e analisar os traços gerais do currículo do curso de ciências biológicas 
da UFPR e as falas dos estudantes, dialogando aqui com a estruturação da pesquisa (em 
suas hipóteses e objetivos) e com o arcabouço teórico já apresentado. 
Como de praxe, no último capítulo seguirão as minhas conclusões. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
10 
1. Estrutura da pesquisa 
 
1.1 Justificativa 
Usando do expediente mais comum na introdução de uma pesquisa, convêm 
perguntar, antes de tudo, a respeito da sua relevância. Porque é importante, então, 
investigar as concepções sobre gênero e sexualidade de estudantes de ciências 
biológicas? 
Um primeiro ponto diz respeito ao próprio embate teórico entre as 
perspectiva cultural/política e a biológica. Em grande medida, pode-se dizer que a 
emergência dos estudos culturais sobre gênero e sexualidade foi uma resposta às 
perspectivas biologizantes acerca destas temáticas. Debater a oposição entre o dado 
biológico e a construção cultural/discursiva, algo que este objeto proporciona, é, 
portanto, atingir um dos corolários fundamentais de uma discussão que considero de 
extrema importância nas ciências sociais e nos estudos em educação. 
É preciso considerar, ainda, que estudos recentes em campos como genética 
e psicologia evolutiva, a despeito de todas as tentativas de grande parte dos movimentos 
feministas e gays em trazer o debate para os planos cultural e político, insistem em 
explicar pela biologia ou pela “história natural” as diferenças entre sexos e entre 
orientações sexuais. Como aponta Citeli, 
Se as sensibilidades de nossa época trazem um certo desconforto diante dos 
pressupostos sexistas e racistas presentes na obra de cientistas de dois 
séculos atrás, não podemos nos deixar levar pela idéia de que, nos anos 
recentes, o ‘avanço inevitável da ciência’ tenha banido de seus conteúdos os 
pressupostos que levam à exagerada e seletiva atenção dedicada a identificar 
diferenças sexuais, que são projetadas como naturais e servem de base a 
metáforas poderosas. (CITELI, 2001, p. 136) 
 
A maior participação das mulheres na economia, política e vida acadêmica, 
bem como o repúdio as formas visíveis de preconceito contra as minorias sexuais, 
tendem a homogeneizar o discurso da imprensa especializada e do “senso comum 
esclarecido” dentro dos limites do politicamente correto. Todavia, estes limites parecem 
conviver muito bem com um crescente interesse por explicações de cunho biológico. 
Uma rápida consulta a exemplares da revista Superinteressante – relevante 
aqui por sua proposta de divulgação científica e pela sua tiragem que supera os trezentos 
mil exemplares – de uma coleção pessoal que compreende os anos de 2005, 2006 e 
2007 confirmam este argumento. Embora com postura progressista frente a questões 
comportamentais, a revista dá destaque a entrevistas como a do neurocientista Steven 
 
 
 
11 
Pinker, para quem “a evidência científica de que há diferenças naturais entre homens e 
mulheres é bem clara. Eu não acho que esse seja um tema controverso no mundo 
científico – a controvérsia é causada por razões políticas” (REVISTA 
SUPERINTERESSANTE, 2006b, p. 19). Essas diferenças naturais supostamente 
explicariam, por exemplo, a aptidão dos homens para estudos relativos a objetos 
inanimados e sistemas com regras abstratas, enquanto as mulheres teriam maior vocação 
para os estudos concernentes à vida e as pessoas. 
Em outra entrevista, talvez mais significativa por estabelecer relações com 
questões de ordem comportamental e moral, o psicólogo evolucionista David Buss 
afirma que, na busca por seus parceiros, “todos querem alguém inteligente, atencioso, 
saudável, compreensivo e com valores parecidos com os seus. Mas as mulheres buscam 
parceiros com capacidade de prover recursos, status financeiro e social, além de 
ambição e capacidade de trabalho” (REVISTA SUPERINTERESSANTE, 2005, p. 35). 
Em outra passagem, diz Buss que “no caso dos homens, há o desejo da variedade 
sexual, que incentiva a procura do maior número de parceiras” (Idem, p. 34). A 
explicação para estes interesses conflitantes pode ser encontrada em sua própria 
definição da perspectiva da psicologia evolucionista, qual seja: “em vez de ver a mente 
humana como uma folha em branco preenchida pela cultura, a vemos como uma 
coleção de adaptações com funções próprias” (Idem, Ibidem). 
Questões relativas à condição sexual também não escapam de abordagens 
biológicas. Escolhida como uma das 20 melhores reportagens da revista (REVISTA 
SUPERINTERESSANTE, 2006c, p. 66 -71), o artigo “Toda forma de amor vale a 
pena” resume as principais posições do livro Biological Exuberance – Animal 
Homosexuality and Natural Diversity, do biólogo norte-americano Bruce Bagemihl, 
quais sejam: embora diga reconhecer a especificidade do comportamento sexual 
humano, sua pesquisa busca catalogar e explicar casos de “homossexualidade” entre 
animais2. Outra reportagem, com o sugestivo título “Por que os gays são gays?”, 
enuncia que: 
Historicamente, as respostas se dividiam entre os que defendiam que uma 
pessoa nasce gay e as que sustentavam que nos tornamos gays, bi ou 
heterossexuais dependendo do ambiente em que vivemos. Mas, nos últimos 
anos, pesquisadores começaram a apontar novos – e surpreendentes – 
caminhos. As maiores novidades vêm dos estudos biológicos. Eles indicam 
 
2
 Vale ressaltar que a escolha da reportagem para uma edição tão seleta da revista é justificada pela 
própria revista em razão da “polêmica” e “controvérsia” causadas entre os leitores; polêmica esta que 
explica-se menos pela questionável utilização de categorias sociais em animais do que pela repercussão 
negativa de uma suposta naturalidade da condição homossexual. 
 
 
 
12 
que a formação da sexualidade acontece antes do nascimento – em parte 
pelos genes, mas também por fatores que atuam no desenvolvimento do feto. 
(REVISTA SUPÉRINTERESSANTE, 2006a, p. 72) 
 
Em suma, parece-me salutar a tentativa de questionar esta perspectiva e 
perceber em que medida (ou não) a formação na licenciatura em ciências biológicas, em 
nosso contexto, é direcionada para este viés de essencialização e naturalização. 
Isto leva-nos ao segundo ponto, que diz respeito à especificidade do cursoescolhido. Embora não seja exclusividade dos cursos de ciências biológicas trabalharem 
temas relacionados à sexualidade e gênero, sabe-se que é competência da disciplina 
“biologia”, tratar conteúdos como doenças sexualmente transmissíveis, fisiologia e 
reprodução humana no ensino fundamental e no ensino médio, nos quais é 
especialmente difícil determinar a fronteira que separa os conceitos científicos das 
ciências naturais de um discurso moralizante em relação ao sexo para crianças e 
adolescentes. 
A partir da elaboração dos Parâmetros Curriculares Nacionais, sendo um de 
seus temas transversais voltado exclusivamente à sexualidade, a educação tem sido 
forçada a debater tais temas. Na emergência de conflitos sexuais ligados ao exercício 
sexual de alunas e alunos, a solução geralmente encontrada pela escola tem sido a 
convocação de palestras com especialistas da área da medicina e da psicologia, ou a 
recorrência ao/à docente da área da biologia, que com suas aulas viria “apazigüar” um 
exercício da sexualidade codificado como ilegítimo3. 
Um último ponto é relativo à formação de professores/as nos cursos de 
licenciatura. Cabe perguntar: o que a Universidade vêm fazendo no sentido de uma 
formação que contemple conteúdos e práticas referentes às diversidades sexual e de 
gênero? Em que medida ela incorporou a discussão destes temas em suas licenciaturas? 
Estas/es futuras/os profissionais estão aptas/os a realizá-la? 
 
