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Clínica Cirúrgica Politrauma 15ª edição Questões Comentadas sUMÁRIO 1 Politrauma 9 2 Atendimento inicial ao politraumatizado 13 3 Via aérea e ventilação 25 4 Trauma cervical 33 5 Trauma de tórax 39 6 Trauma abdominal 69 7 Trauma genitourinário 86 8 Trauma pélvico 100 9 Trauma cranioencefálico (TCE) 108 10 Trauma raquimedular (TRM) 120 11 Trauma musculoesquelético 129 12 Trauma pediátrico 135 13 Trauma em gestantes 145 14 Cirurgia para controle de danos 151 15 Síndrome compartimental abdominal (SCA) 158 16 Choque 163 17 Questões para treinamento – Politrauma 187 18 Gabarito comentato 227 267 Capítulo 1 Clínica cirúrgica | Politrauma SJT Residência Médica - 201510 Introdução O trauma pode ser descrito como o dano físi- co produzido pela transferência de energia cinética, térmica, química, elétrica ou por radiação. Também pode ser causado pela ausência de oxigênio ou ca- lor. O intervalo de tempo a partir da transferência de energia ou da suspensão de elementos fisiológicos essenciais é conhecido como exposição, a qual pode ser aguda ou crônica. O trauma é, atualmente, a principal causa de morte entre 1-44 anos de idade desde o início da década de 1980. Por ano, segundo dados dos Estados Unidos, cer- ca de 60 milhões de americanos (1 em cada 4) sofrem algum tipo de trauma, com: � 145.000 mortes; � 30 milhões requerem tratamento médico; � 3,6 milhões requerem hospitalização; � 9 milhões são ferimentos incapacitantes, dos quais 300.000 serão de incapacidade definitiva e 8.700.000 de incapacidade permanente; � custo: 100 bilhões de dólares – 40% do orçamen- to do país. A melhor maneira de evitar toda essa morbimor- talidade e gasto econômico relacionado está na pre- venção do trauma. Mortalidade por trauma A morte está diretamente relacionada com o tem- po e a gravidade da lesão. Podemos dizer que a morte no trauma é um fenômeno trimodal, isto é, ocorrem em três distintos momentos ou picos de morte. Primeiro pico de morte – óbito praticamen- te irreversível. Ocorre nos primeiros segundos a mi- nutos do trauma, como no TCE grave com laceração do cérebro, lesão de tronco cerebral, no trauma raquime- dular (TRM) alto, no afundamento maciço de tórax, nas lesões cardíacas e trauma de aorta e grandes vasos. Esses pacientes dificilmente chegam vivos ao hospital e morrem de imediato. Segundo pico de morte – óbito por perdas de sangue. Acontece em poucos minutos (geralmente após os três primeiros minutos) até várias horas após o trauma. É mais frequente o óbito na primeira hora, a chamada Golden Hour. As principais causas são insuficiência respirató- ria aguda por obstrução das vias aéreas, pneumotórax (principalmente o hipertensivo), hemopneumotórax ou contusões pulmonares; TRM com instabilidade cervical; choque hipovolêmico por hemorragia trau- mática interna ou externa, trauma pélvico; TCE com hematoma extra dural, subdural e cerebral. O objetivo do Advanced Trauma Life Support ATLS é centrado em prevenir o óbito no segundo pico das mortes por trauma. Terceiro pico de morte – óbito por infec- ção. Ocorre dias, semanas ou meses após o trau- ma. Resulta de complicações e intercorrências como síndrome da resposta inflamatória sistêmica (SIRS), broncopneumonias (BCP), infecções (prin- cipal causa de morte tardia ao trauma), disfunção de múltiplos órgãos e sistemas (DMOS) e doenças preexistentes agravadas pelo trauma (diabete, car- diopatias, nefropatias etc.). A vantagem do método do ATLS é que inicial- mente podemos tratar os traumatizados sem que te- nhamos o diagnóstico definitivo como pré-requisito. O caminho é estabelecer a padronização do politrau- matizado da mesma maneira: avaliação inicial para- lela e simultânea aos procedimentos de reanimação respiratória e cardiocirculatória. Reavaliação frequen- te, com reanimação das funções vitais e encaminha- mento para cirurgia ou para exames complementares específicos. A decisão de transferência para o hospital especializado deve ser feita até o final do fim do exame primário. Palavras chaves para as questões de re- sidência médica – reavaliar o paciente, tempo e sequência de atendimento padronizado. Distribuição Trimodal das Mortes por Trauma 1º Pico 2º Pico 1 Hora0 3 Horas 2 semanas Tempo M or te s 4 semanas 3º Pico Sepse DMOS Lacerações: Cérebro Aorta Medula Coração Epidural Subdural Hemopneumotórax Fraturas Pélvicas Fraturas de Ossos Longos Lesões Abdominais Figura 1.1 Distribuição trimodal das mortes por trauma. 