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17. PUNIBILIDADE O CP, embora mantendo a teoria unitária, adotou, como já ficou con- signado, a teoria restritiva de autor, distinguindo nitidamente autor de partícipe. Além disso, mitigando o rigorismo da doutrina monística, reza, na parte final do caput do art. 29, que todos os participantes incidem nas penas comina- das ao crime, "na medida de sua culpabilidade". Esse princípio constitui novidade em nossa legislação, sendo conse- qüência da regra de que a graduação da pena é medida pela culpabilidade: o fato é comum; a culpabilidade, porém, é individual. No Anteprojeto do Código Penal de 1969, a disposição não era bem clara a respeito da indi- vidualização da censurabilidade: "A punibilidade de qualquer dos concor- rentes é independente da dos outros" (art. 33, § 1.o, 1.a parte). Analisando esse dispositivo, Heleno Cláudio Fragoso observou que "era indispensá- vel" "deixar bem claro o princípio básico de que cada partícipe será punido conforme sua culpabilidade, e sem consideração à culpabilidade dos de- mais", lembrando que essa regra tem origem na legislação penal alemã. Maurach ensina que "sempre que sejam vários os que tenham partici- pado do fato, cada um deve ser castigado de acordo com a sua culpabilida- de, sem atender à culpabilidade do outro". Além disso, nos termos do § 1.o do art. 29, "se a participação for de menor importância, a pena pode ser diminuída de um sexto a um terço". A redução da pena, presente a circunstância exigida, é obrigatória. A faculdade, indicada pela expressão "pode", diz respeito ao quantum da di- minuição. É uma circunstância que contrasta com a agravante do inciso I do art. 62. A expressão "participação" deve ser entendida em sentido am- plo, abrangendo as formas moral e material. Só tem aplicação quando a conduta do partícipe demonstra leve eficiência causal. É conseqüência do princípio segundo o qual a punibilidade dos participantes é determinada de acordo com sua culpabilidade, tomada no sentido de reprovabilidade so- cial. Nos termos da lição de Vannini, não pode ser favorecido pela circuns- tância quem se coloca em situação de merecer qualquer das agravantes anteriormente mencionadas, uma vez que o concorrente não pode ser, ao mesmo tempo, mais perigoso e menos perigoso. Entre nós, as agravantes do art. 62 são incompatíveis com a causa de diminuição da pena. Ninguém pode ter mínima participação no delito e, ao mesmo tempo, promover ou organizar a cooperação dos demais, coagir outrem à execução etc. Todavia, não nos parece que a razão da atenuante resida na mínima periculosidade do partÍcipe. A expressão "de somenos importância" refere-se à contribui- ção prestada por ele e não à sua capacidade de delinqüir. Assim, a redução de um sexto a um terço deve variar de acordo com a maior ou menor con- tribuição do partícipe na prática delituosa: quanto mais a conduta se apro- ximar do núcleo do tipo, maior deverá ser a pena; quando mais distante do núcleo, menor deverá ser a resposta penal. Manzini ensinava que a circunstância não pode ser aplicada quando concorrem as agravantes, ainda quando a participação tenha sido de mínima importância. Nestes casos, conclui, a circunstância agravante revela, sem pos- sibilidade de apreciações discricionárias, mais grave criminosidade do concorrente. 18. DA COOPERAÇÃO DOLOSAMENTE DISTINTA OU DESVIOS SUBJETIVOS ENTRE OS PARTICIPANTES Diz o § 2.o do art. 29 do CP que, "se algum dos concorrentes quis participar de crime menos grave, ser-lhe-á aplicada a pena deste; essa pena será aumentada até metade, na hipótese de ter sido previsível o resultado mais grave". Esse dispositivo cuida da hipótese de o autor principal cometer delito mais grave que o pretendido pelo partícipe. Ex.: A determina B a espancar C. B age com tal violência que produz a morte de C. Segundo a disposição, A responde por crime de lesão corporal (delito menos grave), cuja pena deverá ser aumentada até metade se a morte da vítima lhe era previsível. Como ensina Maurach, os desvios subjetivos entre os participantes são re- gidos fundamentalmente pela regra de que o instigador unicamente respon- de pela conduta realizada dentro do marco de seu dolo, de tal sorte que, ao menos em princípio, a sua pena não será agravada pelo excesso levado a cabo pelo sujeito instigado. A solução dada pela reforma penal de 1984 ao fato anteriormente mencionado não deixa de ser estranha. Tendo o mandante agido com dolo de lesão corporal e sendo-lhe previsível o resultado morte, deveria respon- der por lesão corporal seguida de morte e não por lesão corporal leve, com pena agravada de até a metade. A regra da disposição tem aplicação a todos os casos em que algum dos participantes quis realizar delito de menor gravidade. Assim, suponha- se que dois assaltantes combinem a prática de um roubo. Um deles perma- nece fora da residência da vítima. O outro nela penetra e comete um latro- cínio. Demonstrado que a morte da vítima não ingressou na esfera do dolo direto ou eventual do partícipe, este deverá responder por roubo qualifica- do, mas não por latrocínio. Se, entretanto, lhe era previsível a morte do sujeito passivo, sem ter agido com dolo direto ou eventual, a pena do roubo qualificado será aumentada até metade. Com isso, o novo texto proscreveu a antiga regra do parágrafo único do art. 48 do CP de 1940, que consagrava caso de responsabilidade objetiva. 19. PARTICIPAÇÃO IMPUNÍVEL O art. 31 do CP determina que "o ajuste, a determinação ou instigação e o auxílio, salvo disposição expressa em contrário, não são puníveis, se o crime não chega, pelo menos, a ser tentado". Assim, são impuníveis as for- mas de concurso quando o delito não chega à fase de execução. A ressalva da disposição diz respeito aos casos em que a determina- ção, o ajuste etc. são puníveis como delitos autônomos. Exs.: CP, arts. 286 e 288 (incitação a crime e quadrilha ou bando, respectivamente). O oferecimento para delinqüir não constitui infração penal. Assim, é impunível o fato de um pistoleiro oferecer-se a alguém para matar seu ini- migo. A reforma penal de 1984 extinguiu a medida de segurança ao autor da participação impunível. 20. PARTICIPAÇÃO DE PARTICIPAÇÃO E PARTICIPAÇÃO SUCESSIVA Ocorre participação de participação nos casos de induzimento de indu- zimento, instigação de instigação, mandado de mandado etc. Ex.: A induz B a induzir C a matar D. É punível desde que possua eficiência causal. Participação sucessiva ocorre quando, presente o induzimento (deter- minação) ou instigação do executor, sucede outra determinação ou instiga- ção. Ex.: A instiga B a matar C. Após essa participação, o agente D, desco- nhecendo a precedente participação de A, instiga B a matar C. Se a instiga- ção do sujeito D foi eficiente em face do nexo de causalidade, é considera- do partícipe do homicídio. Em caso contrário, se o agente B, por força da instigação de A, já estava firmemente decidido a cometer o homicídio, a instigação de D deve ser considerada inócua. 21. MOMENTO DA PARTICIPAÇÃO E EXCLUSÃO DA PARTICIPAÇÃO POSTERIOR AO DELITO A participação pode ocorrer em qualquer das fases do iter criminis: cogitação, preparação, execução e consumação. Considerada isoladamente a conduta do executor, pode acontecer inclusive antes da cogitação: caso da determinação ou induzimento. Uma das conseqüências de configurar a participação partindo da rela- ção de causalidade é a exclusão de qualquer conduta que não realize ou contribua para a produção do crime. Em face disso, o fato que constitui a participação deve ser cometido antes ou durante a realização do delito. Se posterior, não é participação no crime anterior, mas sim delito autônomo. Na vigência do CP de 1890, a contribuição causal posterior era consi- derada forma de participação no delito. Assim, o art. 21, § 3.o, punia como participação o fato de receber, ocultar, ou comprar coisas obtidas por meios criminosos, sabendo que o foram, ou devendo sabê-lo pela qualidade ou condição das pessoas de quem as houvesse. O CP de 1940 corrigiu o erro, punindo o fato como delito autônomo, denominado receptação (art. 180). O art. 21, § 4.o do CP de 1890 continha outra forma de participação posterior. Punia como partícipes os que dessem asilo ou prestassem sua casa para reunião de assassinos e roubadores, conhecendo-os como tais e o fim para que se reuniam. O estatuto penal de 1940, não adotando participação dessa espécie, não seguiu a orientação antiga, punindo o fato como delito autôno- mo, denominado favorecimento pessoal (art. 348), consistente em auxiliar autor de crime a subtrair-se à ação de autoridade pública. De observar-se que o auxílio posterior, prometido antes ou durante a realização do delito, constitui participação. 22. PARTICIPAÇÃO E ARREPENDIMENTO Pode ocorrer que, iniciado o iter criminis, um dos participantes se arrependa de contribuir na conduta delituosa, persistindo os outros. Segun- do Nélson Hungria, várias hipóteses podem acontecer: 1 .a) o arrependido é o autor principal, e não inicia a realização do crime projetado, ou é o partícipe, vindo este a impedir (por qualquer forma) que a execução tenha início: não existe fato punível; 2.a) o arrependido é o autor principal e, iniciada a execução, desiste da consumação ou impede que o evento se produza; ou é o partícipe, que con- segue impedir (por qualquer forma) seja alcançada a meta optata: em face do disposto no art. 15, não respondem por tentativa, ressalvados os atos anteriores à desistência voluntária ou arrependimento eficaz; 3.a) o arrependido é o partícipe, resultando inútil o seu esforço para evitar a execução ou consumação por parte do autor principal: o arrependi- do responde pelo fato cometido pelo autor principal. 