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Lesão corporal

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Lesão corporal – art. 129
1 Bem jurídico tutelado
O bem jurídico penalmente protegido é a integridade corporal e a saúde da pessoa humana, isto é, a incolumidade do indivíduo. A proteção legal abrange não só a integridade anatômica como também a normalidade fisiológica e psíquica. Esse bem jurídico protegido é de natureza individual, devendo preponderar assim, pelo menos teoricamente, o interesse particular perante o interesse do Estado.
2 Sujeitos do crime
2.1 Sujeito ativo
O sujeito ativo pode ser qualquer pessoa, não requerendo nenhuma condição
particular, pois se trata de crime comum, e o tipo penal não faz qualquer referência relativa ao sujeito ativo.
2.2 Sujeito passivo
Sujeito passivo também pode ser qualquer pessoa humana viva, com exceção das figuras qualificadas (§§ 1º, IV, e 2º, V). Nessas figuras, somente a mulher grávida pode figurar na condição de sujeito passivo do crime de lesões corporais. Eventuais danos produzidos em cadáver, à evidência, não se adequam à conduta descrita no art. 129. As restrições à autoria são aquelas próprias limitadas pela própria dogmática penal, que afastam a imputabilidade.
3 Tipo objetivo: adequação típica
A conduta típica do crime de lesão corporal consiste em ofender, isto é, lesar, ferir a integridade corporal ou a saúde de outrem. Ofensa à integridade corporal
compreende a alteração, anatômica ou funcional, interna ou externa, do corpo
humano, como, por exemplo, equimoses, luxações, mutilações, fraturas etc.
Perturbação de ânimo ou aflição
Ofensa à saúde compreende a alteração de funções fisiológicas do organismo ou perturbação psíquica. A simples perturbação de ânimo ou aflição não é suficiente para caracterizar o crime de lesão corporal por ofensa a saúde. Mas configurará o crime qualquer alteração ao normal funcionamento do psiquismo, mesmo que seja de duração passageira.
Pluralidade de lesões: crime único
O crime de lesão corporal abrange qualquer dano à integridade física ou à saúde
de outrem, sem animus necandi. No entanto, a pluralidade de lesões não altera a unidade do crime, representando somente o desdobramento em vários atos (crime plurissubsistente) de uma única ação.
Dor física e crise nervosa
A simples dor física ou crise nervosa, sem dano anatômico ou funcional, não
configura lesão corporal, embora não seja necessária violência física para produzi-la. A dor, por si só, não caracteriza o crime de lesão corporal, em razão de sua elevada subjetividade torná-la praticamente indemonstrável.
Lesão corporal e transmissão de moléstia
Para transmitir moléstia por contágio, por exemplo, não é necessária a violência
tradicional, e não deixa de ser uma forma de produzir lesões corporais, mesmo fora das hipóteses dos arts. 130 e 131 do CP.
Indisponibilidade relativa
A integridade física apresenta-se como relativamente disponível: as pequenas
lesões podem ser livremente consentidas, como ocorre, v. g., com as perfurações do corpo para a colocação de adereços, antigamente limitados aos brincos de orelhas; a ação penal passou a ser condicionada à representação do ofendido.
Lesão corporal leve e princípio da insignificância
A lesão à integridade física ou à saúde deve ser, juridicamente, relevante. É
indispensável que o dano à integridade física ou à saúde não seja insignificante.
Pequenas contusões que não deixam vestígios externos no corpo da vítima,
provocando apenas dor momentânea, não possuem dignidade penal, e estão aquém do mínimo necessário para justificar uma sanção criminal.
Insignificância e infração de menor potencial ofensivo
Insignificância não se confunde com infração de menor potencial ofensivo, e a
previsão desta não impede nem elimina a existência ou reconhecimento daquela. O fato de determinada conduta tipificar uma infração penal de menor potencial ofensivo (art. 98, I, da CF) não quer dizer que tal conduta configure, por si só, o princípio de insignificância.
Aferimento da insignificância
A insignificância de determinada conduta deve ser aferida não apenas em relação à importância do bem juridicamente atingido, mas especialmente em relação ao grau de sua intensidade, isto é, pela extensão da lesão produzida.
Consequência da insignificância
Concluindo, a insignificância da ofensa afasta a tipicidade. Mas essa insignificância só pode ser valorada por meio da consideração global da ordem jurídica, observando-se a proporcionalidade e, particularmente, a extensão da lesão sofrida pelo bem jurídico protegido.
Autolesão: impunível
Não constitui crime a ação do agente que ofende a sua própria integridade física
ou saúde. A autolesão não tipifica o crime de lesão corporal.
Autolesão e estelionato
Poderá constituir elementar de uma figura do crime de estelionato, quando, por
exemplo, o agente lesa a própria integridade física ou saúde, com o fim de obter
indenização ou valor de seguro (art. 171, § 2º, V). Nesse caso, a punição não é pela autolesão como entidade autônoma, mas como uma espécie de estelionato, que é crime contra o patrimônio e não contra a pessoa, como é o caso da lesão corporal.
Autolesão e crime militar
Se, por outro lado, com a autolesão, o agente pretende criar ou simular
incapacidade física para ficar inabilitado para o serviço militar, deve responder pelo crime do art. 184 do CPM. Nessa hipótese, o CPM não está punindo, igualmente, a autolesão, mas o meio fraudulento utilizado contra o serviço militar.
Inimputável e terceiro autor mediato
Tratando-se de um inimputável, menor, ébrio ou por qualquer razão incapaz de
entender ou de querer, que, por determinação de outrem, pratique em si mesmo uma lesão, quem o conduziu à autolesão responderá pelo crime, na condição de autor mediato (art. 20, § 2º, do CP).
Autoria mediata e autoferimento
Quando alguém agredido por outrem, para defender-se, acaba por se ferir. A
causa do ferimento foi a ação do agressor, logo, deverá responder pelo resultado lesivo. O ato da vítima de ferir-se ao defender-se do ataque constitui uma causa superveniente relativamente independente, mas que não produziu, por si só, o resultado.
4 Tipo subjetivo: adequação típica
O elemento subjetivo do crime de lesões corporais é representado pelo dolo, que consiste na vontade livre e consciente de ofender a integridade física ou a saúde de outrem. É insuficiente que a ação causal seja voluntária, pois no próprio crime culposo, em regra, a ação também é voluntária. É necessário, com efeito, o animus laedendi. Em certas figuras qualificadas há o preterdolo: a ofensa à integridade física é punida a título de dolo, e o resultado qualificador, a título de culpa.
Abrangência do dolo
O dolo deve abranger o fim proposto, os meios escolhidos e, inclusive, os efeitos
colaterais necessários. Os elementos volitivos e intelectivos do dolo devem abarcar a ação (conduta), o resultado e o nexo causal, sob pena de o agente incorrer em erro de tipo.