 
 
 
 
 
3
 Em conversas com docentes da UFPR que ministram a disciplina de “Prática de Ensino em Biologia”, 
fui informado que, de fato, discutir e resolver questões relacionadas à sexualidade dos alunos é uma das 
principais exigências que diretores/as, pedagogos/as e demais professores/as fazem ao profissional da área 
de biologia. A outra, diga-se de passagem, seria abordar os problemas relativos à drogadição. 
 
 
 
13 
1.2 Objetivos 
 
1.2.1 Objetivos Gerais 
A presente pesquisa tem como objetivo analisar as concepções acerca de 
sexualidade e gênero no discurso da biologia. Pretendemos, com isto, obter respostas 
acerca das concepções que as/os futuras/os licenciadas/os no curso de ciências 
biológicas levarão ao espaço escolar, buscando compreender, de modo mais geral, seu 
entendimento sobre estas temáticas e sua capacidade de discutí-las, bem como as pré-
noções e preconceitos interferentes no relacionamento com pessoas de diferentes 
gêneros e orientações sexuais. 
Queremos investigar, portanto, a possível construção de um discurso 
naturalizante sobre gênero e sexualidade dentro do atual currículo do curso de 
licenciatura em ciências biológicas da UFPR. Coloca-se como problema, desta forma, 
compreender se a formação em ciências biológicas e a produção de conhecimento na 
área de biologia em si, repercutem nas concepções sobre gênero e sexualidade de 
seus/suas licenciandos/as e na sua futura atuação profissional como professores/as e se, 
desta maneira, contribuem para a reprodução de concepções sexistas e heteronormativas 
no ambiente educacional. 
 
1.2.2 Objetivos Específicos 
São definidos como objetivos específicos desta pesquisa: 
• Levantar os posicionamentos das/dos futuras/os professoras/es 
de ciências biológicas quanto à relação entre gêneros e à 
diversidade sexual no contexto do ambiente escolar; 
• Expor e analisar as concepções de estudantes de ciências 
biológicas no que tange aos temas gênero e sexualidade, 
buscando determinar sua filiação teórica e sua posição 
epistemológica dentro da interseção biologia/cultura; 
• Entender como os temas gênero e sexualidade são abordados na 
formação em licenciatura em ciências biológicas a nível 
curricular e discutir, do ponto de vista sociológico, seus 
reflexos na instituição escolar. 
 
 
 
 
 
14 
1.3 Hipóteses de Pesquisa 
A princípio, a pesquisa partiu da hipótese de que a formação em ciências 
biológicas recebia uma grande e direta influência de campos como a genética, a 
neurociência e a psicologia evolutiva, e que isto se refletia, primeiro, em concepções 
essencialistas e naturalizantes quanto às diferenças em mulheres e homens e quanto à 
condição sexual, e depois, como conseqüências destas, em posições preconceituosas 
do/as estudantes. 
Parecia-me plausível supor que as diferenças socialmente construídas entre 
gêneros e à normatização quanto ao exercício da sexualidade seriam entendidas, tendo 
em vista esta formação, exclusivamente em termos de disposições naturais, de 
diferenças fisiológicas/ hormonais/ genéticas e de patologias. E que estas concepções, 
fruto deste conhecimento das ciências biológicas, se desdobraria em um discurso 
legitimador e produtor de distinções e exclusão na instituição escolar. 
O meu contato inicial com os dados obtidos no curso, da onde parte esta 
pesquisa, e minha leitura mais atenta da teoria pós-estruturalista de gênero e da 
abordagem de Foucault4 da sexualidade, levaram-me a complexificar mais as minhas 
dúvidas, no sentido de considerar que, em uma formação atual em um curso de 
licenciatura, a questão vai além de um ultra-determinismo biológico contra uma base 
humanista e construtivista. 
Assim, coloca-se em suspeita, justamente, que a integração de um conteúdo 
voltado à “aceitação das diferenças” e “tolerância” ao currículo das ciências biológicas 
produza automaticamente um desaparecimento de concepções discriminatórias e 
sexistas. Ao contrário, supomos justamente que a incorporação desta postura “inclusiva” 
do campo da educação gera apenas novos modelos nos quais se reproduz, ainda que em 
uma forma mais opaca e, por isto mesmo, menos perceptível, a normalização das 
identidades masculina e feminina e a orientação à heterossexualidade. 
 
1.4 Questões Metodológicas 
Disse Bourdieu que 
o homo academicus gosta do acabado. Como pintores acadêmicos, ele faz 
desaparecer dos seus trabalhos os vestígios da pincelada, os toques e os 
retoques: foi com certa ansiedade que descobri que pintores como Couture, o 
mestre de Manet, tinham deixado esboços magníficos, muito próximos da 
pintura impressionista – que se fez contra eles – e tinham muitas vezes 
 
4
 Esta abordagem será explicada, com as devidas referências, no item 2.2.2. 
 
 
 
15 
estragado suas obras julgando dar-lhes os últimos retoques, exigidos pela 
moral do trabalho bem feito. (BOURDIEU, 2002, p. 19) 
 
A afirmação não trata, de forma alguma, de algum tipo de apologia à 
completa improvisação ou à displicência quanto ao trabalho de pesquisa, mas de 
reconhecer que a construção do objeto e as opções metodológicas aí implicadas se dão 
em um processo que envolve interrupções, dúvidas e erros. Não buscarei encobrir aqui, 
portanto, os atropelos e limitações que acabaram por constituir a metodologia que 
apliquei à minha pesquisa. 
Conforme adiantei em minha Introdução, meu interesse nos temas gênero e 
sexualidade e o trabalho realizado junto às ciências biológicas se deram, na maior parte, 
por conta do meu envolvimento com o projeto de pesquisa “Representações sobre 
homossexualidade e gênero na formação de professores”. Eu pretendia, a princípio, 
sustentar minha pesquisa em apenas uma análise aprofundada destes dados já coletados. 
Convêm explicitar que a metodologia escolhida quando da realização deste 
projeto de pesquisa foi a aplicação de questionários com 28 questões sobre gênero, 
sexualidade e diversidade para alunos do último ano de ciências biológicas da UFPR. 
Esta aplicação deu-se em sala de aula, conforme acordo prévio com docentes do Setor 
de Ciências Biológicas e do Setor de Educação que ministram disciplinas para alunas/os 
do último período do curso. Os/as próprios/as alunos/as, em sua maioria jovenscom 
menos de 24 anos de idade, escreveram nos questionários as suas respostas. 
Foram realizadas duas idas a campo, uma delas no mês de outubro de 2006, 
na qual obteve-se um total de 43 questionários preenchidos, e outra em abril de 2007, na 
qual obteve-se um total de 45 questionários preenchidos. Não foi possível checar o 
número total de formandos/as previstos para cada semestre, contudo, disponho da 
informação de que são admitidos/as semestralmente 55 alunos/as aprovados/as no 
processo seletivo. Considerando a evasão que ocorrem em Cursos de Graduação, o 
trancamento de Curso e de disciplinas pelos/as estudantes, a desperiodização dentro da 
grande horária prevista e, por fim, as inevitáveis faltas que ocorreram nos dias das 
aplicações de questionários, os subtotais de 43 e 45 parecem-me satisfatórios dentro de 
um universo possível de 55. A opção por focar a atenção em estudantes em vias de se 
formarem como licenciados/as em ciências biológicas tem razões óbvias: a possível 
atuação destes/as estudantes como professores em um futuro próximo; o fato deles/as 
terem cursado a maior parte do currículo de ciências biológicas, tendo assim um contato 
mais intenso com o conhecimento produzido dentro do campo. 
 