23. AUTORIA INCERTA Dá-se a autoria incerta quando, na autoria colateral, não se apura a quem atribuir a produção do evento. Suponha-se que dois sujeitos, preten- dendo matar a vítima a tiros de revólver, postam-se de emboscada, ignorando cada um o comportamento do outro. Ambos atiram e a vítima vem a falecer em conseqüência dos ferimentos produzidos pelos projéteis de um dos revól- veres, não se apurando se de A ou de B. Qual a solução? Condenar ambos por homicídio consumado? Por tentativa de homicídio? Absolver ambos? A Exposição de Motivos do CP de 1940, em face da adoção do princí- pio unitário do concurso de agentes, afirma que o estatuto repressivo resolve a questão: "Para que se identifique o concurso, não é indispensável um "pré- vio acordo" das vontades: basta que haja em cada um dos concorrentes co- nhecimento de concorrer à ação de outrem. Fica, destarte, resolvida a vexata quaestio da chamada autoria incerta, quando não tenha ocorrido ajuste entre os concorrentes" (n. 22). Como se nota, o princípio soluciona o problema se um dos concorrentes aderir a sua conduta ao comportamento alheio. Então, diante do liame subjetivo de adesão, há co-autoria: ambos respondem pelo evento morte. Todavia, a questão inicialmente exposta é diferente: os sujeitos desconhecem as condutas paralelas e convergentes. O CP não resolve o problema. A primeira solução não é correta, pois, condenando os sujeitos por homicídio consumado, um deles, não obstante autor de mera tentativa, seria inocentemente punido pelo fato mais grave. Absolver ambos também não seria correto, uma vez que praticaram, pelo menos, uma tentativa de homicídio. Aqui está a única solução: puni-los como autores de tentativa de homicídio, abstraindo-se o resultado, cuja autoria não se apurou. Não deve ser confundida com autoria ignorada. Nesta, não se conse- gue apurar quem realizou a conduta. Na autoria incerta, a autoria é conhe- cida; a incerteza recai sobre quem, dentre os realizadores dos vários com- portamentos, produziu o resultado. 24. PARTICIPAÇÃO MEDIANTE OMISSÃO. CONIVÊNCIA Coopera-se por omissão com a mesma exigência devida nos delitos omissivos impróprios: é necessário que o comportamento negativo consti- tua infração de dever jurídico. Para que alguém seja partícipe mediante omissão basta que não tenha impedido a prática do crime, infringindo um dever jurídico. Se o omitente possui o dever jurídico de impedir o evento, violando a obrigação, concorre para a sua produção, tornando-se partícipe. Mas, para isso, é necessário que concorra o elemento subjetivo da partici- pação, que adira a sua conduta negativa ao comportamento do autor prin- cipal. Ex.: um soldado assiste inerte ao fato de a mãe matar o próprio filho mediante inanição, subjetivamente aderindo a sua conduta à da autora prin- cipal (participação mediante omissão na prática de um crime omissivo impróprio ou comissivo por omissão). Não se pode falar em participação por omissão quando não concorra o dever jurídico de impedir o crime. Suponha-se que alguém tome conhe- cimento de que uma quadrilha vai praticar um roubo e não denuncie o pla- no à autoridade competente. É partícipe por omissão no fato praticado? Não, pois não tinha o dever jurídico de impedir o seu cometimento. Assim, a participação mediante omissão ocorre quando existe a obri- gação de impedir o delito, que o omitente permite ou procede de forma que ele se realize. Existe nela um não fazer correlato a uma obrigação de fazer impeditiva do crime, obrigação esta ligada às formas das quais advém o dever jurídico de obstar a prática do fato. Condiciona-se a três requisitos: 1.o) nexo de causalidade objetivo entre a omissão do partícipe e o de- lito cometido pelo autor principal; 2.o) dever jurídico de o partícipe opor-se à prática do crime; 3.o) vínculo subjetivo. Em face das condições, é partícipe do roubo o policial que contempla a obra delituosa dos autores, mostrando que consente em sua prática; o guarda-noturno é partÍcipe do furto se, deliberadamente, deixa aberta a porta da fábrica que estava obrigado a fechar, para permitir a entrada de ladrões e vingar-se do patrão. Quando inexiste o dever de agir, fala-se em conivência ou participa- ção negativa. Conivência consiste em omitir voluntariamente o fato impeditivo da prática do crime, ou a informação à autoridade pública, ou retirar-se do local onde o delito está sendo cometido, ausente o dever jurídico de agir. A conivência pode produzir um destes efeitos: 1 .o) constitui infração per se stante (não constitui participação no cri- me do autor principal, mas infração autônoma); 2.o) não constitui participação no delito do autor principal nem infra- ção autônoma. Exemplo do primeiro efeito: suponha-se que um exímio nadador pre- sencie a mãe lançar seu filho de tenra idade numa piscina e, sem qualquer risco pessoal, permite que a criança venha a falecer por afogamento. Não há falar-se em participação por omissão no crime de homicídio, pois não tinha o dever jurídico específico de impedir o evento. Todavia, como infrin- giu um dever genérico de assistência, responde por crime de omissão de socorro (CP, art. 135). Exemplo do segundo efeito: o sujeito toma conhecimento de um furto a ser praticado pelo agente e não dá a notitia à autoridade policial, que poderia evitar a sua prática. Cometido o furto, o emitente não é partícipe nem responde por infração autônoma. Pode-se falar em conivência posterior à prática do crime, caso em que o sujeito, tomando conhecimento de um delito, não dá a notitia criminis à autoridade pública. Suponha-se que o sujeito tome conhecimento da prá- tica de um delito (de ação penal pública incondicionada) no exercício de função pública e deixe de comunicar o fato à autoridade competente. É partícipe do crime? Não, respondendo por infração autônoma, denominada "omissão de comunicação de crime" (LCP, art. 66, I). E se um particular toma conhecimento de um crime e não o relata à autoridade competente? Responde pela contravenção? Não. Qual a razão da diferença? Ocorre que o particular pode denunciar a prática de um crime de ação pública, mas não tem obrigação de fazê-lo. Aquele que exerce função pública, porém, to- mando conhecimento em seu exercício da prática de um crime de ação penal pública incondicionada, tem o dever de agir, isto é, tem o dever jurídico (imposto pela norma contravencional) de comunicá-lo à autoridade compe- tente. Os crimes omissivos puros admitem participação por omissão? Supo- nha-se que A e B, este médico, tomem conhecimento de doença cuja noti- ficação é compulsória e deixem de denunciar o fato à autoridade pública. Só o médico responde pelo delito descrito no art. 269 do CP A não é partícipe, pois a sua conduta foi omissiva e a ele não se dirige o dever de agir. Em caso contrário, se tivesse induzido ou instigado o médico a omitir-se, have- ria participação, não por omissão, mas por ação. 25. COMUNICABILIDADE E INCOMUNICABILIDADE DE CONDIÇÕES, ELEMENTARES E CIRCUNSTÂNCIAS Segundo dispõe o art. 30 do CP, não se comunicam as circunstâncias e as condições de caráter pessoal, salvo quando elementares do crime. Que são circunstâncias, condições e elementares do crime? Circunstâncias são dados acessórios (acidentais) que, agregados ao crime, têm função de aumentar ou diminuir a pena. Não interferem na qua- lidade do crime, mas sim afetam a sua gravidade (quantitas delicti). Não se consideram circunstâncias as causas de exclusão da antijuridicidade e da culpabilidade. Condições pessoais são as relações do sujeito com o mundo exterior e com outras pessoas ou coisas, como as de estado civil (casado), de parentes- co, de profissão ou emprego. Maggiore, falando em condições e qualidades pessoais, ensinava que são os estados, empregos, qualidades, dignidades, situações etc., em que se encontra uma pessoa, como o estado de filho ou de cônjuge, a qualidade de funcionário público, de defensor, de ministro de um culto etc.. A rigor, tais condições já funcionam como circunstâncias na Parte Geral ou Especial do CP, ou como elementares da figura típica, pelo que, segundo entendemos, torna-se supérflua a referência a elas. Elementares são os elementos típicos do crime, dados que integram a definição da infração penal. As circunstâncias podem ser: a) objetivas (materiais ou reais); b) subjetivas (ou pessoais). Circunstâncias objetivas são as que se relacionam com os meios e modos de realização do crime, tempo, ocasião, lugar, objeto material e qualidades de vítima. Alguns autores entendem que tecnicamente tais dados não são circunstâncias, mas critérios ou diretivas para a aplicação da pena pelo Juiz. Em nossa doutrina, po- rém, é tradicional a consideração desses dados como circunstâncias judiciais. Circunstâncias subjetivas (de caráter pessoal) são as que só dizem respeito com a pessoa do participante, sem qualquer relação com a materialidade do delito, como os motivos determinantes, suas condições ou qualidades pes- soais e relações com a vítima ou com outros concorrentes. Sob outro aspecto, as circunstâncias dividem-se em: 1 .a) judiciais, previstas no art. 59 do CP; 2.a) legais, que se subdividem em: A) gerais, comuns ou genéricas, que são: a) agravantes (circunstâncias qualificativas), previstas nos arts. 61 e 62; b) atenuantes, descritas no art. 65; c) causas de aumento e de diminuição da pena (p. ex.: a do art. 26, parágrafo único); B) especiais ou específicas (previstas na Parte Especial do CP), que podem ser: a) qualificadoras (ex.: arts. 121, § 2.o, e 155, § 4.o); b) causas de aumento ou de diminuição da pena, em quantidade fixa ou variável (ex.: arts. 220 e 