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Bases Tecnica Cirurgica 3

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Ferimentos e Cicatrização BTC – Aula 03 
 
Renan Cabral Mota – Medicina 2010.1 - UFPB 1 
 
 
Introdução: Os pacientes vítimas de ferimentos de partes moles representam 
grande parte dos casos atendidos nos setores de urgências de hospitais, como 
casos isolados, ou como politraumatizados. Seu atendimento deve ser 
sistematizado para que se evite, o quanto possível, as complicações 
decorrentes dos mesmos, notadamente as infecções. 
 
Ferimentos: São lesões provocadas geralmente por traumatismos que levam a 
solução de continuidade dos tecidos, com ou sem perdas teciduais. A camada 
cutânea é necessariamente lesada. 
 
Contusões: São lesões traumáticas em que não ocorre solução de 
continuidade. Apesar dos tecidos profundos serem lesados, a camada cutânea 
permanece íntegra, sendo característica a presença de edema. 
 
Obs: O registro no prontuário médico da história clínica do paciente, assim 
como a descrição minuciosa das lesões encontradas e sua “compatibilidade ou 
não” com os mecanismos traumáticos alegados, é de suma importância e 
constitui-se em obrigação médica (artigo 69 do CEM), já que grande parte 
destes eventos poderão ser motivo de processos judiciais, constituindo-se o 
atendimento médico em peça de suma importância na obtenção da verdade, 
bem como para proteção profissional. 
 
CLASSIFICAÇÃO 
 
 
I. Quanto a profundidade: 
 
• Superficiais: são os ferimentos que atingem as camadas da pele, tecido 
celular subcutâneo, fáscias e músculos. 
 
• Profundos: são os ferimentos que atingem estruturas profundas como 
nervos, vasos, tendões, articulações, ossos e vísceras. 
 
II. Quanto às lesões: 
 
• Contusões: São lesões provocadas por esmagamento tecidual por 
compressão, sem lesão de continuidade na pele, apresentando edema, 
equimoses (vasos superficiais – dérmicos e subdérmicos) ou 
hematomas (vasos profundos – perfurantes musculares) e necrose 
adiposa. 
 
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• Ferimento Inciso: produzido por objetos cortantes, que produzem 
pouca energia traumática, e, portanto, geram pouca necrose ou dano 
tecidual, apresentam0se com bordas regulares e lineares e geralmente 
cicatrizam sem complicações. Ex: em cirurgias eletivas (incisão linear, 
homogênea e com bordas regulares). Geralmente a extensão é maior 
que a profundidade do ferimento. 
 
• Ferimento perfurante: produzidos por objetos alongados, pontiagudos 
e/ou cortantes, que penetram profundamente nos tecidos, podendo 
atingir estruturas profunda. Ex: punhal e faca. Geralmente a 
profundidade é maior que a extensão do ferimento. 
 
• Ferimento puntiforme: variação do ferimento perfurante, onde é 
provocado por objetos pontiagudos, geralmente nas superfícies de apoio 
do corpo, como regiões plantar, palmar e glúteos. Quando gerado por 
pregos, arames ou espinho é considerado altamente contaminado. Obs: 
Como os pacientes costumam demorar a procurar assistência, no local 
tem abcessos, podendo não se ver o ferimento em si. 
 
• Ferimento corto-contuso: são produzidos por objetos rombos ou semi-
rombos, produzindo lesões com bordas irregulares, com extensão lesão 
tecidual por esmagamento, com ou sem perda de substancias, podendo 
apresentar avulsão (elevação, descolamento) da pele, com formação de 
retalhos cutâneos que devem ser avaliados quanto a viabilidade de 
acordo com a espessura, extensão do comprimento em relação à base 
de irrigação ( 3:1- no tronco e membros / 5:1 – na cabeça e na face ), 
presença de corpo estranho ou contaminação. Quando acontecem numa 
área extensa, gerando perda de substancia e necrose tecidual, são 
chamados lacerantes, com alto grau de contaminação, sendo na maioria 
das vezes casos graves. 
 
