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AULA 1 DIFICULDADES E TRANSTORNOS DE APRENDIZAGEM Prof. Alisson Rogério Caetano de Siqueira 2 CONVERSA INICIAL Começamos nossos estudos procurando apresentar um pouco o aprender. Aprender é o verbo de ação que dá origem ao substantivo aprendizagem. Isso significa que aprendizagem é o ato de aprender. Há um esforço. Há uma ação que pode ser definida como ato de interação entre o sujeito e o que será aprendido. Dessa forma, precisamos desvendar um pouco como se realiza a aprendizagem. Na verdade, procuraremos apresentar algumas concepções, ou seja, modos de apresentar a condição de aprender. Esta aula tem como objetivo apresentar diferentes concepções de aprendizagem. Sendo assim, abordaremos o assunto com a seguinte distribuição: 1. Conceituando aprendizagem e suas concepções; 2. Behaviorismo; 3. Gestalt; 4. Cognitivismo; 5. Teorias psicossociais. O conteúdo a ser abordado nos direcionará para os esclarecimentos necessários, propostos pela disciplina. CONTEXTUALIZANDO Quando falamos de aprendizagem, consideramos sempre algo novo. De certa forma, isso é aprender. Mas nem sempre precisa ser algo. Pode ser alguma informação que não foi considerada com um grau de importância que considerasse sua necessidade de ser aprendida. Vamos usar um exemplo muito próximo da nossa realidade, que é o ato de escovar os dentes. Desde muito jovem, acreditamos que sabemos escovar os dentes. Quando crianças, nossos pais escovam e dizem como deve ser feito. À medida que vamos crescendo, vamos escovando do nosso jeito. De repente, pode ocorrer de sentirmos dor e atribuirmos ao dente. Assim, vamos ao dentista, que diagnostica uma cárie a qual precisa ser retirada, e o dente, restaurado. Após isso, o dentista explica como deve ser feita a limpeza dos dentes. A partir desse momento, podemos começar a escovar os dentes prestando atenção no tempo, no ritmo, na forma que escovamos, tudo isso para evitarmos 3 sentir dor de dente. Nesse caso, podemos dizer que aprendemos a escovar os dentes pelo fato de que esse ato previne a cárie. Surge a pergunta, então. Não fui ensinado quando criança a escovar os dentes? Qual a razão de não ter aprendido a escovar os dentes para evitar a cárie? A partir de quando eu aprendi a escovar os dentes? Essas perguntas norteiam o que vamos estudar, que é a compreensão de aprendizagem. TEMA 1 – CONCEITUANDO APRENDIZAGEM E SUAS CONCEPÇÕES Inicialmente, precisamos considerar que as teorias da aprendizagem são muitas e com características específicas. Cada uma delas possui uma estrutura em cima de seu próprio processo. O cenário de abrangência de cada teoria considera o seu espaço de trabalho entre o objeto e o sujeito. Conhecer as teorias da aprendizagem nos leva a conhecer o processo pedagógico, o qual é uma estrutura organizada. O processo pedagógico trabalha sempre na condição de reciprocidade mútua, em que há um agente e um receptor que vivem no processo de troca de informações. É importante considerar que as teorias da aprendizagem estão locadas em condição social, cultural e práticas pedagógicas muito peculiares. Sendo assim, não considerar o momento em ocasião proporcionará passarmos despercebidos pela compreensão daquela época. Sendo assim, definamos primeiramente o que é a aprendizagem. Aprendizagem é um processo de mudança de comportamento. Essa mudança pode advir de uma construção de fatores emocionais, neurológicos, relacionais e ambientais, que são construídos e montados na experiência de cada um em contato com o meio ambiente. Quando focamos a aprendizagem diretamente no modelo educacional, contamos com personagens que são agentes nesse processo. Temos o professor como coautor do processo de aprendizagem, e o aluno como objeto-fim do processo de aprender. Nesse processo, o professor é um mediador de construções de aprender. A aprendizagem tem o objetivo de levar o sujeito a ter alguns domínios: 4 Cognitivo – relacionado às capacidades intelectuais. Nesse domínio, o sujeito tem a condição de uso da cognição para compreender, memorizar, aplicar, sintetizar, analisar e avaliar as situações de forma intelectual. Afetivo – relacionado às produções afetivas, como o sentimento e a emoção. É nesse domínio que surge a capacidade social do sujeito. É nessa condição que o indivíduo manifesta condições de reação, valorização, respostas, organização e caracterização da sua condição de responder de forma interna ao ambiente externo; Psicomotor – é a condição do controle muscular. Nesse domínio, o sujeito adquire habilidades aos movimentos do