226). Observando que a participação de cada concorrente adere à conduta e não à pessoa dos outros participantes, devemos estabelecer as seguintes regras: 1.a) não se comunicam as condições ou circunstâncias de caráter pes- soal (de natureza subjetiva); 2.a) a circunstância objetiva não pode ser considerada no fato do partícipe se não ingressou na esfera de seu conhecimento; 3.a) as elementares, sejam de caráter objetivo ou pessoal, comunicam- se entre os fatos cometidos pelos participantes, desde que tenham ingressa- do na esfera de seu conhecimento. Assim, quando um dado é simplesmente circunstância ou condição do crime, aplicam-se as duas primeiras regras; quando é elementar (elemento específico), aplica-se a última. Vejamos a aplicação das três regras: a) Incomunicabilidade das circunstâncias de caráter pessoal Em caso de co-autoria ou participação, os dados inerentes à pessoa de determinado concorrente não se estendem aos fatos cometidos pelos outros participantes. Exs.: 1.o) A (reincidente) induz B (primário) a cometer um delito. A agra- vante prevista no art. 61, I, do CP (recidiva) não se estende a B. 2.o) A, por motivo de relevante valor moral, comete um crime com o auxílio de B, que desconhece a circunstância. Ao agente B não se aplica a atenuante do art. 65, III, a. 3.o) A participa de um crime cometido por B, encontrando-se este nas condições descritas no art. 26, parágrafo único. A causa de diminuição de pena não se estende ao partícipe A. 4.o) A comete um crime de homicídio por motivo torpe, contando com o auxílio de B, insciente da torpeza. A responde por homicídio qualificado (art. 121, § 2.o, I); B, na ausência de outra qualificadora, responde por ho- micídio simples (art. 121, caput). Ao partícipe não se comunica a qualificadora de natureza pessoal. 5.o) A comete um crime de estupro (art. 213) contra a própria filha, induzido por B, que desconhece a relação de parentesco. Ao indutor não se aplica a causa de aumento de pena prevista no art. 226, II, 1.a figura, do CP (sem prejuízo da aplicação do disposto no inciso I do mesmo artigo). 6.o) A, por motivo de relevante valor social, pratica um crime de homi- cídio com a participação de B, que desconhece o motivo determinante. A causa de diminuição de pena, descrita no art. 121, § 1.o, não se aplica ao partícipe B. b) A circunstância objetiva não pode ser considerada no fato do partícipe se não entrou na esfera de seu conhecimento No primitivo CP de 1940, à luz do art. 26, era comum o entendimento de que era incondicional a comunicabilidade das circunstâncias de caráter objetivo. Assim, se A induzisse B a cometer um crime de dano, e o autor principal empregasse violência física, incidiria sobre a pena do partícipe a qualificadora do art. 163, parágrafo único, I, 1.a figura, embora o fato que a constitui não tenha passado pela sua previsibilidade. No caso, a circuns- tância qualificadora comunicava-se entre os fatos dos participantes em face de sua natureza real. A opinião dos autores brasileiros citados certamente se fundamentava no art. 118 do CP italiano: "as circunstâncias objetivas que agravam ou diminuem a pena, ainda que desconhecidas por todos os que concorrem no crime, são valoradas a seu favor ou desfavor". Ainda mais: o art. 59 do estatuto peninsular determina que "salvo quando a lei disponha de outro modo, as circunstâncias que agravam.., a pena são avaliadas.., a cargo do agente, ainda que dele não conhecidas...". Contra: Nélson Hungria, para quem "a incomunicabilidade das circunstâncias pessoais cessa quando estas entram na própria noção do crime. No homicídio qualifi- cado, p. ex., as qualificativas de caráter pessoal, ex capite executoris, se estendem aos partícipes". Isso é responsabilidade penal objetiva. Nélson Hungria: "Dispõe o art. 26 que "não se comunicam as circunstâncias de caráter pessoal, salvo quando elementares do crime". A contrario sensu, são sempre comunicáveis as circunstâncias reais (objetivas) e as mistas (subjetivo-objetivas), se- jam ou não conhecidas de todos os concorrentes". Em nota de rodapé, dizia: "Não há falar-se, aqui, em responsabilidade objetiva: quem se mete numa empresa criminosa, aceita-lhe, de antemão, os riscos". Interpretava o art. 26 do CP de 1940, de redação semelhante ao atual art. 30. A comunicabilidade incondicional das agravantes objetivas é pura responsabilidade penal objetiva, o que não se concebe no moderno Direito Penal. Analisando a disposição italiana, Bettiol dizia o seguinte: "Tratan- do-se de circunstâncias agravantes..., aplica-se a regra do art. 59, pela qual se deve respeitar sua efetiva e objetiva existência, independentemente do conhecimento que dela possa ter o autor ou partícipe. Elas se comunicam sempre, de modo a serem valoradas de modo objetivo... De sorte que se Tício instigou Caio a furtar objeto que considera de valor médio, responde- rá por furto agravado (art. 61, n. 9), quando o objeto furtado resulte de valor excepcional... Estamos indubitavelmente diante de uma hipótese de responsabilidade objetiva". No Brasil, diante dos efeitos de tal entendimento (responsabilidade penal sem culpa), os doutrinadores teceram críticas ao estatuto penal. Cos- ta e Silva, após dizer que as circunstâncias objetivas, conhecidas ou não, sempre se comunicam, afirmava: "Há aí uma responsabilidade sem culpa ou objetiva". No mesmo sentido se pronunciavam Magalhães Noronha e Basileu Garcia, socorrendo-se da causalidade psíquica para evitar a res- ponsabilidade objetiva. De observar-se que Roberto Lyra, já em 1938, propunha: "As circunstân- cias objetivas agravantes da penalidade de algum dos concorrentes.., se comunicam aos demais agentes que as conheceram no momento em que concorrem ao crime". Heleno Cláudio Fragoso, no relatório do grupo brasileiro da Associação Internacional de Direito Penal, apresentado ao IX Congresso Internacional de Direito Penal, realizado em Haia (1964), respondendo às indagações do relatório geral, após dizer que, "em nosso direito, a distinção entre circuns- tâncias de caráter pessoal (subjetivas) e circunstâncias objetivas" é essencial, propôs à atenção dos congressistas a seguinte questão: "No Direito Penal moderno não pode haver pena sem culpabilidade. A responsabilidade objeti- va que algumas leis prevêem, relativamente às circunstâncias agravantes, como faz, p. ex., o vigente CP italiano, é intolerável. É indispensável fixar como princípio básico fundamental o de que não pode ser considerada a circuns- tância agravante se não houve culpa em relação à mesma". Hoje, a regra do art. 30, que trata da comunicabilidade das elementa- res e circunstâncias, deve ser interpretada à luz do art. 29, caput, parte final, do CP, segundo o qual a pena deve ser medida de acordo com a cul- pabilidade de cada um dos participantes, levando-se em conta a presença do dolo e da culpa. É esse o princípio a ser seguido: as circunstâncias objetivas só alcan- çam o partícipe se, sem haver praticado o fato que as constitui, houverem integrado o dolo ou a culpa. Em se tratando de circunstância objetiva agra- vante, não pode ser considerada em relação ao partícipe se não houve pelo menos com culpa em relação à mesma; cuidando-se de qualificadora ou causa de aumento de pena (prevista na parte geral ou especial do CP), a agravação não alcança o partÍcipe senão quando (em relação a ela) tiver agido, pelo menos, culposamente. Exs.: 1 .o) A induz B a praticar um crime de lesão corporal contra C, sem determinar a forma de execução. B, de emboscada, lesiona a integridade física da vítima. Ao fato do partícipe A não incide a circunstância agravante (objetiva) prevista no art. 61, II, c, 2.a figura, do CP. 2.o) A instiga B a cometer constrangimento ilegal contra C. B, sem previsibilidade por parte de A, emprega arma de fogo na execução do deli- to. Ao partícipe A não incide a causa de aumento de pena prevista no art. 146, § 1.o, 2.a figura, do CP. 3.o) A aconselha B a praticar homicídio contra C. B, para a execução do crime, emprega asfixia. O partícipe não responde por homicídio qualificado (art. 121, § 2.o, III 4.a figura), a não ser que o meio de execução empregado pelo autor principal tenha ingressado na esfera de seu conhecimento. As circunstâncias atenuantes de natureza objetiva são aplicáveis aos participantes segundo a sua própria culpabilidade. c) As elementares, sejam de caráter objetivo ou pessoal, comunicam- se entre os fatos cometidos pelos participantes desde que tenham ingressado na esfera de seu conhecimento O princípio decorre do requisito da identidade de infração para todos os participantes. Qualquer elemento que integra o fato típico fundamental comunica-se a todos os concorrentes. Exs.: 1.o) A, funcionário público, comete um crime de peculato (art. 312), com a participação de B, não funcionário público. Os dois respondem por crime de peculato. A elementar de natureza pessoal (funcionário público) comunica-se ao partícipe. 