• Ferimento abrasivo: produzidos pelo atrito da pele em uma superfície 
abrasiva, gerando esfoliação da epiderme e de parte da derme ou até 
chegar a hipoderme. Geralmente são extensas em áreas e superficiais 
em profundidade, comuns em acidentes com motos no trânsito.São as 
lesões que produzem o maior índice de detritos e resíduos, podendo 
causar pigmentação ou “tatuagem, que aumentam a reação inflamatória 
e predispõe as infecções, sendo de extrema dificuldade sua limpeza e 
desbridamento. Material não-inerte: madeira, terra, espinho. Material 
relativamente-inerte: vidro, plástico e metais irão formar granulomas. 
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TRATAMENTO 
 
I. Avaliação: 
 
• História relacionada ao trauma (verificar grau de contaminação) 
• Classificação dos ferimentos: compatível ou não com a HRT 
• Fatores locais: localização, proximidade com varizes, corpo estranho, 
cicatriz pré existente, articulações. 
• Fatores sistêmicos: uso de corticóides, drogas oncológicas, diabetes m., 
doenças auto-imunes. 
• Tratamento cirúrgico 
 
 
TRATAMENTO CIRÚRGICO 
 
 O objetivo consiste no restabelecimento da integridade anatômica, funcional 
e estética dos tecidos lesionados. 
 
I. Primário: habitualmente feito em ferimentos limpos e recentes, que não 
apresentam tecido de granulação visível, é o meio preferencial e resulta em 
cicatriz aceitável esteticamente. Uso de curativo seco. Até 12h após o trauma. 
 
II. Secundário: feito em ferimentos infectados, com tecidos necrosados ou 
isquêmicos, perda de substâncias ou lacerações extensas, mordeduras de 
animais ou humanos, apresentam tecido de granulação visível e seqüela 
estética. Ocorre cicatrização por segunda intenção. Deve ser utilizado curativo 
com ungüentos ou pomadas a base de antibióticos ou enzimas que digiram o 
tecido necrosado. Não se deve utilizar forca mecânica de síntese. 
 
III. Primário retardado: realizado quando há suspeita de contaminação do 
ferimento, decide-se por deixar aberto e esperar granular, após 3 a 7 dias, na 
ausência de infecção, sutura-se, e a partir daí sua evolução se da como no 
primário. A sistematização do tratamento cirúrgico pode ser realizado como a 
seguir. Só pode ser feito com avaliação continua do paciente pelo medico. 
Remove-se parte do tecido de granulação através da curetagem (para reavivar 
as bordas do ferimento). 
 
Obs: a cicatrização do primário e do primário retardado é melhor funcional e 
esteticamente, em relação a do secundário. 
 
 
 
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SEQUÊNCIA DO TRATAMENTO CIRÚRGICO 
 
 
1. Medidas de assepsia e anti-sepsia do médico. 
2. Lavagem do ferimento com soro fisiológico a 0,9% 
3. Tamponamento do ferimento com gaze. 
4. Anti-sepsia com iodóforos ( aquoso / tópico ) e clorexidina ao redor. 
5. Colocação de campo cirúrgico. 
6. Anestesia local ( não penetrar no ferimento, apenas na pele integra, pois 
aumenta o risco de contaminação pela agulha. Aspirar para evitar uma 
intoxicação sistêmica ) 
7. Desbridamento e lavagem ( Antissepsia agressiva ) 
8. Hemostasia definitiva. 
9. Decisão sobre o tipo de tratamento cirúrgico ( tipo de fechamento ). 
10. Curativo ( seco no primário e com pomadas no secundário ) 
11. Medicação ( Antibioticoterapia ) 
12. Imunização (se vacinado, faz- se o soro; se não, faz-se o soro e vacina) 
 
 
CICATRIZAÇÃO 
 
 
Definição: é um fenômeno biológico que visa restabelecer a integridade 
orgânica e que envolve atividade celular liberação de mediadores químicos, 
síntese protéica e neoformação tecidual. 
 
Etapas: o processo cicatricial pode ser dividido em 3 fases, embora não haja 
limites precisos entre o início e o final de cada uma delas. 
 