 
 
16 
 
Além disto, deve-se considerar também que estabeleceu-se a garantia de 
anonimato às/aos entrevistadas/os, baseados na constatação de que a identificação da/o 
entrevistada/o poderia levar à intimidação frente ao aplicador do questionário. Isto, por 
sua vez, tenderia a resultar em muitas “não-respostas” e em respostas “politicamente 
corretas”, tendo em vista que as questões tratavam de temas polêmicos como, por 
exemplo, discriminação contra homossexuais e adoção de crianças por casais gays. 
Antes da aplicação do questionário, optei por fazer uma breve explicação da 
pesquisa aos/às entrevistados/as, sem entrar em pormenores acerca das referências 
teóricas ou dos objetivos. Ainda assim, junto às instruções sobre o preenchimento dos 
questionários, apresentava o tema da pesquisa, identificava o Setor ao qual ela estava 
vinculada e fazia explicações sobre a seriedade do projeto, além da já citada garantia de 
anonimato. Acreditava, naquele momento, que estes procedimentos seriam úteis para 
que as/os entrevistados dedicassem mais atenção e tempo às suas respostas. 
Praticamente todas as questões eram compostas por uma parte objetiva, onde 
solicitava respostas de sim/não ou escolha entre múltiplas alternativas, e uma parte 
discursiva, onde pedia que escrevessem brevemente o porquê das suas respostas. Esta 
combinação possibilitou conciliar a objetivação de alguns indicadores com um esboço 
de análise do discurso que os sustentam. 
 Contudo, não se pode esquecer que (conforme também adiantei na 
Introdução) o foco deste projeto estava em seu caráter comparativo, uma vez que os 
questionários possibilitavam um mapeamento geral de um número muito grande de 
entrevistados e permitiam a contraposição dos indicadores obtidos nos diferentes cursos 
de licenciatura pesquisados. Além disto, as perguntas eram direcionadas por um 
referencial teórico que, embora incorporasse a perspectiva que adoto em minha 
pesquisa, era voltado para o campo pedagógico, o que redundava em um rol exaustivo, 
considerando os objetivos e a abordagem deste trabalho, de questões sobre diversidade 
sexual na escola e educação sexual. 
Além desta divergência quanto aos objetivos da pesquisas, é preciso apontar a 
limitação da própria técnica de pesquisa. Conforme aponta Thiollent, são apontados 
como inerentes ao caráter excessivamente fechado do questionário, “a pobreza da 
resposta, o desconhecimento dos quadros de referência, a indução da resposta pela 
formulação da pergunta, etc.” (THIOLLENT, 1982, p. 79). Embora os questionários 
tivessem um pequeno espaço para justificativas das respostas em questões de sim/não e 
 
 
 
17 
de múltiplas alternativas, parece-me um pouco de exagero acreditar que estas eram 
suficientes para se contemplar com mais profundidade as dimensões quantitativa e 
qualitativa de uma pesquisa. 
Esta limitação me parece problemática na medida em que, sendo a parte 
discursiva insuficiente para um melhor entendimento dos elementos colocados, existe a 
tentação de cair na vala comum do “reducionismo empirista” e da “ilusão de 
transparência” (BOURDIEU, CHAMBOREDON & PASSERON, 1999) típicas da 
apresentação de resultados de pesquisa de “opinião pública”. Assim, desde o primeiro 
momento, rejeitei a idéia de que a simples maioria quanto às porcentagens “provaria” 
uma posição qualquer, e busquei analisar a parte discursiva com certa independência 
frente aos simples indicadores. 
Quando, por exemplo, constatamos que a grande maioria das/os formandas/os 
em ciências biológicas afirmam que contratariam professoras/es homossexuais caso 
fossem diretoras/es de escola e que consideram o tema gênero importante para sua 
formação e atuação profissionais, tentamos problematizar estas afirmações com aquilo 
que as justificativas nos possibilitavam (de um modo mais abragente e não pontual), e 
não aceitar passivamente que a questão da discriminação quanto à contratação de 
profissionais homossexuais e do entendimento da importância das questões de gênero 
está completamente resolvida neste contexto. 
Mas ainda não era suficiente. O fato é que os questionários também não 
ficaram imunes, como esperado, à predefinição das respostas pelas perguntas e à 
categorização arbitrária dos conteúdos (THIOLLENT, 1982, p. 87). A abordagem 
permitida pelos questionários sobre a concepção dos/as entrevistados/as quanto à 
diferença entre sexo e gênero, por exemplo, não pôde dar mais opções do afirmar que se 
tratam de coisas iguais, que se tratam de coisas diferentes ou, simplesmente, não 
responder. 
 Considerando que, em certo sentido, esta pesquisa insere-se dentro dos estudos 
relativos ao mapeamento de representações/concepções sociais, acreditei ser necessário 
conciliar a interpretação destes questionários com uma nova ida a campo, valendo-me 
de uma outra técnica de pesquisa, a fim de aprofundar-me nos “comos” e “porquês” dos 
percentuais e justificativas obtidos. Para tanto, escolhi como nova técnica a entrevista 
não-diretiva, que conforme diz Thiollent, é comumente usada em pesquisas como um 
“meio de aprofundamento qualitativo da investigação” (Idem, p. 80) e que, ainda, é um 
 
 
 
18 
instrumental útil para o estudo das culturas e subculturas, uma vez que “o indivíduo5 é 
considerado como portador de cultura (ou subcultura) que a entrevista não-diretiva pode 
explorar a partir das verbalizações, inclusive as de conteúdo afetivo” (Idem, p. 85). 
Embora as reações afetivas e não-racionalizadas pareçam-me também úteis aos 
objetivos colocados (uma vez que a manifestação de julgamentos pré-concebidos, de 
repulsa ou de incapacidade de falar dos assuntos interessa a essa investigação), é salutar 
esclarecer aqui que a não-diretividade destas entrevistas se deu no sentido de elaborar 
roteiros semi-estruturados com questões que podiam ser desenvolvidas nesta dinâmica 
entre entrevistador e entrevistado. Não utilizei aqui os modelos de não-diretividade 
voltados à “atenção flutuante” ou a total liberdade de verbalização da/o entrevistada/o, 
visto que de forma alguma tinha a intenção de descobrir qualquer tipo de aspecto 
psíquico do preconceito ou atos falhos por parte das/os entrevistadas/os ao falarem de 
gênero e sexualidade. 
Parto da concepção de entrevista, portanto, atendo-me mais fortemente à idéia 
de interação, onde aquilo que dizem pesquisador e entrevistado é provocado em grande 
medida pela intervenção do outro, levando-se em conta, evidentemente, o 
direcionamento da discussão pelo roteiro já estabelecido (MACHADO, 2002, p. 49). 
Considera-se aqui, também, que pesquisador e entrevistadosão sujeitos sócio-históricos 
e portadores de características específicas, no sentido de contextualizar as falas e 
integrá-las como efeito de um discurso socialmente e historicamente construído. É nesta 
direção que procurei, neste segundo momento de pesquisa, relacionar brevemente as 
falas dos/as entrevistados/as aos conteúdos curriculares articulados em sua formação em 
ciências biológicas, onde me vali também de algumas noções de análise do discurso. 
A colocação deste ideal em prática também mostrou ter uma série de 
dificuldades. A primeira deu-se em relação à minha própria disponibilidade em agendar 
e comparecer às entrevistas com a antecedência necessária. Além disto, era 
problemático realizar as entrevistas com a profundidade que eu desejava na medida em 
que minha única chance de contato com as/os estudantes se dava em momentos de 
intervalos de aula ou de atuação destas/es em estágios e pesquisas no Setor de Ciências 
Biológicas da UFPR. 
Desta forma, aquilo que havia sido concebido idealmente como entrevistas 
não-diretivas, acabou ganhando, de certa forma, um perfil de um breve contato 
 
5
 No caso, a/o entrevistada/o. 
 
 
 
