Baixe o app para aproveitar ainda mais
Prévia do material em texto
UNIVERSIDADE DA FORÇA AÉREA PRÓ-REITORIA DE ENSINO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM CIÊNCIAS AEROESPACIAIS MARCOS LIMA BASTOS, Cel. R1 Responsabilidade civil no transporte de passageiros em aeronaves do Comando da Aeronáutica Rio de Janeiro 2016 UNIVERSIDADE DA FORÇA AÉREA PRÓ-REITORIA DE ENSINO 2 PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM CIÊNCIAS AEROESPACIAIS MARCOS LIMA BASTOS, Cel. R1 Responsabilidade civil no transporte de passageiros em aeronaves do Comando da Aeronáutica Trabalho de conclusão de curso apresentado ao programa de pós- graduação em Ciências Aeroespaciais da Universidade da Força Aérea. Área de concentração (ou Linha de Pesquisa): Doutrina de Emprego da Força Aérea. Orientador: Professor Doutor Ivan Muniz de MESQUITA – Cap. R1 Rio de Janeiro 2016 3 FICHA CATALOGRÁFICA Ficha catalográfica elaborada pela Biblioteca da UNIFA Fxxx Bastos, Marcos Lima. Responsabilidade Civil no transporte de passageiros em aeronaves do Comando da Aeronáutica..... / Marcos Lima Bastos. – Rio de Janeiro: Universidade da Força Aérea, 2016. xxx f.: il., enc. Orientador: Prof Dr Ivan Muniz de Mesquita – Cap R1 . Dissertação (mestrado) – Universidade da Força Aérea, Rio de Janeiro, 2015. Referências: f. ....-.... 1. Responsabilidade Civil.2. Código Brasileiro de Aeronáutica. 3. Código de Defesa do Consumidor. 4.Correio Aéreo Nacional. 5. Soberania nacional. I. Título. II. Bastos, Marcos Lima. III. Universidade da Força Aérea. CDU: XXX.XXX(XXX) 4 MARCOS LIMA BASTOS - Cel R1 RESPONSABILIDADE CIVIL NO TRANSPORTE DE PASSAGEIROS EM AERONAVES DO COMANDO DA AERONÁUTICA Dissertação apresentada ao Programa de Pós- Graduação em Ciências Aeroespaciais da Universidade da Força Aérea, como requisito parcial para obtenção do título de Mestre em Ciências Aeroespaciais. Aprovado por: __________________________________________________________________ Presidente, Professor Doutor Ivan Muniz de Mesquita, Cap R1 – SEFA ___________________________________________________________________ Professor Doutor Flávio Neri Hadmann Jasper, Cel R1 - UNIFA _______________________________________________________________ Professora Doutora Alessandra de La Vega Miranda - UNICEUB ___________________________________________________________________ Professor Doutor Afonso Faria de Souza Júnior, Cel R1 - UNIFA Rio de Janeiro Março de 2016 5 DEDICATÓRIA A meus filhos, que apesar da distância, estão sempre presentes no meu pensamento e no meu coração. À minha mãe, velha guerreira que nunca me abandonou. 6 AGRADECIMENTOS A Deus, amigo sempre presente, sem o qual nada teria feito; aos amigos, que sempre incentivaram meus sonhos e estiveram sempre ao meu lado; aos meus colegas de classe e demais formandos pela amizade e companheirismo que recebi; ao Prof. Orientador Ivan Muniz de Mesquita que me acompanhou, transmitindo-me sua experiência e tranquilidade, e que, além de estar sempre presente, soube a hora certa das cobranças; e finalmente à minha família que sempre me incentivou nas horas mais difíceis desta longa jornada. 7 EPÍGRAFE "Vencer não é competir com o outro. É derrotar os seus inimigos interiores. É a própria realização do ser." "A mente que se abre a uma nova idéia jamais voltará ao seu tamanho original." (Einstein) 8 RESUMO O objetivo da dissertação é analisar a responsabilidade civil do Comando da Aeronáutica (COMAER), quando da ocorrência de acidentes e incidentes, com ou sem vítimas no transporte de passageiros em suas aeronaves, ou com terceiros, bem como nas perdas e/ou danos às bagagens destes. Para tanto é necessário mostrar como o instituto da responsabilidade civil objetiva do Estado foi incorporado aos deveres do transporte aéreo militar e apresentar as incongruências das disposições do Código Brasileiro de Aeronáutica perante o atual ordenamento jurídico brasileiro e normas internacionais. Após analisadas as normas que regem o transporte de passageiros por meio do Correio Aéreo Nacional(CAN), verificou-se que a proposta de atualizar a responsabilidade civil do transporte aéreo militar, em face do ordenamento jurídico em vigor, se mostrou a forma mais adequada para operar o serviço do Correio Aéreo Nacional, visto que leva o Comando da Aeronáutica à vivência dos Princípios do Estado Democrático de Direito, como a isonomia e a proteção do consumidor. Palavras-chave: Responsabilidade Civil. Código Brasileiro de Aeronáutica. Código de Defesa do Consumidor. Correio Aéreo Nacional. 9 ABSTRACT The aim of the dissertation is to analyze the civil liability of the Air Force Command (COMAER), upon the occurrence of accidents and incidents, with or without victims in passenger transport on its aircraft, or with third parties, as well as the loss and / or damage to luggage thereof. Therefore, it is necessary to show how the institution of objective liability of the state was incorporated into the duties of the military airlift and present inconsistencies of the provisions of the Brazilian Aeronautics Code before the current Brazilian law and international standards. After analyzing the rules governing the transport of passengers through the National Air Mail (CAN), it was found that the proposal to update the civil liability of military airlift in view of the legal system in force, was the most appropriate way to operate the National Air Mail service, as it takes the Air Force Command to the experience of the Law of the Democratic Principles of State, such as equality and consumer protection. Keywords: Liability. Brazilian Aeronautical Code. Consumer Protection Code. National Air Mail. 10 SUMÁRIO INTRODUÇÃO ......................................................................................................... 14 CAPÍTULO I - REFERÊNCIAL TEÓRICO ............................................................... 24 1.1 Fundamentos da Responsabilidade Civil ........................................................ 27 1.2 A Responsabilidade Civil Subjetiva e a Objetiva ............................................. 34 1.3 Os Pressupostos da Responsabilidade Civil ................................................... 39 1.4 Funções da Responsabilidade Civil ................................................................ 46 1.5 Classificação da Responsabilidade Civil ......................................................... 48 1.6 Excludentes da Responsabilidade Civil .......................................................... 51 CAPÍTULO II - HISTÓRIA DA AVIAÇÃO E DO CORREIO AÉREO NACIONAL .... 56 2.1. A Aviação em Geral ....................................................................................... 56 2.2 O Ministério da Aeronáutica ............................................................................ 62 2.3 O CorreioAéreo Nacional ............................................................................... 64 CAPÍTULO III - A LEGISLAÇÃO AERONÁUTICA .................................................. 69 3.1 A Convenção de Varsóvia .............................................................................. 70 3.2. Legislação Posterior à Convenção de Varsóvia ............................................. 70 3.3 A Constituição Federal de 1988 e o Transporte Aéreo ................................... 71 3.4 O Código de Defesa do Consumidor e o Transporte Aéreo ............................ 72 3.5 O Conflito entre as Três Legislações .............................................................. 72 3.6 O Código de Defesa do Consumidor X Código Brasileiro de Aeronáutica ...... 75 3.7 Prevalência das Leis: Nacionais ou Internacionais? ....................................... 77 3.8 O Conflito entre a Convenção e o Código de Defesa do Consumidor ............. 81 3.9 A Responsabilidade Civil no Código de Defesa do Consumidor ..................... 83 3.10 Inversão do Ônus da Prova .......................................................................... 84 CAPÍTULO IV - A RESPONSABILIDADE CIVIL DO COMANDO DA AERONÁUTICA NO TRANSPORTE DE PASSAGEIROS ...................................... 86 4.1 A Responsabilidade Civil do Estado por meio do Comando da Aeronáutica ... 86 4.2 Atual Responsabilidade Civil no Transporte Aéreo ......................................... 90 4.3 Responsabilidade Civil no Transporte Aéreo Civil .......................................... 92 4.4 Responsabilidade Civil no Transporte Aéreo Militar ........................................ 94 4.5 Responsabilidade Civil no Transporte Aéreo Militar pelo Código Brasileiro de Aeronáutica .......................................................................................................... 97 4.6 Atual Responsabilidade Civil no Transporte Aéreo Militar ............................... 98 CAPÍTULO V – APLICAÇÃO DA RESPONSABILIDADE CIVIL OBJETIVA: O CASO .................................................................................................................... 106 5.1 A Coleta dos Dados ...................................................................................... 106 5.2 O Caso Concreto .......................................................................................... 