2.o) A, solteiro, induz o sujeito B, casado, a praticar crime de bigamia (art. 235). Ambos respondem por bigamia, embora o indutor A não seja casado. A elementar de natureza subjetiva ("casado") estende-se ao fato do partícipe. É comum o entendimento segundo o qual as elementares sempre se comunicam entre os fatos dos participantes. De observar-se que enquanto em outros dispositivos o Código emprega a expressão "sempre" (exs.: arts. 61, caput, e 65, caput), no art. 30 a norma não diz que as elementares sem- pre se comunicam. Embora o art. 29, caput, determine a aplicação da mes- ma pena aos concorrentes, é princípio consagrado na parte final da dispo- sição que a sua quantidade varia de acordo com a culpabilidade de cada um. Além disso, a aplicação incondicional da regra da comunicabilidade das elementares pode levar, em alguns casos, a autêntica responsabilidade penal objetiva. Suponha-se que um estranho participe de um crime de peculato desconhecendo a qualidade pessoal de funcionário público do autor princi- pal. Puni-lo por peculato é injusto, sendo autêntica aplicação do princípio da punibilidade sem culpabilidade. Como diz Ricardo C. Nufiez, cada partícipe deve possuir o estado de ânimo exigido pelo tipo, já que esse estado toma parte do tipo realizado em comum. É necessário, como dizia Bettiol, para a admissibilidade da participação, que subsistam no caso concreto os requi- sitos da própria participação: objetivo e subjetivo. É preciso que o partícipe estranho tenha cooperado acessoriamente na produção do resultado ou te- nha de qualquer modo determinado o intraneus a cometer a conduta típica com consciência e vontade de consentir em crime próprio. É imprescindí- vel que o partícipe conheça a qualidade pessoal do autor. Bettiol assinalava o princípio segundo o qual, em caso de participação em crime próprio, a pessoa não qualificada, para poder ser punida a título de participação, deve ter tido conhecimento da qualidade pessoal inerente ao culpado. Seria, real- mente, excessivo debitar também de modo objetivo o crime ao partícipe ignaro da qualidade pessoal do autor. Assim, o partícipe só responde por peculato quando conhece a qualidade pessoal do autor: as elementares só se comunicam quando ingressam na esfera do dolo do partícipe (ou co- autor). Bettiol observava que essa regra "se deduz dos princípios gerais em matéria de participação, mas é confirmada por importantíssima disposição do Código de Navegação" (italiano), "a do art. 1.080, em virtude da qual, "fora do caso regulado pelo art. 117 do CP, quando para a existência de crime previsto pelo presente Código é exigida qualidade pessoal particular, os que, sem revestir essa qualidade, concorrem no crime, respondem por ele se tiveram conhecimento da qualidade pessoal inerente ao culpado". Esta norma não se destina a ter influência no campo restrito do Código de Navegação, pois, inserindo-se no sistema, desempenha eficácia de caráter geral". Esse princípio está hoje consagrado em nosso CP, ao determinar que a pena deve ser medida pela culpabilidade de cada um dos participantes do delito. 26. CONCURSO DE PESSOAS E INFANTICÍDIO a) Exposição do tema A legislação penal brasileira, através de seus estatutos repressivos, tem conceituado o crime de infanticídio de formas diversas. O Código Criminal de 1830, em seu art. 198, determinava: "Se a pró- pria mãe matar o filho recém-nascido para ocultar a sua desonra: Pena - prisão com trabalho por um a três anos". A sanção era bem mais branda que a imposta ao homicídio, forjando a seguinte contradição: o legislador considerava infanticídio o fato (homicídio) cometido por terceiros e sem o motivo de honra, impondo a pena de três a doze anos, enquanto o homicí- dio simples possuía sanctiojuris mais severa, atingindo até a pena de morte. O CP de 1890 definia o crime com a proposição seguinte: "Matar re- cém-nascido, isto é, infante, nos sete primeiros dias de seu nascimento, quer empregando meios diretos e ativos, quer recusando à vítima os cuida- dos necessários à manutenção da vida e a impedir sua morte" (art. 298, caput). O preceito secundário da norma incriminadora impunha a pena de prisão celular de seis a vinte e quatro anos. O parágrafo único cominava pena mais branda: "Se o crime for perpetrado pela mãe, para ocultar a de- sonra própria: Pena - de prisão celular por três a nove anos". Alcântara Machado estendia o privilégio a outras pessoas além da mãe da vítima: "Matar infante durante o parto ou logo depois deste para ocultar a desonra própria ou do ascendente, descendente, irmã ou mulher". O CP de 1940 adotou critério diverso, acatando o de natureza psicofisiológica da influência do estado puerperal. A conduta que se encerra no tipo legal do infanticídio vem contida no preceito primário do art. 123: "Matar, sob a influência do estado puerperal, o próprio filho, durante o parto ou logo após: Pena - detenção, de dois a seis anos". Pode ocorrer a hipótese de terceiro concorrer para a prática do crime. Surge a questão: ao partícipe do crime de infanticídio deve ser aplicada a pena cominada para esse delito ou a aplicável no caso de homicídio? Trata-se de crime próprio, uma vez que somente a mãe pode ser auto- ra da conduta criminosa em face do tipo, assim como só o nascente ou o neonato pode ser sujeito passivo. Essa qualificação doutrinária, porém, não afasta a possibilidade da participação delituosa. A norma de extensão do art. 29, caput, 1.a parte, reza: "Quem, de qualquer modo, concorre para o crime incide nas penas a este cominadas". Assim, quem concorre para a prática do infanticídio deve submeter-se à sanção imposta: detenção, de dois a seis anos. A solução não é tão fácil. Contra a orientação apresentada há abaliza- das opiniões. O fulcro da discussão encontra-se na questão da comunicabilidade do elemento referente à "influência do estado puerperal". Sobre o assunto já opinara Carrara, entendendo no sentido da comunicabilidade. Em 1943, na Conferência dos Desembargadores, a conclusão sobrevinda aos debates, tomada por maioria de votos, foi formulada em termos de comunicabilidade. Na doutrina brasileira, adotavam o ponto de vista da comunicabilidade: Roberto Lyra, Olavo Oliveira, Magalhães Noronha, José Frederico Mar- ques, Basileu Garcia, Euclides Custódio da Silveira e Bento de Faria. Ensinavam que o partícipe deve responder por crime de homicídio: Nélson Hungria, Heleno Cláudio Fragoso, Galdino Siqueira e Aníbal Bruno. Em face das normas penais reguladoras da matéria, o participante deve responder por infanticídio. É certo e incontestável que a influência do estado puerperal constitui elementar do crime de infanticídio. De acordo com o que dispõe o art. 30, "não se comunicam as circunstâncias e as condições de caráter pessoal, salvo quando elementares do crime". Assim, nos termos da disposição, a influência do estado puerperal (elementar) é comunicável entre os fatos dos participantes. Como dizia Basileu Garcia, "visto que a qualidade indi- vidual foi incorporada pelo legislador à própria figura delituosa e faz parte integrante da definição contida no art. 123, nada impede que um homem, que haja instigado ou auxiliado a puérpera a matar o próprio filho, venha a disputar o tratamento privilegiado". Parte da doutrina observa que o concorrente, para responder unica- mente por infanticídio, deve ter participação meramente acessória na con- duta do autor principal, induzindo, instigando ou auxiliando a parturiente a matar o próprio filho. "Se for ele o autor da morte" - ensinava José Frederico Marques - "i. e., a pessoa que executa a ação contida e definida no núcleo do tipo, então a sua conduta, matando ao nascente ou ao neonato, será en- quadrada no art. 121". Não é outra a lição de Euclides Custódio da Silveira: "É evidente que a participação há de ter caráter meramente acessório, caso contrário o partícipe terá praticado um homicídio". Embora aceitando essa orientação sob o aspecto prático, sob o da in- terpretação das normas que regem a matéria, entendemo-la errônea. Analisando a questão, afirmava Nélson Hungria que "a ressalva do" antigo "art. 26 não abrange as condições personalíssimas que informam os chamados delicta excepta. Importam elas em privilegium em favor da pessoa a que concernem. São conceitualmente inextensíveis e impedem, quando haja cooperação com o beneficiário, a unidade do título do crime. Assim, a "in- fluência do estado puerperal" no "infanticídio", embora elementar, não se co- munica aos cooperadores, que responderão pelo tipo comum do crime (i. e., sem o privilegium)". Cuidando de estudar o crime de infanticídio, asseverava Hungria que se trata de um delito "personalíssimo em que a condição "sob a influência do estado puerperal" é incomunicável. Não tem aplicação, aqui" - continua - "a norma do art. 26, sobre as circunstâncias de caráter pes- soal, quando elementares do crime... O partÍcipe (instigador, auxiliar ou co- executor material) do infanticídio responderá por homicídio". Nos termos da explanação de Hungria, estaria sendo criada uma tercei- ra espécie de circunstâncias: as personalíssimas, a par das de natureza obje- tiva e pessoal. Diante, porém, da letra do art. 30, só há duas espécies: as materiais e as de ordem subjetiva. A terceira espécie não é prevista em lei. E, como diz Luiz Vicente Cernicchiaro, a lição de Hungria não está livre de censura. E conclui: "Não é de repelir-se a co-delinqüência no infanticídio (homicídio privilegiado). Chegar-se-á, evidentemente, a absurdo biológico, visto não poder ser considerada sob a influência do estado puerperal senão a parturiente. A conclusão, contudo, decorre do ordenamento jurídico". b) Pronunciamento do IV Congresso Nacional de Direito Penal e Ciências Afins O IV Congresso Nacional de Direito Penal e Ciências Afins, realizado no Recife (2 a 8-8-1970), pronunciou-se a respeito da questão da participa- ção de terceiro no crime de infanticídio. A tese oficial Infanticídio e con- curso de agentes em face do novo Código Penal, que apresentamos, apro- vada por unanimidade, foi transformada em mensagem do próprio Con- gresso e enviada à Comissão de Reforma do CP de 1969. Nela, analisando os estatutos repressivos de 1940 e 1969, entendemos que o co-autor ou partícipe do fato responde por infanticídio. Sugerimos a conversão do infanticídio em causa de diminuição de pena do homicídio (homicídio pri- vilegiado), inovação que recebeu aplauso geral. Pugnando