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DAMASIO, parte 4

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17. PUNIBILIDADE
 O CP, embora mantendo a teoria unitária, adotou, como já ficou con-
signado, a teoria restritiva de autor, distinguindo nitidamente autor de partícipe.
Além disso, mitigando o rigorismo da doutrina monística, reza, na parte
final do caput do art. 29, que todos os participantes incidem nas penas comina-
das ao crime, "na medida de sua culpabilidade".
 Esse princípio constitui novidade em nossa legislação, sendo conse-
qüência da regra de que a graduação da pena é medida pela culpabilidade:
o fato é comum; a culpabilidade, porém, é individual. No Anteprojeto do
Código Penal de 1969, a disposição não era bem clara a respeito da indi-
vidualização da censurabilidade: "A punibilidade de qualquer dos concor-
rentes é independente da dos outros" (art. 33, § 1.o, 1.a parte). Analisando
esse dispositivo, Heleno Cláudio Fragoso observou que "era indispensá-
vel" "deixar bem claro o princípio básico de que cada partícipe será punido
conforme sua culpabilidade, e sem consideração à culpabilidade dos de-
mais", lembrando que essa regra tem origem na legislação penal alemã.
 Maurach ensina que "sempre que sejam vários os que tenham partici-
pado do fato, cada um deve ser castigado de acordo com a sua culpabilida-
de, sem atender à culpabilidade do outro".
 Além disso, nos termos do § 1.o do art. 29, "se a participação for de
menor importância, a pena pode ser diminuída de um sexto a um terço".
 A redução da pena, presente a circunstância exigida, é obrigatória. A
faculdade, indicada pela expressão "pode", diz respeito ao quantum da di-
minuição. É uma circunstância que contrasta com a agravante do inciso I
do art. 62. A expressão "participação" deve ser entendida em sentido am-
plo, abrangendo as formas moral e material. Só tem aplicação quando a
conduta do partícipe demonstra leve eficiência causal. É conseqüência do
princípio segundo o qual a punibilidade dos participantes é determinada de
acordo com sua culpabilidade, tomada no sentido de reprovabilidade so-
cial. Nos termos da lição de Vannini, não pode ser favorecido pela circuns-
tância quem se coloca em situação de merecer qualquer das agravantes
anteriormente mencionadas, uma vez que o concorrente não pode ser, ao
mesmo tempo, mais perigoso e menos perigoso. Entre nós, as agravantes
do art. 62 são incompatíveis com a causa de diminuição da pena. Ninguém
pode ter mínima participação no delito e, ao mesmo tempo, promover ou
organizar a cooperação dos demais, coagir outrem à execução etc. Todavia,
não nos parece que a razão da atenuante resida na mínima periculosidade
do partÍcipe. A expressão "de somenos importância" refere-se à contribui-
ção prestada por ele e não à sua capacidade de delinqüir. Assim, a redução
de um sexto a um terço deve variar de acordo com a maior ou menor con-
tribuição do partícipe na prática delituosa: quanto mais a conduta se apro-
ximar do núcleo do tipo, maior deverá ser a pena; quando mais distante do
núcleo, menor deverá ser a resposta penal.
 Manzini ensinava que a circunstância não pode ser
aplicada quando concorrem as agravantes, ainda quando a participação tenha sido de
mínima importância. Nestes casos, conclui, a circunstância agravante revela, sem pos-
sibilidade de apreciações discricionárias, mais grave criminosidade do concorrente.
18. DA COOPERAÇÃO DOLOSAMENTE DISTINTA OU DESVIOS
SUBJETIVOS ENTRE OS PARTICIPANTES
 Diz o § 2.o do art. 29 do CP que, "se algum dos concorrentes quis
participar de crime menos grave, ser-lhe-á aplicada a pena deste; essa pena
será aumentada até metade, na hipótese de ter sido previsível o resultado
mais grave".
 Esse dispositivo cuida da hipótese de o autor principal cometer delito
mais grave que o pretendido pelo partícipe. Ex.: A determina B a espancar
C. B age com tal violência que produz a morte de C. Segundo a disposição,
A responde por crime de lesão corporal (delito menos grave), cuja pena
deverá ser aumentada até metade se a morte da vítima lhe era previsível.
Como ensina Maurach, os desvios subjetivos entre os participantes são re-
gidos fundamentalmente pela regra de que o instigador unicamente respon-
de pela conduta realizada dentro do marco de seu dolo, de tal sorte que, ao
menos em princípio, a sua pena não será agravada pelo excesso levado a
cabo pelo sujeito instigado.
 A solução dada pela reforma penal de 1984 ao fato anteriormente
mencionado não deixa de ser estranha. Tendo o mandante agido com dolo
de lesão corporal e sendo-lhe previsível o resultado morte, deveria respon-
der por lesão corporal seguida de morte e não por lesão corporal leve, com
pena agravada de até a metade.
 A regra da disposição tem aplicação a todos os casos em que algum
dos participantes quis realizar delito de menor gravidade. Assim, suponha-
se que dois assaltantes combinem a prática de um roubo. Um deles perma-
nece fora da residência da vítima. O outro nela penetra e comete um latro-
cínio. Demonstrado que a morte da vítima não ingressou na esfera do dolo
direto ou eventual do partícipe, este deverá responder por roubo qualifica-
do, mas não por latrocínio. Se, entretanto, lhe era previsível a morte do
sujeito passivo, sem ter agido com dolo direto ou eventual, a pena do roubo
qualificado será aumentada até metade. Com isso, o novo texto proscreveu
a antiga regra do parágrafo único do art. 48 do CP de 1940, que consagrava
caso de responsabilidade objetiva.
19. PARTICIPAÇÃO IMPUNÍVEL
 O art. 31 do CP determina que "o ajuste, a determinação ou instigação
e o auxílio, salvo disposição expressa em contrário, não são puníveis, se o
crime não chega, pelo menos, a ser tentado". Assim, são impuníveis as for-
mas de concurso quando o delito não chega à fase de execução.
 A ressalva da disposição diz respeito aos casos em que a determina-
ção, o ajuste etc. são puníveis como delitos autônomos. Exs.: CP, arts. 286
e 288 (incitação a crime e quadrilha ou bando, respectivamente).
 O oferecimento para delinqüir não constitui infração penal. Assim, é
impunível o fato de um pistoleiro oferecer-se a alguém para matar seu ini-
migo.
 A reforma penal de 1984 extinguiu a medida de segurança ao autor da
participação impunível.
20. PARTICIPAÇÃO DE PARTICIPAÇÃO E PARTICIPAÇÃO
SUCESSIVA
 Ocorre participação de participação nos casos de induzimento de indu-
zimento, instigação de instigação, mandado de mandado etc. Ex.: A induz
B a induzir C a matar D. É punível desde que possua eficiência causal.
 Participação sucessiva ocorre quando, presente o induzimento (deter-
minação) ou instigação do executor, sucede outra determinação ou instiga-
ção. Ex.: A instiga B a matar C. Após essa participação, o agente D, desco-
nhecendo a precedente participação de A, instiga B a matar C. Se a instiga-
ção do sujeito D foi eficiente em face do nexo de causalidade, é considera-
do partícipe do homicídio. Em caso contrário, se o agente B, por força da
instigação de A, já estava firmemente decidido a cometer o homicídio, a
instigação de D deve ser considerada inócua.
21. MOMENTO DA PARTICIPAÇÃO E EXCLUSÃO DA
PARTICIPAÇÃO POSTERIOR AO DELITO
 A participação pode ocorrer em qualquer das fases do iter criminis:
cogitação, preparação, execução e consumação. Considerada isoladamente
a conduta do executor, pode acontecer inclusive antes da cogitação: caso
da determinação ou induzimento.
 Uma das conseqüências de configurar a participação partindo da rela-
ção de causalidade é a exclusão de qualquer conduta que não realize ou
contribua para a produção do crime. Em face disso, o fato que constitui a
participação deve ser cometido antes ou durante a realização do delito. Se
posterior, não é participação no crime anterior, mas sim delito autônomo.
 Na vigência do CP de 1890, a contribuição causal posterior era consi-
derada forma
de participação no delito. Assim, o art. 21, § 3.o, punia como
participação o fato de receber, ocultar, ou comprar coisas obtidas por meios
criminosos, sabendo que o foram, ou devendo sabê-lo pela qualidade ou
condição das pessoas de quem as houvesse. O CP de 1940 corrigiu o erro,
punindo o fato como delito autônomo, denominado receptação (art. 180). O
art. 21, § 4.o do CP de 1890 continha outra forma de participação posterior.
Punia como partícipes os que dessem asilo ou prestassem sua casa para
reunião de assassinos e roubadores, conhecendo-os como tais e o fim para
que se reuniam. O estatuto penal de 1940, não adotando participação dessa
espécie, não seguiu a orientação antiga, punindo o fato como delito autôno-
mo, denominado favorecimento pessoal (art. 348), consistente em auxiliar
autor de crime a subtrair-se à ação de autoridade pública.
 De observar-se que o auxílio posterior, prometido antes ou durante a
realização do delito, constitui participação.
22. PARTICIPAÇÃO E ARREPENDIMENTO
 Pode ocorrer que, iniciado o iter criminis, um dos participantes se
arrependa de contribuir na conduta delituosa, persistindo os outros. Segun-
do Nélson Hungria, várias hipóteses podem acontecer:
 1 .a) o arrependido é o autor principal, e não inicia a realização do
crime projetado, ou é o partícipe, vindo este a impedir (por qualquer forma)
que a execução tenha início: não existe fato punível;
 2.a) o arrependido é o autor principal e, iniciada a execução, desiste da
consumação ou impede que o evento se produza; ou é o partícipe, que con-
segue impedir (por qualquer forma) seja alcançada a meta optata: em face
do disposto no art. 15, não respondem por tentativa, ressalvados os atos
anteriores à desistência voluntária ou arrependimento eficaz;
 3.a) o arrependido é o partícipe, resultando inútil o seu esforço para
evitar a execução ou consumação por parte do autor principal: o arrependi-
do responde pelo fato cometido pelo autor principal.