19 
etnográfico, tendo em vista que direcionei meus esforços em estabelecer conversas, com 
base no roteiro que elaborei, dentro dos limites que as dificuldades acima citadas me 
empunham. Como conseqüência, nesta nova ida a campo, realizada no mês de maio de 
2008, as entrevistas não ultrapassaram o número de cinco, sendo três delas com 
mulheres e duas com homens. Quatro delas foram gravadas e transcritas, sendo que em 
uma, em razão da informalidade do ambiente e minha interação com o entrevistado, não 
foi possível realizar a gravação. Não foi possível também prolongá-las como gostaria e, 
desta forma, me vi obrigado a focá-las no ponto mais relevante: o entendimento dos/as 
entrevistados/as acerca de gênero e sexualidade. Ainda assim, elas acabaram sendo 
muito úteis dentro dos objetivos propostos, uma vez que permitiram apreender 
construções um pouco mais elaboradas que as justificativas dos questionários sobre um 
ponto central da pesquisa. 
Além destas duas técnicas – o questionário com abertura para justificativas e a 
entrevista não diretiva –, utilizei também, ainda que sem grande aprofundamento6, a 
verificação dos conteúdos programáticos de algumas disciplinas centrais do curso de 
ciências biológicas, a fim de entender um pouco melhor os saberes ali 
institucionalizados. Esta abordagem, todavia, se dará apenas de modo complementar ao 
que foi escrito e dito pelas/os estudantes. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
6
 Para um maior aprofundamento, precisaria analisar também pormenorizadamente o tipo de conteúdo 
que é tratado em cada uma destas disciplinas que julgamos centrais no curso de ciências biológicas. 
Evidentemente, faltou-me tempo, espaço dentro da monografia e, sobretudo, capacidade de analisar um 
material acadêmico de um campo de conhecimento distante do meu neste trabalho. 
 
 
 
20 
 
 
2. Gênero, sexualidade e educação: uma breve revisão 
 
2.1 Sexo e gênero 
 
2.1.1 Do dado biológico à construção social 
Considerando o papel de destaque do Curso de Ciências Biológicas na 
minha pesquisa, bem como a própria natureza do nosso objeto, sinto-me obrigado a 
dedicar maior atenção à relação entre biologia e cultura no desenvolvimento dos 
conceitos de gênero e sexualidade. 
Inicialmente, é preciso definir que, com base no que nos diz Scott (1990), 
não entendo que gênero limita-se a designar um sinônimo de estudos sobre as mulheres. 
Conforme aponta a autora, embora este sentido tenha sido comum em uma série de 
trabalhos (com a intenção de revestir com neutralidade axiológica e autoridade 
científica pesquisas que poderiam ser classificadas, simplesmente, como literatura 
feminista), trata-se aqui de definir gênero como uma categoria analítica, ou seja, como 
categoria capaz de engendrar a explicação de um objeto e não apenas denunciar o papel 
oculto ou subalterno das mulheres em determinado contexto social. 
Este desenvolvimento conceitual não pode ser separado do próprio 
desenvolvimento histórico do movimento feminista contemporâneo. Segundo Louro 
(1999, p. 14-15), as origens deste movimento (ou sua “primeira onda”) remetem às 
mobilizações sociais organizadas, no século XIX, para a ampliação do direito de voto às 
mulheres – o chamado “sufragismo”. É somente na sua “segunda onda”, que se inicia no 
final da década de 1960, que o feminismo irá dedicar atenção à produção teórica 
propriamente dita. Neste momento, contudo, as ambições teóricas das feministas não 
vão muito além de “tornar visível aquela que fora ocultada”, ou seja, limitam-se a 
“denunciar a ausência feminina nas ciências, nas letras, nas artes” (Idem, p. 17). 
Um novo marco para o desenvolvimento da teoria feminista será, 
justamente, a exigência de mais do que trabalhos meramente descritivos. E isto se dará, 
sobretudo, no enfrentamento às explicações/justificativas de cunho biológico para as 
diferenças entre mulheres e homens. Segundo Louro, 
o argumento de que homens e mulheres são biologicamente distintos e que a 
relação entre ambos decorre desta distinção, que é complementar e na qual 
cada um deve desempenhar um papel determinado secularmente, acaba por 
 
 
 
21 
ter o caráter de argumento final, irrecorrível. [...] . É imperativo, então, 
contrapor-se a esse tipo de argumentação. É necessário demonstrar que não 
são propriamente as características sexuais, mas é a forma como essas 
características são representadas e valorizadas, aquilo que se diz ou se pensa 
sobre elas que vai constituir, efetivamente, o que é feminino ou masculino 
em uma dada sociedade e em um dado momento histórico. [...] . O debate 
vai se constituir, então, através de uma nova linguagem, na qual gênero será 
um conceito fundamental. (LOURO, 1999, p. 20-21) 
 
Ao menos para as feministas anglo-saxãs, portanto, gênero torna-se uma 
ferramenta analítica (e política) capaz de responder às perspectivas que marginalizam a 
dimensão social/cultural das diferenças entre os sexos em benefício do dado biológico. 
Como diz Scott, “o termo gênero faz parte de uma tentativa empreendida pelas 
feministas contemporâneas para reivindicar um certo terreno de definição, para insistir 
sobre a inadequação das teorias existentes em explicar as desigualdades persistentes 
entre as mulheres e os homens” ( SCOTT, 1990, p. 13). 
Qual seria o fundamento destas teorias inadequadas? Embora não tenha 
condições de levantar todas as possíveis fontes e, tampouco, explicar como elas 
convergiram em um discurso de legitimação da desigualdade entre os gêneros, o 
trabalho de Héritier-Augé (1996) fornece alguns indicativos. A autora aponta como 
ingenuidade inerente à perspectiva “naturalista” (que podemos aplicar ao determinismo 
biológico e outras formas de essencialismo sem prejuízos) a ilusão de que “existiria uma 
transcrição universal e única, sob uma forma canônica, que legitimaria a relação dos 
sexos, de fatos considerados de ordem natural, porque são os mesmos para todo o 
mundo” (HÉRITIER-AUGÉ, 1996, p. 22). Assim, embora na base de todo pensamento 
resida a diferenciação dos sexos, a debilidade das idéias naturalistas/essencialistas é 
desprezar as variações que ocorrem em cada sociedade (ainda que sustentadas, para a 
autora, em um sistema de oposições universal) em benefício da configuração existente 
em determinado contexto. Desta forma, as diferenças biológicas entre homens e 
mulheres, que deveriam ser entendidas, no máximo, como a base para as mais diversas 
diferenciações de ordem social, são apreendidas como o elemento universal que 
determinaas diferenças sociais. 
Héritier-Augé identifica na filosofia aristotélica um exemplo 
particularmente relevante de como se desenvolveram as oposições estruturais entre os 
pólos masculino e feminino e de como se operou a vinculação à natureza das diferenças 
de gênero. Conforme diz a autora, “o discurso aristotélico opõe o masculino e feminino 
como respectivamente calor e frio, animado e inerte, sopro e matéria” (IDEM, p. 20). 
 