corpo. Entretanto, estão relacionadas também à nossa linguagem não verbal e à percepção. Diante dessa condição de aprender, apresentamos duas maneiras de observar a aprendizagem de forma macro. A primeira são as teorias associacionistas e, a segunda, as teorias mediacionais. Consideremos primeiramente as teorias associacionistas. O cerne do pensamento associacionista está pautado na condição de que todo conhecimento provém da experiência. Segundo Giusta (2013), tudo é captado pelos órgãos dos sentidos, que associam as informações segundo a experiência do sujeito. Dessa forma, temos o conhecimento como uma cadeia de ideias atomisticamente formada com base no registro dos fatos e que se reduz a uma simples cópia do real. A principal escola a abordar a forma associacionista é o Behaviorismo. Todavia, as teorias que abarcam o modelo comportamental, a condição de estímulo-resposta e as formas de condicionamento possuem uma estrutura associacionista, mesmo que não estejam ligadas diretamente ao behaviorismo. Há também, no associacionismo, a teoria do conexionismo. No conexionismo, a aprendizagem é obtida pela estrutura denominada hábito. Um hábito é adquirido pela tentativa de ensaio. Sendo assim, aprendizagem é caracterizada pelas leis da prontidão, do exercício e do efeito (Del Rio, 1996). O segundo grupo de teorias são as mediacionais. Nesse grupo, o conceito que prepondera é o de que o sujeito é um agente de suma importância na ação, no envolvimento e na interação com o objeto a ser conhecido e a realidade. Sendo assim, o sujeito passa a utilizar estruturas que são internas e que determinam sua maneira de agir em relação ao ambiente externo. 5 Diante dessa teoria mediacional, estão a Gestalt, a genética e o cognitivismo. Em todas essas teorias, temos a condição de que o sujeito é o agente; não apenas o modificador do ambiente, pois também se relaciona com ele de forma subjetiva, de modo que os elementos não precisam estar apresentados no ambiente. Sendo assim, a aprendizagem é concebida como o processo de conhecimento e de compreensão das relações nas quais as condições externas atuam mediadas pelas condições internas, em que sofrem uma reorganização cognitiva. É um processamento interno de informações externas que resultarão em uma relação com o ambiente externo. TEMA 2 – BEHAVIORISMO Começamos as principais teorias da aprendizagem estudando o behaviorismo, que é uma precursora do associacionismo. O behaviorismo é uma teoria comportamentalista. O termo behavior, em inglês, significa “comportamento”. O objetivo da teoria behaviorista é estudar o comportamento observável como consequência de necessidades e impulsos específicos. O ser humano é compreendido como um organismo governado por estímulos. Isso quer dizer que ele sofre a ação do ambiente. Nomes como Pavlov, Thornike, Watson e Skinner são difundidos como personagens importantes para o comportamentalismo. O behaviorismo surge para apresentar a psicologia comouma ciência demonstrável. Ou seja, o comportamento era algo passivo de observação e com isso poderia ser avaliado. A primeira grande compreensão do comportamento se dá pelas descobertas de Ivan Pavlov. Por intermédio de seus experimentos, Pavlov descobriu que há uma conexão entre os estímulos ambientais neutros e as atividades fisiológicas. Essa descoberta foi possível pelo fato de Pavlov ser fisiologista e, em um de seus experimentos, ter observado a salivação de um cachorro diante da exposição de um pedaço de carne. O experimento de Pavlov deu origem à teoria do condicionamento clássico ou respondente. No conceito de Pavlov, a aprendizagem é um processo que ocorre por meio de associações entre estímulos. Dessa forma, ele conseguiu explicar vários comportamentos por intermédio das leis de generalização, discriminação, inibição e extinção. 6 Segundo o condicionamento clássico, um comportamento é aprendido ao ser executado em um outro ambiente parecido com o que ocorreu pela primeira vez. Isso é denominado generalização. Entretanto, esse comportamento diferenciado de outros, para ele, não vem a ocorrer por um estímulo diferente; nesse caso, temos a discriminação. O sujeito, diante de um estímulo não eliciador, não manifesta o comportamento; isso é a inibição. À medida que não é manifesto ou estimulado, o comportamento tende a se extinguir. O condicionamento pavloviano descreve que todo aprendizado ocorre por meio de interações com o meio ambiente. O ambiente forma o comportamento, o qual considera apenas os estímulos que podem ser observáveis, desprezando assim qualquer condição