111 CONCLUSÃO ........................................................................................................ 123 REFERÊNCIAS ..................................................................................................... 127 11 LISTA DE ILUSTRAÇÕES Figura 1 – Interfaces dos ramos do Direito.................................................. 55 Figura 2 – "Icarus e Daedalus" por Charles Paul Landon............................ 57 Figura 3 – Ornitóptero de Leonardo da Vinci................................................. 57 Figura 4 – Máquina voadora projetada por Leonardo da Vinci.................... 58 Figura 5 – Ilustração de voo de Santos Dumont no 14-bis............................ 59 Figura 6 – De Havilland Comet, o primeiro jato comercial da história da aviação........................................................................................................... 60 Figura 7 – O gigantesco Boeing 747, o primeiro widebody da história da aviação........................................................................................................... 61 Figura 8 – O 1º GAv.Ca. P-47 levava o emblema "Senta a pua!" no nariz juntamente com a insígnia nacional do Brasil................................................ 64 Figura 9 – Primeiras rotas do CAN................................................................ 65 Figura 10 – Aeronaves operadas pelo CAN.................................................. 66 Gráfico1– Ocorrências na aviação militar entre 2001 e 2015........................ 107 Fotografia 1 – Acidente do C-95 matrícula FAB 2292................................... 110 Fotografia 2 – Aeronave C-130, semelhante ao FAB 2455 acidentado........ 110 Fotografia 3 – Acidente do C-98 matrícula FAB 2735................................... 111 Figura 11 – Acidente do voo 1907 da Gol.................................................... 112 Figura 12 – Acidente do voo 1907 da Gol..................................................... 113 Figura 13 – Acidente do voo 1907 da Gol..................................................... 113 Figura 14 – Acidente do voo 3054 da TAM................................................... 116 12 LISTA DE TABELAS Tabela 1 – Acidentes fatais entre 2001 e 2015.........................................107 Tabela 2 - Acidentes fatais entre 2001 e 2015 com aeronaves do COMAER...................................................................................................108 Tabela 3 - Acidentes fatais entre 2001 e 2015 com aeronaves do Comando do Exército.................................................................................................109 Tabela 4 - Acidentes fatais entre 2001 e 2015 com aeronaves do COMAER transportando passageiros........................................................................109 13 LISTA DE SIGLAS E ABREVIATURAS ANAC – Agência Nacional de Aviação Civil CAN – Correio Aéreo Nacional CBA – Código Brasileiro de Aeronáutica CC – Código Civil CDC – Código de Defesa do Consumidor CENIPA – Centro de Investigação e Prevenção de Acidentes Aeronáuticos CF – Constituição Federal COMAER – Comando da Aeronáutica. Estrutura administrativa da Aeronáutica. COMGAR – Comando Geral de Operações Aéreas CP – Código Penal CPC – Código do Processo Civil CPP – Código do Processo Penal DCA – Diretriz do Comando da Aeronáutica DMA – Diretriz do Ministério da Aeronáutica FAB – Força Aérea Brasileira. FCA – Folheto do Comando da Aeronáutica FMI – Fundo Monetário Internacional REsp – Recurso Especial NSCA – Norma de Serviço do Comando da Aeronáutica RE – Recurso Extraordinário STF – Supremo Tribunal Federal STJ – Superior Tribunal de Justiça TJRJ – Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro TJSP – Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo UNIFA – Universidade da Força Aérea 14 INTRODUÇÃO A aviação conta com pelo menos um século de existência, mas teve desenvolvimento tecnológico vertiginoso e constante, contribuindo na redução de distâncias e favorecendo consequentemente a aproximação dos povos. Historicamente, após as duas grandes guerras mundiais, a aviação passou a ser um dos mais importantes meios de transporte de pessoas e cargas. Com o crescimento deste meio de transporte, tornou-se imperiosa a criação de regras e normas a serem seguidas pelos transportadores e usuários. Tais regras diferem-se em: locais, regionais, nacionais e internacionais. A razão dessa distinção é que uma aeronave não sobrevoa apenas o espaço aéreo circunscrito à sua bandeira, ao contrário, um avião é um meio de integração entre as pessoas e coisas de nações e continentes. As regras não foram criadas apenas para o transportador, mas também para os usuários desse meio de transporte, conscientes de seus direitos e deveres. Em virtude de tais circunstâncias, surge a ideia da aplicação do instituto da responsabilidade civil. A responsabilidade civil tem como foco evitar a subsistência de um prejuízo injusto, impondo uma deslocação patrimonial do lesante para o lesado; sua regra é a de quem infringe um dever jurídico e causa dano a outrem, fica obrigado a reparar odano e a ressarcir o prejuízo. A responsabilidade civil abrange praticamente um horizonte de relações, ou seja, está presente na maioria absoluta das relações jurídicas. Desta forma, um estudo realizado por Chaib (2005), menciona que ao produzir reflexo nas atividades contratuais e extracontratuais, o tema da responsabilidade civil torna-se de grande relevância na atualidade jurídica. Segundo o autor, a responsabilidade jurídica deve ser dotada de grande flexibilidade com o intuito de reestabelecer o equilíbrio causado pelo dano. Para Diniz (2004, p. 08-09), a responsabilidade tem duas funções, quais sejam: “garantir o direito do lesado à segurança; servir como sanção civil, de natureza compensatória, mediante a reparação do dano causado à vítima, punindo o lesante e desestimulando a prática de atos lesivos”. Segundo Diniz (2004, p. 05), “o 15 interesse em restabelecer o equilíbrio violado pelo dano é a fonte geradora da responsabilidade civil”. Para que possa entender o contexto em que insere o cerne da pesquisa, torna-se necessário um breve conhecimento da evolução das relações jurídicas que permeiam o Direito Aeronáutico e como estas chegaram ao momento atual adaptando-se continuamente à evolução tecnológica dos meios aéreos. Durante o desenvolvimento deste trabalho será mostrada a complexidade das relações jurídicas que envolvem o fenômeno aeronáutico, um ramo do conhecimento humano que embora estudado desde a elevação dos primeiros aeróstatos, sua autonomia científica por um longo arco temporal ficou atrelada a certas correntes dogmáticas preexistentes como o direito marítimo e o direito mercantil. O Direito Aeronáutico desenvolveu-se acompanhando a própria evolução da “arte de voar”, e adquirindo o status de ramo autônomo em face da singularidade da aplicação de diversos institutos jurídicos as necessidades específicas do transporte aéreo. Embora cada Estado tenha desenvolvido seu próprio parque aeronáutico com o fito de atender às necessidades de integração do seu território, foram se formando no âmbito de cada soberania arcabouços normativos independentes com o objetivo de regular o transporte aéreo e a responsabilidade civil do transportador. Diante da necessidade de permitir o desenvolvimento da aviação em todo mundo foi formado o consenso de estabelecer um regramento comum, evitando assim que esta novel indústria tivesse seu progresso retardado pelos conflitos entre normas internas e externas. Foi, portanto, reconhecendo as fragilidades da indústria aeronáutica e a situação economicamente delicada para a humanidade, que estava atravessando uma crise financeira, recuperando-se de uma grande guerra, ainda sob a égide do positivismo jurídico e o dogma da completude; que foi forjado a Convenção de Varsóvia em 1929, regra multilateral responsável em grande medida pelo desenvolvimento da aviação internacional, representando em certa medida a supremacia do interesse público diante do interesse privado. A eleição da adoção de uma norma convencional não representou uma redução da soberania dos países membros, ao revés a participação em um tratado de tal envergadura representou a afirmação da soberania das nações participantes do Sistema Varsóvia. 