I. Fase inflamatória: Inicia-se logo após o trauma e perdura por 
aproximadamente 4 dias, se caracteriza por 3 eventos importantes:hemostasia, migração de leucócitos e epitelização. Participam desses 
processos: as plaquetas, os macrófagos, a angiogênese e a epitelização. 
 
- Hemostasia: A primeira conseqüência ao trauma é a hemorragia e a 
exposição de colágeno de tecido lesionado, que induz as primeiras 
respostas que são vasoconstrição e ativação da cascata de coagulação e 
do complemento, que leva a formação de micro-trombos pela agregação 
plaquetária fazendo a hemostasia. 
 
 
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- Migração leucocitária: A seguir inicia-se a vasodilatação pela ação de 
mediadores químicos (histamina, bradicinina e serotonina) e a migração, 
através da parede endotelial, dos leucócitos polimorfonucleares. Em 
poucas horas após o trauma a ferida encontra-se repleta de exsudato 
protéico, com células inflamatórias, leucócitos, plaquetas e fibrina. 
 
- Epitelização: inicia-se 12h após o trauma, ocorrendo a partir das células 
das bordas por deposição (dependente de oxigênio). 
 
II. Fase proliferativa: Esta se inicia 48h após o trauma e atinge o máximo 
em 96h, durando em média 3 semanas. Caracteriza-se pela redução 
gradual das células inflamatórias e intensa proliferação de fibroblastos, 
com produção de colágeno, angiogênese, formação de tecido de 
granulação e, por fim, a contração da ferida. 
 
- Colágeno: hidroxilacao da prolina e lisina consumindo O2, cofatores, 
ferro, ácido ascórbico e alfa-cetoglutarato. Polimerização extracelular, 
cofatores, cobre e vitamina B6 (piridoxina). 
 
- Contração: é um fenômeno que acontece nas cicatrizes pela presença 
de células chamadas miofibroblastos que possuem em seu interior 
microfilamentos semelhantes às células musculares lisas, com diferença 
apenas na miosina, que produzem redução da extensão e diâmetro das 
cicatrizes (contração primária da ferida). 
 
III. Fase de maturação: Esta se inicia aproximadamente 3 semanas após o 
trauma e dura ate 2 anos. O que caracteriza esta fase é o equilíbrio entre 
a síntese e a reabsorção do colágeno, sendo este produzido de forma 
mais madura e organizada que na fase proliferativa, pela ação das 
glicosaminoglicanas não sulfatadas: condroitina, fibronectina e acido 
hialuronico; e sulfatadas: querato-sulfatos, heparana-sulfato e condroitina 
sulfatada. Ocorre a melhora da função e da estética através da 
substituição do colágeno heterogêno e de má qualidade por um mais 
homogêneo e de alta qualidade. 
 
CICATRIZES 
 
 
• Normotrófica: Superfície plana, cor semelhante e características de 
textura e hidratação próximas as do tecido vizinho. É a cicatriz que não 
se vê. 
 
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• Atrófica: Mais clara quanto a coloração, mais baixa quanto ao relevo, 
presença de telangectasia (vasos sanguíneos), podendo ser produzidas 
em decorrência do uso de corticóides. 
 
• Hipertrófica: Mais altas quanto ao relevo, coloração mais escura 
(hiperemiada), oferece sintomatologia, como prurido e dor ( latejar, 
pulsar e ardor ). Encontra-se geralmente em áreas com grandes tensão 
física (articulações, por exemplo), podendo regredir até ficarem planas, 
porém permanecem largas. 
 
• Quelóides: Só tem quem tem tendência genética autossômica. 
Apresenta todas as características da hipertrófica, com acréscimo da 
transmissão genética e exuberância do colágeno. Caracteriza-se por um 
comportamento tumoral: pode não reduzir e, inclusive, aumentar, 
dissipando-se pelo tecido adjacente. O tratamento inclui: radioterapia, 
corticoterapia, compressão mecânica por malha ou placa e cirurgia., 
sendo necessário uso de, ao menos, 2 métodos para evitar recidiva.

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