1º pico: segundos a minutos do trauma. Nesse período os pacientes morrem por lacerações no cérebro, trauma raquimedular alto, trauma cardíaco, rotura da aorta, entre outras causas. 2º pico: minutos a horas do trau- ma. Este é o foco do ATLS. Causa morte: hematomas epi/extradurais, hemopneumotórax, trauma hepático, fratura de pelve e ferimentos associados com perda de sangue. 3º pico: ocorre tardiamente – dias, se- manas ou meses e se deve às intercorrências e complicações do trauma. 1 Politrauma 11 Figura 1.2 Vítima de trauma após colisão direta com trem. Trauma de tórax grave, com esmagamento e trauma de extremidades. Figura 1.3 Hematoma epidural à esquerda. Repare na convexidade para dentro do cérebro que desvia a linha média. O desvio na linha mé- dia é mais comum no hematoma subdural e raro no epidural (que tem bom prognóstico). Há sinais indiretos de hemorragia, meníngea que é o “aspecto em J”, na linha média, do sangue na foice do cerebelo. O hematoma epidural é caracterizado pelo intervalo lúcido de tempo: o paciente fala e morre. Na verdade, o paciente geralmente chega com Glasgow 15 e na evolução há rebaixamento súbito do nível de consciên- cia (Glasgow < 8) havendo necessidade de intubação. Índices de trauma Os índices de trauma são medidas quanti- tativas para avaliar a gravidade do trauma. Eles permitem que um serviço de emergência prepare ade- quadamente os recursos terapêuticos necessários an- tes da chegada de um paciente ao hospital. É possível avaliar as mudanças no estado do paciente durante um determinado período, prever diferentes desfechos e analisar prognósticos. Os escores de trauma permi- tem, ainda, avaliar e comparar a qualidade do atendi- mento em diferentes serviços. Índices anatômicos Escala abreviada de lesões (AIS) Em 1969 foi publicada a Escala Abreviada de Le- sões (AIS), sendo revisada em 1990. O AIS é um índice anatômico importante para cálculo de outros níveis frequentemente usados em publicações e compara- ções entre serviços como o ISS e o TRISS. É uma lis- ta que contém diversas lesões de todos os segmentos corporais, divididos pela gravidade. Os segmentos corporais são em número de seis: cabeça e pesco- ço, face, tórax, abdome, pelve, membros e lesões ex- ternas (Tabela 1.1). Cada lesão recebe um valor, com gravidade crescente, que varia de 1 (lesão mínima) a 6 (lesão possivelmente fatal). Vale lembrar que o AIS não prediz mortalidade. Sua importância está no fato de servir como base para outros índices prognósticos. Uma crítica do método seria a avaliação de pacientes com múltiplas lesões. Escala abreviada de lesões (AIS) 1. Menor 2. Moderado 3. Sério 4. Grave 5. Crítico 6. Mortal (não sobrevive) Tabela 1.1 Índice de gravidade da lesão (ISS) É utilizado para quantifi car a gravidade do trauma. O corpo humano é dividido em seis segmen- tos: cabeça e pescoço, face, tórax, abdome e pelve, ex- tremidades e ossos da pelve e superfície externa. Em cada um desses segmentos, a lesão recebe uma pon- tuação de 1 a 6, tendo como base os critérios do AIS, conforme descrito na Tabela 1.1. O ISS considera apenas a soma dos quadrados dos três maiores AIS que são os mais graves. O índice tem valor mí- nimo de zero e máximo de 75, e quanto maior o valor, maior a probabilidade de morbimortalidade e tempo de internação. Lesões maiores que 25 são consi- deradas traumas graves. Pacientes que apresentam lesão fatal correspondem a AIS 6 e, automaticamente, terãoum ISS de 75. Crítica a esse método são os pacientes que apre- sentam mais de uma lesão em um mesmo segmento corporal que serão desconsiderados no cálculo se não forem graves o sufi ciente. E qualquer erro no AIS au- menta muito o ISS. O ISS não é usado como triagem. Clínica cirúrgica | Politrauma SJT Residência Médica - 201512 Novo índice de gravidade da lesão (NISS) O NISS é obtido pela soma dos quadrados das três lesões mais graves do AIS, independentemente do seg- mento corporal acometido. Pacientes que apresentem lesões graves associadas ao mesmo segmento corporal, o que é relativamente frequente em traumas penetran- tes, podem ser considerados para calcular o NISS. Índices fisiológicos Escore de trauma revisado (RTS) O RTS é escore fisiológico com alta acurácia