16 A Convenção de Varsóvia rompeu com certos dogmas do liberalismo, estabelecendo um novo regime de responsabilidade civil em escala mundial, no qual o passageiro ab initio não tinha sobre si o pesado ônus de provar que os prejuízos, experimentados em razão de um contrato de transporte aéreo deveriam ser arcados pelo transportador, já impregnado pelo olhar solidário que reconhecia que o risco da atividade econômica não deveria ser suportado pelo passageiro. Esta convenção foi em sua plenitude o marco inicial para nortear as regras existentes em nossa legislação aeronáutica, mais especificamente no CBA – Código Brasileiro de Aeronáutica. O Direito Aeronáutico, muito embora tenha arcabouço jurídico próprio em virtude das peculiaridades dessa modalidade de transporte, deve ser eficiente e veloz sem abrir mão da segurança, pois envolve questões de ordem privada, mas é norteado pelo interesse público. Este é um ramo do Direito desconhecido não só pelo usuário em geral, mas por robusta parcela dos operadores do Direito que, na busca por soluções imediatistas, não se dedicam a um estudo aprofundado das normas existentes. Simultaneamente a estas mudanças no cenário internacional, o Brasil promoveu uma profunda mudança em sua matriz jurídica, abandonando gradualmente um modelo jurídico oitocentista, lastreado não em valores humanistas, mas de forte condão patrimonialista, onde o Código Civil constituía o degrau mais alto do patamar privatista, que adotava a lógica da completude jurídica, que não resistiu às mudanças sociais que ocorrem nos ciclos evolutivos sociais. O próprio sistema jurídico foi abandonando a centralização no Código Civil, para a formação de vários estatutos jurídicos, entre ele está o bem-vindo Código de Defesa do Consumidor, legislação moderna e articulada com os princípios da dignidade da pessoa humana, que em muito contribuiu para a sociedade brasileira. Ao conjunto de antinomias, que sem dúvida o maior conflito reside na colisão em ter as normas do Sistema Varsoviano - dentre elas o nosso CBA - e o Código de Defesa do Consumidor, encontra-se o Código Civil de 2002, que baseado em novas orientações filosóficas como as cláusulas abertas e o culturalismo, reside a questão da reparação também de ordem integral consubstanciada na própria concepção do desenvolvimento de uma atividade que por sua essência consiste em uma atividade 17 de risco. Esta reparação integral consiste na aplicação do instituto da responsabilidade civil. Paralelamente a isto, mesmo entre o seleto grupo dos conhecedores do Direito Aeronáutico, muitos são aqueles que reputam maior importância às normas consumeristas, que, do ponto de vista temporal, são mais recentes do que às normas estabelecidas no CBA e nas Convenções Internacionais que tratam do assunto. A antinomia entre normas de direito interno e o internacional que outrora haviam sido pacificadas pelo Poder Judiciário, voltam a ocupar nossa mais alta corte, que após ter reconhecido a existência da repercussão geral, atualmente uma das condições de admissibilidade do recurso trará, por certo, uma diretriz para as questões que diuturnamente assolam nossos tribunais. Como a legislação é muito ampla, procurou-se direcionar a pesquisa à solução de um problema que se vislumbrou existente na operação interna de uma das diversas atribuições sob a responsabilidade do Comando da Aeronáutica (COMAER): Quais as dissonâncias legislativas e judiciais no reconhecimento da responsabilidade civil objetiva do Estado, no que tange ao transporte de passageiros e de suas bagagens em aeronaves da COMAER? Dessa forma, será evidenciado que os procedimentos adotados no transporte de passageiros por meio das linhas do Correio Aéreo Nacional (CAN) em aeronaves do COMAER devem ser atualizados em conformidade com a legislação vigente. O assunto é mais abrangente, pois envolve também a participação dos militares em serviço, sejam eles tripulantes e/ou pessoal de apoio relacionados com exercício da atividade, no entanto, este trabalho somente enfoca o transporte aéreo de passageiros. A hipótese central da pesquisa é a de que o COMAER é responsável por acidentes e incidentes que possam ocorrer no transporte de passageiros, ou com terceiros, em suas aeronaves e/ou perdas e danos de bagagens. O estudo está delimitado pela legislação existente sobre o tema, como intuito de verificar se há e quais são conflitos dessa legislação quanto à responsabilidade civil no transporte de passageiros em aeronaves do COMAER, e quais as implicações dessas divergências. 18 O objetivo principal deste trabalho é investigar a responsabilidade civil do Comando da Aeronáutica (COMAER), quando da ocorrência de acidentes e incidentes, com ou sem vítimas no transporte de passageiros em suas aeronaves, ou com terceiros, bem como nas perdas e/ou danos às bagagens destes. Será demonstrado como o COMAER pode figurar no polo passivo em processos, criminais e civis, este último capaz de gerar grandes indenizações por perdas e danos. Para tanto, se faz necessário estudar o instituto da responsabilidade civil objetiva e subjetiva pertinente ao assunto, analisando as normas que regem o COMAER no que tange ao transporte de passageiros por meio do Correio Aéreo Nacional. Verificar-se-á, também, se há conflitos entre as legislações existentes, quanto à responsabilidade civil do COMAER no transporte de passageiros, com o intuito de propor uma mudança na legislação vigente. Assim, o presente estudo é o resultado de uma investigação sobre contornos da responsabilidade civil no transporte aéreo militar em voos realizados pelo Correio Aéreo Nacional (CAN), em aeronaves do Comando da Aeronáutica (COMAER), e qual a sua relação com o ordenamento jurídico vigente, analisando-se o teor e a orientação doutrinária da jurisprudência pertinente, baseados em dados históricos, bem como com levantamentos estatísticos dos acidentes ocorridos nos últimos 15 anos. Neste sentido, a pesquisa busca avaliar as normas existentes que sistematizam e orientam as atividades relacionadas ao transporte realizado pelo CAN, como atribuição subsidiária do COMAER, e está incluído na linha de pesquisa relacionada à Doutrina de Emprego do Poder Aeroespacial. Essa atribuição subsidiária visa realizar a missão de integração nacional, a qual corresponde a um dos objetivos nacionais permanentes, que está prevista na Carta Magna. A proposta é que o Poder Público defina, para dar maior estabilidade às relações jurídicas, quais as normas que entende serem mais adequadas para os usuários e, principalmente, nos casos dos acidentes e incidentes aéreos, ocasião em que ninguém quer assumir a culpa. Portanto, este trabalho é fruto de pesquisa sobre a legislação pertinente, a jurisprudência, e vocábulos sobre o transporte aéreo militar, que foi reunida e 19 examinada com destaque nos trechos juridicamente relevantes quanto à responsabilidade civil aplicada ao transporte aéreo militar, correlacionado com levantamento de dados estatísticos de acidentes com aeronaves militares ocorridos nos últimos 15 anos. A escolha desse tema deveu-se, primeiramente, a escassez de publicações com enfoque na responsabilidade civil em relação ao transporte aéreo militar que englobasse a legislação pertinente, seja no aspecto civil ou militar, na jurisprudência, nos acórdãos e no vocabulário básico atinente ao assunto. Outro aspecto relevante para escolha do tema foi autor, além de ter se tornado um operador do Direito, possuir experiência e conhecimento da Aviação Civil em geral, tendo exercido cargo na Agência Nacional de Aviação Civil (ANAC), e no Departamento de Controle do Espaço Aéreo (DECEA). Assim, dedicou-se à coleta de material de pesquisa que resultou opúsculo, enveredando por obras e sites de diversos tribunais federais do país, bem como em sítios pertinentes ao assunto. Este é um tema relevante por ser atual e pelos diversos casos práticos que vem aparecendo rotineiramente na mídia nacional, desde lesão direta ao consumidor, até casos de acidentes com vítimas fatais. Fatos que por si só geram abertura de processos, criminal e civil, este último gerando grandes indenizações por perdas e danos. Nesse sentido, este trabalho se justifica na medida em que, tomando conhecimento das implicações jurídicas relacionadas ao exercício desta atividade no âmbito do COMAER, torna-se necessária a adoção de medidas mitigadoras dos riscos inerentes ao assunto em pauta, bem como o assessoramento às autoridades, visando ao saneamento das divergências existentes na legislação em vigor. O conjunto de procedimentos e as técnicas utilizadas para realização do presente estudo foi selecionado sob o ponto de vista do autor, diante das peculiaridades da matéria tratada nesta pesquisa. Diante do tema a ser estudado, o método hipotético-dedutivo é o que melhor se apresenta sendo, pois, o indicado para essa tarefa, já que segundo Lakatos e Marconi (1991, p. 257), nesse método o raciocínio parte do geral para se chegar ao especifico. 