mental. A segunda grande contribuição do comportamentalismo é o behaviorismo propriamente dito. Hoje, nós costumamos a classificá-lo como metodológico e radical (Bock; Furtado; Teixeira, 2002). O behaviorismo metodológico tem sua fundação em Watson, cujo pensamento estabeleceu uma relação entre o que o organismo faz e o que pode ser observável. A isso, ele denomina de conduta, que estabelece o comportamento respondente. O behaviorismo radical, que tem em F. B. Skinner seu maior nome, estabelece um divisor de águas no processo de compreender a aprendizagem. Skinner estabelece a sua teoria do comportamento operante, na qual focou seus estudos no controle das relações variáveis que originam o comportamento – estímulos, reforços e contingência – e nas variáveis que resultam do comportamento – que são as respostas. Dessa forma, Skinner conseguiu explicar o condicionamento operante, que nada mais é do um comportamento mantido por um reforço positivo após uma resposta esperada. O conceito básico aqui estabelecido é o de aumento na frequência da resposta. Isso só é possível a partir da associação com um reforçador condicionado (Moreira, 1999). Segundo Skinner, o processo de aprendizagem se dá pela compressão da tríade comportamental antecedentes, respostas e consequência, a qual é mantida por uma estrutura que permite a probabilidade de um comportamento vir a ocorrer ou não por reforço ou punição. No conceito de Skinner, o indivíduo altera o ambiente, que por ele é modificado. Observando o behaviorismo em sua estrutura de aprendizagem, Sacristán e Gómez (2000) dissertam que “a educação, e de modo concreto o ensino, 7 transforma-se numa tecnologia que prepara as contingências, as características do contexto e as peculiaridades de cada situação e regula a administração de reforços”. Esse é um pensamento estruturado por Skinner, em que o comportamento pode aos poucos ser modelado. Termos filosóficos não conceituam o comportamento para o Behaviorismo. O que o behaviorismo denomina de mentalismo é a condição de tentar explicar algo sem que ele possa ser observado. Dessa forma, o behaviorismo compreende a motivação como sendo produzida pela concentração da atenção e na estimulação do interesse do sujeito diante do ambiente. O behaviorismo enfatiza a aplicação das técnicas com eficácia. Ou seja, a aprendizagem não considera variantes internas, bem como a dinâmica como ela ocorre. Considera-se a aprendizagem como uma ação tecnológica. Sendo assim, utiliza-se programas de reforço, instrução programada, fichas de aula, máquinas de ensinar. Isso tudo são instrumento de aprendizagem que promovem um condicionamento de respostas operantes. TEMA 3 – GESTALT As teorias associacionistas levaram a reações que permitissem compreender melhor o desenvolvimento humano. Dessa forma, surgem as teorias mediacionais, sendo as principais as cognitivistas ou interacionistas. Na transição entre o behaviorismo e o cognitivismo, temos algumas teorias que são chamadas de teorias de transição. A Gestalt é uma dessas teorias. A Gestalt, ou psicologia da forma, tem sua origem no início do século XX. A estrutura do pensamento gestáltico é o supersoma e a transponibilidade. O supersoma é compreendido da seguinte maneira: não se pode ter conhecimento do “todo” por meio de suas partes, pois o todo é maior que a soma de suas partes. “[…] ‘A+B’ não é simplesmente ‘(A+B)’, mas sim, um terceiro elemento ‘C’, que possui características próprias” (Koffka, 1975). A transponibilidade é entendida considerando que, independentemente dos elementos que compõem determinado objeto, a forma é que se sobressai. As letras R, O, S, A, por exemplo, não constituem apenas uma palavra em nossas mentes: “[…] evocam a imagem da flor, seu cheiro e simbolismo – propriedades não exatamente relacionadas às letras” (Koffka, 1975). O termo Gestalt vem do alemão e pode significar “a forma”; ou uma entidade concreta que possui, entre seus vários atributos, a forma. A psicologia 8 da Gestalt é diferente do que a soma de elementos. A Gestalt, então, vem a ser a divisão das suas partes, ou seja, o que vem anterior à existência das partes (Engelmann, 2002). A Gestalt tem sua estrutura teórica fundamentada sobre dois pilares: o desenvolvimento humano e a aprendizagem. O desenvolvimento humano é explicado pela maturação do sistema nervoso. Isso significa que as estruturas perceptivas do indivíduo se desenvolvem com o passar do tempo. Assim sendo, o sujeito nasce com elas e, com o passar do tempo, essa estrutura perceptiva ganha a capacidade de atuar de forma interpretativa