Dolo eventual e preterdolo
Indiscutivelmente, o dolo pode ser direto ou eventual; particularmente, esta
modalidade de infração penal é uma das poucas que admitem a possibilidade da
terceira modalidade, qual seja, o preterdolo, em determinadas figuras qualificadas: a ofensa à integridade física é punida a título de dolo, e o resultado qualificador, a título de culpa.
5 Consumação e tentativa
Consuma-se com a lesão efetiva à integridade ou à saúde de outrem; consuma-se no exato momento em que se produz o dano resultante da conduta ativa ou
omissiva. A pluralidade de lesões infligidas num único processo de atividade não
altera a unidade do crime, que continua único.
Admissibilidade da tentativa
Como crime material que é, a tentativa é tecnicamente admissível, com exceção
das formas culposa e preterdolosa, cuja impossibilidade decorre da natureza de
ambas, aliás, dogmaticamente explicadas.
Tentativa: dificuldade probatória
Parte da doutrina tem dificuldade em admitir a viabilidade da tentativa do crime
de lesões corporais. Confundem-se coisas diversas: a admissibilidade da tentativa com a dificuldade de prova desua existência. A dificuldade probatória, em princípio, refoge do âmbito do Direito Penal para repousar no seio do Direito Processual Penal, onde deverá encontrar solução.
Vias de fato e tentativa de lesões corporais
Não há tentativa de vias de fato se o meio empregado pelo agente é capaz de
causar dano à incolumidade física da vítima. Configura tentativa do crime de lesão corporal a ação do agente que traduz manifesto e inequívoco animus laedendi, e só não se concretiza por ter sido impedido por terceiro.
6 Classificação doutrinária
A lesão corporal é crime comum, podendo ser praticado por qualquer sujeito ativo, sem exigir nenhuma qualidade ou condição especial; crime material e de dano, que somente se consuma com a produção do resultado, isto é, com a lesão ao bem jurídico; instantâneo e pode apresentar-se sob as formas dolosa, culposa ou preterdolosa.
7 Lesão corporal leve ou simples
A definição de lesão corporal leve é formulada por exclusão, ou seja, configura-se quando não ocorre nenhum dos resultados previstos nos §§ 1º, 2º e 3º do art. 129. Lesão corporal leve, simples ou comum é a lesão tipificada em seu tipo fundamental, ou seja, a ofensa à integridade física ou à saúde de outrem, nos limites do caput do artigo mencionado.
Limites da lesão corporal
Lesão corporal não é apenas ofensa à integridade corpórea, mas também à saúde. A lesão à saúde abrange tanto a saúde do corpo como a mental. Se alguém, à custa de ameaças, provoca em outro um choque nervoso, convulsões ou outras alterações patológicas, pratica lesão corporal, que pode ser leve ou grave, dependendo de sua intensidade.
Lesão dolosa indireta
A lesão tipificada no caput do artigo é sempre dolosa, e para que se reconheça
essa natureza é suficiente que a ação humana seja orientada pelo animus laedendi, mesmo que a produza de forma indireta. Assim, por exemplo, o agente desfere uma “porretada” na vítima, que, agilmente, desvia-se do golpe, mas resvala, perde o equilíbrio e cai, ferindo-se na queda.
Lesão corporal preterdolosa: previsão legal
O Código Penal em vigor não previu como figura distinta e autônoma a lesão
corporal preterdolosa, ou seja, quando o resultado produzido é mais grave do que aquele efetivamente querido pelo sujeito ativo. A figura disciplinada no § 3º do art. 129 — lesão corporal seguida de morte — cuida somente do homicídio preterdoloso, que é coisa distinta. Para aprofundar-se, veja-se nosso Manual de Direito Penal, v. 2, Parte Especial.
8 Lesão corporal grave
O § 1º relaciona quatro hipóteses que, digamos, qualificam a lesão corporal, pois lhe atribui novos parâmetros, máximo e mínimo, de pena, que são de um a cinco anos de reclusão.
8.1 Incapacidade para as ocupações habituais, por mais de trinta dias
A incapacidade referida neste dispositivo relaciona-se ao aspecto funcional e não puramente econômico. Trata-se da efetiva impossibilidade de realização de sua atividade ocupacional, tradicional, regular, de natureza lícita. As ocupações habituais a que se refere o art. 129, § 1º, I, do CP não têm o sentido de trabalho diário, mas de ocupações do quotidiano do indivíduo, como, por exemplo, trabalho, lazer, recreação etc. Por elas não se devem entender somente as ocupações de natureza lucrativa.
Atividade habitual: menores e crianças
A lei tem em vista a atividade habitual do indivíduo in concreto; é indiferente que não seja economicamente apreciável. Esse destaque é relevante na medida em que crianças, menores ou bebês também podem ser sujeitos passivos dessa espécie de lesões corporais. Necessidade de comprovação pericial. 
Ocupação habitual: pessoas idosas
O mesmo ocorre com pessoas idosas, que, embora não tenham mais atividade
laboral, podem ficar privadas de suas caminhadas, ginástica etc. Essa incapacidade, especialmente para crianças e idosos, pode ser causada por meios físicos, psíquicos ou mentais.
Vergonha da vítima: não caracterizadora
A simples vergonha de aparecer em público, mesmo que decorrente de marcas ou cicatrizes deixadas pelas lesões, não caracteriza a qualificadora em exame.
Ocupações habituais: exclusão das ilícitas
A atividade habitual, que pode ter qualquer natureza, não pode, logicamente, ser ilícita, isto é, proibida por lei. Assim, o marginal que, ferido, não puder retomar a prática de crimes por mais de trinta dias não caracteriza a qualificadora em questão.
Atividades imorais: abrangência
Contudo, a exclusão de atividades ilícitas não abrange atividades imorais,
evidentemente aquelas que não se revistam de ilegalidade, como, por exemplo, aprostituição, que pode ser imoral, mas não é, em si mesma, ilícita. No caso de
eventual prostituta, por exemplo, que, ferida, não puder retomar suas atividades normais por mais de trinta dias, estará configurada a qualificadora.
Fundamento ético da proteção
O reconhecimento dessa qualificadora não significa proteger condutas imorais,
tampouco agravar injustamente a situação do réu, mas tratar igualitariamente todo e qualquer cidadão que tenha sua integridade física violada, desde que não se refira à prática de condutas ilegais, o que não é o caso da prostituição.
Exame complementar: validade
Quando o exame pericial tiver a finalidade de determinar a gravidade da infração penal, o exame complementar deverá ser realizado logo que tenha decorrido o prazo de trinta dias a contar da data do fato. O prazo é material, por isso deve obedecer à regra do art. 10 do CP, incluindo-se o dia do começo. Esse exame é absolutamente necessário (art. 168, § 2º, do CPP).