20 Quanto à forma de abordagem do problema, foi aplicada envolvendo aspectos que trata da abordagem de natureza qualitativa, em razão dos resultados obtidos poderem ser empregados naturalmente pelo COMAER, no sentido de evitar conflitos entre as legislações existentes quanto à responsabilidade civil no transporte de passageiros. Uma pesquisa pode ser considerada de natureza exploratória, quando esta envolver levantamento bibliográfico, entrevistas com pessoas que tiveram, ou têm, experiências práticas com o problema pesquisado e análise de exemplos que estimulem a compreensão. As pesquisas exploratórias visam proporcionar uma visão geral de um determinado fato, do tipo aproximativo (CLEMENTE apud GIL, 2007). A pesquisa exploratória é realizada sobre um problema ou questão de pesquisa que geralmente são assuntos com pouco ou nenhum estudo anterior a seu respeito, o que é o caso da aplicação do instituto da responsabilidade civil objetiva aplicado ao transporte aéreo militar. Portanto, diante do exposto, a presente pesquisa é do tipo exploratória em virtude de ter-se realizado um estudo preliminar do principal objetivo da pesquisa, ou seja, procurou-se profundar no tema que está sendo investigado, de modo que a pesquisa subsequente possa ser concebida com uma maior compreensão e precisão. A pesquisa exploratória, que pode ser realizada através de diversas técnicas, geralmente com uma pequena amostra, permite ao pesquisador definir o seu problema de pesquisa e formular a sua hipótese com mais precisão, ela também lhe permite escolher as técnicas mais adequadas para suas pesquisas e decidir sobre as questões que mais necessitam de atenção e investigação detalhada (PIOVESAN, TEMPORINI apud THEODORSON & THEODORSON; 1995). Esta amostra colhida foi o resultado de ações judiciais contra o Comando da Aeronáutica que resultaram em indenizações ou desgastes jurídicos desnecessários que poderiam ser evitados. O objetivo desse tipo de pesquisa é procurar padrões, ideias ou hipóteses. No estudo em pauta procurou-se formular tal hipótese. As técnicas tipicamente utilizadas para a pesquisa exploratória são estudos de caso, observações ou análise históricas, e seus resultados fornecem geralmente dados qualitativos ou quantitativos. A pesquisa exploratória avaliará quais teorias ou conceitos existentes podem ser aplicados a um determinado problema ou se novas teorias e conceitos 21 devem ser desenvolvidos (GIL,1999,p.37). Com os dados levantados na análise das legislações pertinentes e os resultados das ações judiciais, foi possível identificar as incongruências e os conflitos existentes nas publicações e demonstrar a motivação para que estas sejam atualizadas para se adequarem ao ordenamento jurídico vigente. Quanto à técnica1 foram utilizadas a bibliográfica e a documental – a primeira abordou assuntos que explicam o problemaa partir de referências teóricas publicadas; a segunda estudou matérias que não receberam tratamento analítico – livros ou congêneres, publicações avulsas, boletins, jornais, livros, revistas, monografias, slides, internet, e alguns outros exemplos de sítios onde serão buscadas as informações. Utilizou-se de uma metodologia histórico-descritiva dos fenômenos normativos, sendo que o tipo de pesquisa foi exploratório, a forma de abordagem de natureza qualitativa e o método hipotético-dedutivo. Na dissertação, o estudo do instituto da responsabilidade civil em todo seu contexto tornaria a pesquisa com uma complexidade enorme, portanto fez-se necessário delimitar o tema somente no que se refere à analise dos aspectos jurídicos envolvidos no transporte de passageiros em aeronaves do COMAER, principalmente no que se refere ao instituto da responsabilidade civil, em questão, tem-se, portanto algumas variáveis que no seu desenvolvimento foram aprofundadas, tais como: estudar o instituto da responsabilidade civil objetiva do Estado pertinente ao assunto; analisar as normas que regem o COMAER no que tange ao transporte de passageiros por meio do Correio Aéreo Nacional e verificar se há conflitos entre as legislações existentes quanto à responsabilidade civil do COMAER no transporte de passageiros. Na etapa inicial, os dados foram obtidos a partir de uma exploração documental em normas internas do COMAER para o transporte de passageiros por meio do Correio Aéreo Nacional, decisões judiciais e textos doutrinários. Cooper e Schindler (2003) afirmam que, por meio da exploração, os pesquisadores desenvolvem conceitos de forma mais clara, estabelecem prioridades, desenvolvem definições operacionais e melhoram o planejamento final da pesquisa. 1 Para Lakatos e Marconi (1991), a técnica é um conjunto de preceitos ou processos de que se serve uma ciência ou arte; é a habilidade para usar esses preceitos ou normas, a parte prática. Toda ciência utiliza inúmeras técnicas na obtenção de seus propósitos. 22 Dessa forma, será possível desenvolver a exploração documental necessária para melhor compreender a proposta de estudo que foi analisar os aspectos jurídicos envolvidos no transporte de passageiros em aeronaves do COMAER, principalmente no que se refere à responsabilidade civil. O trabalho que agora se apresenta está organizado em cinco capítulos, em que o primeiro procura a contextualização teórica do problema de pesquisa e seu relacionamento com o que foi investigado a respeito. O segundo capítulo visa apresentar um breve relato histórico da aviação em geral; da criação da Força Aérea Brasileira (FAB) - braço armado do atual Comando da Aeronáutica; e do Correio Aéreo Nacional. No terceiro capítulo, está centrada a explanação de um breve histórico da evolução da legislação aeronáutica, desde a edição da Convenção de Varsóvia e a recepção ao ordenamento jurídico interno, passando pela promulgação da Constituição Federal (CF) de 1988, do Código de Defesa do Consumidor de 1990 (CDC), e do Código Civil de 2002 (CC). Este é o momento no qual é descrito o conflito existente entre os dispositivos legais. Está focado nas situações de colisão entre as normas convencionais e as normas internas do Brasil. São apresentadas as premissas usadas tanto pela dogmática como pela jurisprudência sobre o assunto, o processo de internacionalização e uniformização dos tratados, como fonte de direito com reflexos na soberania, estatal para promover as condições ideais de recepção destes; e, finalmente, diante do conflito de normas no tempo e no espaço, as teorias que buscam estabelecer qual o conjunto dotado de primazia, a ser invocado para dirimir conflitos existentes entre as partes. O quarto capítulo dá enfoque à responsabilidade civil, abordando tanto a dicotomia da responsabilidade objetiva e quanto da subjetiva, bem como à pluralidade de critérios para verificação do nexo de causalidade, quando serão abordadas questões pertinentes. Procura-se contextualizar toda a problemática que envolve a aplicação da responsabilidade civil no ordenamento jurídico vigente no país, traçando um paralelo com o atual tratamento dado a este tema pelos tribunais e pela doutrina, visando realizar a fundamentação teórica com mais profundidade. No quinto capítulo, discorre-se sobre os aspectos metodológicos que serviram para nortear a explicitação do problema de pesquisa que orientou toda a análise 23 desse trabalho, com o intuito de orientar os resultados encontrados acerca da responsabilidade civil do Comando da Aeronáutica no transporte de passageiros em suas aeronaves, pela responsabilidade do Estado e como esta é tratada no transporte aéreo, civil e militar, com uma proposta de reformulação dos atuais conceitos utilizados. Nele é demonstrado como o transporte aéreo militar deve ser caracterizado diante das leis nacionais como sendo serviço público e tendo sua característica de gratuidade descartada, em função da ausência das exigências legais: a cortesia e a amizade. Também procura evidenciar a incongruência das disposições do CBA perante o atual ordenamento jurídico brasileiro. Igualmente mostra um breve relato sobre os últimos acidentes ocorridos no país, com a devida correlação ao disposto na legislação vigente e suas possíveis implicações jurídicas em relação ao COMAER, fatos que conduziram à aceitação da hipótese. Para concluir, será proposta a atualização jurídica do instituto da responsabilidade civil do transporte aéreo militar, frente aos novos princípios constitucionais, erguidos pela Carta Política de 1988; incorporando a responsabilidade objetiva, a vedação à tarifação de valores indenizatórios e a inversão do ônus da prova. 24 CAPÍTULO I - REFERÊNCIAL TEÓRICO Para sustentar a fundamentação teórica da Responsabilidade Civil tomou- se como Marco Teórico o livro da jurista Maria Helena Diniz em seu livro Curso de Curso de Direito Civil Brasileiro, 18ª edição, auxiliado pelo livro do Professor Silvio Venosa, 4ª edição, que trata da Responsabilidade Civil, pelo livro do autor José da Silva Pacheco, 4ª edição, intitulado Comentários ao Código Brasileiro de Aeronáutica, além outros autores e demais legislações pertinentes, dentre outros. Desta feita, a responsabilidade civil abrange praticamente um horizonte de relações, ou seja, está presente na maioria absoluta das relações jurídicas. Desta forma, Chaib (2005), menciona: a responsabilidade civil é um tema de grande relevância na atualidade jurídica, pois produz reflexos nas atividades contratuais e extracontratuais, devendo ser dotada de grande flexibilidade, a fim de restabelecer o equilíbrio causado pelo dano e buscar a paz pública. Gagliano e Pamplona Filho (2006, p. 01-02) trazem a noção da palavra responsabilidade: “A palavra responsabilidade tem sua origem latino respondere, significando a obrigação que alguém tem a assumir com as conseqüências jurídicas de sua atividade [...]”