e de juízo. Já a aprendizagem ocorre em razão da percepção. Explicar de forma simples o que é aprendizagem para Gestalt é conceituar a condição do sujeito ter um insight. Ou seja, o sujeito tem um ato de organização súbita do campo perceptivo a fim de configurar uma totalidade. Só há condições de insight quando se percebe a relação entre o estímulo e o campo perceptivo (Engelmann, 2002). A percepção no sujeito se dá de forma unificada. A Gestalt trabalha sobre alguns princípios que permitem compreender essa percepção: proximidade, semelhança, fechamento e continuidade. Agora, podemos, então, definir que a Gestalt consiste em um conjunto de conceitos relacionados à percepção que o ser humano possui sobre as formas apresentadas durante sua vivência diária. Na aprendizagem, é posta como a capacidade de o sujeito perceber os objetos e as formas no seu todo; a isso determinamos uma estrutura holística. A Gestalt deixa claro que o processo de aprendizagem tende a variar de pessoa para a pessoa. Todavia, há regras perceptivas que são comuns e que são postas segundo a maturação do sujeito. Considera-se, para isso, aspectos fisiológicos que compõe o desenvolvimento de cada um. Não se pode desconsiderar os principais elementos motrizes da aprendizagem para a Gestalt. O primeiro é a motivação interna que cada sujeito tem de ver o mundo a partir de espectro maior.O segundo é o desejo, em que o sujeito transcende a condição local e temporal que se encontra. O terceiro é a necessidade, em que o sujeito se apresenta como algo a ser alcançado e que faz falta. Segundo a Gestalt, a interpretação de cada um tende a ser individualizada. Entretanto, há princípios na Gestalt que são importantes ferramentas para o nivelamento do processo de aprendizagem. Nesse caso, considera-se que os 9 estímulos são criados a partir de percepção comum originada em quem estabeleceu o início do processo. Normalmente, esse sujeito é o professor. TEMA 4 – COGNITIVISMO As teorias de transição apresentam uma estrutura que contempla algo mais do que apenas um comportamento regido pelo ambiente. Esses conceitos preparam o surgimento das teorias que apresentariam o cérebro como um elemento com maior importância do que apenas o controle das funções orgânicas. Essas teorias são denominadas interacionistas ou cognitivistas. Segundo Netto e Costa (2017), as teorias interacionistas ou cognitivistas possuem uma base dialética, em que há uma interação entre o sujeito e o objeto. É nessa relação que se constrói o conhecimento. Deixando isso de forma clara, observamos, na relação do aprendizado professor e aluno, que o professor é um mediador de experiências para o aluno, pois é este que vai desvendar o conhecer quando estiver em contato com ele. A ciência cognitivismo estuda a cognição, que nada mais é do que os processos mentais que estão por trás do comportamento. Dentro de sua área de abrangência, trabalha tudo que vem a envolver a memória, a atenção, a percepção, a representação de conhecimento, o raciocínio, a criatividade e a resolução de problemas. Dentro das ciências cognitivas, temos a psicologia cognitiva. Esta, por sua vez, estuda os sistemas simbólicos, o culturalismo, os sistemas de informação e conexionismo. Nas teorias cognitivistas, o aluno não é passivo na aprendizagem. Não é compreendido como um receptáculo das informações que são transmitidas a ele pelo professor. Ele se desenvolve, e suas capacidades cognitivas evoluem à medida que sofre o desenvolvimento fisiológico. No cognitivismo, o desenvolvimento cognitivo está relacionado a um processo mental, em que o conhecimento é adquirido, armazenado e recuperado. Essa estrutura passa a ter condições de resolver problemas, ou seja, a aprendizagem é resultado da experiência. Esta é vista como agente de informação, sendo essa informação armazenada. Assim, surge o valor da memória, que é compreendida também como estrutura cognitiva. 