23. AUTORIA INCERTA
 Dá-se a autoria incerta quando, na autoria colateral, não se apura a
quem atribuir a produção do evento. Suponha-se que dois sujeitos, preten-
dendo matar a vítima a tiros de revólver, postam-se de emboscada, ignorando
cada um o comportamento do outro. Ambos atiram e a vítima vem a falecer
em conseqüência dos ferimentos produzidos pelos projéteis de um dos revól-
veres, não se apurando se de A ou de B. Qual a solução? Condenar ambos por
homicídio consumado? Por tentativa de homicídio? Absolver ambos?
 A Exposição de Motivos do CP de 1940, em face da adoção do princí-
pio unitário do concurso de agentes, afirma que o estatuto repressivo resolve
a questão: "Para que se identifique o concurso, não é indispensável um "pré-
vio acordo" das vontades: basta que haja em cada um dos concorrentes co-
nhecimento de concorrer à ação de outrem. Fica, destarte, resolvida a vexata
quaestio da chamada autoria incerta, quando não tenha ocorrido ajuste entre
os concorrentes" (n. 22). Como se nota, o princípio soluciona o problema se
um dos concorrentes aderir a sua conduta ao comportamento alheio. Então,
diante do liame subjetivo de adesão, há co-autoria: ambos respondem pelo
evento morte. Todavia, a questão inicialmente exposta é diferente: os sujeitos
desconhecem as condutas paralelas e convergentes.
 O CP não resolve o problema. A primeira solução não é correta, pois,
condenando os sujeitos por homicídio consumado, um deles, não obstante
autor de mera tentativa, seria inocentemente punido pelo fato mais grave.
Absolver ambos também não seria correto, uma vez que praticaram, pelo
menos, uma tentativa de homicídio. Aqui está a única solução: puni-los
como autores de tentativa de homicídio, abstraindo-se o resultado, cuja autoria
não se apurou.
 Não deve ser confundida com autoria ignorada. Nesta, não se conse-
gue apurar quem realizou a conduta. Na autoria incerta, a autoria é conhe-
cida; a incerteza recai sobre quem, dentre os realizadores dos vários com-
portamentos, produziu o resultado.
24. PARTICIPAÇÃO MEDIANTE OMISSÃO. CONIVÊNCIA
 Coopera-se por omissão com a mesma exigência devida nos delitos
omissivos impróprios: é necessário que o comportamento negativo consti-
tua infração de dever jurídico. Para que alguém seja partícipe mediante
omissão basta que não tenha impedido a prática do crime, infringindo um
dever jurídico. Se o omitente possui o dever jurídico de impedir o evento,
violando a obrigação, concorre para a sua produção, tornando-se partícipe.
Mas, para isso, é necessário que concorra o elemento subjetivo da partici-
pação, que adira a sua conduta negativa ao comportamento do autor prin-
cipal. Ex.: um soldado assiste inerte ao fato de a mãe matar o próprio filho
mediante inanição, subjetivamente aderindo a sua conduta à da autora prin-
cipal (participação mediante omissão na prática de um crime omissivo
impróprio ou comissivo por omissão).
 Não se pode falar em participação por omissão quando não concorra
o dever jurídico de impedir o crime. Suponha-se que alguém tome conhe-
cimento de que uma quadrilha vai praticar um roubo e não denuncie o pla-
no à autoridade competente. É partícipe por omissão no fato praticado?
Não, pois não tinha o dever jurídico de impedir o seu cometimento.
 Assim, a participação mediante omissão ocorre quando existe a obri-
gação de impedir o delito, que o omitente permite ou procede de forma que
ele se realize. Existe nela um não fazer correlato a uma obrigação de fazer
impeditiva do crime, obrigação esta ligada às formas das quais advém o
dever jurídico de obstar a prática do fato. Condiciona-se a três requisitos:
 1.o) nexo de causalidade objetivo entre a omissão do partícipe e o de-
lito cometido pelo autor principal;
 2.o) dever jurídico de o partícipe opor-se à prática do crime;
 3.o) vínculo subjetivo.
 Em face das condições, é partícipe do roubo o policial que contempla
a obra delituosa dos autores, mostrando que consente em sua prática; o
guarda-noturno é partÍcipe do furto se, deliberadamente, deixa aberta a porta
da fábrica que estava obrigado a fechar, para permitir a entrada de ladrões
e vingar-se do patrão.
 Quando inexiste o dever de agir, fala-se em conivência ou participa-
ção negativa.
 Conivência consiste em omitir voluntariamente o fato impeditivo da
prática do crime, ou a informação à autoridade pública, ou retirar-se do
local onde o delito está sendo cometido, ausente o dever jurídico de agir. A
conivência pode produzir um destes efeitos:
 1 .o) constitui infração per se stante (não constitui participação no cri-
me do autor principal, mas infração autônoma);
 2.o) não constitui participação no delito do autor principal nem infra-
ção autônoma.
 Exemplo do primeiro efeito: suponha-se que um exímio nadador pre-
sencie a mãe lançar seu filho de tenra idade numa piscina e, sem qualquer
risco pessoal, permite que a criança venha a falecer por afogamento. Não
há falar-se em participação por omissão no crime de homicídio, pois não
tinha o dever jurídico específico de impedir o evento. Todavia, como infrin-
giu um dever genérico de assistência, responde por crime de omissão de
socorro (CP, art. 135).
 Exemplo do segundo efeito: o sujeito toma conhecimento de um furto
a ser praticado pelo agente e não dá a notitia à autoridade policial, que
poderia evitar a sua prática. Cometido o furto, o emitente não é partícipe
nem responde por infração autônoma.
 Pode-se falar em conivência posterior à prática do crime, caso em
que o sujeito, tomando conhecimento de um delito, não dá a notitia criminis
à autoridade pública. Suponha-se que o sujeito tome conhecimento da prá-
tica de um delito (de ação penal pública incondicionada) no exercício de
função pública e deixe de comunicar o fato à autoridade competente. É
partícipe do crime?
Não, respondendo por infração autônoma, denominada
"omissão de comunicação de crime" (LCP, art. 66, I). E se um particular
toma conhecimento de um crime e não o relata à autoridade competente?
Responde pela contravenção? Não. Qual a razão da diferença? Ocorre que
o particular pode denunciar a prática de um crime de ação pública, mas não
tem obrigação de fazê-lo. Aquele que exerce função pública, porém, to-
mando conhecimento em seu exercício da prática de um crime de ação penal
pública incondicionada, tem o dever de agir, isto é, tem o dever jurídico
(imposto pela norma contravencional) de comunicá-lo à autoridade compe-
tente.
 Os crimes omissivos puros admitem participação por omissão? Supo-
nha-se que A e B, este médico, tomem conhecimento de doença cuja noti-
ficação é compulsória e deixem de denunciar o fato à autoridade pública.
Só o médico responde pelo delito descrito no art. 269 do CP A não é partícipe,
pois a sua conduta foi omissiva e a ele não se dirige o dever de agir. Em
caso contrário, se tivesse induzido ou instigado o médico a omitir-se, have-
ria participação, não por omissão, mas por ação.
25. COMUNICABILIDADE E INCOMUNICABILIDADE DE
CONDIÇÕES, ELEMENTARES E CIRCUNSTÂNCIAS
 Segundo dispõe o art. 30 do CP, não se comunicam as circunstâncias
e as condições de caráter pessoal, salvo quando elementares do crime.
 Que são circunstâncias, condições e elementares do crime?
 Circunstâncias são dados acessórios (acidentais) que, agregados ao
crime, têm função de aumentar ou diminuir a pena. Não interferem na qua-
lidade do crime, mas sim afetam a sua gravidade (quantitas delicti). Não se
consideram circunstâncias as causas de exclusão da antijuridicidade e da
culpabilidade.
 Condições pessoais são as relações do sujeito com o mundo exterior e
com outras pessoas ou coisas, como as de estado civil (casado), de parentes-
co, de profissão ou emprego. Maggiore, falando em condições e qualidades
pessoais, ensinava que são os estados, empregos, qualidades, dignidades,
situações etc., em que se encontra uma pessoa, como o estado de filho ou de
cônjuge, a qualidade de funcionário público, de defensor, de ministro de um
culto etc.. A rigor, tais condições já funcionam como circunstâncias na Parte
Geral ou Especial do CP, ou como elementares da figura típica, pelo que,
segundo entendemos, torna-se supérflua a referência a elas.
 Elementares são os elementos típicos do crime, dados que integram a
definição da infração penal.
 As circunstâncias podem ser:
a) objetivas (materiais ou reais);
b) subjetivas (ou pessoais).
 Circunstâncias objetivas são as que se relacionam com os meios e modos
de realização do crime, tempo, ocasião, lugar, objeto material e qualidades
de vítima.
 Alguns autores entendem que tecnicamente tais dados não são circunstâncias,
mas critérios ou diretivas para a aplicação da pena pelo Juiz. Em nossa doutrina, po-
rém, é tradicional a consideração desses dados como circunstâncias judiciais.
 Circunstâncias subjetivas (de caráter pessoal) são as que só dizem respeito
com a pessoa do participante, sem qualquer relação com a materialidade do
delito, como os motivos determinantes, suas condições ou qualidades pes-
soais e relações com a vítima ou com outros concorrentes.
 Sob outro aspecto, as circunstâncias dividem-se em:
 1 .a) judiciais, previstas no art. 59 do CP;
 2.a) legais, que se subdividem em:
A) gerais, comuns ou genéricas, que são:
a) agravantes (circunstâncias qualificativas), previstas nos arts. 61 e 62;
 b) atenuantes, descritas no art. 65;
 c) causas de aumento e de diminuição da pena (p. ex.: a do art. 26,
parágrafo único);
 B) especiais ou específicas (previstas na Parte Especial do CP), que
podem ser:
 a) qualificadoras (ex.: arts. 121, § 2.o, e 155, § 4.o);
 b) causas de aumento ou de diminuição da pena, em quantidade fixa
ou variável (ex.: arts. 220 e 226).