. De acordo com Diniz (2004, p. 08-09), a responsabilidade tem duas funções, quais sejam: “garantir o direito do lesado à segurança; servir como sanção civil, de natureza compensatória, mediante a reparação do dano causado à vítima, punindo o lesante e desestimulando a prática de atos lesivos”. Acrescenta Gagliano e Pamplona Filho (2006, p. 03) que, responsabilidade, para o Direito, nada mais é, portanto, que uma obrigação derivada – um dever jurídico sucessivo – de assumir as consequências jurídicas de umfato, consequências essas que podem variar (reparação dos danos - ou punição pessoal do agente lesionante) de acordo com os interesses lesados. Nas palavras de Diniz (2004, p. 05), “o interesse em restabelecer o equilíbrio violado pelo dano é a fonte geradora da responsabilidade civil”. Nesse sentido Chaib (2005), menciona que uma responsabilidade civil quando bem aplicada, torna-se um instrumento poderoso na valorização ética do ser 25 humano. Portanto, pode-se dizer que o fundamento da responsabilidade civil é que todo dano deve ser reparado. Assim, conclui Stoco que “a responsabilidade é, portanto, resultado da ação pela qual o homem expressa o seu comportamento, em face desse dever ou obrigação”. (2001, p. 91). Diniz (2004, p. 40) conceitua a responsabilidade civil como a aplicação de medidas que obriguem uma pessoa a reparar dano moral ou patrimonial causado a terceiros, em razão de ato por ela mesma praticado, por pessoa por quem ela responde, por alguma coisa a ela pertencente ou de simples imposição legal. De acordo com Rodrigues (2003, p. 6), a responsabilidade civil corresponde a uma obrigação que pode incumbir uma pessoa a reparar o prejuízo causado a outra, por fato próprio, ou por fato de pessoas ou coisas que dela dependam. Desta forma, sustenta ainda que, uma vez ocorrido o prejuízo pela vítima sob a premissa de que quem o causou deve repará-lo, a responsabilidade civil irá trazer a solução de como e em que condições esse prejuízo será reparado. Já na lição de Lopes (1962, p. 189), a responsabilidade é a obrigação de reparar um dano, seja por decorrer de uma culpa ou de outra circunstância legal que a justifique, como a culpa presumida, ou por uma circunstância meramente objetiva. Na lição de Gagliano e Pamplona Filho (2006, p. 10) para “nossa cultura ocidental, toda reflexão, por mais breve que seja, sobre raízes históricas de um instituto, acaba encontrando seu ponto de partida no Direito Romano. E com a responsabilidade civil, essa verdade não é diferente”. Continuam o assunto os autores supramencionados, afirmando que: de fato, nas primeiras formas organizadas de sociedade, bem como nas civilizações pré-romanas, a origem do instituto está calçada na concepção da vingança privada [...] Trata-se da Pena de Talião, da qual se encontram traços na Lei das XII Tábuas [...] Um marco na evolução histórica da responsabilidade civil se dá, porém, com a edição da Lex Aquilia, cuja importância foi tão grande que deu nome à nova designação da responsabilidade civil delitual ou extracontratual. [...] Permitindo-se um salto histórico, observe-se que a inserção da culpa como elemento básico da responsabilidade civil aquiliana – contra o objetivismo excessivo do direito primitivo, abstraindo a concepção de pena para substituí-la, paulatinamente, pela idéia de reparação do dano sofrido – foi incorporada no grande monumento legislativo da idade moderna, a saber, o Código Civil da Napoleão, que influenciou diversas legislações do mundo, inclusive o Código Civil brasileiro de 1916 [...](GAGLIANO E PAMPLONA FILHO, 2004, p. 10). 26 Venosa (2004, p. 12) esclarece que o “atual Código Civil, embora mantendo a mesma estrutura do diploma anterior, trata da responsabilidade civil com mais profundidade nos arts 927 e ss”. A definição de ato ilícito é fornecida pelo art 186 [...]. Com base nessas considerações, a jurista Diniz (2004, p. 40) define responsabilidade civil como a aplicação de medidas que obriguem a reparar dano moral ou patrimonial causado a terceiros em razão de ato próprio imputado, de pessoa por quem ele responde, ou de fato de coisa ou animal sob sua guarda (responsabilidades subjetivas), ou, ainda, de simples imposição legal (responsabilidade objetiva). Definição esta que guarda, em sua estrutura, a idéia da culpa quando se cogita da existência de ilícito e a do risco, ou seja, da responsabilidade sem culpa. Porém, além do conceito de responsabilidade civil, “antes de adentrarmos à temática propriamente dita, ou seja, no campo de reparação civil lato sensu de danos, é preciso, por rigor, metodológico, tentar compreender o conceito jurídico de responsabilidade” (GAGLIANO E PAMPLONA FILHO, 2004, p. 10). Dessa maneira, Venosa (2004, p. 12-13) discorre sobre o assunto alegando que o termo responsabilidade, embora com sentidos próximos e semelhantes, é utilizado para designar várias situações no campo jurídico. A responsabilidade, em sentido amplo, encerra a noção em virtude da qual se atribui a um sujeito o dever de assumir as conseqüências de um evento ou de uma ação. Na realidade, o que se avalia geralmente em matéria de responsabilidade é uma conduta do agente, qual seja, um encadeamento ou série de atos ou fatos, o que não impede que um único ato gere por si o dever de indenizar. Para Stoco (2001, p. 39), “o que interessa, quando se fala de responsabilidade, é aprofundar o problema na face assinalada, de violação da forma ou obrigação diante da qual se encontrava o agente”. Complementa Diniz (2004, p. 39), “o vocábulo ‘responsabilidade’ é oriundo do verbo latino respondere, designando o fato de ter alguém se constituído garantidor de algo. Tal termo contém, portanto, a raiz latina spondeo, fórmula pela qual se vinculava, no direito romano, o devedor nos contratos verbais”. 27 Stoco (2001, p. 89) explica que, “essa exposição estabelecida pelo meio social regrado, por meio dos integrantes da sociedade humana, de impor a todos o dever de responder por seus atos, traduz a própria noção de Justiça existente no grupo social estratificado”. De tal modo, de tudo o que se disse, conclui Gagliano e Pamplona Filho (2006, p. 09), que “a noção jurídica de responsabilidade pressupõe a atividade danosa de alguém que, atuando a priori ilicitamente, viola uma norma jurídica preexistente (legal ou contratual), subordinando-se, dessa forma, às consequências do seu ato (obrigação de reparar)”. Cumpre acrescentar que a responsabilidade civil pode ser classificada como responsabilidade civil subjetiva e responsabilidade civil objetiva. Portanto, importante se faz esclarecer resumidamente cada uma das classificações. Nas palavras de Molon (2007) responsabilidade civil “é o ressarcimento dos prejuízos acarretados ao lesado que sofreu tanto em seu patrimônio como em componentes de sua pessoa ou personalidade [...].” É ainda mais esclarecedor o conceito de Diniz (2004, p. 40): A responsabilidade civil é a aplicação de medidas que obriguem uma pessoa a reparar dano moral ou patrimonial causado a terceiros, em razão de ato por ela mesma praticado, por pessoa por quem ela responde, por alguma coisa a ela pertencente ou de simples imposição legal. Segundo Diniz (2004), a responsabilidade civil visa, portanto, garantir o direito lesado à segurança, mediante o pleno ressarcimento dos danos que sofreu, se restabelecendo na medida do possível, o estado inicial da situação. Para um melhor entendimento de todos estes conceitos expostos por estes diversos autores de renome nacional, a partir de agora passaremos por um breve histórico do instituto da responsabilidade civil e suas peculiaridades. 1.1 Fundamentos da Responsabilidade Civil Contextualizando os fundamentos da responsabilidade civil, temos que o conceito de reparar o dano injustamente causado surgiu em época relativamente recente na história do Direito. Segundo Venosa (2004, p. 27): 28 o famoso princípio da Lei de Talião, da retribuição do mal pelo mal, olho por olho, já denota uma forma de reparação do dano. Na verdade, o princípio é da natureza humana, qualseja, reagir a qualquer mal injusto perpetrado contra a pessoa, a família ou o grupo social. A sociedade primitiva reagia com a violência. O homem de todas as épocas também o faria, não fosse reprimido pelo ordenamento jurídico. Efetuando um estudo dos aspectos históricos da Responsabilidade Civil, observa-se que, já na Babilônia, através de uma das mais antigas fontes do Direito, o Código de Hamurabi (1728-1688 a.C.) imposto pelo célebre imperador babilônico que deu nome ao código, dois mil anos antes da era cristã, conhecido como o princípio do olho por olho, dente por dente, sendo mais tarde adotado também pelos romanos como Lei de Talião as quais eram rígidas e inflexíveis, e muitas vezes cruel (PEREIRA, 2004, p.3). Estas leis possuíam como princípio a aplicação de uma espécie de vingança estabelecida pelo Estado em detrimento ao instituto do ressarcimento, podendo ser considerada a origem da responsabilidade civil, a qual evoluiu sensivelmente com o surgimento da Lei das XII Tábuas (século III a.C.), que fixou o valor da pena a ser paga pelo ofensor ao ofendido (PEREIRA, 2004, p.3). Ilustrando este período histórico, Stoco (1997, p. 4), acrescenta que “ingressa na órbita jurídica após ultrapassada, entre os povos primitivos, a fase da reação imediata, inicialmente grupal, depois individual, passando pela sua institucionalização, com a pena de Talião, fundada na idéia de devolução da injúria e na reparação do mal com mal igual, já que qualquer dano causado a outra pessoa era considerado contrário ao direito natural”. Com o surgimento da Lei das XII Tábuas (ano 450 a.C.), o ocidente passa a desfrutar de um ordenamento que procurava estipular responsabilidades e delimitar sanções, assim, somente à lei caberia a definição delitos (civis ou criminais) e suas respectivas formas de reparação, inclusive a reparação por arbitragem. Em outra etapa da evolução da responsabilidade civil, Dias (1987, p. 2) afirma que o Estado surge com a finalidade de atuar como pacificador, buscando solucionar as lides decorrentes de danos causados por outrem, sendo então institucionalizado o caráter punitivo, em detrimento ao instituto do ressarcimento, não havia, nesta época, uma distinção bem definida entre os ilícitos civis e os criminais do modo em que está dividida no ordenamento jurídico atual. 