Supressão por prova testemunhal
A impossibilidade de sua realização pode ser suprida por prova testemunhal (art. 168, § 3º). No entanto, é imprestável, como prova, a lacônica resposta “sim” ao quesito específico, desacompanhada de qualquer explicação fundamentadora, consoante reiterada jurisprudência.
Exame no prazo de trinta dias
O exame realizado antes do decurso do prazo de trinta dias é inidôneo, assim
como aquele que vier a ser realizado muito tempo depois de sua expiração. Somente não perderá a validade se permanecerem as circunstâncias que permitam apurar a incapacidade da vítima.
8.2 Perigo de vida
Não se trata de mera possibilidade, mas de probabilidade concreta e efetiva de
morte, quer como consequência da própria lesão, quer como resultado do processo patológico que esta originou. Os peritos devem diagnosticar e não simplesmente fazer prognóstico, uma vez que não se trata de perigo presumido, mas concreto, efetivo, real.
Necessidade de comprovação pericial
O perigo deve ser pericialmente comprovado. O resultado morte deve ser provável e não meramente possível. Não basta a resposta laconicamente afirmativa da existência de perigo de vida; o laudo pericial deve descrever objetiva e fundamentadamente em que consiste o perigo de vida.
Efetividade do perigo de vida
Não é suficiente a idoneidade da lesão para criar a situação de perigo, mas é
necessário que esta realmente se tenha verificado. A simples sede das lesões não justifica a presunção de perigo, que deve ser demonstrado, embora não se possa negar que o simples fato de a vítima apresentar traumatismo craniano e comoção cerebral seja suficiente para o reconhecimento do perigo de vida.
Ausência de dolo do perigo de vida
A probabilidade de morte da vítima não deve ser objeto do dolo do agente, caso
contrário deveria responder por tentativa de homicídio e não por lesão corporal grave com risco de vida.
8.3 Debilidade permanente de membro, sentido ou função
Debilidade é a redução ou enfraquecimento da capacidade funcional da vítima.
Permanente, por sua vez, é a debilidade de duração imprevisível, que não
desaparece com o correr do tempo. Apesar do sentido etimológico do permanente, tem-se admitido que não é necessário que seja definitiva.
Permanente: não é perpétuo
Para o reconhecimento da gravidade da lesão por resultado debilidade
permanente, não é necessário que seja perpétua e impassível de tratamento
reeducativo ou ortopédico. Essa recuperação artificial já é, por si só, caracterizadorado estado permanente da debilidade acarretada pela lesão, é mais que suficiente para atestar a gravidade da lesão.
Membro, sentido ou função
Membros são partes do corpo que se prendem ao tronco, que podem ser
superiores e inferiores: braços, mãos, pernas e pés; sentido é a faculdade de
percepção, de constatação e, por extensão, de comunicação: visão, audição, olfato, paladar e tato; função é a atividade específica de cada órgão do corpo humano (ex.: respiratória, circulatória, digestiva, secretora, locomotora, reprodutora e sensitiva).
8.4 Aceleração de parto
Aceleração de parto é a antecipação do nascimento do feto, com vida. A
terminologia legal “aceleração de parto” deve ser entendida como antecipação de parto, pois somente se pode acelerar aquilo que está em andamento, e a previsão legal quis, na verdade, abranger não apenas o parto em movimento, mas todo o parto prematuro, ou seja, a expulsão precoce do produto da concepção.
Necessidade de nascer vivo
É indispensável que o feto esteja vivo, nasça com vida e continue a viver; caso
contrário, se morrer, no útero ou fora dele, configura-se aborto, e a lesão corporal será qualificada como gravíssima (§ 2º, V).
Consciência da gravidez da vítima
É necessário que o agente tenha conhecimento da gravidez da vítima, sob pena de se consagrar a responsabilidade objetiva. Consciente da gravidez, a aceleração do parto pode ser produto de culpa, uma vez que esta será no mínimo consciente. Agora, o desconhecimento da gravidez determina a desclassificação para lesões leves.
Natureza objetiva das qualificadoras
Todas as qualificadoras contidas no § 1º são de natureza objetiva. Significa dizer
que, em havendo concurso de pessoas, elas se comunicam, desde que, logicamente, tenham sido abrangidas pelo dolo do participante.
9 Lesão gravíssima (§ 2º)
O Código Penal não utiliza o nomen iuris lesão corporal gravíssima, mas a doutrina e a jurisprudência o consagraram, para distingui-la da lesão corporal grave, disciplinada no parágrafo anterior. Nas lesões gravíssimas, a dimensão das consequências do crime são consideravelmente mais graves. Os efeitos da lesão, em regra, são irreparáveis.
9.1 Incapacidade permanente para o trabalho
Incapacidade permanente para o trabalho não se confunde com incapacidade para as ocupações habituais, do parágrafo anterior: naquela, a incapacidade é temporária para ocupações habituais da vítima; nesta, a incapacidade é permanente e para o trabalho em geral, e não somente para a atividade específica que a vítima estava exercendo.
Extensão da incapacidade
A incapacidade, nesta espécie de lesões, não é para “as ocupações habituais da
vítima”, mas somente para o trabalho, isto é, para o desempenho de uma atividade laboral, profissional, lucrativa (art. 129, § 2º, I), ao contrário do que ocorre com as lesões graves (art. 129, § 1º). Essa impossibilidade pode ser física ou psíquica.
Desclassificação da incapacidade
Se ficar incapacitada para determinada atividade específica, mas puder exercer
outra atividade laboral, não se configura a lesão gravíssima, ainda que a
incapacidade específica seja permanente. Desclassifica-se a infração penal para
lesão corporal grave.
Incapacidade irreversível
A incapacidade também não é temporária, mas definitiva. No entanto, não se
exige que seja perpétua, bastando um prognóstico firme de incapacidade
irreversível. A “incapacidade permanente” deve ser de duração incalculada. Com efeito, “permanente”, na linguagem do Código, tem o sentido não “transitório” ou “temporário”, isto é, significa durável, e não definitivo.
Vítima curada: irrelevância
É irrelevante que a vítima se apresente clinicamente curada: se a incapacidade, a despeito disso, restou comprovada, a lesão sofrida é qualificada como gravíssima.
9.2 Enfermidade incurável
Enfermidade, segundo os especialistas, é um processo patológico em curso.
Enfermidade incurável é a doença cuja curabilidade não é conseguida no atual
estágio da medicina, pressupondo um processo patológico que afeta a saúde em geral. A incurabilidade deve ser confirmada com dados da ciência atual, com um juízo de probabilidade.
Incurabilidade: prognóstico pericial
Incurável deve ser entendido em sentido relativo, sendo suficiente o prognóstico pericial para caracterizá-la, pois em termos de ciência médica nada é certo, tudo é provável, pode-se afirmar, num exagero de expressão.