 Observando que a participação de cada concorrente adere à conduta e
não à pessoa dos outros participantes, devemos estabelecer as seguintes
regras:
 1.a) não se comunicam as condições ou circunstâncias de caráter pes-
soal (de natureza subjetiva);
 2.a) a circunstância objetiva não pode ser considerada no fato do partícipe
se não ingressou na esfera de seu conhecimento;
 3.a) as elementares, sejam de caráter objetivo ou pessoal, comunicam-
se entre os fatos cometidos pelos participantes, desde que tenham ingressa-
do na esfera de seu conhecimento.
 Assim, quando um dado é simplesmente circunstância ou condição do
crime, aplicam-se as duas primeiras regras; quando é elementar (elemento
específico), aplica-se a última.
 Vejamos a aplicação das três regras:
a) Incomunicabilidade das circunstâncias de caráter pessoal
 Em caso de co-autoria ou participação, os dados inerentes à pessoa de
determinado concorrente não se estendem aos fatos cometidos pelos outros
participantes. Exs.:
 1.o) A (reincidente) induz B (primário) a cometer um delito. A agra-
vante prevista no art. 61, I, do CP (recidiva) não se estende a B.
2.o) A, por motivo de relevante valor moral, comete um crime com o
auxílio de B, que desconhece a circunstância. Ao agente B não se aplica a
atenuante do art. 65, III, a.
3.o) A participa de um crime cometido por B, encontrando-se este nas
condições descritas no art. 26, parágrafo único. A causa de diminuição de
pena não se estende ao partícipe A.
4.o) A comete um crime de homicídio por motivo torpe, contando com
o auxílio de B, insciente da torpeza. A responde por homicídio qualificado
(art. 121, § 2.o, I); B, na ausência de outra qualificadora, responde por ho-
micídio simples (art. 121, caput). Ao partícipe não se comunica a qualificadora
de natureza pessoal.
 5.o) A comete um crime de estupro (art. 213) contra a própria filha,
induzido por B, que desconhece a relação de parentesco. Ao indutor não se
aplica a causa de aumento de pena prevista no art. 226, II, 1.a figura, do CP
(sem prejuízo da aplicação do disposto no inciso I do mesmo artigo).
 6.o) A, por motivo de relevante valor social, pratica um crime de homi-
cídio com a participação de B, que desconhece o motivo determinante. A
causa de diminuição de pena, descrita no art. 121, § 1.o, não se aplica ao
partícipe B.
b) A circunstância objetiva não pode ser considerada no fato do
partícipe se não entrou na esfera de seu conhecimento
 No primitivo CP de 1940, à luz do art. 26, era comum o entendimento
de que era incondicional a comunicabilidade das circunstâncias de caráter
objetivo. Assim, se A induzisse B a cometer um crime de dano, e o autor
principal empregasse violência física, incidiria sobre a pena do partícipe a
qualificadora do art. 163, parágrafo único, I, 1.a figura, embora o fato que
a constitui não tenha passado pela sua previsibilidade. No caso, a circuns-
tância qualificadora comunicava-se entre os fatos dos participantes em face
de sua natureza real.
 A opinião dos autores brasileiros citados certamente se fundamentava
no art. 118 do CP italiano: "as circunstâncias objetivas que agravam ou
diminuem a pena, ainda que desconhecidas por todos os que concorrem no
crime, são valoradas a seu favor ou desfavor". Ainda mais: o art. 59 do
estatuto peninsular determina que "salvo quando a lei disponha de outro
modo, as circunstâncias que agravam.., a pena são avaliadas.., a cargo do
agente, ainda que dele não conhecidas...".
 Contra: Nélson Hungria, para quem "a incomunicabilidade das circunstâncias
pessoais cessa quando estas entram na própria noção do crime. No homicídio qualifi-
cado, p. ex., as qualificativas de caráter pessoal, ex capite executoris, se estendem aos
partícipes". Isso é responsabilidade penal
objetiva.
 Nélson Hungria: "Dispõe o art. 26 que "não se comunicam as circunstâncias de
caráter pessoal, salvo quando elementares do crime". A contrario sensu, são sempre
comunicáveis as circunstâncias reais (objetivas) e as mistas (subjetivo-objetivas), se-
jam ou não conhecidas de todos os concorrentes". Em nota de rodapé, dizia: "Não há
falar-se, aqui, em responsabilidade objetiva: quem se mete numa empresa criminosa,
aceita-lhe, de antemão, os riscos". Interpretava o art.
26 do CP de 1940, de redação semelhante ao atual art. 30.
 A comunicabilidade incondicional das agravantes objetivas é pura
responsabilidade penal objetiva, o que não se concebe no moderno Direito
Penal. Analisando a disposição italiana, Bettiol dizia o seguinte: "Tratan-
do-se de circunstâncias agravantes..., aplica-se a regra do art. 59, pela qual
se deve respeitar sua efetiva e objetiva existência, independentemente do
conhecimento que dela possa ter o autor ou partícipe. Elas se comunicam
sempre, de modo a serem valoradas de modo objetivo... De sorte que se
Tício instigou Caio a furtar objeto que considera de valor médio, responde-
rá por furto agravado (art. 61, n. 9), quando o objeto furtado resulte de
valor excepcional... Estamos indubitavelmente diante de uma hipótese de
responsabilidade objetiva".
 No Brasil, diante dos efeitos de tal entendimento (responsabilidade
penal sem culpa), os doutrinadores teceram críticas ao estatuto penal. Cos-
ta e Silva, após dizer que as circunstâncias objetivas, conhecidas ou não,
sempre se comunicam, afirmava: "Há aí uma responsabilidade sem culpa
ou objetiva". No mesmo sentido se pronunciavam Magalhães Noronha e
Basileu Garcia, socorrendo-se da causalidade psíquica para evitar a res-
ponsabilidade objetiva.
 De observar-se que Roberto Lyra, já em 1938, propunha: "As circunstân-
cias objetivas agravantes da penalidade de algum dos concorrentes.., se comunicam
aos demais agentes que as conheceram no momento em que concorrem ao crime".
 Heleno Cláudio Fragoso, no relatório do grupo brasileiro da Associação
Internacional de Direito Penal, apresentado ao IX Congresso Internacional
de Direito Penal, realizado em Haia (1964), respondendo às indagações do
relatório geral, após dizer que, "em nosso direito, a distinção entre circuns-
tâncias de caráter pessoal (subjetivas) e circunstâncias objetivas" é essencial,
propôs à atenção dos congressistas a seguinte questão: "No Direito Penal
moderno não pode haver pena sem culpabilidade. A responsabilidade objeti-
va que algumas leis prevêem, relativamente às circunstâncias agravantes, como
faz, p. ex., o vigente CP italiano, é intolerável. É indispensável fixar como
princípio básico fundamental o de que não pode ser considerada a circuns-
tância agravante se não houve culpa em relação à mesma".
 Hoje, a regra do art. 30, que trata da comunicabilidade das elementa-
res e circunstâncias, deve ser interpretada à luz do art. 29, caput, parte
final, do CP, segundo o qual a pena deve ser medida de acordo com a cul-
pabilidade de cada um dos participantes, levando-se em conta a presença
do dolo e da culpa.
 É esse o princípio a ser seguido: as circunstâncias objetivas só alcan-
çam o partícipe se, sem haver praticado o fato que as constitui, houverem
integrado o dolo ou a culpa. Em se tratando de circunstância objetiva agra-
vante, não pode ser considerada em relação ao partícipe se não houve pelo
menos com culpa em relação à mesma; cuidando-se de qualificadora ou
causa de aumento de pena (prevista na parte geral ou especial do CP), a
agravação não alcança o partÍcipe senão quando (em relação a ela) tiver
agido, pelo menos, culposamente. Exs.:
 1 .o) A induz B a praticar um crime de lesão corporal contra C, sem
determinar a forma de execução. B, de emboscada, lesiona a integridade
física da vítima. Ao fato do partícipe A não incide a circunstância agravante
(objetiva) prevista no art. 61, II, c, 2.a figura, do CP.
 2.o) A instiga B a cometer constrangimento ilegal contra C. B, sem
previsibilidade por parte de A, emprega arma de fogo na execução do deli-
to. Ao partícipe A não incide a causa de aumento de pena prevista no art.
146, § 1.o, 2.a figura, do CP.
 3.o) A aconselha B a praticar homicídio contra C. B, para a execução do
crime, emprega asfixia. O partícipe não responde por homicídio qualificado
(art. 121, § 2.o, III 4.a figura), a não ser que o meio de execução empregado
pelo autor principal tenha ingressado na esfera de seu conhecimento.
 As circunstâncias atenuantes de natureza objetiva são aplicáveis aos
participantes segundo a sua própria culpabilidade.
c) As elementares, sejam de caráter objetivo ou pessoal, comunicam-
se entre os fatos cometidos pelos participantes desde que tenham
ingressado na esfera de seu conhecimento
 O princípio decorre do requisito da identidade de infração para todos
os participantes. Qualquer elemento que integra o fato típico fundamental
comunica-se a todos os concorrentes. Exs.:
 1.o) A, funcionário público, comete um crime de peculato (art. 312),
com a participação de B, não funcionário público. Os dois respondem por
crime de peculato. A elementar de natureza pessoal (funcionário público)
comunica-se ao partícipe.
 2.o) A, solteiro, induz o sujeito B, casado, a praticar crime de bigamia
(art. 235). Ambos respondem por bigamia, embora o indutor A não seja
casado. A elementar de natureza subjetiva ("casado") estende-se ao fato do
partícipe.
 É comum o entendimento segundo o qual as elementares sempre se
comunicam entre os fatos dos participantes. De observar-se que enquanto
em outros dispositivos o Código emprega a expressão "sempre" (exs.: arts.