29 A sanção invariavelmente passava da pessoa do responsável pelo crime ou dano, atingindo mesmo o patrimônio e a própria vida de terceiros desvinculados das relações privadas (obrigações de natureza civil) ou de fundo público. (DIAS, 1987, p. 2) Constata-se, sobre evolução da responsabilidade civil, que esta ocorreu de forma lenta e gradativa embora a sociedade desde a época primitiva sempre demonstrou a sua pretensão de obter compensação pelo prejuízo causado por outra pessoa. Nesse sentido, ratifica Rodrigues, (2003, p.1) mencionando que “a responsabilidade civil é matéria jurídica antiga, tendo sido prevista no Código do Imperador Hamurabi da Babilônia, em sua máxima "olho por olho, dente por dente". Aquele que sofria um dano tinha direito a repará-lo mediante a provocação de um dano semelhante ao seu responsável. O direito romano, posteriormente, através da Lex Poeteria Papiria, proibiu as penas corporais em sede de responsabilidade civil, instituindo que apenas o patrimônio do agente deveria responder pelo dano por ele causado”. Apresentando uma diferenciação entre os delitos públicos e privados no direito romano, Almeida (2000, p 32) salientou que nos delitos considerados públicos, o autor sofria a persecução do Estado, acarretando-lhe grave sanção. Nos delitos privados, a execução não se dava mais sobre a pessoa do devedor, mas sim sobre os seus bens. Ainda no Direito Romano, na Lei Aquiliana (Século III a.C.) surge um princípio geral regulador dedicado à reparação do dano, escopo basilar da responsabilidade civil, agora já desvinculada da penal. Dias, (1987, p.18) ao tratar da Lei Aquiliana, explica que “o conteúdo da Lei Aquilia se distribuía por três capítulos. O primeiro tratava da morte a escravos ou animais, das espécies dos que pastam em rebanhos. O segundo regulava a quitação por parte do 'adstipulator' com prejuízo do credor estipulante. Regia casos de danos muito peculiares, que não interessa pormenorizar, salvo para, atentos à advertência de Chironi, assinalar que a pena irrogada contra a ilícita disposição praticada pelo 'adstipulator', em relação ao crédito alheio, traduz o fato de já não se considerar o direito de crédito como coisa. O terceiro último capítulo da Lei Aquilia 30 ocupava-se do 'damnum injuri datum’ que tinha, alcance mais amplo, compreendendo as lesões a escravos ou animais e destruição ou deterioração de coisas corpóreas". Assim, observa-se que a Lex Aquilia considera o ato ilícito uma figura autônoma. Surge dessa forma a concepção da responsabilidade extracontratual: a Lex Aquilia, de uso restrito a princípio, atinge dimensão ampla na época de Justiniano, como remédio jurídico de caráter geral; como considera o ato ilícito uma figura autônoma, surge, desse modo, a moderna concepção de responsabilidade civil extracontratual. O sistema romano de responsabilidade extrai, da interpretação da Lex Aquilia, o princípio pelo qual se pune a culpa por danos injustamente provocados, independentemente da relação obrigacional preexistente. Funda-se aí a origem da responsabilidade extracontratual fundada na culpa. Por essa razão, denomina-se também responsabilidade aquiliana essa modalidade, embora exista hoje um abismo considerável entre a compreensão dessa lei e a responsabilidade civil atual. A Lex Aquilia foi um plebiscito aprovado provavelmente em fins do século III ou início do século II a.C., que possibilitou atribuir ao titular de bens o direito de obter o pagamento de uma penalidade em dinheiro de quem tivesse destruído ou deteriorado seus bens. Como os escravos eram considerados coisas, a lei também se aplicava na hipótese de danos ou morte deles. Punia-se por uma conduta que viesse a ocasionar danos. A ideia de culpa é centralizadora nesse intuito de reparação. Em princípio, a culpa é punível, traduzida pela imprudência, negligência ou imperícia, ou pelo dolo (VENOSA, 2005, p. 27). Com a Escola do Direito Natural, a partir do século XVII, o conceito da Lei Aquilia foi ampliado, sendo que os juristas começaram a equacionar a questão de que o fundamento da responsabilidade civil situava-se na quebra do equilíbrio patrimonial provocado pelo dano (VENOSA, 2005, p.27). O dano passa a ser então o parâmetro centralizador da responsabilidade civil, em vez da culpa. Durante a Idade Média, com a estruturação da ideia de dolo e de culpa stricto sensu, seguida também de uma formulação da dogmática da culpa, distingue-se a responsabilidade civil da pena. Mas coube ao Direito francês o aperfeiçoamento das ideias romanas, quando estabeleceu princípios gerais norteadores da responsabilidade civil (DINIZ, 2002). Segundo Diniz (2002, p. 11), “a Lex Aquília de damno veio cristalizar a ideia de reparação pecuniária do dano, impondo que o patrimônio do lesante suportasse os ônus da reparação, em razão do valor da res, esboçando-se a noção de culpa como fundamento da responsabilidade, de tal sorte que o agente se isentaria de qualquer responsabilidade se tivesse procedido sem culpa. Passou-se a atribuir o dano à conduta culposa do agente. A Lex Aquília de damno estabeleceu as 31 bases da responsabilidade extracontratual, criando uma forma pecuniária de indenização do prejuízo, com base no estabelecimento de seu valor. Esta lei introduziu odamnum iniuria datum, ou melhor, prejuízo causado a bem alheio, empobrecendo o lesado, sem enriquecer o lesante. Todavia, mais tarde, as sanções dessa lei foram aplicadas aos danos causados por omissão ou verificados sem o estrago físico e material da coisa. O Estado passou, então, a intervir nos conflitos privados, fixando o valor dos prejuízos, obrigando a vítima a aceitar a composição, renunciando à vingança. Essa composição permaneceu no direito romano com o caráter de pena privada e como reparação, visto que não havia nítida distinção entre a responsabilidade civil e a penal”. Já numa concepção mais moderna de responsabilidade civil, o Código Civil Francês, promulgado em 1804 por Napoleão Bonaparte contribuiu e consolidou a aplicação de responsabilidade civil atualmente conhecida, a qual se fundamenta na culpa. Pereira (2004, p. 1) comenta que o Código Civil Francês de 1804 veio influenciar decisivamente o instituto de responsabilidade civil no sentido de dar uma maior relevância ao princípio da culpa que se consolida como pilar básico e estruturante daquele instituto. A consequente evolução da responsabilidade civil chegou ao ordenamento jurídico interno por meio do Código Civil Brasileiro de 1916, o qual foi fortemente influenciado pelo direito francês, momento em que a responsabilidade civil fundamentou a idéia da existência de culpa por parte do ofensor. É o que se percebe através da leitura do artigo 159 do Código Civil de 1916, revogado pelo novo Código Civil promulgado em 2002, por meio do artigo 927, caput, ao determinar que "aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência, ou imprudência, violar direito, causar prejuízo a outrem, fica obrigado a reparar o dano". Neste momento a legislação adotou a teoria do risco, baseada na insuficiência da culpa. Em relação aos rumos tomados pelo instituto da responsabilidade civil na atualidade, em relação à superação da culpa como cerne da responsabilidade civil, a Gomes (2005, p. 231-232) afirma que o esforço para superação da culpa (fenômeno psicológico) como fundamento da responsabilidade civil pode também ser apontado 32 como uma tendência pós-moderna. Hoje, está claro, delineia-se uma clara separação entre culpa, de um lado, e responsabilidade, de outro. Uma coisa é o que vai na consciência do agente causador do dano; outra, bem diversa, é a sua responsabilização pelo dano provocado ou oportunizado por uma atividade a ele relacionada. Não por outra razão a culpa subjetiva tem cedido espaço para a culpa objetiva e, sobretudo, para a responsabilidade objetiva. Desta forma, nas hipóteses de responsabilidade decorrente do desempenho de atividade de risco e do fato do produto, a afirmação da responsabilidade objetiva é feita com fulcro na solidariedade, eis que se procura atender os interesses da vítima, que, em regra, não quer nem procura o dano. No caso do consumidor, o legislador foi mais longe ao trazer para o campo protetivo do Código respectivo todas as vítimas de acidente de consumo – CDC, artigo 17. De outra parte, o artigo 931 do Código Civil não exclui de suas malhas o comerciante pelos danos causados pelo produto posto em circulação. Para Pereira (2004, p. 556), o fundamento maior da responsabilidade civil é a culpa, e é fato suficiente e comprovado que esta se mostrou insuficiente para cobrir toda a gama de danos ressarcíeis; mas é fato igualmente comprovado que, na sua grande maioria, os atos lesivos são causados pela conduta antijurídica do agente, por negligência ou imperícia. Ainda sustenta que, embora aceitando que a responsabilidade civil se construiu tradicionalmente sobre o conceito de culpa, o jurista moderno convenceu- se de que esta não satisfaz, deixando à vítima o ônus da prova de que o ofensor procedeu antijuridicamente, a deficiência de meios, a desigualdade de fortuna, a própria organização social acaba por deixar larga cópia de danos descobertos e sem indenização. A evolução da responsabilidade civil gravita em torno da necessidade de socorrer a vítima, o que tem levado a doutrina e a jurisprudência a marchar adiante dos códigos, cujos princípios constritores entravam o desenvolvimento e a aplicação da boa justiça. Foi preciso recorrer a outros meios técnicos e aceitar, vencendo para isso resistências quotidianas, que em muitos casos o dano é reparável sem o fundamento de culpa. Desta forma, coube à jurisprudência e a doutrina a evolução da responsabilidade civil e também conferir responsabilização a eventos danosos em que a culpa não esteja presente. 