Debilidade e enfermidade: distinção
Debilidade permanente é o estado consecutivo a uma lesão traumática, que limita duradouramente o uso, a extensão e a energia de uma função, sem comprometer o estado geral do organismo. A enfermidade, ao contrário, deve ser entendida como o estado que duradouramente altera e progressivamente agrava o teor de um organismo. Essa distinção, a nosso juízo, é a que melhor define as diferenças que as duas hipóteses encerram e permite a solução mais justa para cada caso concreto.
9.3 Perda ou inutilização de membro, sentido ou função
A semelhança deste dispositivo, que considera a “perda ou inutilização”, com
aquele do parágrafo anterior, que disciplina a debilidade permanente de membro, sentido ou função, é manifesta, recomendando-se redobrada cautela no seu exame. A debilidade permanente (§ 1º, III) caracteriza lesão grave, e a perda ou inutilização (§ 2º, III), por sua vez, configura lesão gravíssima.
Definição de perda
H á perda quando cessa o sentido ou função, ou quando o membro ou órgão é
extraído ou amputado. Perda é a extirpação ou eliminação de órgão (membro,
sentido ou função). A perda pode operar-se por meio de mutilação ou amputação: a primeira ocorre no momento da ação delituosa, seccionando o órgão; a segunda decorre de intervenção cirúrgica, com a finalidade de minorar as consequências.
Definição de inutilização
H á inutilização quando cessa ou se interrompe definitivamente a atividade do
membro, sentido ou função; na inutilização não há a exclusão, mas a subsistência, embora inoperante. Inutilização de membro, sentido ou função não é outra coisa que a sua perda funcional; e perda é o perecimento físico, é a eliminação material do órgão. Na inutilização o membro permanece ligado ao corpo, mas inoperante em sua atividade própria ou função.
Debilidade e perda ou inutilização: distinção
Nem sempre é fácil distinguir debilidade permanente e perda ou inutilização. A
perda de um olho (debilidade) não se confunde com a perda da visão (perda de
sentido). Sobre as definições de membro, sentido ou função vide anotação anterior.
9.4 Deformidade permanente
A deformidade para caracterizar esta qualificadora precisa representar lesão
estética de certa monta, capaz de produzir desgosto, desconforto a quem vê e
vexame ou humilhação ao portador. Não é, por conseguinte, qualquer dano estético ou físico capaz de configurar a qualificadora.
Influência do sexo da vítima
Evidentemente que o sexo da vítima também contribui para o grau de exigência
da deformidade, pois, inegavelmente, uma cicatriz na face de uma jovem mulher causa-lhe prejuízo superior, talvez intolerável, ao que sofreria, nas mesmas circunstâncias, um jovem varão.
Diversidade da sede da lesão
A deformidade não se limita ao rosto da vítima, mas a qualquer outra parte do
corpo cujo defeito seja visível, como, por exemplo, lesão óssea em membros
inferiores, que obriga a vítima a coxear, ou na coluna vertebral, tornando-a gibosa etc.
Dano físicoestético
Deformidade permanente implica a existência de dano estético considerável,
decorrente de defeito físico permanente. É necessário que haja comprometimento permanente, definitivo, irrecuperável do aspecto físicoestético. A deformidade não perde o carácter de permanente quando pode ser dissimulada por meios artificiais, como, por exemplo, cirurgia plástica.
Necessidade de a decisão judicial optar
A decisão judicial precisa optar, reconhecendo expressamente se houve debilidade (§ 1º, III) ou deformidade permanente (§ 2º, IV). A deformidade que somente pode ser eliminada ou removida mediante cirurgia plástica constitui,comprovadamente, a qualificadora.
Extração de órgãos genitais: atipicidade
Não caracteriza a “perda de membro, sentido ou função” a cirurgia que extrai
órgãos genitais externos de transexual, com a finalidade de curá-lo ou de reduzir seu sofrimento físico ou mental. Aliás, essa conduta é atípica. Falta-lhe o dolo de ofender a integridade física ou saúde de outrem.
9.5 Aborto
Trata-se de crime preterdoloso, ou seja, há dolo em relação à lesão corporal e
culpa em relação ao aborto; este é provocado involuntariamente: o agente não o quer nem assume o risco de provocá-lo. Para que possa caracterizar a qualificadora da lesão corporal gravíssima não pode ter sido objeto de dolo do agente, pois, nesse caso, terá de responder pelos dois crimes, lesão corporal e aborto, em concurso formal impróprio, ou, ainda, por aborto qualificado, se a lesão em si mesma for grave.
Consciência da gravidez e erro de tipo
É necessário que o agente tenha conhecimento da gravidez, sem, contudo, querer o aborto. Se a ação do agente visar o aborto, o crime será o do art. 125. O desconhecimento da gravidez, porém, afasta a qualificadora, constituindo erro de tipo.
Lesão ou aborto: “animus agendi”
Não se deve confundir as figuras dos arts. 127, 1ª parte, e 129, § 2º, V, pois há
uma inversão de situações: na primeira a lesão é querida, e o aborto não; na
segunda, o aborto é que é o resultado desejado, enquanto a lesão não, nem mesmo eventualmente.
10 Lesão seguida de morte (§ 3º)
Também é conhecido como homicídio preterdoloso: dolo nas lesões, culpa na
morte. Se o resultado morte for imprevisível ou decorrente de caso fortuito, o sujeito responderá somente pelas lesões corporais. Se houver dolo eventual quanto ao resultado mais grave, o crime será de homicídio.
Elemento subjetivo
Preterdolo: dolo no antecedente e culpa no consequente. Se o resultado não foi
objeto do querer do agente, mas situando-se na esfera da previsibilidade, o crime é preterdoloso (art. 129, § 3º) e não homicídio. Se a ação não foi orientada pelo ânimo de lesar, mas executada com imprudência, configura-se homicídio culposo.
Competência
Apesar do evento morte, a competência é do juiz singular. Note-se que a figura
típica não se encontra no capítulo “dos crimes contra a vida”, que são da
competência do Tribunal do Júri, mas está localizada no capítulo das lesões
corporais.
11 Lesões majoradas
A pena pode ser aumentada em um terço, se ocorrer qualquer das hipóteses do
art. 121, § 4º. Vide as anotações daquele dispositivo.
12 Figuras privilegiadas
As formas privilegiadas são as seguintes: 
a) impelido por motivo de relevante
valor social; 
b) impelido por motivo de relevante valor moral; 
c) sob o domínio de violenta emoção, logo em seguida a injusta provocação da vítima.
Dominado pela emoção
A intensidade da emoção deve ser de tal ordem que o sujeito seja dominado por
ela; a reação tem de ser imediata, e a provocação tem de ser injusta. Se a emoção for menor, apenas influenciando a prática do crime, ou não for logo em seguida, não constituirá a privilegiadora, mas a atenuante genérica do art. 65, III, c, última parte.