10 4.1 Jean Piaget O principal representante do cognitivismo é Jean Piaget, pai do construtivismo. Ele estudou o desenvolvimento humano e relacionou-o à aprendizagem utilizando-se das estruturas cognitivas. O construtivismo tem como fundamento a condição de que a origem do conhecimento ocorre na criança, quando esta passa por estágios para adquirir e construir o conhecimento. Segundo Terra, Piaget formula o conceito de epigênese, argumentando que “o conhecimento não procede nem da experiência única dos objetos nem de uma programação inata pré-formada no sujeito, mas de construções sucessivas com elaborações constantes de estruturas novas”. Piaget fundamentou sua teoria em um construto denominado epistemologia genética. [...] pesquisa essencialmente interdisciplinar que se propõe estudar a significação dos conhecimentos, das estruturas operatórias ou de noções, recorrendo, de uma parte, a sua história e ao seu funcionamento atual em uma ciência determinada (sendo os dados fornecidos por especialistas dessa ciência e sua epistemologia) e, de outra, ao seu aspecto lógico (recorrendo aos lógicos) e enfim à sua forma psicogenética ou às suas relações com as estruturas mentais (esse aspecto dando lugar às pesquisas de psicólogos de profissão, interessados também na Epistemologia). (Piaget, 1977, p. 77) Fossile (2010) sintetizou a teoria de Piaget como sendo desenvolvida em quatro fatores: “Biológico: relacionado ao crescimento orgânico e à maturação do sistema nervoso; De experiências e de exercícios: é obtido na ação da criança sobre os objetos; De interações sociais: se desenvolve por meio da linguagem e da educação; De equilibração das ações: relacionado à adaptação ao meio e/ou às situações.” 4.2 Teoria do desenvolvimento O pensamento da teoria de Piaget possui uma estrutura voltada para a maturação biológica. Dessa forma, ele classifica o desenvolvimento da criança em fases ou estágios, que são ao todo quatro: sensório-motor, pré-operatório, operatório concreto e operatório formal. 11 4.2.1 Estágio sensório-motor Envolve o período entre 0 e 2 anos de idade. Nessa fase, Piaget descreve “a passagem do caos ao cosmo”. A criança passa de uma condição sem nada a uma possibilidade de exploração dos objetos. As sensações e os movimentos da criança são seus receptores de informação e contato com o novo mundo (La Taille, 2003). Nesse estágio, começa a ocorrer a maturação do sistema nervoso, que estimula os reflexos básicos dos bebês. Essa interação reflete no aprimoramento neuronal, que já vai constituir representações mentais e pensamentos. O conceito aqui é progressivo. À medida que o tempo maturacional vai ocorrendo na criança e ela passa a ser estimulada, seus movimentos reflexos passam a ser aperfeiçoados e adquirem habilidades. Esta é fase final desse estágio. 4.2.2 Estágio pré-operatório Envolve o período entre 2 e 7 anos de idade. A marca desse período é a capacidade simbólica a qual a criança desenvolve que a leva à linguagem. Segundo a teoria de Piaget, a linguagem é considerada como uma condição necessária, mas não suficiente ao desenvolvimento, pois existe um trabalho de reorganização da ação cognitiva que não é dado pela linguagem (La Taille, 2003). É nesse período que a criança consegue distinguir o significado do significante, ou seja, ela consegue separar o conceito do objeto daquilo que ele representa. Um exemplo é ver o pai pegando a chave do carro e reconhecer que ele vai trabalhar. Nessa fase, a criança consegue fazer essa transição, mas ainda não consegue fazer a reversibilidade. Possui características bem peculiares, como o animismo, pensamentos egocêntricos intelectual e social, e raciocínio transdutivo ou particular. Segundo La Taille (2003), a emergência da linguagem acarreta modificações importantes em aspectos cognitivos, afetivos e sociais da criança. É importante considerar isso pelo fato de nesse período ocorrerem as interações interindividuais. Ou seja, ocorre a condição de a criança fazer representações que venham a dar significados à realidade. 12 4.2.3 Estágio operatório concreto Envolve o período entre 7 e 11 anos de idade. Nesse período, temos a apresentação de um modo lógico e coerente. A criança começa a pensar de forma lógica, mas ainda necessita da realidade concreta. É nessa fase também que ocorre a capacidade da criança de começar a realizar operações mentalmente (Rappaport, 1981). Temos a saída do pensamento transdutivo e o início do pensamento indutivo. Isso significa que há uma interiorização da ação. É a construção da relação que vai da previsão do resultado na ordem do particular para o geral. Nessa fase, inicia-se, ainda, o processo de reversibilidade, que será construído ao longo dos estágios operatório concreto e formal (La Taille, 2003), e ocorre também o abandono do pensamento egocêntrico para o pensamento sociável. 