33 Já Stoco (1997, p. 50) sustenta que mais aproximada de uma ideia de responsabilidade é a ideia de obrigação. Nesse sentido afirma que: “responsável, responsabilidade, assim, como enfim, todos os vocábulos cognatos, exprimem ideia de equivalência de contraprestação, de correspondência. É possível, diante disso, fixar uma noção, sem dúvida ainda imperfeita, de responsabilidade, no sentido de repercussão obrigacional (não interessa investigar a repercussão inócua) da atividade do homem. Como esta varia até o infinito, é lógico concluir que são também inúmeras as espécies de responsabilidade, conforme o campo em que se apresenta o problema: na moral, nas relações jurídicas, de direito público ou privado. A responsabilidade não é um fenômeno exclusivo da vida jurídica, antes se liga a todos os domínios da vida social. A responsabilidade é, portanto, resultado da ação pela qual o homem expressa o seu comportamento, em face desse dever ou obrigação. Se atua na forma indicada pelos cânones, não há vantagem, porque supérfluo em indagar da responsabilidade daí decorrente. O que interessa, quando se fala de responsabilidade, é aprofundar o problema na face assinalada, de violação da norma ou obrigação diante da qual se encontrava o agente”. No caso de Venosa (2005, p. 13), este sustenta que, em princípio, toda atividade que acarreta um prejuízo gera responsabilidade ou dever de indenizar e há situações, excludentes, que irão impedir a indenização. No entanto, afirma que o termo responsabilidade é: “um termo utilizado em qualquer situação na qual alguma pessoa, natural ou jurídica, deva arcar com as conseqüências de um ato, fato, ou negócio danoso. Sob essa noção, toda atividade humana, portanto, pode acarretar o dever de indenizar. Desse modo, o estudo da responsabilidade civil abrange todo o conjunto de princípios e normas que regem a obrigação de indenizar”. Diante do exposto, pode-se observar uma nítida evolução histórica no instituto da responsabilidade civil, o qual surgiu da necessidade da reparação do dano, porém de uma forma primitiva, onde se aplicava a Lei de Talião, que pregava a retribuição do mal pelo mal, do olho por olho, chegando até os dias atuais. Passaremos a seguir para a identificação dos principais tipos de responsabilidade existentes, a subjetiva e objetiva. 34 1.2 A Responsabilidade Civil Subjetiva e a Objetiva Para Rodrigues (2003, p. 11), em rigor, poder-se-ia dizer que não há duas espécies diversas de responsabilidade civil, uma objetiva e outra subjetiva, mas sim maneiras diferentes de encarar a reparação do dano. No entanto, já na responsabilidade objetiva, segundo Venosa (2004, p. 22), “como regra geral, leva-se em conta o dano, em detrimento do dolo ou culpa. Desse modo para o dever de indenizar, bastam o dano e o nexo causal, prescindindo-se da prova da culpa”. Desta forma, entende-se como objetiva e solidária a responsabilidade da empresa, ou seja, comprovada a culpa ou dolo do agressor, a empresa responderá de forma objetiva e, automaticamenteé solidária à conduta do assediador. Segundo Diniz (2004, p. 128) a responsabilidade civil objetiva se funda no risco, que se explica essa responsabilidade no fato de haver o agente causador do prejuízo à vítima ou a seus bens. É irrelevante a conduta culposa ou danosa do causador do dano, uma vez que bastará a existência do nexo causal entre o prejuízo sofrido pela vítima e a ação do agente para que surja o dever de indenizar. Ratifica Faria Júnior (2006, p. 28) que nesta modalidade de responsabilidade civil, “basta a prova do nexo causal e do dano para que o agente seja responsabilizado”. Concluindo o assunto, acrescenta Faria Júnior (2006, p. 19) que “a teoria da responsabilidade objetiva não pode, portanto, ser admitida como regra geral, mas somente nos casos contemplados em lei ou sob o novo aspecto enfocado pelo corrente Código. Levemos em conta, no entanto, que a responsabilidade civil é matéria viva e dinâmica na jurisprudência. A cada momento estão sendo criadas novas teses jurídicas como decorrência das necessidades sociais [...] A admissão expressa da indenização por dano moral na Constituição de 1988 é tema que alargou os decisórios, o que sobreleva a importância da constante consulta à jurisprudência nesse tema, sobretudo do Superior Tribunal de Justiça, encarregado de uniformizar a aplicação das leis”. 35 Segundo Rodrigues (2003, p. 11) a responsabilidade objetiva está assentada na Teoria do Risco. Segundo essa teoria, aquele que, através de sua atividade, cria um risco de dano para terceiros deve ser obrigado a repará-lo, ainda que sua atividade e o seu comportamento sejam isentos de culpa. Examina-se a situação, e, se for verificada, objetivamente, a relação de causa e efeito entre o comportamento do agente e o dano experimentado pela vítima. Na responsabilidade objetiva, a atitude do agente causador do dano não é de tanta relevância, basta que tenha existido a relação de causalidade entre o dano experimentado pela vítima e também pela conduta do agente, que faz surgir o dever de indenizar, independentemente do agente que causou tal dano agir de forma culposa ou dolosa. Para Stoco (1997, p. 66), a teoria da responsabilidade objetiva sustenta-se no fato de que “ao invés de exigir que a responsabilidade civil seja a resultante dos elementos tradicionais (culpa, dano, vínculo de causalidade, entre uma e outro) assenta-se na equação binária cujos polos são o dano e a autoria do evento danoso. Sem cogitar da imputabilidade ou investigar a antijuridicidade do fato danoso, o que importa para assegurar o ressarcimento é a verificação se ocorreu o evento e se dele emanou o prejuízo. Em tal ocorrendo, o autor do fato causador do dano é o responsável. Desta forma o juiz não tem de examinar o caráter licito ou ilícito do ato imputado ao pretenso responsável: as questões de responsabilidade transformam- se em simples problemas objetivos que se reduzem à pesquisa de uma relação de causalidade”. A teoria da responsabilidade objetiva surgiu no século XIX, sob os auspícios de Saleilles e Josserand. Segundo Stoco (1997, p. 66): este último, considerado o experto da teoria do risco, a desenvolve principalmente sob o título: “Les accidents du travail et la responsabilité civile”, sendo que entre nós, o precursor da responsabilidade objetiva foi Alvino Lima, em tese apresentada na Faculdade de Direito da USP, em 1938, sob o título “Da culpa ao risco”, posteriormente convertida em livro, em que não apenas defende a doutrina objetivista como responde aos argumentos dos adversários. Outro adepto da teoria é Wilson Melo da Silva, também expressada em tese de concurso. O grande mestre Aguiar Dias evidenciou a obra de G. Marton (Les fondements de la responsabilité civile, Paris, 1938), apontando como o expoente da doutrina objetiva em nosso direito. 36 No ordenamento jurídico pátrio atual, a regra do artigo 927, parágrafo único do CC, pode ser tida como a mais importante novidade da legislação a respeito de responsabilidade objetiva, in verbis: Art. 927. Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo. Parágrafo único. Haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem. O CC traz também outros casos de responsabilidade civil independente da atuação culposa do agente causador do dano, como os casos dos artigos 932, 933, e 936 do CC/2002. Art. 932. São também responsáveis pela reparação civil: [...] III - o empregador ou comitente, por seus empregados, serviçais e prepostos, no exercício do trabalho que lhes competir, ou em razão dele; [...] Art. 933. As pessoas indicadas nos incisos I a V do artigo antecedente, ainda que não haja culpa de sua parte, responderão pelos atos praticados pelos terceiros ali referidos. Art. 936. O dono, ou detentor, do animal ressarcirá o dano por este causado, se não provar culpa da vítima ou força maior. No Código de Defesa do Consumidor, tem-se o caso dos artigos 12, 14 e 17, casos de acidentes de consumo ou responsabilidade por fatos do produto ou do serviço, in verbis: Art. 12. O fabricante, o produtor, o construtor, nacional ou estrangeiro, e o importador respondem, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos decorrentes de projeto, fabricação, construção, montagem, fórmulas, manipulação, apresentação acondicionamento de seus produtos, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua utilização e riscos. [...] Art. 14. O fornecedor de serviços responde, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos relativos à prestação dos serviços, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua fruição e riscos. [...] Art. 17. Para os efeitos desta Seção, equiparam-se aos consumidores todas as vítimas do evento. 