Injusta provocação da vítima
Em se tratando de lesão corporal, de homicídio ou lesão corporal seguida de
morte, a privilegiadora da violenta emoção incide somente se o crime é cometido logo em seguida à injusta provocação (emoção-choque) e quando a violência da emoção domina o agente.
Sob a influência da emoção
A atenuante genérica do art. 65, III, c, do CP não exige a emoção-choque, mas
somente a emoção-estado, que identifica a influência de violenta emoção.
Lesão recíproca: substituição por multa
Estando presente qualquer das minorantes relacionadas no § 4º, ou se as lesões
forem recíprocas (§ 5º), a pena de detenção poderá ser substituída por multa. Essa previsão legal, que teve extraordinária importância no passado, perdeu seu destaque a partir das modernas reformas penais e particularmente com a Lei n. 9.714/98, que ampliou a aplicação da multa substitutiva.
13 Formas privilegiadas (§§ 4º e 5º)
As formas privilegiadas são as seguintes:
13.1 Diminuição de pena (§ 4º)
a ) Impelido por motivo de relevante valor social; 
b) impelido por motivo de
relevante valor moral; 
c) sob o domínio de violenta emoção, logo em seguida a injusta provocação da vítima: a intensidade da emoção deve ser de tal ordem que o sujeito seja dominado por ela; a reação tem de ser imediata, e a provocação tem de ser injusta. Se a emoção for menor, apenas influenciando a prática do crime, ou não for logo em seguida, não constituirá a privilegiadora, mas a atenuante genérica do art. 65, III, c, última parte. Presente qualquer das condições privilegiadoras, que, na verdade, são minorantes, a pena pode ser reduzida de um sexto a um terço. Vide demais anotações do art. 121, § 1º.
13.2 Substituição de pena (§ 5º)
a) Presente qualquer das minorantes relacionadas no § 4º, ou 
b) se as lesões forem recíprocas, a pena de detenção poderá ser substituída por multa.
14 Lesão corporal culposa
A lesão corporal será culposa, desde que presentes os seguintes requisitos:
comportamento humano voluntário; descumprimento do dever de cuidado objetivo; previsibilidade objetiva do resultado; lesão corporal involuntária.
Graduação da culpa
O Código Penal, ao contrário do Código Civil, não faz a graduação da culpa. A lesão culposa não recebe, consequentemente, a qualificação de grave e gravíssima, como a lesão dolosa. A graduação da culpa deverá ser objeto da dosimetria da pena.
Consequências do crime e lesão culposa
Não havendo a tipificação da lesão culposa, em modalidades grave e gravíssima,
as consequências do crime devem ser valoradas na análise das circunstâncias
judiciais (art. 59), no momento da dosagem da pena. Não há nenhuma previsão
legal que afaste essa possibilidade.
Consideração das consequências do crime
Apesar de ser crime culposo, o desvalor do resultado é muito maior em uma lesão grave ou gravíssima do que em uma lesão leve. Não se pode ignorar que tanto uma lesão corporal leve quanto uma lesão corporal com resultados graves ou gravíssimos, na modalidade culposa, sofrerá a mesma tipificação e receberá exatamente a mesma sanção.
Consequências no crime culposo
Quem, culposamente, provoca leves escoriações em alguém está sujeito às
mesmas penas de quem, nas mesmas circunstâncias, deixa a vítima tetraplégica; por isso, é completamente equivocado sustentar que as “consequências do crime” são irrelevantes, além da inexistência de amparo legal para esse entendimento.
15 Isenção de pena ou perdão judicial
O § 8º do art. 129, que disciplina o crime de lesões corporais, prescreve que, em
se tratando de lesão culposa, aplica-se o “perdão judicial”, exatamente nos mesmos termos em que está previsto para o homicídio culposo. Com efeito, a previsão do § 5º do art. 121 refere-se à hipótese em que o agente é punido diretamente pelo próprio fato que praticou, em razão das gravosas consequências produzidas, que o atingem profundamente. A gravidade das consequências deve ser aferida em função da pessoa do agente, não se admitindo aqui critérios objetivos. As consequências de que se cogita não se limitam aos danos morais, podendo constituir danos materiais.
Quando as consequências atingem o agente, via indireta, exige-se entre este e a
vítima vínculo afetivo de importância significativa. Doutrina e jurisprudência têm procurado definir essa possibilidade de deixar de aplicar a pena em algumas hipóteses expressamente previstas em lei. O entendimento dominante prefere denominar perdão judicial, que é o instituto mediante o qual a lei possibilita ao juiz deixar de aplicar a pena diante da existência
de certas circunstâncias expressamente determinadas (exs.: arts. 121, § 5º, 129, § 8º, 140, § 1º, I e II, 180, § 5º, 1ª parte, 240, § 4º, I e II, 242, parágrafo único, e
249, § 2º).
15.1 Natureza jurídica do perdão judicial
Ao analisar o contexto probatório, se o juiz reconhecer que os requisitos exigidos estão preenchidos, não poderádeixar de conceder o perdão judicial por mero capricho ou qualquer razão desvinculada do referido instituto. Embora as opiniões dominantes concebam o perdão judicial como mero benefício ou favor do juiz, entendemos que se trata de um direito público subjetivo de liberdade do indivíduo, a partir do momento em que preenche os requisitos legais. Como dizia Frederico Marques, os benefícios são também direitos, pois o campo do status libertatis se vê ampliado por eles, de modo que, satisfeitos seus pressupostos, o juiz é obrigado a concedê-los. Ademais, é inconcebível que uma causa extintiva de punibilidade fique relegada ao puro arbítrio judicial. Deverá, contudo, ser negado quando o réu não preencher os requisitos exigidos pela lei.
16 Concurso de crimes
Quando praticada contra vítima de estupro ou atentado violento ao pudor, a lesão leve é considerada elemento da violência caracterizadora do crime sexual, e não infração autônoma.
17 Majorantes da lesão corporal (§ 7º)
Vide as anotações do art. 121, § 4º. São as mesmas hipóteses previstas para o
homicídio.
18 Violência doméstica (§ 9º): adequação típica
A novel figura recebeu a seguinte tipificação: “Se a lesão for praticada contra
ascendente, descendente, irmão, cônjuge ou companheiro, ou com quem conviva ou tenha convivido, ou, ainda, prevalecendo-se o agente das relações domésticas, de coabitação ou de hospitalidade”. A Lei n. 10.886/2004 acrescentou o § 9º ao art. 129, trazendo uma nova figura penal típica, a violência doméstica, que se caracteriza quando o agente da lesão corporal mantém alguma relação de parentesco ou de convivência com a vítima, nos termos descritos pela norma penal incriminadora, e se prevalece das relações domésticas, de coabitação ou de hospitalidade.