61, caput, e 65, caput), no art. 30 a norma não diz que as elementares sem-
pre se comunicam. Embora o art. 29, caput, determine a aplicação da mes-
ma pena aos concorrentes, é princípio consagrado na parte final da dispo-
sição que a sua quantidade varia de acordo com a culpabilidade de cada
um. Além disso, a aplicação incondicional da regra da comunicabilidade
das elementares pode levar, em alguns casos, a autêntica responsabilidade
penal objetiva. Suponha-se que um estranho participe de um crime de peculato
desconhecendo a qualidade pessoal de funcionário público do autor princi-
pal. Puni-lo por peculato é injusto, sendo autêntica aplicação do princípio
da punibilidade sem culpabilidade. Como diz Ricardo C. Nufiez, cada partícipe
deve possuir o estado de ânimo exigido pelo tipo, já que esse estado toma
parte do tipo realizado em comum. É necessário, como dizia Bettiol, para
a admissibilidade da participação, que subsistam no caso concreto os requi-
sitos da própria participação: objetivo e subjetivo. É preciso que o partícipe
estranho tenha cooperado acessoriamente na produção do resultado ou te-
nha de qualquer modo determinado o intraneus a cometer a conduta típica
com consciência e vontade de consentir em crime próprio. É imprescindí-
vel que o partícipe conheça a qualidade pessoal do autor. Bettiol assinalava
o princípio segundo o qual, em caso de participação em crime próprio, a
pessoa não qualificada, para poder ser punida a título de participação, deve
ter tido conhecimento da qualidade pessoal inerente ao culpado. Seria, real-
mente, excessivo debitar também de modo objetivo o crime ao partícipe
ignaro da qualidade pessoal do autor. Assim, o partícipe só responde por
peculato quando conhece a qualidade pessoal do autor: as elementares só
se comunicam quando ingressam na esfera do dolo do partícipe (ou co-
autor). Bettiol observava que essa regra "se deduz dos princípios gerais em
matéria de participação, mas é confirmada por importantíssima disposição
do Código de Navegação" (italiano), "a do art. 1.080, em virtude da qual,
"fora do caso regulado pelo art. 117 do CP, quando para a existência de
crime previsto pelo presente
Código é exigida qualidade pessoal particular,
os que, sem revestir essa qualidade, concorrem no crime, respondem por
ele se tiveram conhecimento da qualidade pessoal inerente ao culpado".
Esta norma não se destina a ter influência no campo restrito do Código de
Navegação, pois, inserindo-se no sistema, desempenha eficácia de caráter
geral".
 Esse princípio está hoje consagrado em nosso CP, ao determinar que
a pena deve ser medida pela culpabilidade de cada um dos participantes do
delito.
26. CONCURSO DE PESSOAS E INFANTICÍDIO
a) Exposição do tema
 A legislação penal brasileira, através de seus estatutos repressivos,
tem conceituado o crime de infanticídio de formas diversas.
 O Código Criminal de 1830, em seu art. 198, determinava: "Se a pró-
pria mãe matar o filho recém-nascido para ocultar a sua desonra: Pena -
prisão com trabalho por um a três anos". A sanção era bem mais branda
que a imposta ao homicídio, forjando a seguinte contradição: o legislador
considerava infanticídio o fato (homicídio) cometido por terceiros e sem o
motivo de honra, impondo a pena de três a doze anos, enquanto o homicí-
dio simples possuía sanctiojuris mais severa, atingindo até a pena de morte.
 O CP de 1890 definia o crime com a proposição seguinte: "Matar re-
cém-nascido, isto é, infante, nos sete primeiros dias de seu nascimento,
quer empregando meios diretos e ativos, quer recusando à vítima os cuida-
dos necessários à manutenção da vida e a impedir sua morte" (art. 298,
caput). O preceito secundário da norma incriminadora impunha a pena de
prisão celular de seis a vinte e quatro anos. O parágrafo único cominava
pena mais branda: "Se o crime for perpetrado pela mãe, para ocultar a de-
sonra própria: Pena - de prisão celular por três a nove anos".
 Alcântara Machado estendia o privilégio a outras pessoas além da mãe
da vítima: "Matar infante durante o parto ou logo depois deste para ocultar
a desonra própria ou do ascendente, descendente, irmã ou mulher".
 O CP de 1940 adotou critério diverso, acatando o de natureza
psicofisiológica da influência do estado puerperal.
 A conduta que se encerra no tipo legal do infanticídio vem contida no
preceito primário do art. 123: "Matar, sob a influência do estado puerperal,
o próprio filho, durante o parto ou logo após: Pena - detenção, de dois a
seis anos".
 Pode ocorrer a hipótese de terceiro concorrer para a prática do crime.
Surge a questão: ao partícipe do crime de infanticídio deve ser aplicada a
pena cominada para esse delito ou a aplicável no caso de homicídio?
 Trata-se de crime próprio, uma vez que somente a mãe pode ser auto-
ra da conduta criminosa em face do tipo, assim como só o nascente ou o
neonato pode ser sujeito passivo. Essa qualificação doutrinária, porém, não
afasta a possibilidade da participação delituosa.
 A norma de extensão do art. 29, caput, 1.a parte, reza: "Quem, de
qualquer modo, concorre para o crime incide nas penas a este cominadas".
Assim, quem concorre para a prática do infanticídio deve submeter-se à
sanção imposta: detenção, de dois a seis anos.
 A solução não é tão fácil. Contra a orientação apresentada há abaliza-
das opiniões. O fulcro da discussão encontra-se na questão da comunicabilidade
do elemento referente à "influência do estado puerperal".
Sobre o assunto já opinara Carrara, entendendo no sentido da
comunicabilidade.
 Em 1943, na Conferência dos Desembargadores, a conclusão sobrevinda
aos debates, tomada por maioria de votos, foi formulada em termos de
comunicabilidade.
 Na doutrina brasileira, adotavam o ponto de vista da comunicabilidade:
Roberto Lyra, Olavo Oliveira, Magalhães Noronha, José Frederico Mar-
ques, Basileu Garcia, Euclides Custódio da Silveira e Bento de Faria.
 Ensinavam que o partícipe deve responder por crime de homicídio: Nélson
Hungria, Heleno Cláudio Fragoso, Galdino Siqueira e Aníbal Bruno.
 Em face das normas penais reguladoras da matéria, o participante deve
responder por infanticídio.
 É certo e incontestável que a influência do estado puerperal constitui
elementar do crime de infanticídio. De acordo com o que dispõe o art. 30,
"não se comunicam as circunstâncias e as condições de caráter pessoal,
salvo quando elementares do crime". Assim, nos termos da disposição, a
influência do estado puerperal (elementar) é comunicável entre os fatos
dos participantes. Como dizia Basileu Garcia, "visto que a qualidade indi-
vidual foi incorporada pelo legislador à própria figura delituosa e faz parte
integrante da definição contida no art. 123, nada impede que um homem,
que haja instigado ou auxiliado a puérpera a matar o próprio filho, venha a
disputar o tratamento privilegiado".
 Parte da doutrina observa que o concorrente, para responder unica-
mente por infanticídio, deve ter participação meramente acessória na con-
duta do autor principal, induzindo, instigando ou auxiliando a parturiente a
matar o próprio filho. "Se for ele o autor da morte" - ensinava José Frederico
Marques - "i. e., a pessoa que executa a ação contida e definida no núcleo
do tipo, então a sua conduta, matando ao nascente ou ao neonato, será en-
quadrada no art. 121". Não é outra a lição de Euclides Custódio da Silveira:
"É evidente que a participação há de ter caráter meramente acessório, caso
contrário o partícipe terá praticado um homicídio".
 Embora aceitando essa orientação sob o aspecto prático, sob o da in-
terpretação das normas que regem a matéria, entendemo-la errônea.
 Analisando a questão, afirmava Nélson Hungria que "a ressalva do"
antigo "art. 26 não abrange as condições personalíssimas que informam os
chamados delicta excepta. Importam elas em privilegium em favor da pessoa
a que concernem. São conceitualmente inextensíveis e impedem, quando haja
cooperação com o beneficiário, a unidade do título do crime. Assim, a "in-
fluência do estado puerperal" no "infanticídio", embora elementar, não se co-
munica aos cooperadores, que responderão pelo tipo comum do crime (i. e.,
sem o privilegium)". Cuidando de estudar o crime de infanticídio, asseverava
Hungria que se trata de um delito "personalíssimo em que a condição "sob a
influência do estado puerperal" é incomunicável. Não tem aplicação, aqui"
- continua - "a norma do art. 26, sobre as circunstâncias de caráter pes-
soal, quando elementares do crime... O partÍcipe (instigador, auxiliar ou co-
executor material) do infanticídio responderá por homicídio".
 Nos termos da explanação de Hungria, estaria sendo criada uma tercei-
ra espécie de circunstâncias: as personalíssimas, a par das de natureza obje-
tiva e pessoal. Diante, porém, da letra do art. 30, só há duas espécies: as
materiais e as de ordem subjetiva. A terceira espécie não é prevista em lei. E,
como diz Luiz Vicente Cernicchiaro, a lição de Hungria não está livre de
censura. E conclui: "Não é de repelir-se a co-delinqüência no infanticídio
(homicídio privilegiado). Chegar-se-á, evidentemente, a absurdo biológico,
visto não poder ser considerada sob a influência do estado puerperal senão a
parturiente. A conclusão, contudo, decorre do ordenamento jurídico".
b) Pronunciamento do IV Congresso Nacional de Direito Penal e
Ciências Afins
 O IV Congresso Nacional de Direito Penal e Ciências Afins, realizado
no Recife (2 a 8-8-1970), pronunciou-se a respeito da questão da participa-
ção de terceiro no crime de infanticídio. A tese oficial Infanticídio e con-
curso de agentes em face do novo Código Penal, que apresentamos, apro-
vada por unanimidade, foi transformada em mensagem do próprio Con-
gresso e enviada à Comissão de Reforma do CP de 1969. Nela, analisando
os estatutos repressivos de 1940 e 1969, entendemos que o co-autor ou
partícipe do fato responde por infanticídio. Sugerimos a conversão do
infanticídio em causa de diminuição
de pena do homicídio (homicídio pri-
vilegiado), inovação que recebeu aplauso geral.