 
 
22 
Segundo as considerações aristotélicas sobre a procriação, a potência masculina atua 
sobre a matéria inerte feminina e, quando não consegue impor-se a esta (calor sobre o 
frio), temos a prevalência do “contrário do macho”, ou seja, da fêmea. Fica evidente, 
por esta descrição, a naturalização do papel subordinado/não ativo do feminino, que 
para Héritier guarda considerável afinidade com o conhecimento científico moderno, 
em especial com as ciências biológicas (IDEM, p. 193). 
Outrossim, a fim de comprovar o caráter social da oposição entre feminino e 
masculino, Héritier-Augé (IDEM, p. 189-192) se vale das descrições etnográficas de 
duas sociedades “arcaicas”, a saber: os Sambia e os Inuit. Para os primeiros, o esperma 
(ou a “semente”) não pode se autoproduzir, sendo necessária, portanto, a preocupação 
constante com a perda de sêmen (amenizada com casamentos com sobrinhas ou irmãs 
de clã, a fim de satisfazer o princípio da “identidade”) e a inseminação dos rapazes, 
através de felação, pelos maridos das suas irmãs e primas paralelas patrilaterais do pai e 
pelos jovens adolescentes não casados. Para os segundos, o sexo biológico não 
representa o sexo real, uma vez que este é dado pela “identidade, pela alma-nome, isto é 
o sexo do antepassado cuja alma-nome penetrou” (IDEM, p. 191). Assim, antes da 
puberdade, não é incomum que moças vivam como rapazes e vice-versa, sendo o dado 
fisiológico subordinado, durante este período, à ordem simbólica. 
Como já adiantei acima, embora alguns dos fundamentos da naturalização 
das diferenças de gênero e da dominação masculina possam ser encontrados nas bases 
do pensamento do Ocidente, o discurso científico moderno, em especial o das ciências 
biológicas, tem um papel fundamental para a legitimação destas posições. Como aponta 
Citeli (2001, p. 131), uma das grandes linhas de estudos sobre gênero e ciências diz 
respeito a pesquisas que “focalizam os contextos sociais em que se estrutura o 
conhecimento científico, procurando identificar os vieses e as metáforas de gênero 
presentes no conteúdo do conhecimento produzido por diversas disciplinas, 
especialmente a Biologia”. 
A autora mostra que, ainda na segunda metade do século XIX, duas dentre 
as poucas mulheres que atuavam neste campo científico opuseram-se a obra de Darwin 
no que tange à idéia de superioridade masculina na evolução humana. Estas primeiras 
críticas, porém, fundavam-se em bases igualmente biológicas: Antoinette B. Blackwell, 
em 1875, defendia a igualdade entre os sexos considerando que as mulheres haviam 
desenvolvido capacidades complementares às masculinas durante o processo evolutivo; 
Elisa Gamble, por sua vez, em meados de 1890, postulava que, motivadas por sua 
 
 
 
23 
posição na divisão sexual do trabalho e pela sua trilha evolutiva distinta, as mulheres 
haviam desenvolvido qualidades humanas superiores às dos homens (IDEM, p. 132). 
 A crítica feminista à biologia que ganhará força a partir de 1970, já tendo 
como arma o posicionamento do conceito de gênero a frente ao determinismo biológico, 
irá atentar não mais para supostas qualidades biológicas que compensariam a (também 
suposta) inferioridade feminina, mas para a própria constituição do discurso científico 
que transporta ao biológico as diferenças entre mulheres e homens. Mapeando o 
desenvolvimento das ciências biológicas com um novo olhar, estes estudos deram 
visibilidade ao viés claramente ideológico da aplicação de teorias das ciências naturais 
para o entendimento de categorias humanas, apontando para a “fabricação” das 
diferenças naturais entre gêneros (IDEM, p. 134-136). 
Não são somente as ciências biológicas, contudo, que colocam as questões 
de gênero em termos naturais ou de essência humana. As definições de Stoller (1993), 
inserem-se em corrente influente e igualmente controverso na explicação de questões de 
gênero, a saber: a psicanálise. O autor trata a questão em termos de “identidade de 
gênero”, que diz respeito à “mescla de masculinidade e feminilidade em um indivíduo, 
significando que tanto a masculinidade como a feminilidade são encontradas em todas 
as pessoas, mas em formas e graus diferentes” (IDEM, p. 28), e de “masculinidade e 
feminilidade”, entendidas como convicção de que se é masculino ou feminino. 
O foco da sua análise, todavia, está no problema concernente ao que chama 
de “identidade de gênero nuclear”, ou seja, “a convicção de que a designação do sexo da 
pessoa foi anatômica e psicologicamente correta”, o que se estabeleceria antes dos dois 
ou três anos de idade do indivíduo. Esta resultaria da observância de cinco fatores 
fundamentais: 
(1) Uma força biológica [...]; (2) A designação do sexo no nascimento [...]; 
(3) A influência incessante das atitudes dos pais (especialmente as mães) 
sobre o sexo do bebê e a interpretação destas [...]; (4) Fenômenos bio-
psíquicos [...]; (5) O desenvolvimento do ego corporal [...]. (STOLLER, 
1993, p. 29-30) 
 
Stoller recorda que, segundo a teoria de Freud, a masculinidade seria um 
estado mais valioso e natural, fato que seria reconhecido por homens e mulheres. Os 
meninos teriam, a priori, algumas vantagens comparativas sobre as meninas; em 
primeiro lugar, seu órgão sexual teria benefícios por sua visibilidade e disponibilidade; 
depois, uma vez que o primeiro objeto de amor do menino é sua mãe, ele teria a 
vantagem de iniciar a vida como heterossexual. As meninas, por sua vez, teriam uma 
 
 
 
24 
trajetória inicial mais problemática, uma vez que suas genitais são inferiores e que seu 
primeiro objeto de amor também é a mãe – e, portanto, homossexual (IDEM, p. 32-33). 
Stoller revisa a teoria freudiana no que diz respeito à identidade de gênero 
nuclear. Quando trata-se da designação psicologicamente correta de sexo, os meninos 
encontrariam uma dificuldade não prevista: embora seu primeiro amor seja 
heterossexual, existiria um estágio ainda mais precoce no qual a criança está fundida 
com a mãe e, dependendo da forma como esta permitirá seu filho a separar-se dela, 
poderão existir efeitos residuais e conseqüentes distúrbios da masculinidade. Tal 
situação não se dá no caso das meninas, uma vez que ela e sua mãe compartilham a 
mesma feminilidade em suas identidades de gênero. Por essa razão, diz Stoller que “a 
feminilidade não é, como Freud pensava, um estágio inerentemente patológico, porque 
se vê que a menina agora tem uma vantagem” (IDEM, p. 36). 
Rubin (1998) em um trabalho paradigmático para a teoria feminista, e para o 
desenvolvimento do conceito de gênero, diz que: “a batalha entre a psicanálise e os 
movimentos sociais de mulheres e homossexuais chegou a ser legendária”, uma vez que 
“a prática clínica acreditou com freqüência que sua missão consiste em reparar a 
indivíduos que de alguma maneira perderam o caminho de seu objetivo biológico”. 
(IDEM, p.42-43). Embora Stoller tenha retificado a condição inerentemente patológica 
das mulheres, não é possível deixar de dar razão a Rubin ao constatarmos que o autor 
parece definir, como um objetivo do seu trabalho, o alerta para os agentes causadores de 
“distúrbios de gênero”, em especial aqueles envolvendo a masculinidade. Ao descrever 
uma situação hipotética onde o bebê do sexo masculino não é interrompido pelo pai em 
sua proximidade “excessivamente íntima, bem aventurada, pele-a-pele, com sua mãe”, o 
autor não pode deixarde usar o termo “infelizmente” ao pressupor o futuro desvio da 
criança quanto a sua identidade sexual e de gênero “natural”. 
Rubin, atenta a esta questão, define um sistema de sexo/gênero como “o 
conjunto de disposições pelas quais uma sociedade transforma a sexualidade biológica 
em produtos da atividade humana e satisfaz essas necessidades humanas transformadas” 
(RUBIN, 1998 , p. 17). Tendo como base a posição epistemológica marxista, no sentido 
da leitura crítica do pensamento/teoria social clássico/a e da indissociabilidade entre a 
produção/validade do conhecimento e a transformação social, esta conceituação 
corresponde ao desenvolvimento, pela perspectiva feminista, de concepções encontradas 
na psicanálise de Freud e Lacan e na antropologia estrutural de Lévi-Strauss. Atendo-se 
mais a este último, não é difícil estabelecer a conexão (explicitada pela autora na 
 
 
 
25 
seqüência do seu trabalho) entre a citação acima e a passagem lévi-straussiana da 
natureza à cultura por meio do tabu do incesto e da troca de mulheres. 
Resiste em Rubin, assim como em Héritier, a concepção estruturalista de 
que a base biológica ainda é significativa para a discussão de gênero, por mais que a 
principal intenção seja salientar a dimensão social/cultural do masculino e do feminino. 
Heilborn sintetiza bem esta posição ao dizer que gênero, por essa perspectiva, 
se refere à construção social do sexo. Significa dizer que, no jargão da 
análise sociológica, a palavra sexo designa agora a caracterização anátomo-
fisiológica dos seres humanos e, no máximo, a atividade sexual 
propriamente dita. O conceito de gênero ambiciona, portanto, distinguir 
entre o fato do dimorfismo sexual da espécie humana e a caracterização de 
masculino e feminino que acompanha nas culturas a presença de dois sexos 
na natureza (HEILBORN, 1994, p. 4). 
 