Convém destacar que referida tipificação não foi criada ou elaborada pela Lei
Maria da Penha, que se limitou a alterar a respectiva sanção penal da disposição que já existia desde 2004 (Lei n. 10.886/2004), mantendo, por sua vez, intacto o preceito primário. A discriminadora Lei n. 11.340, de 7 de agosto de 2006, abusou na definição das espécies e quantidade de “violência doméstica e familiar”. Dentre outras, classificou as seguintes: violência física, violência psicológica, violência sexual, violência patrimonial e violência moral (art. 7º).
No entanto, a despeito de toda essa elástica previsão, que tem natureza
puramente programática, em seara criminal, o novo diploma legal não trouxe
nenhum acréscimo à definição da violência física, que preferimos denominar “lesões corporais domésticas”, ressalvada a cominação sancionatória que recebeu novos limites, mínimo e máximo, cujas considerações serão acrescidas ao final deste capítulo.
18.1 Fundamentos político-sociais da neocriminalização
Ninguém desconhece que a criação desse tipo penal especial é produto da grande atuação dos movimentos feministas, que, é bom que se diga, por justiça, receberam apoio de inúmeros segmentos da sociedade, sem qualquer ranço social, ideológico ou político. Procurou-se, por outro lado, minimizar o drama da violência doméstica que assola o País, fazendo diariamente milhares de vítimas, em sua imensa maioria constituídas por mulheres e crianças. Acreditam os movimentos engajados na luta que a instituição dos Juizados Especiais Criminais contribuiu para o aumento desse flagelo que atinge especialmente as camadas sociais desprivilegiadas (o que não quer dizer que esse tipo de violência não exista nas classes mais altas).
18.2 Equivocada manutenção da natureza da ação penal
Mais que a obrigatoriedade da aplicação de penas não privativas de liberdade,
estamos convencidos de que a alteração da natureza da ação penal nos crimes de lesões corporais, condicionando-a à representação criminal do ofendido ou de seu representante legal (art. 88 da Lei n. 9.099/95), dificulta a punição dos autores desse tipo de infração, o qual, normalmente, no recesso dos lares, é praticado contra mulheres e crianças. Condicionar a punibilidade dessa espécie de “violência doméstica” à representação da vítima significa, ainda que indiretamente, dificultar-lhe o alcance da tutela penal, na medida em que, quando não por outras razões,
pela simples coabitação com o agressor (normalmente mais forte, quase sempre temido ou respeitado), a vítima não tem coragem nem independência suficientes para manifestar livremente sua vontade de requerer/autorizar a coerção estatal. Por isso, a nosso juízo, mais que tipificar novas figuras penais e/ou majorar as sanções cominadas, é indispensável alterar, mediante previsão legal, a natureza da ação penal, ou seja, excepcionar as lesões corporais leves quando praticadas nas condições descritas no novo dispositivo: a ação penal deve ser pública incondicionada! Lamentamos que o legislador contemporâneo não se tenha dado conta dessa necessidade, tampouco da utilidade político-criminal de tal orientação. Ademais, a despeito do nomen iuris imponente da nova figura típica, continuava circunscrito ao espaço da definição de infração de menor potencial ofensivo (art. 2º, parágrafo único, da Lei n. 10.259/2001); mas, nesse particular, foi alterada pela Lei Maria da Penha (Lei n. 11.340/2006), que elevou a pena cominada para três anos de detenção.
18.3 Violência doméstica: gravidade da ofensa
Não é, por certo, a agravação da sanção cominada, aleatoriamente ou não, que
torna a infração penal mais ou menos grave, como podem interpretar alguns, mas, certamente, a sua gravidade está diretamente relacionada com os efeitos, resultados ou, mais especificamente, os danos que causa ou pode causar ao bem jurídico ofendido. Em outros termos, é a lesividade ou o potencial lesivo que traz em seu bojo que autoriza o reconhecimento da real gravidade de uma infração penal. Aliás, os próprios limites, mínimo e máximo, que foram sensivelmente alterados, também autorizam interpretá-la como lesão leve, pois, a despeito da elevação exagerada do limite máximo, trouxe, ao mesmo tempo, seu limite mínimo para três meses de detenção, o mesmo do caput do art. 129.
No entanto, nessa infração penal sui generis dois fatores aleatórios são os
verdadeiros definidores se não da gravidade da conduta incriminada, pelo menos da sanção cominada. São eles: 
(a) de um lado, os sujeitos passivos da conduta incriminada; 
(b) de outro lado, o vínculo decorrente das relações domésticas, de coabitação ou de hospitalidade.
18.4 Violência doméstica: bem jurídico tutelado
Bem jurídico protegido por essa figura típica, não se limita à integridade corporal e à saúde da pessoa humana (incolumidade e normalidade fisiológica e psíquica), mas abrange também, fundamentalmente, a harmonia, a solidariedade, o respeito e a dignidade que orientam e fundamentam a célula familiar. Nesse sentido, Rogério Sanches Cunha (Direito penal, p. 51) afirma: “está clara a preocupação do legislador em proteger não apenas a incolumidade física individual da vítima (homem ou mulher), como também tutelar a tranquilidade e harmonia dentro do âmbito familiar. Manifesta o agente, nesses casos, clara insensibilidade moral, violando sentimentos de estima, solidariedade e apoio mútuo que deve nutrir para com parentes próximos ou pessoas com quem convive (ou já conviveu)”.
18.5 Violência doméstica: impropriedade técnica
Esse novo tipo penal, aparentemente simples, apresenta mais complexidade,
dogmaticamente falando, do que se pode imaginar, a começar pelo nomen iuris
“violência doméstica”, distinto das demais figuras contidas no mesmo art. 129, que se referem, todas, a lesões corporais, de uma ou outra gravidade, mas sempre lesões corporais. No entanto, o preceito primário contido no novo § 9º refere-se à “lesão praticada”, e não à “violência praticada”. Há, inegavelmente, um descompasso entre o nomen iuris e a descrição da conduta no preceito primário. Em nosso entendimento, essa opção do legislador apresenta certa impropriedade técnica, que, embora não seja inédita, não deixa de ser inadequada, na medida em que se presta a equívocos e divergências interpretativas,especialmente quando se tem claro, ao contrário do que imaginava a velha doutrina, que o termo “violência” não é sinônimo de “lesão corporal”. Na verdade, “violência” tem significado mais abrangente do que “lesão corporal”, como demonstraremos adiante, em tópico específico.