 Pugnando pela comunicabilidade da elementar subjetiva ao partici-
pante, dissemos que serve de elemento de interpretação a descrição legal
do crime de "exposição ou abandono de recém-nascido", que possui a ele-
mentar de natureza pessoal "por motivo de honra". No CP de 1940 o fato é
cometido para ocultar desonra própria (art. 134). José Frederico Marques,
analisando a questão do concurso de agentes, afirma: "Essa elementar, embora
personalíssima, comunica-se aos co-autores ou participantes do crime, em
face do que dispõe o" antigo "art. 26 do CP". Euclides Custódio da Silveira
expôs a mesma opinião: "O crime do art. 134, tal como o infanticídio, é
privilegiado e autônomo, pois a circunstância subjetiva ou psicológica
especialíssima da honoris causa incide na qualidade e não apenas na quan-
tidade do delito. E, em se tratando de circunstância de caráter pessoal, ele-
mentar do tipo, comunica-se aos co-partícipes (CP, art. 26)".
 Não cremos correto o raciocínio dos que dizem que o terceiro só res-
ponderia por infanticídio se a lei, de maneira expressa, como fazem alguns
códigos, a ele fizesse referência. Se essa orientação fosse correta, então
responderia por furto o terceiro que induzisse o funcionário público a pra-
ticar peculato-furto, uma vez que na descrição desse crime não se encontra
referência à co-delinqüência. Ainda mais. Não admitiriam a figura da co-
delinqüência os crimes que tivessem em sua descrição típica referência a
elementos psicológicos. Mesmo na Argentina, em que o CP expressamente
menciona a possibilidade de terceiros qualificados praticarem infanticídio,
Soler admitia a participação de pessoas não qualificadas: "Devemos afir-
mar que o infanticídio é um delito perfeitamente definido e autônomo, e
que a existência do elemento subjetivo exigido pela lei num dos partícipes
primários" (honoris causa) "é suficiente para determinar a aplicação da fi-
gura privilegiada" aos outros. Quintano Ripolés, analisando a legislação es-
panhola, expõe a mesma opinião: "La plena sustantividad autónoma del de-
lito de infanticidio, incluso debiera llevar con consecuencia la posibilidad de
coparticipaciones ordinarias a título de autoría, cumplicidad o encubrimiento".
 Observamos que o CP silencia quanto à possibilidade de o terceiro pra-
ticar infanticídio causa honoris. A omissão significa que a lei entende deva
o terceiro não responder por esse delito, mas sim por homicídio? Não cre-
mos. Se assim fosse, em todos os crimes em que a descrição típica fizesse
menção ao motivo do autor principal, silenciando o Código a respeito da
participação de terceiro, responderia este por delito autônomo (se fosse caso)
e não como partícipe do fato principal. Assim, o art. 208 descreve o fato
delituoso do "ultraje por motivo de religião", em que se insere o motivo da
prática. Qual a situação do partícipe que não comete o fato por aquele mo-
tivo, uma vez que a disposição a ele não faz referência? Não obstante o
silêncio da lei, responde pelo delito do autor principal. Suponha-se que o
terceiro instigue funcionário público a praticar prevaricação (art. 319). A
disposição não afirma que o terceiro responde por esse delito. A solução,
porém, não pode ser outra: é partícipe do crime. Assim também no infanticídio:
a omissão não pode significar impedimento ao concurso de agentes.
 A solução inversa quebra a unidade do crime que existe no concurso
de agentes, pois a regra do art. 29, caput, 1.a parte, só pode ser derrogada
mediante texto expresso.
 Não comungamos da opinião dos que afirmam que o terceiro só res-
ponde por infanticídio se participar de maneira meramente acessória. Para
nós, diante da lei, tanto faz que pratique o núcleo do tipo ou participe do
fato induzindo ou instigando a autora principal. De outra forma, haveria
soluções díspares. Suponha-se que terceiro não qualificado instigue um
funcionário público a cometer peculato. Ambos respondem por esse crime,
observando que a participação é meramente acessória. Suponha-se agora
que o funcionário público pretenda cometer peculato-furto, subtraindo uma
pesada máquina da repartição. Se o terceiro cooperar materialmente na prática
do fato, ajudando o funcionário a carregar a resfurtiva, deixará de respon-
der por peculato, subsistindo o furto? Não parece. E, no caso, não houve
participação meramente acessória. Assim também no infanticídio, pode haver
co-autoria ou participação. E não era outra a lição de Soler: "Entendemos
resolver así no solamente el caso de la amiga que ayuda a la autora a come-
ter el infanticidio, sino también el caso en cual la madre, no atreviéndose a
ejecutar por sí sola el hecho, requiere la cooperación material de otro".
Essa orientação não constitui novidade. Já a proclamava Carrara: se a criança
foi morta pela mão da mulher e os outros não foram mais que seus auxi-
liares, é claro que deverão "ser castigados como partícipes de um infanticídio
e não de homicídio... Ao contrário, porém, se a mulher não foi mais que co-
autora, seja porque instigou outro a executar a morte, seja porque cooperou
para a produção da morte executada pelo outro, que se poderá dizer desses
dois autores?" A seguir, pronunciava-se pela responsabilidade de ambos
pelo delito de infanticídio.
 A opinião restritiva de José Frederico Marques não é satisfatória. Quando
afirma a comunicabilidade, diz que a tese contrária quebra "a unidade de
crime que existe na co-autoria"63. Ensinando, porém, que o terceiro só res-
ponde por infanticídio quando a participação é "exclusivamente acessória",
havendo homicídio "se executa a ação contida e definida no núcleo do tipo",
cria uma solução que também se choca contra o princípio da "unidade de
crime para todos os sujeitos" que rege a co-delinqüência, pois o Código ado-
tou a teoria unitária do concurso de pessoas. E não se trata de exceção
pluralística do princípio unitário, uma vez que depende de preceito expresso.
 Analisando o CP de 1940, Euclides Custódio da Silveira propôs a seguin-
te questão: "A mãe, que participa da morte do filho recém-nascido pratica-
da por outrem, responderá como co-autora de homicídio ou como infanticida?"
 Solução: "Inegavelmente, se ela se achava sob a influência do estado puerperal,
psiquicamente perturbada, responderá por crime de infanticídio, tal como
se fora a responsável principal e não apenas partícipe. O bom senso assim
o exige, beneficiando-se ela da circunstância personalíssima". Sob o as-
pecto do "bom senso", a lição é irrepreensível. Em face do prisma "legal",
porém, não está isenta de censura. No caso, a mãe não pratica o núcleo do
tipo contido no verbo "matar" da descrição legal. O seu ato de participa-
ção, induzindo ou instigando o terceiro, por si mesmo é atípico. Torna-se
típico por força da norma de extensão da Parte Geral. Em outros termos, o
seu comportamento só se enquadra na figura típica porque acede a um com-
portamento principal. E, na hipótese, conforme a solução dada (o terceiro
não responde por infanticídio), o fato principal constitui homicídio. Ora,
como é que uma conduta acessória, agregada a uma conduta principal que
se denomina homicídio, transforma-se em infanticídio sem texto expresso
a respeito? A solução legal, então, seria a mãe responder como partícipe do
homicídio. Todavia, a solução fere o "bom senso".
 Na verdade, temos três hipóteses:
 1.a) a mãe e o terceiro concretizam o núcleo do tipo "matar" (pressu-
pondo o elemento subjetivo específico);
 2.a) a mãe mata a criança contando com participação acessória do ter-
ceiro;
 3.o) o terceiro mata a criança com a participação meramente acessória
da mãe.
 Nos três casos, o bom senso indica que o terceiro deve responder por
homicídio (atenuado, se for o caso, como, p. ex., quando sua participação
é de somenos importância)
e a mãe, por infanticídio. Diante da lei, porém,
a solução é no sentido de ambos responderem por infanticídio.
 Examinemos as três hipóteses à luz do pronunciamento do Congresso:
 1.a) se ambos matam a criança, qual o fato: homicídio ou infanticídio?
Co-autoria em qual dos delitos? Se tomarmos o homicídio como fato, have-
rá a seguinte incongruência: se a mãe mata o filho sozinha, a pena é menor;
se com o auxílio de terceiro, de maior gravidade. Por outro lado, fica destruída
a intenção de a lei beneficiá-la quando pratica o fato honoris causa. Se
tomarmos o infanticídio como fato, o terceiro também deve responder por
esse crime, sob pena de quebra do princípio unitário que vige na co-autoria;
 2.a) se a mãe mata a criança honoris causa, o fato principal é infanticídio,
 a que acede a conduta do terceiro, que também deve responder por esse
delito. Solução só ocorreria se houvesse texto expresso a respeito;
 3.a) se o terceiro mata a criança, contando com a participação acessó-
ria da mãe, qual o fato principal a que acede a participação? Homicídio ou
infanticídio? Não pode ser homicídio, pois, se assim fosse, haveria outra
incongruência: se a mãe matasse a criança, responderia por delito menos
grave (infanticídio); se induzisse ou instigasse o terceiro a matar o filho,
responderia por crime mais grave (participação no homicídio).
 Observamos que a respeito dessa hipótese assim já se pronunciou Basileu
Garcia: "Deverá.., a mãe que auxilia o homicídio praticado por terceiro
responder por homicídio, embora esteja ela nas condições psíquicas previs-
tas no art. 123?" (do CP de 1940). E respondia: "A solução afirmativa é a
que decorre dos princípios aceitos pelo Código acerca do concurso de de-
linqüentes. Trata-se de um homicídio, e as pessoas que colaboram num
homicídio são homicidas, não infanticidas. É o que decorre no art. 25 do
Código. Mas essa solução, que é teoricamente exata, leva a um absurdo na
aplicação da pena: por uma contribuição criminal menos importante (auxi-
liar a matar) a mãe seria punida mais severamente do que pela realização
integral do crime. Como homicida, teria penas que vão de 6 a 30 anos de
reclusão. Como infanticida, penas que vão de 2 a 6 anos de detenção. Por
eqüidade, deve-se-lhe manter a classificação de autora de um infanticídio.
Não seria, porém, justo, nessa hipótese, que essa classificação atingisse,
também, o executor direto da morte, autêntico homicida".