2.1.2 Gênero pela perspectiva pós-estruturalista 
Nicholson, comentando o trabalho de Rubin, irá dizer que “muitos do que 
aceitam a idéia de que o caráter é socialmente formado, rejeitando, portanto, a idéia de 
que ele emana da biologia, não necessariamente rejeitam a idéia de que a biologia é o 
lugar da formação do caráter” (NICHOLSON, 2000, p. 11). O feminismo estruturalista, 
portanto, admitia que as relações entre o dado biológico e certos aspectos de 
personalidade e comportamento eram um pouco mais que acidentais. Por essa 
abordagem, questões relativas à distinção social entre gêneros, se não eram diretamente 
determinadas pelo corpo, ao menos tinham este como um “cabide” ou “porta-casaco” 
onde os elementos sociais/culturais desta distinção estariam colocados. 
Criticando estas noções com base em autores como Thomas Laqueur e 
Michel Foucault (que comentaremos mais a frente), Nicholson (IDEM, p. 18-21) irá 
apontar como, a partir do século XVIII, iniciou-se um gradativo de sexualização dos 
corpos no sentido de normatizá-los como femininos e masculinos. Antes do XVIII, 
mulheres e homens compartilhavam nomes comuns para designar órgãos e estruturas 
corporais; além disto, operavam princípios que estabeleciam a similaridade (ainda que 
apontando a inferioridade do corpo feminino) e a “conversibilidade” entre os corpos. A 
partir do século supracitado, contudo, a relação entre o masculino e o feminino passa a 
ser cada vez mais binária e dicotomizada – algo perceptível, por exemplo, na instituição 
da determinação sexual do hermafrodita (ou, em outras palavras, da descoberta da sua 
identidade sexual “verdadeira”) pelo especialista reconhecido (IDEM, p. 20). O espaço 
para a ambigüidade sexual era assim cada vez mais reduzido. 
 
 
 
26 
Desse modo, Nicholson coloca a possibilidade de que, ao invés da 
existência de uma base biológica confiável e de uma estrutura universal de pensamento 
que opera com categorias binárias, a dicotomia entre masculino/feminino, e até mesmo 
entre biologia/cultura, são construções relativamente arbitrárias que podem ser 
cartografadas socialmente e historicamente. Machado coloca a questão nos seguintes 
termos: 
já em 1949, Simone de Beauvoir afirmava, no seu O Segundo Sexo, que não 
se nascia mulher, que se tornava mulher. Qual a novidade então da noção de 
gênero em relação a esta proposição anterior de Beauvoir? A novidade é 
levar esta afirmação às últimas conseqüências de seu enunciado. A proposta 
metodológica de Beauvoir era indagar sobre as relações entre sexo biológico 
e construção da categoria social de mulher. Hoje, o estado atual dos estudos 
de gênero permite pensar que a construção social de gênero se faz 
arbitrariamente em relação à diferenciação de sexos entre homens e 
mulheres (MACHADO, 1998, p. 109). 
 
Motta (2002), em pesquisa realizada junto aos povos conhecidos como 
“açorianos” no estado de Santa Catarina, levanta a hipótese de que “não são apenas os 
corpos sexuados (de homens e mulheres, fêmeas e machos) que dão suporte às relações 
de gênero. Ao contrário, é o todo da natureza e da vida social que é passível das 
construções humanas a respeito de gênero”(IDEM, p. 353). Em sua etnografia, a autora 
descreve os papéis que diversos animais locais ocupam na cosmologia nativa e como 
estes estão metaforicamente relacionados com representações do masculino e do 
feminino. 
Três exemplos merecem aqui nossa atenção. O primeiro diz respeito à 
representação do cão e mais especificamente da história do lobisomem naquele 
contexto. Tanto nas narrativas de mulheres quanto de homens, o lobisomem está 
vinculado à idéia de masculinidade. Mas, enquanto na última um grupo de homens 
enfrenta o “monstro” e devolve-o a sua condição humana, na primeira uma mulher que 
decide seguir o marido é atacada por um cachorro furioso, encontrando indícios, 
posteriormente, de que esse animal era seu marido transmutado – o que me remeteria ao 
conflito entre o masculino e o feminino e a dominação e violência masculina no âmbito 
conjugal. Um segundo exemplo é relativo às “farras do boi” que ocorrem regularmente 
naquela região de Santa Catarina. Segundo a autora, o boi encarna as virtudes 
masculinas ideais, e subjulgá-lo representa a afirmação da masculinidade e a supremacia 
do homem sobre o animal. O abate final do animal escancararia, ainda, um aspecto 
sexual metafórico, onde o boi é enfraquecido e simbolicamente feminizado para, em 
seguida, ser ingerido pelos homens que participaram da farra. Por fim, temos o caso 
 
 
 
27 
especialmente representativo da arraia, associada aqui diretamente às mulheres, e que, 
por essa razão, evoca as noções de parentesco e conjugalidade ao ser definida por um 
informante como “a mulher do cação” (que, conforme nos ensina o conhecimento 
científico, se trata de outra espécie). Além disto, a arraia é feminizada em todos seus 
aspectos, estabelecendo-se, inclusive, uma analogia entre sua fisiologia e a fisiologia 
ginecológica da mulher. 
Concluí-se, com estes singelos exemplos, que ao ocupar a função de signos 
dentro da cosmologia de diferentes sociedades, animais e demais elementos da natureza 
não ficam imunes às representações sociais de gênero. As dramatizações, metáforas e 
taxonomias nas quais são envolvidos estes elementos da natureza, estão implicadas nas 
concepções sociais/culturais de feminino e masculino, a despeito da caracterização 
biológica de macho e fêmea e do dado anatômico/fisiológico dos seres humanos. 
Valendo-nos dessa breve digressão etnográfica, que aponta para certa 
autonomia do cultural sobre o biológico, aproveitamos para voltar a direcionar nosso 
foco teórico para as teorias pós-estruturalista sobre gênero. Esta perspectiva questiona 
até que ponto é possível delimitar e separar, nos seres humanos, o que é biológico e o 
que é cultural – mas, ao contrário do determinismo biológico, aponta para uma via onde 
a linguagem e demais construções culturais/sociais “criam”os corpos. Ou seja, entende-
se aqui que o conceito de gênero engloba “todas as formas de construção social, cultural 
e lingüística implicadas com os processos que diferenciam mulheres de homens, 
incluindo aqueles processos que produzem seus corpos, distinguindo-os e separando-os 
como corpos dotados de sexo, gênero e sexualidade” (MEYER, 2003, p. 16). Neste 
sentido, como salienta Goellner (2003, p. 29), a linguagem (entendida de um modo mais 
amplo) não apenas reflete a realidade anatômica/fisiológica dos corpos, mas os constrói. 
A compreensão sobre o que é um corpo normal, saudável ou bonito, bem como sobre o 
corpo masculino e feminino e o que significa ser homem e mulher, nos é dada através 
de representações socialmente/culturalmente construídas. 
Nas palavras de Butler, “a diferença sexual não é, nunca, simplesmente, uma 
função de diferenças materiais que não seja, de alguma forma, simultaneamente 
marcadas e formadas por práticas discursivas” (BUTLER, 1999, p.153). Neste sentido, 
procura-se estabelecer um caminho de mão oposta ao determinismo e ao 
fundacionalismo biológico ao questionar-se não mais como se dá a relação do biológico 
para o cultural, mas como o cultural está implicado no que entende-se por biológico ou 
natural. Desse modo, a definição de sexo aqui aparece como 
 