para predizer probabilidade de óbito. Variáveis do escore de trauma revisado (RTS) GCS PAS FR Valor 13-15 >89 10-29 4 9-12 76-89 > 29 3 6-8 50-75 6-9 2 4-5 1-49 1-5 1 3 0 0 0 0,9368 0,7326 0,2908 Constante Tabela 1.2 TS = 0,9368 GCS + 0,7326 SBP - 0,2908 RR Para o cálculo utilizam-se os valores iniciais da escala de coma de Glasgow (GCS), da pressão arterial sistólica (SBP) e da frequência respiratória (RR) que são convertidos em uma escala de gravidade de 0 a 4 como na Tabela 1.2. Após estudos de regressão logística, estratificou- -se a gravidade de cada parâmetro por meio de cons- tantes demonstradas acima na fórmula da tabela 1.2. Dessa maneira, o RTS varia de 0 a 8 (7,8408). O RTS é um prático índice fisiológico e deve ser calculado na admissão do paciente no hospital. Po- rém, ele não é um preditor de complicações, mas correlaciona-se com probabilidade de sobrevida. Um paciente com RTS < 4 deverá ser transferido a um centro de trauma. Probabilidade de sobrevida pelo RTS Pr ob ab ili da de d e s ob re vi da p elo R TS (% ) Revised Trauma Score (RTS) 1 0.9 0.8 0.7 0.6 0.5 0.4 0.3 0.2 0.1 0 0.027 0.071 0.172 0.361 0.605 0.807 0.919 0.969 0.988 Figura 1.4 Índices mistos TRISS É um índice que avalia a probabilidade de sobre- vida, utilizando-se do RTS e do ISS. Além do RTS e do ISS, consideram-se a idade do paciente (menor ou maior do que 54 anos) e o tipo de trauma (fechado ou penetrante). Esses valores são colocados em programa de computador e aplicados em uma tabela TRISSCAN, que determina através de regressão logística probabi- lidade de sobrevida. Atenção: vale lembrar quais são os índices ana- tômicos, fisiológicos e mistos e o seus significados ao invés de decorar fórmulas. É improvável que o exa- minador questione sobre a fórmula dos índices ainda mais que são calculados por programas de computa- dor, mas é interessante saber os componentes do RTS, por exemplo. ROTEIRO PROPEDÊUTICO BÁSICO eM GINECOLOGIA Capítulo 2 Capítulo 2 Introdução Se tempo é dinheiro, para os americanos tempo é sangue no ATLS. O tratamento de pacientes vítimas de trauma grave requer rápida avaliação de suas lesões e imediata instituição de medidas terapêuticas que possam garantir a sobrevivência desses pacientes. Uma vez que o tempo é fator essencial no resul- tado final do tratamento, é necessário fazer uma abor- dagem sistematizada, incluindo sequência hierar- quizada de prioridades. O processo é denominado avaliação inicial e in- clui diversas etapas como preparação pré-hospitalar, triagem, exame primário (ABCDE), exames adjuntos ao exame primário, reanimação, exame secundário e cuidados definitivos. O atendimento ocorre em dois cenários dis- tintos: atendimento pré-hospitalar e hospitalar. Existem diferenças entre países e continentes em relação ao sistema empregado. Na Europa, por exemplo, o SAMU (Serviço de Atendimento Móvel de Urgência) francês adota certas medidas de tratamento na fase pré-hospitalar que podem retardar um pouco a remoção até o hospital, já que existe a presença de médicos que podem fazer procedimentos no local. No sistema norte-americano, há a figura do paramédico, que foca em fazer reanimação básica e transporte rápi- do para o centro de trauma (scoop and run). A equipe de atendimento pré-hospitalar, ao chegar ao local, deve observar: � segurança do local e da equipe; � mecanismo de trauma/gravidade; � número de vítimas. No Brasil, a equipe observa, mediante exame sumário, se existem alguma situação crítica e lesão ameaçadora de vida a ser tratada no exame primário como necessidade de desobstrução de vias aéreas, oclusão de ferimentos aspirativos de tórax (que possam levar a pneumotórax hipertensivo) , des- compressão de pneumotórax hipertensivo, ven- tilação mecânica, contenção de grandes hemor- ragias e suspeita de tamponamento cardíaco. No atendimento pré-hospitalar, antes de qualquer ABCDE, verifique: a cena está segura? Pelo ATLS de 2008, as novas mudanças incluem a necessidade de drenar um pneumotórax traumático ainda que pequeno antes de se realizar a transferência. É fundamental, no atendimento ao trauma, o cuidado com a integridade da equipe que está prestan- do o atendimento. O controle da cena é fundamental, identificando situações de risco (exemplo: risco de explosão), evitando- -as, afastando curiosos etc. Nessa mesma linha, temos a questão da divisão do