4.2.3 Estágio operatório formal Envolve o período a partir dos 12 anos. Nessa fase, tende-se a ampliar o alcançado nas fasesanteriores. Como já temos um adolescente, há o início da utilização do raciocínio hipotético-dedutivo. Ele já consegue armar esquemas conceituais abstratos, e por meio deles executar operações mentais dentro de princípios da lógica formal. Além disso, consegue elaborar e testar suas hipóteses. É uma fase na qual já se alcança a abstração. Segundo Piaget, nessa fase, o indivíduo adquire a sua forma final de equilíbrio. Já consegue ter um padrão intelectual que será mantido por toda sua idade adulta. Entretanto, é importante ressaltar que o processo cognitivo passa por situações como a estagnação. Nesse sentido, a melhor maneira de mantê-lo de forma dinâmica é desenvolvendo o seu aprimoramento por meio de atividade mentais. Piaget desenvolve um pensamento em que a interação entre sujeito e ambiente permite um desenvolvimento à criança, isso tudo considerando sempre o seu fator de possibilidade biológica maturacional. O pensamento de Piaget abre uma nova construção de como o funcionamento do cérebro pode ser o elemento fundamental no processo da aprendizagem. 13 TEMA 5 – TEORIAS PSICOSSOCIAIS Denominaremos essas teorias de aprendizagem como psicossociais. Elas estão locadas em relação ao processo cognitivo e são compreendidas também como teorias interacionistas. Significa que qualquer relação externa ao sujeito deve ser considerada com base na interpretação de mundo. Ou seja, de um processo elaborado, em que o sujeito tem intencionalidade e não apenas respostas. Apropriando-nos desse formato, abordaremos duas teorias fundamentadas, a de Henri Wallon e Lev Vygotsky. 5.1 Lev Vygotsky O pensamento de Vygotsky tem um pouco da sua relação de compreensão da sua própria história. Nesse sentido, o contexto social é um agente fundamental na aprendizagem, pois nessa relação familiar, que é um contexto social, surgem as primeiras relações de linguagem na interação com os outros. Ou seja, há ação de alguém como facilitador para que o processo venha a ocorrer: esse evento será denominado mediação. Segundo essa teoria, o conhecimento tem origem nas relações sociais. No conceito da aprendizagem, o conhecimento passa a ser a resultante de um processo intersubjetivo e que está diretamente relacionado com as condições culturais, sociais e históricas (Vygotsky, 1987). Segundo Oliveira (1997), a teoria de Vygotsky possui três pilares. O primeiro são as funções psicológicas, que são o suporte biológico para as atividades cerebrais; o segundo são as relações sociais entre os indivíduos e o mundo exterior, como estrutura psíquica, que possuem um fator histórico; e o terceiro é o processo de mediação na relação entre o indivíduo e o mundo. O pensamento de Vygotsky estrutura a aprendizagem diante de uma relação do sujeito interagindo com outros sujeitos. Sendo assim, a relação com mundo, sua estrutura social, permite que outros venham a ser auxiliadores na atividade de progresso humano. Outro elemento importante nesse processo são os signos, os quais são instrumentos que nos auxiliam nas ações concretas e servem também de mediadores no contato social com outras pessoas. Para Vygotsky, signos são meios que auxiliam e/ou facilitam uma função psicológica superior da criança, como a atenção, a memória, a formação de conceitos, entre outros. A utilização 14 dos signos permitirá uma mudança qualitativa no processo de internalização e a utilização de sistemas simbólicos (Basso, 2018). Os fundamentos da teoria objetam o trabalho. Isso significa o que a criança vem a fazer. Dela, compreende-se que o pensamento e a linguagem associam-se devido à necessidade de intercâmbio, levando a criança a ter a capacidade de resolver problemas práticos utilizando-se de instrumentos objetivos. Segundo Vygotsky (1989), a aprendizagem tem um papel fundamental para o desenvolvimento do saber e do conhecimento, havendo sempre uma relação de ensino-aprendizagem. Isso é um modelo social de aprendizagem. Sua teoria define uma zona de relação chamada zona de desenvolvimento proximal – ZDP, na qual há uma distância entre o nível de desenvolvimento real e o potencial em que as interações sociais são desenvolvidas. Estas não são iguais para todos, por isso, no processo de ensino e aprendizagem, o mediador deve identificar a ZDP para saber como atuar. 