18.6 Lesão corporal e “vias de fato”: distinção
Considerando que a conduta tipificada limita-se a criminalizar a lesão, que outra
coisa não é senão a lesão corporal leve, eventuais vias de fato, por si sós, não
configuram essa infração penal. Vias de fato, segundo doutrina e jurisprudência,
caracterizam-se pela prática de atos agressivos, sem animus vulnerandi, dos quais não resultem danos corporais. Aliás, é exatamente a inexistência de lesões corporais, aliada à ausência de animus laedendi, que caracteriza a ofensa como vias de fato. Em outros termos, pode-se considerar vias de fato a ação violenta contra alguém com a intenção de causar-lhe um mal físico, sem, contudo, feri-lo. Em síntese, para as pretensões da Lei Maria da Penha, que discrimina o tratamento dispensado à mulher, “vias de fato” efetivamente pode representar uma violência (aliás, é uma violência não apenas contra a mulher), mas não tipifica o crime de violência doméstica, nos termos em que esta foi insculpida no § 9º do art. 129 do Código Penal, sob pena de se violentar o princípio da tipicidade estrita. Esse aspecto somente poderá ser resolvido de lege ferenda.
18.7 Violência doméstica: deficiência e insuficiência da tipificação
Essa não abrangência das “vias de fato” na criminalização das lesões corporais
domésticas coloca em destaque a deficiência e a insuficiência desse novo tipo penal, que, para atender às aspirações dos movimentos sociais referidos, mereceria outra redação, mais abrangente, mais técnica e menos excludente. Para atingir esse desiderato, seria recomendável que ao lado do verbo nuclear fosse incluída a locução “violência” ou mesmo “violência doméstica”, exatamente pela extensão de seu significado.
A descrição típica, que tem o objetivo declarado de coibir a violência praticada no interior dos lares, não é clara quanto ao local em que tal infração pode ser praticada. Seu conteúdo descritivo permite a interpretação segundo a qual, havendo a relação normativa exigida pelo tipo penal entre sujeito ativo e sujeito passivo, eventual lesão leve praticada pode ser definida como “violência doméstica”. Mas as coisas não são tão simples. Com efeito, afora o nomen iuris “violência doméstica”, explícito no tipo penal, e a relação exaustiva das pessoas que podem ser sujeito passivo desse crime, deve-se destacar que o crime pode ser praticado “prevalecendo-se o agente das relações domésticas, de coabitação ou de hospitalidade”, elementar normativa que tem aplicação suplementar. Essa confusa redação autoriza, em outros termos, a admitir como sujeito passivo dessa infração não apenas aqueles elencados expressamente no tipo penal, mas também outros, desde que haja prevalecimento, por parte do agente, das relações mencionadas na descrição típica.
18.8 Relativa importância do local da violência doméstica
Assim, acreditamos que, pela descrição típica, a lesão praticada contra
ascendente, descendente, irmão, cônjuge ou companheiro, ou com quem conviva ou tenha convivido, pode ser praticada em qualquer local, e não apenas nos limites territoriais da “morada da família”: comprovando-se essa relação com o sujeito passivo, eventual crime de lesão corporal leve encontrará adequação típica no § 9º, e não no caput do art. 129, como ocorria até o advento da Lei n. 10.886, de 17 de junho de 2004, desde que, segundo os termos legais, “prevaleça-se” da situação doméstica. Nesse sentido, vale a pena destacar o magistério de Rogério Sanches Cunha (Direito penal: parte especial, 1. ed., 2. tir., São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008, v. 3, p. 52), que adverte: “... prevalecer tem o sentido de levar vantagem, aproveitar-se da condição (ou situação), pensamos que a hipótese necessariamente pressupõe que o agente se valha da vantagem doméstica, de coabitação ou de hospitalidade em relação à vítima, merecendo interpretação restritiva”.
Nessa linha, cabem ainda mais distinções: 
1) o crime contra os sujeitos passivos
expressos no dispositivo legal, como já afirmamos, pode ser praticado em qualquer lugar; 
2) em relação àqueles contra os quais só pode ser praticado com “prevalecimento das relações”, pode ocorrer somente, em tese, nos limites
territoriais em que existam as relações domésticas, de coabitação ou de
hospitalidade. Será, pois, nesses locais que o sujeito ativo poderá abusar de tais
relações e, consequentemente, em que os sujeitos passivos poderão sentir-se
inferiorizados.
18.9 Prevalecendo-se das relações domésticas, de coabitação etc.
Afora o elenco de sujeitos passivos contido no § 9º, dita “violência doméstica”
pode ser praticada contra outros sujeitos passivos, desde que se prevaleça das
relações domésticas, de coabitação ou de hospitalidade. A locução “ou ainda
prevalecendo-se” quer significar que a mesma conduta proibida pode tipificar-se quando for praticada contra “outros sujeitos”, além daqueles expressamente
mencionados, apenas com o acréscimo da elementar “prevalecendo-se das relações”. Significa ainda, a contrario sensu, que a mesma conduta, para adequar-se ao tipo penal em exame, não exige a presença desse elemento normativo, qual seja prevalecer-se de “relações domésticas, de coabitação ou de hospitalidade”, quando a vítima for uma daquelas mencionadas expressamente no texto legal. Somente para reforçar, em relação aos sujeitos passivos expressamente elencados no dispositivo, o prevalecimento das relações está implícito, não precisando ser provado. Por outro lado, cabe mais um registro: embora a criminalização da “violência doméstica” tenha resultado, merecidamente, do trabalho dos movimentos feministas, a verdade é que as mulheres e filhos, geralmente vítimas, também podem ser sujeitos ativos desse crime.
18.10 Violência doméstica e relação empregatícia
“Relações domésticas” não se confundem com a “relação empregatícia”, que
existe entre patrões e trabalhadores domésticos. Nada impede, entretanto, que
entre eles também possam existir relações domésticas e até mesmo relações de
coabitação ou hospitalidade, como ocorre, por exemplo, com os crimes tão em moda praticados por babás, no recesso do lar de seus empregadores. Na verdade, somente em cada caso concreto é que se poderá examinar a existência ou não dessas modalidades de relação, sejam domésticas, de coabitação ou de hospitalidade.
18.11 Violência e lesão corporal: distinção
Qual é o real sentido, quais os limites de abrangência do vocábulo “violência” que o legislador utiliza tão frequentemente no Código Penal, às vezes adjetivado, às vezes não? Algumas vezes o utiliza acompanhado da locução “grave ameaça”, outras o limita, para abranger somente a “violência física”, como forma de excluir a que se convencionou chamar de violência moral (a grave ameaça); por vezes, ainda, o faz acompanhar da locução “vias de fato”, como na definição da injúria real (art. 140, § 2º), quando esta consiste em “violência ou vias de fato”. Enfim, percebe-se que pode haver grande distinção entre os significados técnico-jurídicos de violência e lesão corporal, na medida em que a violência não consiste necessariamente em “lesão corporal”, tampouco somente em “vias de fato”.