pela comunicabilidade da elementar subjetiva ao partici- pante, dissemos que serve de elemento de interpretação a descrição legal do crime de "exposição ou abandono de recém-nascido", que possui a ele- mentar de natureza pessoal "por motivo de honra". No CP de 1940 o fato é cometido para ocultar desonra própria (art. 134). José Frederico Marques, analisando a questão do concurso de agentes, afirma: "Essa elementar, embora personalíssima, comunica-se aos co-autores ou participantes do crime, em face do que dispõe o" antigo "art. 26 do CP". Euclides Custódio da Silveira expôs a mesma opinião: "O crime do art. 134, tal como o infanticídio, é privilegiado e autônomo, pois a circunstância subjetiva ou psicológica especialíssima da honoris causa incide na qualidade e não apenas na quan- tidade do delito. E, em se tratando de circunstância de caráter pessoal, ele- mentar do tipo, comunica-se aos co-partícipes (CP, art. 26)". Não cremos correto o raciocínio dos que dizem que o terceiro só res- ponderia por infanticídio se a lei, de maneira expressa, como fazem alguns códigos, a ele fizesse referência. Se essa orientação fosse correta, então responderia por furto o terceiro que induzisse o funcionário público a pra- ticar peculato-furto, uma vez que na descrição desse crime não se encontra referência à co-delinqüência. Ainda mais. Não admitiriam a figura da co- delinqüência os crimes que tivessem em sua descrição típica referência a elementos psicológicos. Mesmo na Argentina, em que o CP expressamente menciona a possibilidade de terceiros qualificados praticarem infanticídio, Soler admitia a participação de pessoas não qualificadas: "Devemos afir- mar que o infanticídio é um delito perfeitamente definido e autônomo, e que a existência do elemento subjetivo exigido pela lei num dos partícipes primários" (honoris causa) "é suficiente para determinar a aplicação da fi- gura privilegiada" aos outros. Quintano Ripolés, analisando a legislação es- panhola, expõe a mesma opinião: "La plena sustantividad autónoma del de- lito de infanticidio, incluso debiera llevar con consecuencia la posibilidad de coparticipaciones ordinarias a título de autoría, cumplicidad o encubrimiento". Observamos que o CP silencia quanto à possibilidade de o terceiro pra- ticar infanticídio causa honoris. A omissão significa que a lei entende deva o terceiro não responder por esse delito, mas sim por homicídio? Não cre- mos. Se assim fosse, em todos os crimes em que a descrição típica fizesse menção ao motivo do autor principal, silenciando o Código a respeito da participação de terceiro, responderia este por delito autônomo (se fosse caso) e não como partícipe do fato principal. Assim, o art. 208 descreve o fato delituoso do "ultraje por motivo de religião", em que se insere o motivo da prática. Qual a situação do partícipe que não comete o fato por aquele mo- tivo, uma vez que a disposição a ele não faz referência? Não obstante o silêncio da lei, responde pelo delito do autor principal. Suponha-se que o terceiro instigue funcionário público a praticar prevaricação (art. 319). A disposição não afirma que o terceiro responde por esse delito. A solução, porém, não pode ser outra: é partícipe do crime. Assim também no infanticídio: a omissão não pode significar impedimento ao concurso de agentes. A solução inversa quebra a unidade do crime que existe no concurso de agentes, pois a regra do art. 29, caput, 1.a parte, só pode ser derrogada mediante texto expresso. Não comungamos da opinião dos que afirmam que o terceiro só res- ponde por infanticídio se participar de maneira meramente acessória. Para nós, diante da lei, tanto faz que pratique o núcleo do tipo ou participe do fato induzindo ou instigando a autora principal. De outra forma, haveria soluções díspares. Suponha-se que terceiro não qualificado instigue um funcionário público a cometer peculato. Ambos respondem por esse crime, observando que a participação é meramente acessória. Suponha-se agora que o funcionário público pretenda cometer peculato-furto, subtraindo uma pesada máquina da repartição. Se o terceiro cooperar materialmente na prática do fato, ajudando o funcionário a carregar a resfurtiva, deixará de respon- der por peculato, subsistindo o furto? Não parece. E, no caso, não houve participação meramente acessória. Assim também no infanticídio, pode haver co-autoria ou participação. E não era outra a lição de Soler: "Entendemos resolver así no solamente el caso de la amiga que ayuda a la autora a come- ter el infanticidio, sino también el caso en cual la madre, no atreviéndose a ejecutar por sí sola el hecho, requiere la cooperación material de otro". Essa orientação não constitui novidade. Já a proclamava Carrara: se a criança foi morta pela mão da mulher e os outros não foram mais que seus auxi- liares, é claro que deverão "ser castigados como partícipes de um infanticídio e não de homicídio... Ao contrário, porém, se a mulher não foi mais que co- autora, seja porque instigou outro a executar a morte, seja porque cooperou para a produção da morte executada pelo outro, que se poderá dizer desses dois autores?" A seguir, pronunciava-se pela responsabilidade de ambos pelo delito de infanticídio. A opinião restritiva de José Frederico Marques não é satisfatória. Quando afirma a comunicabilidade, diz que a tese contrária quebra "a unidade de crime que existe na co-autoria"63. Ensinando, porém, que o terceiro só res- ponde por infanticídio quando a participação é "exclusivamente acessória", havendo homicídio "se executa a ação contida e definida no núcleo do tipo", cria uma solução que também se choca contra o princípio da "unidade de crime para todos os sujeitos" que rege a co-delinqüência, pois o Código ado- tou a teoria unitária do concurso de pessoas. E não se trata de exceção pluralística do princípio unitário, uma vez que depende de preceito expresso. Analisando o CP de 1940, Euclides Custódio da Silveira propôs a seguin- te questão: "A mãe, que participa da morte do filho recém-nascido pratica- da por outrem, responderá como co-autora de homicídio ou como infanticida?" Solução: "Inegavelmente, se ela se achava sob a influência do estado puerperal, psiquicamente perturbada, responderá por crime de infanticídio, tal como se fora a responsável principal e não apenas partícipe. O bom senso assim o exige, beneficiando-se ela da circunstância personalíssima". Sob o as- pecto do "bom senso", a lição é irrepreensível. Em face do prisma "legal", porém, não está isenta de censura. No caso, a mãe não pratica o núcleo do tipo contido no verbo "matar" da descrição legal. O seu ato de participa- ção, induzindo ou instigando o terceiro, por si mesmo é atípico. Torna-se típico por força da norma de extensão da Parte Geral. Em outros termos, o seu comportamento só se enquadra na figura típica porque acede a um com- portamento principal. E, na hipótese, conforme a solução dada (o terceiro não responde por infanticídio), o fato principal constitui homicídio. Ora, como é que uma conduta acessória, agregada a uma conduta principal que se denomina homicídio, transforma-se em infanticídio sem texto expresso a respeito? A solução legal, então, seria a mãe responder como partícipe do homicídio. Todavia, a solução fere o "bom senso". Na verdade, temos três hipóteses: 1.a) a mãe e o terceiro concretizam o núcleo do tipo "matar" (pressu- pondo o elemento subjetivo específico); 2.a) a mãe mata a criança contando com participação acessória do ter- ceiro; 3.o) o terceiro mata a criança com a participação meramente acessória da mãe. Nos três casos, o bom senso indica que o terceiro deve responder por homicídio (atenuado, se for o caso, como, p. ex., quando sua participação é de somenos importância) e a mãe, por infanticídio. Diante da lei, porém, a solução é no sentido de ambos responderem por infanticídio. Examinemos as três hipóteses à luz do pronunciamento do Congresso: 1.a) se ambos matam a criança, qual o fato: homicídio ou infanticídio? Co-autoria em qual dos delitos? Se tomarmos o homicídio como fato, have- rá a seguinte incongruência: se a mãe mata o filho sozinha, a pena é menor; se com o auxílio de terceiro, de maior gravidade. Por outro lado, fica destruída a intenção de a lei beneficiá-la quando pratica o fato honoris causa. Se tomarmos o infanticídio como fato, o terceiro também deve responder por esse crime, sob pena de quebra do princípio unitário que vige na co-autoria; 2.a) se a mãe mata a criança honoris causa, o fato principal é infanticídio, a que acede a conduta do terceiro, que também deve responder por esse delito. Solução só ocorreria se houvesse texto expresso a respeito; 3.a) se o terceiro mata a criança, contando com a participação acessó- ria da mãe, qual o fato principal a que acede a participação? Homicídio ou infanticídio? Não pode ser homicídio, pois, se assim fosse, haveria outra incongruência: se a mãe matasse a criança, responderia por delito menos grave (infanticídio); se induzisse ou instigasse o terceiro a matar o filho, responderia por crime mais grave (participação no homicídio). Observamos que a respeito dessa hipótese assim já se pronunciou Basileu Garcia: "Deverá.., a mãe que auxilia o homicídio praticado por terceiro responder por homicídio, embora esteja ela nas condições psíquicas previs- tas no art. 123?" (do CP de 1940). E respondia: "A solução afirmativa é a que decorre dos princípios aceitos pelo Código acerca do concurso de de- linqüentes. Trata-se de um homicídio, e as pessoas que colaboram num homicídio são homicidas, não infanticidas. É o que decorre no art. 25 do Código. Mas essa solução, que é teoricamente exata, leva a um absurdo na aplicação