5.2 Henri Wallon Henri Paul Hyacinthe Wallon apresentou uma teoria inovadora, que tem como elemento diferencial a afetividade. Para ele, a aprendizagem sofre a ação de fatores afetivos, como a emoção. É uma compreensão mais complexa do funcionamento do cérebro e da relação ambiental. Segundo Wallon (Galvão, 2000), a criança é essencialmente emocional e gradualmente vai constituindo-se como um ser sociocognitivo. Ela vive em um ambiente contextualizado, no qual há uma realidade viva na amplitude dos seus comportamentos e na sua condição de existência. Wallon descreve que toda criança nasce em um mundo simbólico e relacionada dentro de um “sincretismo subjetivo” nos seus primeiros três anos. Nesse período, ela depende da ação do outro. Sua linguagem expressiva é a emoção, que é designada antes da linguagem falada e a qual é observada em trocas sociais como a imitação. Para Wallon, a criança não possui um desenvolvimento linear. Ele designa estágios de desenvolvimento que sofrem variações na medida em que ocorre o desenvolvimento. Ele chama essas variações de crise. As fases do desenvolvimento, para Wallon, são: 15 Estágio impulsivo-emocional – Vai do nascimento até aproximadamente o primeiro ano de vida. Nesse estágio, há uma caracterização pela condição afetiva. A criança vive uma condição de não saber distinguir o mundo dela mesma. Estágio sensório-motor e projetivo – Vai dos três meses de idade até aproximadamente o terceiro ano de vida. Nesse período, a inteligência começa a ser gerente e o mundo passa pelo processo de interpretação. A inteligência passa a ter uma divisão entre a inteligência prática, obtida na relação com os objetos e o próprio corpo, e a inteligência discursiva, que é adquirida pela imitação e apropriação da linguagem. Nesse período, o pensamento é observado pelos atos motores. Estágio do personalismo – Vai dos 3 aos 6 anos de idade. O fator a ser estabelecido é a personalidade e a autoconsciência. Nessa fase, ocorrem as crises negativistas, em que há uma oposição da criança ao adulto. Estágio categorial – Vai de 6 a 12 anos. É um período em que ocorre a preponderância da inteligência sobre as emoções. Há o desenvolvimento das capacidades de memória e atenção voluntária e “seletiva”. A criança começa a abstrair conceitos concretos e começa o processo de categorização mental. Ocorre uma evolução muito grande no desenvolvimento humano. Estágio da adolescência – Inicia-se entre 11 ou 12 anos de idade. Há mudanças físicas e psicológicas produzidas pela maturação do sistema endócrino. Nesse estágio, o adolescente passa a desenvolver sua afetividade de forma abrangente, observando sua autoafirmação e maturação sexual. É uma fase marcada pelos conflitos internos e externos. O desenvolvimento ocorre de forma combinada, em que inicialmente prepondera o fator biológico e, mais adiante, estabelece o fator social com maior influência. O pensamento de Wallon assemelha-se ao de Vygotsky na ideia de que o social é imprescindível. A cultura e a linguagem fornecem ao pensamento os elementos para evoluir, sofisticar. A parte cognitiva social é muito flexível, não existindo linearidade no desenvolvimento, sendo este descontínuo. Por isso, sofre crises, rupturas, conflitos, retrocessos, como um movimentoque tende ao crescimento. 16 FINALIZANDO Retomando nossa questão inicial, podemos esclarecer agora que a aprendizagem é um processo. Fizemos uma caminhada pelas teorias da aprendizagem mais importantes para que pudéssemos observar as diferenças entre os olhares teóricos. Esclarecido esse momento, podemos dizer que a aprendizagem ocorre durante toda a vida. O que se modifica é a forma como ela vem a ocorrer. Nenhuma dessas teorias são totalmente aceitas ou totalmente rejeitadas, o que temos consciência é de que, no transcurso de nossa vida, o aprender sofre várias interferências que não podem ser caracterizadas somente pelo ambiente, ou pelas relações, nem pela cognição ou afeto. Agora, somos conhecedores de que podemos ver a aprendizagem por vários pontos que nos levam a ter melhor clareza do que é o aprender. LEITURA OBRIGATÓRIA Texto de abordagem teórica NOGUEIRA, M. O. G.; LEAL, D. Teorias da aprendizagem: um encontro entre os pensamentos filosófico, pedagógico e psicológico. 2. ed revisada e ampliada. Curitiba: InterSaberes, 2015. v. 1. 270p. Disponível em: <http://uninter.bv3. digitalpages.com.br/users/publications/9788544301593>. Acesso em: 24 jun. 2018. Este texto apresenta uma descrição mais detalhada das teorias abordadas nesta aula. A leitura desse texto esclarecerá dúvidas sobre a exposição das teorias da aprendizagem. Leia os seguintes capítulos: Capítulo 2 – Behaviorismo: da fundação às contribuições para a educação; Capítulo 4 – A dimensão construtivista em Jean Piaget; Capítulo 5 – A psicologia de Lev S. Vygotski; Capítulo 6 – A afetividade em Henri Wallon. 