 
 
28 
um ideal regulatório cuja materialização é imposta: esta materialização 
ocorre (ou deixa de ocorrer) através de certas práticas altamente reguladas. 
Em outras palavras, o “sexo” é um construto ideal que é forçosamente 
materializado através do tempo. Ele não é um simples fato ou condição 
estática de um corpo, mas um processo pelo qual as normas regulatórias 
materializam o “sexo” e produzem essa materialização através de uma 
reiteração forçada dessas normas.(BUTLER, 1999, P. 154) 
 
Butler critica a noção de “construção social” ao se falar de gênero, uma vez 
que a mesma pressupõe uma base natural anterior, “uma página em branco e sem vida”, 
sobre a qual as disposições sociais/culturais/lingüísticas irão se assentar. Conforme 
observa a autora, a idéia de gênero socialmente construído não postula apenas que o 
“sexo” adquire significados sociais, mas que estes significados sociais substituem a base 
biológica que seria o sexo. Assim, em oposição a este viés construtivista, prefere propor 
“um retorno à noção de matéria, não como local ou superfície, mas como um processo 
de materialização que se estabiliza ao longo do tempo para produzir efeito de fronteira, 
de fixidez e de superfície – daquilo que nós chamamos de matéria” (IDEM, p. 163). 
Esse processo de materialização dos corpos, que é acompanhada pela “fixação” do sexo 
e conseqüente identificação com determinados imperativos quanto à sexualidade, não 
deve ser entendida, todavia, como posicionamento voluntário dos sujeitos quanto à sua 
identidade de gênero/sexualidade, mas como dispositivos que, através de 
constrangimento e regulações, constantemente reiterados/ratificados, constituem 
sujeitos dotados de gênero/sexualidade. 
Gênero, por este viés, está relacionado à noção de performatividade,(que não 
deve ser confundida, outrossim, com mero voluntarismo dos sujeitos ou atores sociais), 
ou seja, deve ser apreendido em seu constante movimento e na possibilidade de situar-se 
em regiões de fronteira entre o masculino e feminino, não tendo uma correspondência 
mecânica ou de mão única com o dado anatômico/fisiológico. Trata-se também, 
portanto, de desconstruir os binarismos fixos e excludentes que envolvem as questões 
de gênero. Conforme aponta Lauretis, 
a primeira limitação do conceito de ‘diferença(s) sexual(ais)’, portanto, é 
que ele confina o pensamento crítico feminista ao arcabouço conceitual de 
uma oposição universal do sexo (a mulher como a diferença do homem, com 
ambos universalizados; ou a mulher como diferença pura e simples e, 
portanto, igualmente universalizada), o que torna muito difícil, senão 
impossível, articular as diferenças entre mulheres e Mulher, isto é, as 
diferenças entre as mulheres, ou talvez mais exatamente, as diferenças nas 
mulheres. (LAURETIS, 1994, p. 207) 
 
 
 
 
 
 
29 
2.2 Gênero e sexualidade 
 
2.2.1 Um esboço da Sociologia da sexualidade 
Desconstruir dicotomias e binarismos normatizadores e excludentes, bem 
como a desnaturalizar a dimensão social e histórica da vida humana, é objetivo colocado 
pela perspectiva pós-estruturalista também no campo mais específico da sexualidade. 
Na constituição de um campo heteronormativo, a heterossexualidade é tomada como 
signo de universalidade. Uma série de dispositivos e práticas sociais são colocadas em 
movimento para constituir a supracitada “naturalização” dessa narrativa que constituirá 
os espaços legítimos e os espaços ilegítimos do exercício da sexualidade. É esse mesmo 
movimento que nomeará o espaço do “outro”, ou seja, aqueles ou aquelas que 
experimentam outras formas de prazer que se situam longe deste campo de legitimação. 
Antes de abordarmos este outro tema, contudo, nos parece conveniente situar 
brevemente o campo dos estudos sobre sexualidade e sua relação com as Ciências 
Sociais, bem como com a discussão focada no desenvolvimento do conceito de gênero 
que levantamos até aqui. Conforme aponta Corrêa (1996, p. 150), o pensamento 
feminista não constitui um corpo teórico plenamente finalizado, de modo que ainda 
operam-se, dentro deste campo, disputas de linguagem e conflitos quanto à utilização do 
arcabouço conceitual. Uma destas disputas diz respeito, justamente, à distinção entre 
sistemas de gênero e sistemas da sexualidade. 
Conforme aponta-nos a própria revisão de Corrêa, da mesma maneira que os 
supracitados trabalhos de Rubin (1998), Butler (1999) e Lauretis (1994), embora as 
temáticas reservem suas especificidades, que justificam sistemas de análise 
diferenciados, as inúmeras convergências em uma série de aspectos torna importante 
tratá-las de forma articulada. Não é possível apreender perfeitamente as discussões 
relativas à dominação de gênero, por exemplo, sem considerar-se o controle da 
sexualidade feminina para fins de reprodução social. Por outro lado, as abordagens 
sobre sexualidade acabam prejudicadas se não referirem-se às relações sexuais ou de 
gênero que perpassam categorias como feminino e masculino. 
 Segundo Pierret (1998), o atual “interesse da sociologia pela sexualidade 
está essencialmente ligado à irrupção da AINDS no início dos anos 80”, todavia, 
“razões externas à disciplina, ligadas ao problema da gestão de uma nova doença, 
conduziram a sociologia ao estudo dos comportamentos sexuais, em detrimento de um 
estudo mais amplo da sexualidade” (IDEM, p 49). É relativamente recente, portanto, a 
 
 
 
30 
retomada de estudos de sexualidade mais abrangentes, que integram a sexualidade a 
temas maiores como a lógica da intimidade ou da vida privada de um modo geral. 
 Segundo a autora, “desde a sua origem, a sociologia não se interessou pela 
sexualidade, tendo institucionalizado-a no casamento e na família” (IDEM, p. 50). 
Desta forma, as primeiras referências ao tema dentro do campo das Ciências Sociais 
eram referentes, sobretudo, a questões relativas à constituição e institucionalização da 
estrutura familiar. Neste contexto destacam-se as considerações e comentários de 
Durkheim, para quem o ato sexual é elemento integrador no casamento – sendo este, por 
sua vez, uma instituição necessária ao “bom funcionamento social”. 
Pierret (IDEM, p. 54-61) prossegue seu levantamento mencionando obras 
como a de Mauss, que abordou a sexualidade em termos de “técnicas da reprodução” ou 
“técnicas corporais”; de Goode e Scgalen, que procuram discutir a importância teórica 
do amor e de demais “potencialidades sentimentais” que inscrevem-se na estrutura 
social; de Simmel, que analisou as relações entreamor, erotismo e sexualidade; e de 
Elias, que estabeleceu relação entre a evolução social e a “privatização crescente da 
sexualidade”. 
 