da pena: por uma contribuição criminal menos importante (auxi- liar a matar) a mãe seria punida mais severamente do que pela realização integral do crime. Como homicida, teria penas que vão de 6 a 30 anos de reclusão. Como infanticida, penas que vão de 2 a 6 anos de detenção. Por eqüidade, deve-se-lhe manter a classificação de autora de um infanticídio. Não seria, porém, justo, nessa hipótese, que essa classificação atingisse, também, o executor direto da morte, autêntico homicida". Como se vê, o critério lógico e prático encontra obstáculo na própria lei que, expressamente, não fornece solução que atenda ao bom senso. c) Nossa sugestão Na descrição legal do crime de homicídio (art. 121), logo após o tipo fundamental, o legislador inseriu a forma privilegiada: "Se o agente come- te o crime impelido por motivo de relevante valor social ou moral, ou sob o domínio de violenta emoção, logo em seguida a injusta provocação da vítima, o juiz pode reduzir a pena, de um sexto a um terço" (§ 1.o). Os dados contidos na figura típica privilegiada são circunstâncias le- gais especiais ou específicas de natureza subjetiva. Diante do disposto no art. 30, são incomunicáveis em caso de concurso de agentes, uma vez que não constituem elementares. Suponha-se que A e B cometam um homicídio, em que o primeiro tenha a seu favor o motivo de relevante valor moral, não estando presentes na con- duta do segundo as circunstâncias de caráter pessoal do delito privilegiado (ausente qualquer qualificadora). A responde por homicídio privilegiado, ao passo que B subsume o seu comportamento à norma do art. 121, caput. Seguindo a mesma linha de orientação, basta o legislador converter os elementos típicos especializantes do crime de infanticídio (art. 123) em circunstâncias legais específicas de uma forma privilegiada de homicídio, como ocorre no CP alemão (§ 217). Teríamos, então, no art. 121, dois pa- rágrafos descrevendo tipos privilegiados, tal como ocorre nas lesões cor- porais (art. 129, §§ 1.o e 2.o): o primeiro permaneceria como se encontra descrito; o segundo, contendo a descrição do infanticídio, teria a seguinte redação: "Se o crime é cometido pela mãe contra o próprio filho, para ocul- tar sua desonra, durante ou logo após o parto: Pena - detenção, de dois a seis anos". Desta maneira, a honoris causa e a relação de parentesco não mais seriam elementares do crime de infanticídio, mas circunstâncias legais es- pecíficas de natureza pessoal ou subjetiva do homicídio e, em caso de con- curso de agentes, incomunicáveis. Em conseqüência, a conduta da infanticida constituiria homicídio pri- vilegiado com a mesma pena prevista no art. 123, enquanto o terceiro res- ponderia por homicídio em qualquer de suas formas típicas, menos a do § 2.o. Como dizia Soler, a negação do benefício ao partícipe ou co-autor só teria fundamento se o infanticídio fosse caso de atenuação da pena do ho- micídio e não delito autônomo. Magalhães Noronha seguia a mesma orien- tação: "A não-comunicação ao co-réu só seria compreensível se o infanticídio fosse mero caso de atenuação do homicídio e não um tipo inteiramente à parte, completamente autônomo em nossa lei". Teríamos, então, soluções iguais às que se encontram no CP alemão, em que o infanticídio é um caso atenuado de homicídio. Analisando a ques- tão da co-delinqüência em face de seu § 217, Mezger ensina: "Autora só pode ser a mãe... Os partícipes são castigados" nos termos do crime de homicídio. "Ao contrário, o § 217 beneficia a mãe... que participa da morte de seu filho". A sugestão já fora lembrada por Alfredo Albuquerque, em 1943, na Conferência de Desembargadores, ao dizer que "o art. 123 devia estar como um parágrafo do art. 121" (Anais). José Frederico Marques, com muita propriedade, observava que, con- forme o caso, constitui absurdo impor a pena do homicídio ao terceiro, como, p. ex., quando é insignificante a sua participação no infanticídio. Pensamos que a sugestão da tese atenderia a questões de tal ordem. A honoris causa é, "inegavelmente, um motivo de relevante valor moral". Assim, conforme o fato concreto, quando o terceiro praticasse a conduta em razão daquele motivo, nada obstaria que se lhe aplicasse a pena do homicídio privilegiado descrito no art. 121, § 1.o. A pena da infanticida seria de deten- ção, de dois a seis anos; a dele, de reclusão, de seis a vinte anos, podendo ser reduzida de um sexto a um terço (mínimo: quatro anos de reclusão). E se o fato for praticado pelo próprio pai? Suponha-se que, para ocultar a desonra de ambos, o pai ilegítimo, durante ou logo após o parto, mate o próprio filho (ou induza a mãe ilegítima a matá-lo). Entendemos que não responderá por infanticídio (com a nova qualificação legal preconizada pela tese), sem prejuízo da aplicação do disposto no art. 121, § 1.o (homicídio privilegiado). Ocorre que o fato de a agente ser mãe da vítima constitui circunstância subjetiva do crime, e não elementar. Por força do disposto no art. 30 do CP, é incomunicável entre os fatos dos participantes. Note-se que o privilégio, conforme a redação sugerida, fala em mãe e não ascendente. E não poderia ser empregada a analogia in bonam partem, respondendo o pai por infanticídio (art. 121, § 2.o, conforme a sugestão)? Não. Para que seja permitido o recurso à analogia são necessários os seguintes requisitos: 1 .o) que o fato considerado (conduta praticada pelo pai ilegítimo) não tenha sido regulado pelo legislador; 2.o) este, entretanto, regulou situação (fato cometido pela mãe) que oferece relação de coincidência ou de identidade com o caso não previsto; 3.o) o ponto comum às duas situações (a regulada e a não prevista) constitui o fundamento determinante da implantação do princípio referente à situação considerada pelo legislador. No caso, para a aplicação da analogia favorável, falta o último requisito, pois o legislador previu a situação específica da mãe: de desespero, mercê da ruminação silenciosa e anavalhante de angústia e de vergonha, durante os longos e intermináveis nove meses de prenhez, da agente ilegitimamente fecunda- da, sem casamento ou com traição aos deveres conjugais, em marcha pro- gressiva dia a dia, para o repúdio da família e o vilipêndio da sociedade (Olavo Oliveira). Assim, o fundamento da implantação da lei que rege a situação considerada (fato praticado pela mãe) não é comum ao fato come- tido pelo pai. Em suma, em face dessas considerações, enquanto não for mudada a legislação penal a respeito do assunto, não vemos como possa o terceiro que participa do infanticídio responder por homicídio. IV - DA CULPABILIDADE COMO PRESSUPOSTO DA PENA Capítulo XXXIX A POSIÇÃO DA CULPABILIDADE EM FACE DA ESTRUTURA DO CRIME 1. O CP BRASILEIRO E OS REQUISITOS DO CRIME Quando o CP trata de causa excludente da antijuridicidade, emprega expressões como "não há crime" (art. 23, caput), "não se pune o aborto" (art. 128, caput), "não constituem injúria ou difamação punível" (art. 142, caput), "não constitui crime" (art. 150, § 3.o) etc. Quando, porém, cuida de causa excludente da culpabilidade, emprega expressões diferentes: "é isen- to de pena" (arts. 26, caput, e 28, § 1.o) "só é punível o autor da coação ou da ordem" (art. 22, pelo que se entende que "não é punível o autor do fato"). Qual a razão da diferença? Maggiore, lembrado por José Frederico Mar- ques, ensinava que desde que exista causa de exclusão da ilicitude não há crime, pois um fato não pode ser ao mesmo tempo lícito e antijurídico; quando, porém, incide uma causa de exclusão da culpabilidade o crime existe, embora não seja efetivo, não em si mesmo, mas em relação à pessoa do agente declarado não culpável. Assim, Maggiore admitia a existência de crime não punível. É que, segundo ele, para que exista crime a parte objecti, bastam dois requisitos: fato típico e antijuridicidade. A culpabilida- de liga o agente à punibilidade, i. e., a pena é ligada ao agente pelo juízo de culpabilidade. O crime existe por si mesmo, mas, para que o crime seja ligado ao agente, é necessária a culpabilidade. Observava José Frederico Marques que o CP brasileiro de 1940 aceitou a orientação de Maggiore. Para a existência do crime, segundo a lei penal brasileira, é suficiente que o sujeito haja praticado um fato típico e antijurídico. Objetivamente, para a existência do crime, é prescindível a culpabilidade. O crime existe por si mesmo com os requisitos "fato típico" e "ilicitude". Mas o crime só será ligado ao agente se este for culpável. É por isso que o CP, no art. 23, em- prega a expressão "não há crime" (as causas de exclusão da antijuridicidade excluem o crime); nos arts. 26, caput, e 28, § 1.o, emprega a expressão "é isento de pena" (corresponde a "não é culpável"). Se a expressão "é isento de pena" significa "não é culpável", subentende-se que o Código considera o crime mesmo quando não existe a culpabilidade em face do erro de proi- bição (art. 21, caput, 2.a parte). É como se o Código dissesse: "não é culpá- vel quem comete o crime". Assim, o "legislador penal separou, de forma bem patente, a ilicitude, aparte objecti, da culpabilidade, a antijuridicidade objetiva da relação subjetiva com o fato, i. e., do juízo de valor sobre a culpa em sentido lato". "Entende assim o Código pátrio que havendo fato típico e antijurídico, configurado se encontra o ilícito penal". E mais: a receptação pressupõe receber, adquirir ou ocultar coisa produto de crime (art. 180, caput). Suponha-se que o agente haja receptado coisa furtada por sujeito inimputável, nos termos do art. 26, caput. Ele responde por recep- tação (art. 180, § 2.o). Ora, o agente inimputável, nos termos do art. 26, caput, não é culpável: o fato típico e ilícito não apresenta a culpabilidade do agente. Então, a coisa não seria produto de crime se a culpabilidade fosse requisito ou elemento do delito. Mas o art. 180, § 2.o, diz que "a re- ceptação é punível, ainda que... isento de pena o autor do crime de que proveio a coisa". Assim, o pressuposto da receptação é um fato em que não se exige a culpabilidade do agente. Em suma: para o legislador brasileiro existe crime sem culpabilidade. É a nossa atual posição: a culpabilidade não é requisito do crime, que apresenta duas facetas: fato típico e ilicitude. Ela funciona como condição da resposta penal. 