Não se discute em doutrina que a grave ameaça constitui uma espécie do gênero violência. No entanto, a exemplo do que ocorre na injúria real — praticada com violência —, pode-se sustentar que a “violência” mencionada no nomen iuris — violência doméstica — não abrange a violência moral, isto é, a grave ameaça (vis compulsiva), pois, quando o legislador deseja integrá-la ao tipo incriminador, o faz expressamente. Na verdade, sempre que o Código Penal emprega a expressão “violência” sem a alternativa “ou grave ameaça” está excluindo a denominada “violência moral”, limitando-se a adotar a violência física, ou seja, aquela queé empregada sobre o corpo da vítima.
18.12 Contra pessoa portadora de deficiência
Por fim, o § 11 acrescenta uma majorante específica, quando a denominada
violência doméstica, isto é, aquela praticada nas condições definidas no § 9º, ora em exame, tiver como destinatário “pessoa portadora de deficiência”. Trata-se de uma causa de aumento aberta, na medida em que não define natureza, espécie ou extensão da deficiência. A despeito dessa inadequada previsão, não nos parece que se possa utilizar o “conceito de pessoa portadora de deficiência” contido nos arts. 3º e 4º do Decreto n. 3.298, de 20 de dezembro de 1999, que regulamentou a Lei n. 7.853, de 24 de outubro de 1989. No particular, discordamos do entendimento de Rogério Sanches, que invoca exatamente o subsídio do referido decreto. Nossa discordância, com a venia devida, reside no fato de tratar-se de um decreto regulamentador de uma lei que não exige regulamentação, pelo menos não foi expressa nesse sentido. Admitir-se a majoração de penas por decreto presidencial implica ferir o princípio da reserva legal.
A meu juízo, a aplicação dessa majorante exige a comprovação médico-legal da
existência efetiva da “deficiência” da vítima, além da necessidade de o autor da
violência ter conhecimento de que se trata de pessoa portadora de deficiência, sob pena de consagrar-se a odiosa responsabilidade penal objetiva, como reconhece Rogério Sanches Cunha (Direito penal, p. 53).
18.13 Natureza da ação penal no crime de “violência doméstica”
De que é crime de ação pública não resta a menor dúvida, mas será condicionada ou incondicionada? Afinal, de que crime estamos tratando? Violência doméstica ou lesão corporal leve? Se admitirmos que se trata somente de um tipo especial de lesão corporal leve, evidentemente que a ação penal será pública condicionada, nos termos do art. 88 da Lei n. 9.099/95. Contudo, se sustentarmos que a violência doméstica é um crime autônomo, distinto do crime de lesão corporal, inegavelmente a ação penal será pública incondicionada. Provavelmente, haverá essas duas correntes.
Na linha de toda a nossa exposição, fica muito claro que para nós, tecnicamente, o conteúdo do § 9º descreve um tipo especial do crime de lesão corporal leve, e, por isso, a ação penal, necessariamente, só pode ser pública condicionada à representação do ofendido. Dogmaticamente, essa é a alternativa correta. No entanto, por questões de política criminal e considerando as razões que levaram à criminalização da chamada “violência doméstica”, admitimos ser razoável sustentar que se trata de crime de ação pública incondicionada, sob pena de continuar tudo igual ao que era antes da vigência da Lei n. 10.886/2004, dificultando, se não inviabilizando, a punição desse tipo de “violência”. Acreditamos que a jurisprudência, acertadamente, adotará essa orientação.
19 Causa de aumento de pena (§ 10)
Aproveitou o legislador de 2004 para criar a majorante de um terço para os casos dos §§ 1º a 3º do mesmo artigo, se as circunstâncias forem as mesmas (§ 10). Com efeito, se da violência doméstica resultar lesão corporal de natureza grave, gravíssima ou seguida de morte, a pena prevista nos §§ 1º, 2º ou 3º, conforme o caso, aumenta-se de um terço.
19.1 Pessoa portadora de deficiência: majoração de pena
Prosseguindo em sua sanha exasperadora, o legislador aproveita para nova
majorante (elevação em um terço), quando a lesão corporal doméstica for cometida “contra pessoa portadora de deficiência” (§ 11), acrescida pela Lei n. 11.340/2006. Resta em aberto, ainda, a definição da espécie ou dos limites da locução “portadora de deficiência”, que deve, a nosso juízo, circunscrever-se à deficiência física, mental e psíquica, devidamente comprovada nos autos, não se aplicando a previsão do Decreto n. 3.298/99.
20 Pena e ação penal
Na lesão leve a pena é de detenção, de três meses a um ano; na grave, reclusão,
de um a cinco anos; na gravíssima, reclusão, de dois a oito anos; na seguida de
morte, reclusão, de quatro a doze anos. Na forma culposa, a pena será de detenção, de dois meses a um ano. Há ainda a possibilidade da aplicação de minorantes (§§ 4º e 5º) e majorantes (§ 7º).
Os crimes de lesão corporal leve e lesão corporal culposa, com o advento do art.
88 da Lei n. 9.099/99, são de ação penal pública condicionada. A lei nova é mais
benéfica, uma vez que subordina o exercício da pretensão punitiva do Estado à
representação do ofendido. Deve, pois, retroagir, pouco importando esteja ou não o processo com a instrução criminal iniciada. Para as demais espécies de lesões corporais, a ação penal continua sendo pública incondicionada.
A Lei n. 10.886/2004, ao incluir um tipo especial de lesão corporal leve, com o
nomen iuris de “violência doméstica”, cominou-lhe a pena de detenção, de seis
meses a um ano — superior, portanto, àquela prevista no caput do art. 129, que é de três meses a um ano de detenção. Novamente, volta-se a elevar a sanção dessa infração penal, agora, nitidamente, com a finalidade de afastá-la da competência dos juizados especiais. Sendo fixada entre três meses e três anos de detenção, exclui, pelos próprios critérios eleitos pelo legislador, a competência dos Juizados Especiais Criminais, sendo desnecessária a equivocada previsão do art. 41, que determina a não aplicação da Lei n. 9.099/95, de duvidosa constitucionalidade (art. 98, I, da CF).
21 Questões especiais
Confronto com outras figuras típicas
Se não ocorrer a efetiva lesão corporal (dano), pode configurar-se a contravenção de vias de fato (art. 21 da LCP). Quanto à lesão corporal e homicídio culposos, decorrentes de serviços de alta periculosidade, contrariando determinação de autoridade competente, vide art. 65, parágrafo único, da Lei n. 8.078/90 (CDC).
Previsão do ECA
A Lei n. 8.069/90 (ECA) criou uma majorante para o homicídio doloso e lesão
corporal dolosa, praticados contra criança, nas hipóteses dos §§ 4º do art. 121 e 7º do art. 129. As causas de aumento (§ 7º) devem constar, implícita ou
explicitamente, da denúncia.
Manipulação genética
Ver Lei n. 11.105/2005.

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