 Como se vê, o critério lógico e prático encontra obstáculo na própria
lei que, expressamente, não fornece solução que atenda ao bom senso.
c) Nossa sugestão
 Na descrição legal do crime de homicídio (art. 121), logo após o tipo
fundamental, o legislador inseriu a forma privilegiada: "Se o agente come-
te o crime impelido por motivo de relevante valor social ou moral, ou sob
o domínio de violenta emoção, logo em seguida a injusta provocação da
vítima, o juiz pode reduzir a pena, de um sexto a um terço" (§ 1.o).
 Os dados contidos na figura típica privilegiada são circunstâncias le-
gais especiais ou específicas de natureza subjetiva. Diante do disposto no
art. 30, são incomunicáveis em caso de concurso de agentes, uma vez que
não constituem elementares.
 Suponha-se que A e B cometam um homicídio, em que o primeiro tenha
a seu favor o motivo de relevante valor moral, não estando presentes na con-
 duta do segundo as circunstâncias de caráter pessoal do delito privilegiado
(ausente qualquer qualificadora). A responde por homicídio privilegiado, ao
passo que B subsume o seu comportamento à norma do art. 121, caput.
 Seguindo a mesma linha de orientação, basta o legislador converter os
elementos típicos especializantes do crime de infanticídio (art. 123) em
circunstâncias legais específicas de uma forma privilegiada de homicídio,
como ocorre no CP alemão (§ 217). Teríamos, então, no art. 121, dois pa-
rágrafos descrevendo tipos privilegiados, tal como ocorre nas lesões cor-
porais (art. 129, §§ 1.o e 2.o): o primeiro permaneceria como se encontra
descrito; o segundo, contendo a descrição do infanticídio, teria a seguinte
redação: "Se o crime é cometido pela mãe contra o próprio filho, para ocul-
tar sua desonra, durante ou logo após o parto: Pena - detenção, de dois a
seis anos".
 Desta maneira, a honoris causa e a relação de parentesco não mais
seriam elementares do crime de infanticídio, mas circunstâncias legais es-
pecíficas de natureza pessoal ou subjetiva do homicídio e, em caso de con-
curso de agentes, incomunicáveis.
 Em conseqüência, a conduta da infanticida constituiria homicídio pri-
vilegiado com a mesma pena prevista no art. 123, enquanto o terceiro res-
ponderia por homicídio em qualquer de suas formas típicas, menos a do
§ 2.o. Como dizia Soler, a negação do benefício ao partícipe ou co-autor só
teria fundamento se o infanticídio fosse caso de atenuação da pena do ho-
micídio e não delito autônomo. Magalhães Noronha seguia a mesma orien-
tação: "A não-comunicação ao co-réu só seria compreensível se o infanticídio
fosse mero caso de atenuação do homicídio e não um tipo inteiramente à
parte, completamente autônomo em nossa lei".
 Teríamos, então, soluções iguais às que se encontram no CP alemão,
em que o infanticídio é um caso atenuado de homicídio. Analisando a ques-
tão da co-delinqüência em face de seu § 217, Mezger ensina: "Autora só
pode ser a mãe... Os partícipes são castigados" nos termos do crime de
homicídio. "Ao contrário, o § 217 beneficia a mãe... que participa da morte
de seu filho".
 A sugestão já fora lembrada por Alfredo Albuquerque, em 1943, na
Conferência de Desembargadores, ao dizer que "o art. 123 devia estar como
 um parágrafo do art. 121" (Anais).
 José Frederico Marques, com muita propriedade, observava que, con-
forme o caso, constitui absurdo impor a pena do homicídio ao terceiro,
como, p. ex., quando é insignificante a sua participação no infanticídio.
 Pensamos que a sugestão da tese atenderia a questões de tal ordem. A
honoris causa é, "inegavelmente, um motivo de relevante valor moral".
Assim, conforme o fato concreto, quando o terceiro praticasse a conduta
em razão daquele motivo, nada obstaria que se lhe aplicasse a pena do homicídio
privilegiado descrito no art. 121, § 1.o. A pena da infanticida seria de deten-
ção, de dois a seis anos; a dele, de reclusão, de seis a vinte anos, podendo
ser reduzida de um sexto a um terço (mínimo: quatro anos de reclusão). E
se o fato for praticado pelo próprio pai? Suponha-se que, para ocultar a
desonra de ambos, o pai ilegítimo, durante ou logo após o parto, mate o
próprio filho (ou induza a mãe ilegítima a matá-lo). Entendemos que não
responderá por infanticídio (com a nova qualificação legal preconizada pela
tese), sem prejuízo da aplicação do disposto no art. 121, § 1.o (homicídio
privilegiado). Ocorre que o fato de a agente ser mãe da vítima constitui
circunstância subjetiva do crime, e não elementar. Por força do disposto no
art. 30 do CP, é incomunicável entre os fatos dos participantes. Note-se que
o privilégio, conforme a redação sugerida, fala em mãe e não ascendente.
E não poderia ser empregada a analogia in bonam partem, respondendo o
pai por infanticídio (art. 121, § 2.o, conforme a sugestão)? Não. Para que
seja permitido o recurso à analogia são necessários os seguintes requisitos:
1 .o) que o fato considerado (conduta praticada pelo pai ilegítimo) não tenha
sido regulado pelo legislador; 2.o) este, entretanto, regulou situação (fato
cometido pela mãe) que oferece relação de coincidência ou de identidade
com o caso não previsto; 3.o) o ponto comum às duas situações (a regulada
e a não prevista) constitui o fundamento determinante da implantação do
princípio referente à situação considerada pelo legislador. No caso, para a
aplicação da analogia favorável, falta o último requisito,
pois o legislador
previu a situação específica da mãe: de desespero, mercê da ruminação
silenciosa e anavalhante de angústia e de vergonha, durante os longos e
intermináveis nove meses de prenhez, da agente ilegitimamente fecunda-
da, sem casamento ou com traição aos deveres conjugais, em marcha pro-
gressiva dia a dia, para o repúdio da família e o vilipêndio da sociedade
(Olavo Oliveira). Assim, o fundamento da implantação da lei que rege a
situação considerada (fato praticado pela mãe) não é comum ao fato come-
tido pelo pai.
 Em suma, em face dessas considerações, enquanto não for mudada a
legislação penal a respeito do assunto, não vemos como possa o terceiro
que participa do infanticídio responder por homicídio.
IV - DA CULPABILIDADE COMO
PRESSUPOSTO DA PENA
Capítulo XXXIX
A POSIÇÃO DA CULPABILIDADE EM FACE DA
ESTRUTURA DO CRIME
1. O CP BRASILEIRO E OS REQUISITOS DO CRIME
 Quando o CP trata de causa excludente da antijuridicidade, emprega
expressões como "não há crime" (art. 23, caput), "não se pune o aborto"
(art. 128, caput), "não constituem injúria ou difamação punível" (art. 142,
caput), "não constitui crime" (art. 150, § 3.o) etc. Quando, porém, cuida de
causa excludente da culpabilidade, emprega expressões diferentes: "é isen-
to de pena" (arts. 26, caput, e 28, § 1.o) "só é punível o autor da coação ou
da ordem" (art. 22, pelo que se entende que "não é punível o autor do fato").
 Qual a razão da diferença? Maggiore, lembrado por José Frederico Mar-
ques, ensinava que desde que exista causa de exclusão da ilicitude não há
crime, pois um fato não pode ser ao mesmo tempo lícito e antijurídico;
quando, porém, incide uma causa de exclusão da culpabilidade o crime
existe, embora não seja efetivo, não em si mesmo, mas em relação à pessoa
do agente declarado não culpável. Assim, Maggiore admitia a existência
de crime não punível. É que, segundo ele, para que exista crime a parte
objecti, bastam dois requisitos: fato típico e antijuridicidade. A culpabilida-
de liga o agente à punibilidade, i. e., a pena é ligada ao agente pelo juízo de
culpabilidade. O crime existe por si mesmo, mas, para que o crime seja
ligado ao agente, é necessária a culpabilidade. Observava José Frederico
Marques que o CP brasileiro de 1940 aceitou a orientação de Maggiore.
Para a existência do crime, segundo a lei penal brasileira, é suficiente que
o sujeito haja praticado um fato típico e antijurídico. Objetivamente, para a
 existência do crime, é prescindível a culpabilidade. O crime existe por si
mesmo com os requisitos "fato típico" e "ilicitude". Mas o crime só será
ligado ao agente se este for culpável. É por isso que o CP, no art. 23, em-
prega a expressão "não há crime" (as causas de exclusão da antijuridicidade
excluem o crime); nos arts. 26, caput, e 28, § 1.o, emprega a expressão "é
isento de pena" (corresponde a "não é culpável"). Se a expressão "é isento
de pena" significa "não é culpável", subentende-se que o Código considera
o crime mesmo quando não existe a culpabilidade em face do erro de proi-
bição (art. 21, caput, 2.a parte). É como se o Código dissesse: "não é culpá-
vel quem comete o crime". Assim, o "legislador penal separou, de forma
bem patente, a ilicitude, aparte objecti, da culpabilidade, a antijuridicidade
objetiva da relação subjetiva com o fato, i. e., do juízo de valor sobre a
culpa em sentido lato". "Entende assim o Código pátrio que havendo fato
típico e antijurídico, configurado se encontra o ilícito penal". E mais: a
receptação pressupõe receber, adquirir ou ocultar coisa produto de crime
(art. 180, caput). Suponha-se que o agente haja receptado coisa furtada por
sujeito inimputável, nos termos do art. 26, caput. Ele responde por recep-
tação (art. 180, § 2.o). Ora, o agente inimputável, nos termos do art. 26,
caput, não é culpável: o fato típico e ilícito não apresenta a culpabilidade
do agente. Então, a coisa não seria produto de crime se a culpabilidade
fosse requisito ou elemento do delito. Mas o art. 180, § 2.o, diz que "a re-
ceptação é punível, ainda que... isento de pena o autor do crime de que
proveio a coisa". Assim, o pressuposto da receptação é um fato em que não
se exige a culpabilidade do agente. Em suma: para o legislador brasileiro
existe crime sem culpabilidade.