2. A CULPABILIDADE COMO PRESSUPOSTO DA PENA A culpabilidade é pressuposto da pena e não requisito ou elemento do crime. Como observa René Anel Dotti, instigador da alteração de nosso en- tendimento a respeito da matéria, em face de seu atual desenvolvimento, a culpabilidade deve ser tratada como um pressuposto da pena, merecendo, por isso, ser analisada dentro deste quadro e não mais em setor da teoria geral do delito. E arremata: "O crime como ação tipicamente antijurídica é causa da resposta penal como efeito. A sanção será imposta somente quando for possível e positivo o juízo de reprovação que é uma decisão sobre um comportamento passado, ou seja, um posterius destacado do fato antece- dente"4. Welzel, lembrado por Anel Dotti, termina seu estudo sobre a nova sistemática penal com um item com o título "A culpabilidade como pressu- posto da pena". Assim, a imposição da pena depende da culpabilidade do agente. Além disso, a culpabilidade limita a quantidade da pena: quanto mais culpável o sujeito, maior deverá ser a quantidade da sanção penal. 3. RESPONSABILIDADE PENAL OBJETIVA Dá-se o nome de responsabilidade penal objetiva à sujeição de al- guém à imposição de pena sem que tenha agido com dolo ou culpa ou sem que tenha ficado demonstrada sua culpabilidade, com fundamento no sim- ples nexo de causalidade material. É combatida pela doutrina moderna. Para seu estudo, remetemos o leitor aos seguintes pontos, em que apre- ciamos a questão de sua existência em nossa legislação penal: 1 .o) actio libera in causa na embriaguez (CP, art. 28, II); 2.o) rixa qualificada (CP, art. 137, parágrafo único). Na Lei de Imprensa, a adoção do sistema da responsabilidade suces- siva permite a punição até do jornaleiro, ainda que não tenha agido com dolo (Lei n. 5.250, de 9-2-1967, art. 37; o exemplo supra refere-se ao inc. IV). Hoje, com a introdução do princípio do estado de inocência em nossa Const. Federal, segundo o qual "ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória" (art. 5.o, LVII), essas disposições, na parte em que admitiam a responsabilidade penal objetiva, podem ser consideradas derrogadas, uma vez que ele é incompatível com a presunção de dolo ou culpa. Capítulo XL CONCEITO DE CULPABILIDADE 1. INTRODUÇÃO Vimos que o crime, sob o aspecto formal, apresenta dois requisitos genéricos: a) fato típico; e b) antijuridicidade. Praticado um fato típico, não se deve concluir que seu autor cometeu um delito, uma vez que eventualmente pode concorrer uma causa de exclu- são da antijuridicidade. É necessário que, além de típico, seja o fato antijurídico, i. e., que não ocorra qualquer causa de exclusão da ilicitude. Não é sufi- ciente, porém, que o fato seja típico e ilícito. Suponha-se que o agente co- meta um homicídio, não se encontrando acobertado por qualquer justifica- tiva. Basta acrescentar que o agente é portador de doença mental, que lhe tenha retirado a capacidade de compreensão do caráter ilícito do fato no momento de sua prática. Nos termos do que dispõe o art. 26, caput, do CP, ele é isento de pena. Faltou-lhe a culpabilidade, que é o pressuposto da imposição da pena. 2. TEORIAS DA CULPABILIDADE São três as teorias a respeito da culpabilidade: 1 .a) teoria psicológica; 2.a) teoria psicológico-normativa; e 3.a) teoria normativa pura. 3. TEORIA PSICOLÓGICA DA CULPABILIDADE De acordo com essa tradicional teoria, a culpabilidade reside na rela- ção psíquica do autor com seu fato; é a posição psicológica do sujeito dian- te do fato cometido. Compreende o estudo do dolo e da culpa, que são suas espécies. Seria, como dizia Soler, "ei nexo psíquico que media entre el mundo sensible del autor y ei resultado típico", tanto nos crimes dolosos quanto nos culposos. Em suma, a culpabilidade, esgotando-se em suas espécies dolo e culpa, consiste na relação psíquica entre o autor e o resultado, tendo por fundamento a teoria causal ou naturalística da ação. O dolo é caracte- rizado pela intenção (ou assunção do risco) de o agente produzir o resultado; a culpa, pela inexistência dessa intenção ou assunção do risco de produzi-lo. O erro dessa doutrina consiste em reunir como espécies fenômenos completamente diferentes: dolo e culpa. Se o dolo é caracterizado pelo querer e a culpa pelo não querer, conceitos positivo e negativo, não podem ser espécies de um denominador comum, qual seja, a culpabilidade. Não se pode dizer que entre ambos o ponto de identidade seja a relação psíquica entre o autor e o resultado, uma vez que na culpa não há esse liame, salvo a culpa consciente. A culpa é exclusivamente normativa, baseada no juízo que o magistrado faz a respeito da possibilidade de antevisão do resultado. Ora, como é que um conceito normativo (culpa) e um conceito psíquico (dolo) podem ser espécies de um denominador comum? Diante disso, essa doutrina encontrou total fracasso. 4. TEORIA PSICOLÓGICO-NORMATIVA DA CULPABILIDADE Quando a doutrina percebeu que dolo e culpa, sendo esta normativa e aquele psicológico, não podiam ser espécies da culpabilidade, passou a investigar entre eles um liame normativo. Frank, em 1907, com fundamen- to no disposto no antigo art. 54 do CP alemão, que tratava do estado de necessidade inculpável, analisando o fato da tábua de salvação, percebeu que existem condutas dolosas não culpáveis. O sujeito que mata em estado necessário age dolosamente. Sua conduta, porém, não é culpável, uma vez que, diante da inexigibilidade de outro comportamento, não se torna repro- vável. Então, não somente em casos de dolo, como também em fatos culposos, o elemento caracterizador da culpabilidade é a reprovabilidade. Quando é inexigível outra conduta, embora tenha o sujeito agido com dolo ou culpa, o fato não é reprovável, i. e., não se torna culpável. Assim, a culpabilidade não é só um liame psicológico entre o autor e o fato, ou entre o agente e o resultado, mas sim um juízo de valoração a respeito de um fato doloso (psi- cológico) ou culposo (normativo). Diante disso, dolo e culpa não podem ser considerados espécies da culpabilidade, mas sim elementos. E a culpa- bilidade é psicológico-normativa: contém o dolo como elemento psicológi- co e a exigibilidade como fator normativo. Assim, de acordo com a teoria psicológico-normativa, são seus ele- mentos: 1 .o) imputabilidade; 2.o) elemento psicológico-normativo - dolo ou culpa; e 3.o) exigibilidade de conduta diversa. Embora essa doutrina constitua um avanço na teoria da culpabilidade e seja aceita por inúmeros penalistas, peca por alguns defeitos encontrados na doutrina psicológica. Assim, o dolo persiste como elemento da culpabi- lidade. Ora, como vimos, o dolo é um fator psicológico que sofre um juízo de valoração. Se é assim, o dolo não pode estar na culpabilidade. Deve estar fora dela para sofrer a incidência do juízo de censurabilidade. É coe- ficiente da culpabilidade, não seu elemento. Como diz Maurach, "se se diz "a culpabilidade é uma censura", faz-se um juízo de valoração em relação ao delinqüente. Em conseqüência, a culpabilidade deve ser um fenômeno normativo". Ora, se a culpabilidade é um fenômeno normativo, seus ele- mentos devem ser normativos. O dolo, porém, apresentado por essa teoria como elemento da culpabilidade, não é normativo, mas psicológico. Se- gundo um provérbio alemão, a culpabilidade não está na cabeça do réu, mas na do juiz; o dolo, pelo contrário, está na cabeça do réu. Assim, o dolo não pode manifestar um juízo de valoração; ele é objeto desse juízo. 5. TEORIA NORMATIVA PURA DA CULPABILIDADE. ELEMENTOS DA CULPABILIDADE É também chamada extrema ou estrita. Relaciona-se com a teoria finalista da ação. É a de nossa preferência. Retira o dolo da culpabilidade e o coloca no tipo penal. Exclui do dolo a consciência da ilicitude e a coloca na culpabilidade. Em conseqüência, a culpabilidade possui os seguintes elementos: 1.o) imputabilidade; 2.o) possibilidade de conhecimento do injusto (potencial consciência da ilicitude); e 3.o) exigibilidade de conduta diversa. São puros juízos de valor, excluídos de qualquer fator psicológico. Vejamos seu desenvolvimento. De acordo com a doutrina tradicional, culpabilidade é o liame subje- tivo entre o autor e o resultado. Em face dos delitos culposos, esse conceito causa enormes dificuldades. Enquanto na culpa consciente pode-se falar em nexo subjetivo entre o sujeito e o resultado (imputatio juris), na culpa inconsciente não existe essa ligação. A dificuldade também é encontrada no dolo. Enquanto a culpa pode ser graduada, a relação psíquica entre o autor e o resultado não pode ser objeto de valoração quantitativa, enten- dendo-se que é inexato falar em intensidade do dolo. Então, podendo ser valorada quantitativamente, a culpa tem um elemento normativo: a censura- bilidade da conduta, a reprovabilidade do comportamento. E, como há ações dolosas que não são reprováveis, como na legítima defesa real, pode-se afirmar que há ações dolosas não culpáveis. Daí afirmar Welzel: "De ello se puede sacar la conclusión de que ei dolo no es parte de la culpa (de la reprochabilidad), sino ei objeto de la culpa". Quando