17 Texto de abordagem prática LUCION, C. da S.; FROTA, P. R.; SILVA, R. da. Teorias da aprendizagem: contribuições para a prática docente em Ciências Naturais. Revista Linhas, Florianópolis, v. 13, n. 2, jul./dez. 2012. Disponível em: <http://www.revistas. udesc.br/index.php/linhas/article/viewFile/1984723813022012181/2125>. Acesso em: 24 jun. 2018. O texto informa como as teorias da aprendizagem contribuem e podem ser utilizadas na prática docente. Saiba mais VYGOTSKY x Piaget – Teorias. Disponível: <https://youtu.be/NQH-e8OOaM8>. Acesso em: 24 jun. 2018. Esse vídeo apresenta uma animação na qual ocorre um diálogo entre o pensamento de Piaget e Vygotski, deixando explícito o fundamento das duas teorias. 18 REFERÊNCIAS BASSO, C. M. Algumas reflexões sobre o ensino mediado por computadores. Disponível em: <http://coral.ufsm.br/lec/02_00/Cintia-L&C4.htm>. Acesso em: 24 jun. 2018. BOCK, A. M. B.; FURTADO, O.; TEIXEIRA, M. L. T. Psicologias: uma introdução ao estudo da psicologia. São Paulo: Saraiva, 2002. DEL RIO, M. J. Comportamento e aprendizagem: teorias e aplicações escolares. In: COLL, C. Palacios, J.; MARCHESI, A. Desenvolvimento psicológico e educação. Porto Alegre: Artes Médicas, 1996. ENGELMANN, A. A psicologia da Gestalt e a ciência empírica contemporânea. Psicologia: Teoria e Pesquisa, v. 18, n. 1, p. 1-16, 2002. FOSSILE, D. K. Construtivismo versus sociointeracionismo: uma introdução às teorias cognitivas. Revista Alpha, Patos de Minas, 2010. GALVÃO, I. Henri Wallon: uma concepção dialética do desenvolvimento infantil. 7. ed. Petrópolis: Vozes, 2000. GIUSTA, A. da S. Concepções de aprendizagem e práticas pedagógicas. Educação em Revista, v. 29, n. 1, p. 17-36, 2013. KOFFKA, K. Princípios da psicologia da Gestalt. São Paulo: Cultrix, Universidade de São Paulo, 1975. LA TAILLE, Y. Prefácio. In: PIAGET, J. A construção do real na criança. 3. ed. São Paulo: Ática, 2003. MOREIRA, M. A. Teorias de aprendizagem. São Paulo: EPU, 1999. NETTO, A. P.; COSTA, O. S. A importância da psicologia da aprendizagem e suas teorias para o campo do ensino-aprendizagem. Fragmentos de cultura, v. 27, n. 2, p. 216-224, 2017. OLIVEIRA, M. K. de. Vygotsky: aprendizado e desenvolvimento – um processo sócio-histórico. São Paulo: Scipione, 1997. 19 PIAGET, J. O desenvolvimento do pensamento: equilibração das estruturas cognitivas. Lisboa: Dom Quixote, 1977. PINTO, J. Psicologia da aprendizagem: concepções, teorias e processos. 4. ed. Lisboa: Stories Editores, 2003. RAPPAPORT, C. R. Modelo piagetiano. In: RAPPAPORT, C. R.; FIORI, V. da R.; DAVIS, C. Teorias do desenvolvimento: conceitos fundamentais. São Paulo: EPU, 1981. v. 1. p. 51-75. SACRISTÁN, J. G.; GÓMEZ, A. I. P. Compreender e transformar o ensino. 4. ed. Porto Alegre: Artmed, 2000. TERRA, M. R. O desenvolvimento humano na teoria de Piaget. Disponível em: <https://www.unicamp.br/iel/site/alunos/publicacoes/textos/d00005.htm>. Acesso em: 24 jun. 2018. VASCONCELOS, C.; PRAIA, J. F.; ALMEIDA, L. S. Teorias de aprendizagem e o ensino/aprendizagem das ciências: da instrução à aprendizagem. Psicologia Escolar e Educacional, v. 7, n. 1, p. 11-19, 2003. VYGOTSKY, L. S. Pensamento e linguagem. São Paulo: Martins Fontes, 1987. _____. A formação social da mente: o desenvolvimento dos processos psicológicos superiores. 3. ed. São Paulo: Martins Fontes, 1989. 20 LEITURA OBRIGATÓRIA DA DISCIPLINA: Texto de abordagem teórica NOGUEIRA, M. O. G.; LEAL, D. Teorias da aprendizagem: um encontro entre os pensamentos filosófico, pedagógico e psicológico. 2. Ed. revisada e ampliada. Curitiba: InterSaberes, 2015. v. 1. 270p. Disponível em: <http://uninter.bv3.digitalpages.com.br/ users/publications/9788544301593>. Acesso em: 24 jun. 2018. Este texto apresenta uma descrição mais detalhada das teorias abordadas nesta aula. A leitura desse texto esclarecerá dúvidas sobre a exposição das teorias da aprendizagem. Leia os seguintes capítulos: Capítulo 2 – Behaviorismo: da fundação às contribuições para a educação; Capítulo 4 – A dimensão construtivista em Jean Piaget; Capítulo 5 – A psicologia de Lev S. Vygotski; Capítulo 6 – A afetividade em Henri Wallon. Texto de abordagem prática LUCION, C. da S.; FROTA, P. R.; SILVA, R. da. Teorias da aprendizagem: contribuições para a prática docente em Ciências Naturais. Revista Linhas, Florianópolis, v. 13, n. 2, jul./dez. 2012. Disponível em: <http://www.revistas.udesc.br/index.php/linhas/article/ viewFile/1984723813022012181/2125>. Acesso em: 24 jun. 2018. O texto informa como as teorias da aprendizagem contribuem e podem ser utilizadas na prática docente. Saiba mais VYGOTSKY x Piaget – Teorias. Disponível: <https://youtu.be/NQH-e8OOaM8>. Acesso em: 24 jun. 2018. Esse vídeo apresenta uma animação na qual ocorre um diálogo entre o pensamento de Piaget e Vygotski, deixando explícito o fundamento das duas teorias.