2.2.2 Foucault e a sexualidade 
Interessa-nos mais vivamente uma tendência que Pierret (1998) cataloga 
como estudos sobre a “racionalização da sexualidade”, que pode ser definida como 
aquela interessada em “revelar os mecanismos sociais em jogo na questão social, sejam 
em termos da produção do saber e do conhecimento, seja da emergência de 
especialistas, como os sexólogos” (IDEM, p. 60). Destacam-se aqui os trabalhos de 
Foucault (1977,1979), de quem empresto a definição de sexualidade, qual seja: um 
dispositivo constituído por um conjunto de discursos, instituições e práticas que visam 
produzir/estabelecer/normatizar “verdades” em relação aos corpos e aos prazeres. Neste 
sentido, é preciso problematizar as análises científicas da sexualidade, considerando a 
relação indissociável entre epistemologia e poder, sobretudo quando trata-se de utilizar 
paradigmas das ciências naturais para o entendimento de categorias sociais. Diz 
Foucault, a respeito da relação entre os discursos da biologia da reprodução e medicina 
do sexo no século XIX, que 
a primeira desempenhou apenas, em relação à outra, o papel de uma garantia 
longínqua e, ainda assim, bem fictícia: de uma caução global sob cujo 
disfarce os obstáculos morais, as opções econômicas ou políticas, os medos 
tradicionais podiam-se reescrever num vocabulário de consonância 
científica. (FOUCAULT, 1977, p. 55) 
 
 
 
31 
 
Em Foucault, deve-se entender a questão da sexualidade menos pelo viés do 
poder repressivo do que pela perspectiva do poder como força criadora. Assim, entende-
se o poder como meio pelo qual todas as coisas acontecem, sendo que a produção do 
conhecimento, dos discursos e do próprio prazer está vinculada à sua dinâmica 
(GIDDENS, 1998, p. 317). Ou seja, pela perspectiva foucaultiana, tratar do “problema” 
da sexualidade não significa denunciar as práticas repressivas que se aplicariam às 
manifestações “naturais” da sexualidade humana, mas antes disto, identificar e 
compreender como se constroem historicamente e culturalmente as distinções de sexo e 
de condição sexual, alvos de uma série de normas e cuidados. Ao me referir à 
heterossexualidade e homossexualidade, portanto, não estou investigando o “segredo do 
desejo” dos indivíduos, ou mesmo tomando indistintamente as relações sexuais e 
afetivas entre pessoas do mesmo sexo ou do sexo oposto – falo aqui de conceitos da 
modernidade, datados do século XIX, concernentes, respectivamente, ao “Eros normal” 
direcionado ao outro sexo e à identidade sexual marginal/patológica que deve ser 
vigiada (FOUCAULT, 1977; KATZ, 1996). Do mesmo modo, não é correto entender o 
poder em Foucault pela perspectiva meramente institucional ou de classe – para o autor, 
o conceito de poder diz respeito a “constelações dispersas de relações desiguais, 
discursivamente constituídas em campos sociais de força” (SAFFIOTI, 1992, p. 185), o 
que nos permite ampliá-lo para o domínio do cotidiano e do doméstico, enfim, para a 
dimensão do “microsocial”. 
 
2.3 Ensino de biologia e controle de identidades 
A educação tem sido um dos múltiplos espaços onde revela-se esta dimensão 
do micropoder. Sua relação com o “outro” da sexualidade tem caminhado por atitudes 
que vão desde a explícita exclusão até o desenvolvimento de novas políticas de 
tolerância influenciadas pela invasão do jargão de palavras como alteridade, 
diversidade, multiculturalismo no discurso das políticas da área da educação. 
O discurso da tolerância está presente na maior parte dos projetos 
multiculturais na área da educação, seja nas políticas voltadas à população negra, à 
população indígenas, às/aos portadores de necessidades educativas especiais, ou às 
diversidades sexuais e de gênero. No entanto, Duschatzky e Skliar catalogam algumas 
das principais implicações do conceito de tolerância no discurso da educação: 
Como opera a tolerância na educação? É certo que somos tolerantes quando 
assistimos, na escola pública, os filhos das minorias étnicas, lingüisticas, 
 
 
 
32 
religiosas ou outras, ainda que esta aceitação material não suponha 
reconhecimentos simbólico. Porém também somos tolerantes quando 
naturalizamos os mandatos da competitividade como as únicas formas de 
integração social, quando fazemos recair no voluntarismo individual toda 
esperança de bem estar e reconhecimento, quando damos uma piscadela 
conciliatória a tudo o que emana dos centros de poder, quando não 
disputamos com os significados que nos conferem identidades terminais. 
Somos tolerantes quando evitamos examinar os valores que dominam a 
cultura contemporânea, mas também somos tolerantes quando evitamos 
polemizar com crenças e prejuízos dos chamados setores subalternos e 
somos tolerantes quando, a todo custo, evitamos contaminações, mesclas, 
disputas. 
A tolerância também é naturalização, indiferença frente ao estranho e 
excessiva comodidade frente ao familiar. A tolerância promove os 
eufemismos, como, por exemplo, chamar de localismos, identidades 
particulares às desigualdades materiais e institucionais que polarizam as 
escolas dos diferentes enclaves do País. (DUSCATZKY, SKLIAR, 2001, p. 
136-137). 
 
Destacam ainda que na Modernidade o reconhecimento da cidadania de 
judeus/judias, operários/as, mulheres, negros/as e imigrantes foi um importante passo no 
reconhecimento dos direitos humanos, mas que “o princípio do reconhecimento se 
sustentou na homogeneidade, na igualação e não na diferença. Ser cidadão no caráter do 
indivíduo igual e não no caráter de sujeito diferente” (DUSCATZKY , SKLIAR, 2001, 
p. 134). Pode-se acrescentar que, em relação às minorias sexuais e de gênero, essa 
política da tolerância se traduz no respeito às diferenças desde que estas permaneçam 
em seus devidos territórios, sem um questionamento mais profundo da construção 
histórico-cultural das identidades sexuais e de gênero. Ademais, como complementa 
Louro (2003, p.48), a simples noção de tolerância “liga-se à condescendência, à 
permissão, à indulgência – atitudes que são exercidas, quase sempre, por aquele ou 
aquela que se percebe superior”. 
A escola ainda é um espaço privilegiado de construção de identidades sexuais e 
de gênero (LOURO, 1999, 2003). Mesmo que valores/aspirações como “respeito às 
diferenças” e “inclusão social” sejam amplamente difundidos (como apontamos acima), 
as escolas e profissionais da educação, ainda hoje, assumem que a “identidade 
masculina, branca, heterossexual deve ser, supostamente, uma identidade sólida, 
permanente, uma referência confiável” (LOURO, 2003, p. 48). Por esta razão, é ela que 
estará presente nos problemas científicos ou matemáticos, na história e nos principais 
textos literários. É ela que será tratada como natural pelas ciências biológicas. A 
desconstrução desta identidade, assim como a divulgação de identidades alternativas, 
ainda é recebida com um misto de receio e desconfiança. 
 
 
 
33 
Um fenômeno registrado no campo da educação ilustra essa posição. Diz 
Louro que 
provavelmente nada é mais exemplar disso que o ocultamento ou a negação 
dos/as homossexuais – e da homossexualidade – pela escola. Ao não se falar 
a respeito deles e delas, talvez se pretenda ‘eliminá-los’, ou, pelo menos, se 
pretenda evitar que os alunos e as alunas ‘normais’ os/as conheçam e 
possam desejá-los/as . (LOURO, 1999, p. 67). 
 
Lado a lado com a estratégia de ocultamento está a noção de que 
A mera menção da homossexualidade vá encorajar práticas homossexuais e 
vá fazer com que os/as jovens se juntem às comunidades gays e lésbicas. [...] 
Também faz parte desse complexo mito a ansiedade de que qualquer pessoa 
que ofereça representações gays e lésbicas em

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