 É a nossa atual posição: a culpabilidade não é requisito do crime, que
 apresenta duas facetas: fato típico e ilicitude. Ela funciona como condição
 da resposta penal.
2. A CULPABILIDADE COMO PRESSUPOSTO DA PENA
 A culpabilidade é pressuposto da pena e não requisito ou elemento do
crime.
 Como observa René Anel Dotti, instigador da alteração de nosso en-
tendimento a respeito da matéria, em face de seu atual desenvolvimento, a
culpabilidade deve ser tratada como um pressuposto da pena, merecendo,
por isso, ser analisada dentro deste quadro e não mais em setor da teoria
 geral do delito. E arremata: "O crime como ação tipicamente antijurídica
é causa da resposta penal como efeito. A sanção será imposta somente quando
for possível e positivo o juízo de reprovação que é uma decisão sobre um
comportamento passado, ou seja, um posterius destacado do fato antece-
dente"4.
 Welzel, lembrado por Anel Dotti, termina seu estudo sobre a nova
sistemática penal com um item com o título "A culpabilidade como pressu-
posto da pena".
 Assim, a imposição da pena depende da culpabilidade do agente. Além
disso, a culpabilidade limita a quantidade da pena: quanto mais culpável o
 sujeito, maior deverá ser a quantidade da sanção penal.
3. RESPONSABILIDADE PENAL OBJETIVA
 Dá-se o nome de responsabilidade penal objetiva à sujeição de al-
guém à imposição de pena sem que tenha agido com dolo ou culpa ou sem
que tenha ficado demonstrada sua culpabilidade, com fundamento no sim-
ples nexo de causalidade material. É combatida pela doutrina moderna.
 Para seu estudo, remetemos o leitor aos seguintes pontos, em que apre-
ciamos a questão de sua existência em nossa legislação penal:
 1 .o) actio libera in causa na embriaguez (CP, art. 28, II);
 2.o) rixa qualificada (CP, art. 137, parágrafo único).
 Na Lei de Imprensa, a adoção do sistema da responsabilidade suces-
siva permite a punição até do jornaleiro, ainda que não tenha agido com dolo
(Lei n. 5.250, de 9-2-1967, art. 37; o exemplo supra refere-se ao inc. IV).
 Hoje, com a introdução do princípio do estado de inocência em nossa
Const. Federal, segundo o qual "ninguém será considerado culpado até o
trânsito em julgado de sentença penal condenatória" (art. 5.o, LVII), essas
disposições, na parte em que admitiam a responsabilidade penal objetiva,
podem ser consideradas derrogadas, uma vez que ele é incompatível com a
presunção de dolo ou culpa.
Capítulo XL
CONCEITO DE CULPABILIDADE
1. INTRODUÇÃO
 Vimos que o crime, sob o aspecto formal, apresenta dois requisitos
genéricos:
a) fato típico; e
 b) antijuridicidade.
 Praticado um fato típico, não se deve concluir que seu autor cometeu
um delito, uma vez que eventualmente pode concorrer uma causa de exclu-
são da antijuridicidade. É necessário que, além de típico, seja o fato antijurídico,
i. e., que não ocorra qualquer causa de exclusão da ilicitude. Não é sufi-
ciente, porém, que o fato seja típico e ilícito. Suponha-se que o agente co-
meta um homicídio, não se encontrando acobertado por qualquer justifica-
tiva. Basta acrescentar que o agente é portador de doença mental, que lhe
tenha retirado a capacidade de compreensão do caráter ilícito do fato no
momento de sua prática. Nos termos do que dispõe o art. 26, caput, do CP,
ele é isento de pena. Faltou-lhe a culpabilidade, que é o pressuposto da
imposição da pena.
2. TEORIAS DA CULPABILIDADE
 São três as teorias a respeito da culpabilidade:
1 .a) teoria psicológica;
 2.a) teoria psicológico-normativa; e
 3.a) teoria normativa pura.
3. TEORIA PSICOLÓGICA DA CULPABILIDADE
 De acordo com essa tradicional teoria, a culpabilidade reside na rela-
ção psíquica do autor com seu fato; é a posição psicológica do sujeito dian-
te do fato cometido. Compreende o estudo do dolo e da culpa, que são suas
espécies. Seria, como dizia Soler, "ei nexo psíquico que media entre el mundo
sensible del autor y ei resultado típico", tanto nos crimes dolosos quanto
nos culposos. Em suma, a culpabilidade, esgotando-se em suas espécies
dolo e culpa, consiste na relação psíquica entre o autor e o resultado, tendo
por fundamento a teoria causal ou naturalística da ação. O dolo é caracte-
rizado pela intenção (ou assunção do risco) de o agente produzir o resultado;
a culpa, pela inexistência dessa intenção ou assunção do risco de produzi-lo.
 O erro dessa doutrina consiste em reunir como espécies fenômenos
completamente diferentes: dolo e culpa. Se o dolo é caracterizado pelo querer
e a culpa pelo não querer, conceitos positivo e negativo, não podem ser
espécies de um denominador comum, qual seja, a culpabilidade. Não se
pode dizer que entre ambos o ponto de identidade seja a relação psíquica
entre o autor e o resultado, uma vez que na culpa não há esse liame, salvo
a culpa consciente. A culpa é exclusivamente normativa, baseada no juízo
que o magistrado faz a respeito da possibilidade de antevisão do resultado.
Ora, como é que um conceito normativo (culpa) e um conceito psíquico
(dolo) podem ser espécies de um denominador comum? Diante disso, essa
doutrina encontrou total fracasso.
4. TEORIA PSICOLÓGICO-NORMATIVA DA CULPABILIDADE
 Quando a doutrina percebeu que dolo e culpa, sendo esta normativa e
aquele psicológico, não podiam ser espécies da culpabilidade, passou a
investigar entre eles um liame normativo. Frank, em 1907, com fundamen-
to no disposto no antigo art. 54 do CP alemão, que tratava do estado de
necessidade inculpável, analisando o fato da tábua de salvação, percebeu
que existem condutas dolosas não culpáveis. O sujeito que mata em estado
necessário age dolosamente. Sua conduta, porém, não é culpável, uma vez
que, diante da inexigibilidade de outro comportamento, não se torna repro-
vável. Então, não somente em casos de dolo, como também em fatos culposos,
o elemento caracterizador da culpabilidade é a reprovabilidade. Quando é
inexigível outra conduta, embora tenha o sujeito agido com dolo ou culpa,
o fato não é reprovável, i. e., não se torna culpável. Assim, a culpabilidade
não é só um liame psicológico entre o autor e o fato, ou entre o agente e o
resultado, mas sim um juízo de valoração a respeito de um fato doloso (psi-
cológico) ou culposo (normativo). Diante disso, dolo e culpa não podem
ser considerados espécies da culpabilidade, mas sim elementos. E a culpa-
bilidade é psicológico-normativa: contém o dolo como elemento psicológi-
co e a exigibilidade como fator normativo.
 Assim, de acordo com a teoria psicológico-normativa, são seus ele-
mentos:
 1 .o) imputabilidade;
 2.o) elemento psicológico-normativo - dolo ou culpa; e
 3.o) exigibilidade de conduta diversa.
 Embora essa doutrina constitua um avanço na teoria da culpabilidade
e seja aceita por inúmeros penalistas, peca por alguns defeitos encontrados
na doutrina psicológica. Assim, o dolo persiste como elemento da culpabi-
lidade. Ora, como vimos, o dolo é um fator psicológico que sofre um juízo
de valoração. Se é assim, o dolo não pode estar na culpabilidade. Deve
estar fora dela para sofrer a incidência do juízo de censurabilidade. É coe-
ficiente da culpabilidade, não seu elemento. Como diz Maurach, "se se diz
"a culpabilidade é uma censura", faz-se um juízo de valoração em relação
ao delinqüente. Em conseqüência, a culpabilidade deve ser um fenômeno
normativo". Ora, se a culpabilidade é um fenômeno normativo, seus ele-
mentos devem ser normativos. O dolo, porém, apresentado por essa teoria
como elemento da culpabilidade, não é normativo, mas psicológico. Se-
gundo um provérbio alemão, a culpabilidade não está na cabeça do réu,
mas na do juiz; o dolo, pelo contrário, está na cabeça do réu. Assim, o dolo
não pode manifestar um juízo de valoração; ele é objeto desse juízo.
5. TEORIA NORMATIVA PURA DA CULPABILIDADE.
ELEMENTOS DA CULPABILIDADE
 É também chamada extrema ou estrita. Relaciona-se com a teoria finalista
da ação. É a de nossa preferência.
 Retira o dolo da culpabilidade e o coloca no tipo penal. Exclui do dolo
a consciência da ilicitude e a coloca na culpabilidade. Em conseqüência, a
culpabilidade possui os seguintes elementos:
 1.o) imputabilidade;
 2.o) possibilidade de conhecimento do injusto (potencial consciência
da ilicitude); e
 3.o) exigibilidade de conduta diversa.
 São puros juízos de valor, excluídos de qualquer fator psicológico.
 Vejamos seu desenvolvimento.
 De acordo com a doutrina tradicional, culpabilidade é o liame subje-
tivo entre o autor e o resultado. Em face dos delitos culposos, esse conceito
causa enormes dificuldades. Enquanto na culpa consciente pode-se falar
em nexo subjetivo entre o sujeito e o resultado (imputatio juris), na culpa
inconsciente não existe essa ligação. A dificuldade também é encontrada
no dolo. Enquanto a culpa pode ser graduada, a relação psíquica entre o
autor e o resultado não pode ser objeto de valoração quantitativa, enten-
dendo-se que é inexato falar em intensidade do dolo. Então, podendo ser
valorada quantitativamente, a culpa tem um elemento normativo: a censura-
bilidade da conduta, a reprovabilidade do comportamento. E, como há ações
dolosas que não são reprováveis, como na legítima defesa real, pode-se
afirmar que há ações dolosas não culpáveis. Daí afirmar Welzel: "De ello
se puede sacar la conclusión de que ei dolo no es parte de la culpa (de la
reprochabilidad), sino ei objeto de la culpa".