37 Traz também os casos de responsabilidade independente de culpa nos casos apontados nos artigos 18 a 24, que tem por objeto a responsabilidade por vício do produto e do serviço, in verbis: Art. 18. Os fornecedores de produtos de consumo duráveis ou não duráveis respondem solidariamente pelos vícios de qualidade ou quantidade que os tornem impróprios ou inadequados ao consumo a que se destinam ou lhes diminuam o valor, assim como por aqueles decorrentes da disparidade, com as indicações constantes do recipiente, da embalagem, rotulagem ou mensagem publicitária, respeitadas as variações decorrentes de sua natureza, podendo o consumidor exigir a substituição das partes viciadas. [...] Art. 19. Os fornecedores respondem solidariamente pelos vícios de quantidade do produto sempre que, respeitadas as variações decorrentes de sua natureza, seu conteúdo líquido for inferior às indicações constantes do recipiente, da embalagem, da rotulagem ou de mensagem publicitária, podendo o consumidor exigir, alternativamente, e à sua escolha: [...] Art. 20. O fornecedor de serviços responde pelos vícios de qualidade que os tornem impróprios ao consumo ou lhes diminuam o valor, assim como por aqueles decorrentes da disparidade com as indicações constantes da oferta ou mensagem publicitária, podendo o consumidor exigir, alternativamente e à sua escolha: [..] Art. 21. No fornecimento de serviços que tenham por objetivo a reparação de qualquer produto, considerar-se-á implícita a obrigação do fornecedor de empregar componentes de reposição originais adequadose novos, ou que mantenham as especificações técnicas do fabricante, salvo, quanto a estes últimos, autorização em contrário do consumidor. Art. 22. Os órgãos públicos, por si ou suas empresas, concessionárias, permissionárias ou sob qualquer outra forma de empreendimento, são obrigados a fornecer serviços adequados, eficientes, seguros e, quanto aos essenciais, contínuos. Parágrafo único. Nos casos de descumprimento, total ou parcial, das obrigações referidas neste artigo, serão as pessoas jurídicas compelidas a cumpri-las e a reparar os danos causados, na forma prevista neste Código. Art. 23. A ignorância do fornecedor sobre os vícios de qualidade por inadequação dos produtos e serviços não o exime de responsabilidade. Art. 24. A garantia legal de adequação do produto ou serviço independe de termo expresso, vedada a exoneração contratual do fornecedor. Na CF de 1988, encontra-se a regra no artigo 37, § 6º, que trata da responsabilidade civil objetiva do Estado, in verbis: Art. 37. [...] § 6º - As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa. 38 A responsabilidade pode ser subjetiva se depender da conduta ou do comportamento do agente. A responsabilidade do agente que causou o dano pode ser configurada se ele agiu culposa ou dolosamente, sendo que nesse sentido a prova da culpa do agente causador do dano é requisito indispensável para que possa haver a reparação do dano causado ao lesado. Em sua obra Novo curso de Direito Civil, Gagliano e Pamplona Filho (2006, p.14) conceituam responsabilidade civil subjetiva sendo aquela que “decorrente de dano causado em função de ato doloso ou culposo”. Esta culpa, por ter natureza civil, se caracterizará quando o agente causador do dano atuar com negligência ou imprudência, conforme cediço doutrinariamente, através da interpretação da primeira parte do art. 159 do Código Civil de 1916, mantida com aperfeiçoamento, pelo art. 186 do Código Civil de 2002. Portanto, de acordo com Faria Júnior (2006, p. 23), “a culpa dá sustentação à chamada responsabilidade subjetiva, exigindo, por isso, a necessidade do comportamento tido como ensejador do prejuízo, sem o que não há falar em reparação”. Retifica Diniz (2004, p. 128), que a responsabilidade subjetiva “encontra sua justificativa na culpa ou dolo por ação ou omissão, lesiva a determinada pessoa. Desse modo, a prova da culpa do agente será necessária para que o dever de reparar”. Portanto, a culpa é elemento fundamental da responsabilidade civil. E como saliente Gagliano e Pamplona Filho (2006, p. 14), “por se caracterizar em fato constitutivo do direito à pretensão reparatória, caberá ao autor, sempre, o ônus da prova de tal culpa do réu”. Assim, frente ao exposto, temos o entendimento que a responsabilidade civil objetiva é notoriamente a responsabilidade sem culpa, caso em que há a obrigação de indenizar sem que tenha havido culpa do agente, o que difere da responsabilidade civil subjetiva, que exige a prova de culpa. Para a existência da responsabilidade civil é necessário que sejam satisfeitos alguns fatos previamente elencados como antecedentes necessários e que serão tratados a seguir. 39 1.3 Os Pressupostos da Responsabilidade Civil Pressuposto consiste na circunstância ou fato considerado como antecedente necessário de outro. Para que possa haver a caracterização da responsabilidade civil é necessária existência de três fatos ou circunstâncias, indispensáveis e simultâneos, sem os quais não há como se falar em responsabilidade civil. Rodrigues, (2003, p. 14) aponta como pressupostos essenciais para caracterizar a responsabilidade civil a ação ou omissão do agente; a existência de dano; e o nexo causal, elo de causalidade entre ação/omissão e dano. Já Noronha (2007, p. 468) menciona que para surgir a obrigação de indenizar, são necessários cinco pressupostos, acrescentando, assim, outros dois requisitos ao senso comum dos doutrinadores e sobretudo da jurisprudência, que são antijuridicidade e âmbito da função de proteção: ”um fato (uma ação ou omissão humana, ou um fato humano, mas independente da vontade, ou ainda um fato da natureza) que seja antijurídico (isto é, que não seja permitido pelo direito, em si mesmo ou nas suas consequências). Que o dano esteja contido no âmbito da função de proteção assinada à norma violada. Isto é, exige-se que o dano verificado seja resultado da violação de um bem protegido”. Existe uma imprecisão doutrinária no que concerne a caracterização dos pressupostos necessários para que seja configurada a responsabilidade civil, e de forma geral, pode-se apontar os seguintes pressupostos como essências: ação ou omissão do agente; culpa do agente; relação de causalidade e o dano experimentado pela vítima. 1.3.1 Ação ou Omissão do Agente Analisando o pressuposto “ação do agente” verifica-se que este é compreendido em sentido amplo, como um comportamento comissivo perante a sociedade que ciente das condutas sociais convencionadas em forma de lei, lesa o 40 direito de outrem, ou mesmo, diante de contrato infringe uma cláusula previamente acordada. Rodrigues, (2003, p. 15), para ilustrar este entendimento explica que “a responsabilidade por ato próprio se justifica no próprio princípio informador da teoria da reparação, pois se alguém, por sua ação pessoal, infringindo dever legal ou social, prejudica terceiro, é curial que deva reparar esse prejuízo”. Já a omissão caracteriza-se quando o agente deixa de agir diante de um dever jurídico ou contratual e em virtude de sua omissão lesa outrem. Diniz (2001, p. 38) argumenta que “a omissão é, em regra, mais frequente no âmbito da inexecução das obrigações contratuais. Deverá ser voluntária no sentido de ser controlável pela vontade à qual se imputa o fato, de sorte que excluídos estarão os atos praticados sob coação absoluta; em estado de inconsciência, sob efeito de hipnose, delírio febril, ataque epilético, sonambulismo, ou por provocação de fatos invencíveis com tempestades, incêndios desencadeados por raios, naufrágios, terremotos, inundações etc.”. O elemento primário dos atos ilícitos é uma conduta humana e voluntária no mundo exterior. De acordo com Stoco (1997, p. 54) “esse ilícito, como atentado a um bem juridicamente protegido, interessa à ordem normativa do Direito justamente porque produz um dano. Não há responsabilidade sem um resultado danoso. Mas a lesão a bem jurídico cuja existência se verificará no plano normativo da culpa, está condicionada à existência, no plano naturalístico da conduta, de uma ação ou omissão que constitui a base do resultado lesivo. Não há responsabilidade civil sem determinado comportamento humano contrário à ordem jurídica. Ação e omissão constituem, por isso mesmo, tal como no crime, o primeiro momento da responsabilidade civil”. Nesse sentido Diniz (2002, p.42) afirma que “a regra básica é que a obrigação de indenizar, pela prática de atos ilícitos, advém da culpa. Ter-se-á ato ilícito se a ação contrariar dever geral previsto no ordenamento jurídico, integrando- se na seara da responsabilidade extracontratual (CC, artigos 186 e 927), e se ela não cumprir obrigação assumida, caso em que se configura a responsabilidade contratual (CC, artigo 389). Mas o dever de reparar pode deslocar-se para aquele que procede de acordo com a lei, hipótese em que se desvincula o ressarcimento do
Compartilhar