o art. 121, caput, do nosso CP, descreve a conduta de "matar alguém", está fazendo referência ao tipo doloso, uma vez que, sendo culposo, se aplica o disposto no § 3.o Logo, a expressão "matar alguém" abrange o dolo, prova que ele constitui elemento subjetivo do tipo. Nas descriminantes putativas, embora tenha o sujeito agido dolosamente, não é culpável. Logo, o dolo não faz parte da culpabilidade, sofrendo um juízo de valor, de apre- ciação, no campo da culpabilidade. Então, resta para a culpabilidade o juízo de valoração (elemento normativo). Assim, a culpabilidade é um juízo de valor que incide sobre um tipo psicológico que existe ou falta. No tipo doloso, a ação é censurável pela vontade de cometer o fato; no culposo, a conduta é reprovável porque o sujeito não evitou o fato por meio de um comporta- mento regido de maneira finalista (posição primitiva de Welzel). No juízo de culpabilidade a valoração é feita da seguinte forma: o sujeito devia agir de acordo com a norma porque podia atuar de acordo com ela. No juízo de ilicitude, a situação valorativa é a seguinte: o sujeito agiu em desacordo com a norma, deixando aberta a questão: podia ter agi- do de forma diferente? Como a vontade da conduta é um fator puramente psicológico, e como essa vontade, de acordo com o finalismo, corresponde ao dolo, trata-se de um dolo natural, despido de fator normativo, isto é, despido da consciência da antijuridicidade. Tendo em vista que a consciência da antijuridicidade é excluída do dolo, integrando a culpabilidade, e como esta constitui puro juízo de valor, segue-se que o conhecimento do injusto deve ter a mesma natureza daque- la. Cuida-se de potencial consciência da ilicitude, não real e atual. É sufi- ciente que o sujeito tenha a possibilidade de conhecer a ilicitude da condu- ta, não se exigindo que possua real conhecimento profano do injusto. Diante disso, a culpabilidade não se reveste, como pretende a doutrina tradicional, da característica psicológica. É um puro juízo de valor, pura- mente normativa, não tendo nenhum elemento psicológico. É composta dos seguintes elementos: 1 .o) imputabilidade; 2.o) exigibilidade de conduta diversa; 3.o) potencial consciência da ilicitude. Esses elementos funcionam nos crimes dolosos e culposos. Não faltaram críticas à teoria de Welzel, principalmente quanto à se- paração entre culpabilidade e ilicitude, dolo eventual e culpa em sentido estrito. Quanto a esta, as críticas foram severas. Como ficou dito, Welzel, em sua posição inicial, afirmava que o resultado nos delitos culposos deri- vava da inobservância do mínimo de direção finalista capaz de impedir a sua produção. Então, o fato imprudente era "evitável finalmente", o que introduzia no conceito, precocemente, um momento valorativo, próprio da culpabilidade e não do âmbito do tipo. Além disso, a finalidade do agente no delito culposo é penalmente irrelevante (em regra). Aceitando as críti- cas, principalmente de Kaufmann, Welzel modificou sua teoria. Atualmen- te, no crime culposo, o nexo finalista é juridicamente irrelevante. Na ação culposa o objetivo do agente é juridicamente irrelevante. "Desde el punto de vista jurídico, relevante no es ei objetivo, sino la dirección, porque ésta no es procedente ni cuidadosa". Esse pronunciamento, que constitui a úl- tima palavra de Welzel sobre o assunto, exclui todas as críticas a respeito da aplicação do finalismo aos delitos culposos. Para demonstrar o acerto da teoria finalista da ação na solução de várias questões, Welzel socorre-se do seguinte caso. Na Alemanha Oriental o aborto não é perseguido, motivo pelo qual grande parte da população crê tratar-se de fato impunível. A agente, vindo da Alemanha Oriental, pratica uma ten- tativa de aborto na Alemanha Ocidental. Processada, alega ter agido sem consciência da antijuridicidade (erro de direito). Segundo informa Welzel, de acordo com a Corte Suprema anterior, a solução é muito simples: o erro de direito não aproveita, o que equivale à responsabilidade penal objetiva, uma vez que a agente não praticou o fato com real e atual consciência da ilicitude, exigida pela doutrina tradicional. Em face disso, continua, a juris- prudência alemã abandonou há muito o princípio errorjuris nocet, embora perdure insegurança no tratamento do erro. Para a teoria reinante, como o dolo é elemento da culpabilidade e possui feição psicológica, a consciência da ilicitude, elemento normativo do dolo, possui também natureza psicoló- gica. Assim, sem real e atual conhecimento do injusto, inexiste dolo, sub- sistindo uma conduta culposa. Como a mulher praticou uma tentativa de aborto, subsistiria uma tentativa culposa de aborto, o que constitui absurdo. A questão é resolvida pela teoria finalista da ação de maneira lógica. Como o dolo pertence à ação e não exige real conhecimento da ilicitude, resta que a mulher praticou um fato doloso de tentativa de aborto, sendo indiferente para a existência da conduta dolosa a questão da consciência da ilicitude, a ser examinada na culpabilidade. Como ela possuía meios de saber se o fato era punível ou não, isto é, como tinha possibilidade de conhecer a ilicitude da conduta, agiu culpavelmente. O erro era evitável. O erro evitável não exclui o dolo e nem a culpabilidade, podendo atenuá-la. Agora, se se tratas- se de erro inevitável, restaria íntegro o dolo, excluindo-se a culpabilidade. Vê-se que o dolo não é elemento da culpabilidade, mas seu coeficiente, sofrendo um juízo de valor no plano da reprovabilidade. 6. TEORIA LIMITADA DA CULPABILIDADE É uma modalidade da teoria anterior. Concorda com a teoria extrema no sentido de que o erro de proibição não exclui o dolo, enquanto o erro de tipo exclui esse elemento subjetivo. Concorda também com a circunstância de o erro de proibição excluir a culpabilidade, de o dolo constituir elemento subjetivo do tipo, de a cons- ciência da ilicitude pertencer à culpabilidade e de exigir-se mera possibili- dade de conhecimento do injusto. Assim, a falta de consciência da antijuridicidade não afasta o dolo. Difere a respeito da suposição de causa excludente da ilicitude (as chamadas descriminantes putativas, como a le- gítima defesa putativa). Para a teoria extrema da culpabilidade, mesmo nesses casos subsiste o dolo, absolvendo-se o agente no caso de ser inevitável a ignorância da ilicitude. A teoria limitada, porém, faz distinções entre a ig- norância da ilicitude por erro que recai sobre a regra de proibição e a igno- rância da ilicitude por erro incidente sobre a situação de fato. Se, por erro, o sujeito supõe a existência de uma norma que, se existisse, tornaria legíti- ma sua conduta, concordando com a extrema, a teoria limitada afirma exis- tir dolo, permitindo a absolvição em caso de erro inevitável. Quando, po- rém, em vez de incidir o erro sobre a regra de proibição, recair sobre a situação de fato, supondo o sujeito estar agindo acobertado por causa excludente da ilicitude, o dolo é eliminado, podendo responder por crime culposo. Então, diante da ignorância da ilicitude por erro, há que distinguir: no erro que recai sobre a norma de proibição subsiste o dolo, podendo ser excluída ou atenuada a culpabilidade, se inevitável ou evitável; quando, entretanto, há ignorância da ilicitude por erro que recai sobre a situação de fato, não sub- siste o dolo, podendo responder o sujeito por crime culposo. O primeiro é tratado como erro de proibição; o segundo, como erro de tipo. Essa teoria é criticada por Maurach. No caso da legítima defesa putativa, se o erro do agente versa sobre a ilicitude da agressão, tratando-se de erro de direito, não fica excluído o dolo; se, porém, o erro do sujeito incide sobre a atualidade da agressão, tratando-se de erro sobre a situação de fato, não subsiste o dolo. "É preciso confessar", conclui, "que semelhante resultado é absurdo". É a teoria que predomina na jurisprudência alemã. É a teoria adotada pela reforma penal de 1984. As descriminantes putativas, quando derivadas de erro sobre a situação de fato, são tratadas como erro de tipo: o erro inevitável exclui o dolo e a culpa; o evitável, apenas o dolo, subsistindo a culpa (art. 20, § 1 .o); quando surgem em face de erro sobre a ilicitude do fato, cuida-se de erro de proibição: se inevitá- vel, exclui a culpabilidade; se evitável, atenua a pena (art. 21, caput). Éramos partidários da teoria naturalística da conduta. Seduzidos pelo estudo das teorias da culpabilidade no direito penal alemão, sucumbimos à lógica da teoria finalista da ação, que passamos a adotar. Com a sua aplica- ção, a solução dos mais árduos problemas é encontrada com lógica e justi- ça, evitando presunções legais e, principalmente, a responsabilidade penal objetiva, que não se harmoniza com o moderno direito penal da culpabilidade. 7. CARACTERÍSTICAS DO FINALISMO A teoria finalista da ação e as teorias normativas pura e limitada da culpabilidade apresentam as seguintes características: 1) conduta (ação) é o comportamento humano consciente dirigido a determinada finalidade; 2) dolo é a vontade de concretizar os elementos objetivos do tipo; 3) culpa é a inobservância do cuidado objetivo necessário, manifesta- da numa conduta produtora de um resultado objetiva e subjetivamente pre- visível (previsibilidade objetiva e subjetiva); 4) dolo e culpa constituem elementos do tipo: o dolo é elemento sub- jetivo do tipo; a culpa, elemento normativo do tipo; 5) dolo e culpa, assim, são retirados da culpabilidade, passando a in- tegrar o tipo e o fato típico, que se compõem de: conduta dolosa ou culposa, resultado, nexo e tipicidade; 6) ausente dolo ou culpa, o fato é atípico
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