 Quando o art. 121, caput, do nosso CP, descreve a conduta de "matar
alguém", está fazendo referência ao tipo doloso, uma vez que, sendo culposo,
se aplica o disposto no § 3.o Logo, a expressão "matar alguém" abrange o
dolo, prova que ele constitui elemento subjetivo do tipo. Nas descriminantes
putativas, embora tenha o sujeito agido dolosamente, não é culpável. Logo,
o dolo não faz parte da culpabilidade, sofrendo um juízo de valor, de apre-
ciação, no campo da culpabilidade. Então, resta para a culpabilidade o juízo
de valoração (elemento normativo). Assim, a culpabilidade é um juízo de
valor que incide sobre um tipo psicológico que existe ou falta. No tipo doloso,
a ação é censurável pela vontade de cometer o fato; no culposo, a conduta
é reprovável porque o sujeito não evitou o fato por meio de um comporta-
mento regido de maneira finalista (posição primitiva de Welzel).
 No juízo de culpabilidade a valoração é feita da seguinte forma: o
sujeito devia agir de acordo com a norma porque podia atuar de acordo
com ela. No juízo de ilicitude, a situação valorativa é a seguinte: o sujeito
agiu em desacordo com a norma, deixando aberta a questão: podia ter agi-
do de forma diferente?
 Como a vontade da conduta é um fator puramente psicológico, e como
essa vontade, de acordo com o finalismo, corresponde ao dolo, trata-se de
um dolo natural, despido de fator normativo, isto é, despido da consciência
da antijuridicidade.
 Tendo em vista que a consciência da antijuridicidade é excluída do
dolo, integrando a culpabilidade, e como esta constitui puro juízo de valor,
segue-se que o conhecimento do injusto deve ter a mesma natureza daque-
la. Cuida-se de potencial consciência da ilicitude, não real e atual. É sufi-
ciente que o sujeito tenha a possibilidade de conhecer a ilicitude da condu-
ta, não se exigindo que possua real conhecimento
profano do injusto.
 Diante disso, a culpabilidade não se reveste, como pretende a doutrina
tradicional, da característica psicológica. É um puro juízo de valor, pura-
mente normativa, não tendo nenhum elemento psicológico. É composta dos
seguintes elementos:
 1 .o) imputabilidade;
 2.o) exigibilidade de conduta diversa;
 3.o) potencial consciência da ilicitude.
 Esses elementos funcionam nos crimes dolosos e culposos.
 Não faltaram críticas à teoria de Welzel, principalmente quanto à se-
paração entre culpabilidade e ilicitude, dolo eventual e culpa em sentido
estrito. Quanto a esta, as críticas foram severas. Como ficou dito, Welzel,
em sua posição inicial, afirmava que o resultado nos delitos culposos deri-
vava da inobservância do mínimo de direção finalista capaz de impedir a
sua produção. Então, o fato imprudente era "evitável finalmente", o que
introduzia no conceito, precocemente, um momento valorativo, próprio da
culpabilidade e não do âmbito do tipo. Além disso, a finalidade do agente
no delito culposo é penalmente irrelevante (em regra). Aceitando as críti-
cas, principalmente de Kaufmann, Welzel modificou sua teoria. Atualmen-
te, no crime culposo, o nexo finalista é juridicamente irrelevante. Na ação
culposa o objetivo do agente é juridicamente irrelevante. "Desde el punto
de vista jurídico, relevante no es ei objetivo, sino la dirección, porque ésta
no es procedente ni cuidadosa". Esse pronunciamento, que constitui a úl-
tima palavra de Welzel sobre o assunto, exclui todas as críticas a respeito
da aplicação do finalismo aos delitos culposos.
 Para demonstrar o acerto da teoria finalista da ação na solução de várias
questões, Welzel socorre-se do seguinte caso. Na Alemanha Oriental o aborto
não é perseguido, motivo pelo qual grande parte da população crê tratar-se
de fato impunível. A agente, vindo da Alemanha Oriental, pratica uma ten-
tativa de aborto na Alemanha Ocidental. Processada, alega ter agido sem
consciência da antijuridicidade (erro de direito). Segundo informa Welzel,
de acordo com a Corte Suprema anterior, a solução é muito simples: o erro
de direito não aproveita, o que equivale à responsabilidade penal objetiva,
uma vez que a agente não praticou o fato com real e atual consciência da
ilicitude, exigida pela doutrina tradicional. Em face disso, continua, a juris-
prudência alemã abandonou há muito o princípio errorjuris nocet, embora
perdure insegurança no tratamento do erro. Para a teoria reinante, como o
dolo é elemento da culpabilidade e possui feição psicológica, a consciência
da ilicitude, elemento normativo do dolo, possui também natureza psicoló-
gica. Assim, sem real e atual conhecimento do injusto, inexiste dolo, sub-
sistindo uma conduta culposa. Como a mulher praticou uma tentativa de
aborto, subsistiria uma tentativa culposa de aborto, o que constitui absurdo.
A questão é resolvida pela teoria finalista da ação de maneira lógica. Como
o dolo pertence à ação e não exige real conhecimento da ilicitude, resta que
a mulher praticou um fato doloso de tentativa de aborto, sendo indiferente
para a existência da conduta dolosa a questão da consciência da ilicitude, a
ser examinada na culpabilidade. Como ela possuía meios de saber se o fato
era punível ou não, isto é, como tinha possibilidade de conhecer a ilicitude
da conduta, agiu culpavelmente. O erro era evitável. O erro evitável não
exclui o dolo e nem a culpabilidade, podendo atenuá-la. Agora, se se tratas-
se de erro inevitável, restaria íntegro o dolo, excluindo-se a culpabilidade.
Vê-se que o dolo não é elemento da culpabilidade, mas seu coeficiente,
sofrendo um juízo de valor no plano da reprovabilidade.
6. TEORIA LIMITADA DA CULPABILIDADE
 É uma modalidade da teoria anterior.
 Concorda com a teoria extrema no sentido de que o erro de proibição
não exclui o dolo, enquanto o erro de tipo exclui esse elemento subjetivo.
Concorda também com a circunstância de o erro de proibição excluir a
culpabilidade, de o dolo constituir elemento subjetivo do tipo, de a cons-
ciência da ilicitude pertencer à culpabilidade e de exigir-se mera possibili-
dade de conhecimento do injusto. Assim, a falta de consciência da
antijuridicidade não afasta o dolo. Difere a respeito da suposição de causa
excludente da ilicitude (as chamadas descriminantes putativas, como a le-
gítima defesa putativa). Para a teoria extrema da culpabilidade, mesmo nesses
casos subsiste o dolo, absolvendo-se o agente no caso de ser inevitável a
ignorância da ilicitude. A teoria limitada, porém, faz distinções entre a ig-
norância da ilicitude por erro que recai sobre a regra de proibição e a igno-
rância da ilicitude por erro incidente sobre a situação de fato. Se, por erro,
o sujeito supõe a existência de uma norma que, se existisse, tornaria legíti-
ma sua conduta, concordando com a extrema, a teoria limitada afirma exis-
tir dolo, permitindo a absolvição em caso de erro inevitável. Quando, po-
rém, em vez de incidir o erro sobre a regra de proibição, recair sobre a
situação de fato, supondo o sujeito estar agindo acobertado por causa excludente
da ilicitude, o dolo é eliminado, podendo responder por crime culposo. Então,
diante da ignorância da ilicitude por erro, há que distinguir: no erro que
recai sobre a norma de proibição subsiste o dolo, podendo ser excluída ou
atenuada a culpabilidade, se inevitável ou evitável; quando, entretanto, há
ignorância da ilicitude por erro que recai sobre a situação de fato, não sub-
siste o dolo, podendo responder o sujeito por crime culposo. O primeiro é
tratado como erro de proibição; o segundo, como erro de tipo.
 Essa teoria é criticada por Maurach. No caso da legítima defesa putativa,
se o erro do agente versa sobre a ilicitude da agressão, tratando-se de erro
de direito, não fica excluído o dolo; se, porém, o erro do sujeito incide
sobre a atualidade da agressão, tratando-se de erro sobre a situação de
fato, não subsiste o dolo. "É preciso confessar", conclui, "que semelhante
resultado é absurdo".
 É a teoria que predomina na jurisprudência alemã.
 É a teoria adotada pela reforma penal de 1984. As descriminantes
putativas, quando derivadas de erro sobre a situação de fato, são tratadas
como erro de tipo: o erro inevitável exclui o dolo e a culpa; o evitável,
apenas o dolo, subsistindo a culpa (art. 20, § 1 .o); quando surgem em face
de erro sobre a ilicitude do fato, cuida-se de erro de proibição: se inevitá-
vel, exclui a culpabilidade; se evitável, atenua a pena (art. 21, caput).
 Éramos partidários da teoria naturalística da conduta. Seduzidos pelo
estudo das teorias da culpabilidade no direito penal alemão, sucumbimos à
lógica da teoria finalista da ação, que passamos a adotar. Com a sua aplica-
ção, a solução dos mais árduos problemas é encontrada com lógica e justi-
ça, evitando presunções legais e, principalmente, a responsabilidade penal
objetiva, que não se harmoniza com o moderno direito penal da culpabilidade.
7. CARACTERÍSTICAS DO FINALISMO
 A teoria finalista da ação e as teorias normativas pura e limitada da
culpabilidade apresentam as seguintes características:
 1) conduta (ação) é o comportamento humano consciente dirigido a
determinada finalidade;
2) dolo é a vontade de concretizar os elementos objetivos do tipo;
 3) culpa é a inobservância do cuidado objetivo necessário, manifesta-
da numa conduta produtora de um resultado objetiva e subjetivamente pre-
visível (previsibilidade objetiva e subjetiva);
 4) dolo e culpa constituem elementos do tipo: o dolo é elemento sub-
jetivo do tipo; a culpa, elemento normativo do tipo;
 5) dolo e culpa, assim, são retirados da culpabilidade, passando a in-
tegrar o tipo e o fato típico, que se compõem de: conduta dolosa ou culposa,
resultado, nexo e tipicidade;
 6) ausente dolo ou culpa, o fato é atípico

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