atendimento ao trauma em zonas: � zona quente: é o foco principal do trauma, onde estão as vítimas (exemplo: local exato onde foi encontrada a vítima, dentro do carro, presa em ferragens). � zona morna: é um raio ao redor da zona quen- te onde ficam o pessoal de apoio, a unidade de resgate estacionada, os materiais necessários ao atendimento organizados etc. � zona fria: raio ao redor da zona morna, onde se controla e restringe o acesso ao foco do trauma e são afastados os curiosos etc. No atendimento pré-hospitalar suspeita-se de traumatismo grave quando: � ocorreram quedas de mais de 6 metros; � colisões a mais de 32 km/h (20 mph); � houve ejeção da vítima para fora do veículo; � houve morte de um ou mais ocupantes do veículo; � ocorreram danos graves ao veículo (perda total); Atenção: procedimentos secundários, como exames contrastados, tomografia, lavado peritoneal diagnóstico (LPD), arteriografia e ressonância, não devem ser realizados no hospital que irá transferir o paciente, mas sim priorizar e não retardar a transfe- rência. A decisão desses exames deverá ficar a critério do médico assistente do hospital de destino. Na fase hospitalar é preciso ter planeja- mento. Os equipamentos devem estar testados (la- ringoscópios, tubos etc.) e disponíveis para serem usa- dos imediatamente. Além disso, para o atendimento do politraumatizado deve ser usada proteção contra doenças transmissíveis (hepatite, AIDS etc.), usando máscaras, protetor ocular, avental impermeável, luvas etc. O ATLS obriga sempre o cuidado com o con- trole da infecção. Triagem É a avaliação e screening (classificação) dos pa- cientes politraumatizados de acordo com a probabi- lidade de sobrevida, recursos e pessoal disponível e tratamento provável necessário. O atendimento prestado deve ser baseado nas prioridades, com ênfase nas lesões ameaçadoras à vida. A classificação dos doentes no local do acidente Clínica cirúrgica | Politrauma SJT Residência Médica - 201514 e a decisão do tipo de hospital para o qual deve ser transportado o doente são primordiais, principalmen- te tratando-se de catástrofes. Em situações de catástrofes, a triagem realizada pelas equipes deverá obedecer a dois aspectos: – O número de pacientes não excede a capacida- de dos cuidados disponíveis: pacientes com lesões gra- ves são cuidados primeiro. – O número de pacientes excede a capacidade de cuidados disponíveis: pacientes com maior chance de sobrevivência são tratados primeiro. Em princípio, devem ser encaminhados para um centro de trauma os traumatizados que apre- sentarem alguma das características apresentadas na Figura 2.1. Medida dos sinais vitais e nível de consciência Escala de coma de Glasgow Pressão sistólica Frequência respiratóriaEscore de trauma revisado (RTS) Encaminhar ao centro de trauma; alertar a equipe de trauma. As etapas 1 e 2 da triagem buscam identificar os pacientes mais gravemente lesionado no local. Em um sistema de trauma, esses pacientes deveriam ser transportados, de preferência, para o mais alto nível de assistência no sistema. Encaminhar ao centro de trauma; alertar o centro de trauma. As etapas 1 e 2 da triagem buscam identificar os pacientes mais gravemente lesionados no local. Em um sistema de trauma, esses pacientes deveriam ser preferencialmente transportados para o mais alto nível de assistência no sistema. Avaliar a evidencia do mecanismo da lesão e do impacto de alta energia • Todas as lesões penetrantes da cabeça, pescoço, tronco e extremidades proximais ao cotovelo e joelho • Tórax flácido • Combinação de trauma com queimaduras • Duas ou mais fraturas de osso longo proximal • Fraturas pélvicas • Fraturas abertas e afundamentos do crânio • Paralisia • Amputação próxima ao punho e ao tornozelo • Queimaduras grandes • Lesão automóvel-pedestre/automóvel-bicicleta com grande impacto (> 8 km/h) • Atropelamento de pedestre • Colisão de motocicleta > 35km/h ou com lançamento do motorista • Projeção do automóvel • Morte no mesmo compartimento do passageiro • Tempo de liberação > 20 minutos • Idade < 5 ou > 55 • Doença cardíaca, doença respiratória • Diabetes dependente de insulina, cirrose ou obesidade mórbida • Gravidez • Pacientes imunossuprimidos • Pacientes com distúrbios sanguíneos ou pacientes usando anticoagulantes Contatar a supervisão clínica e considerar transporte para o centro de trauma Alertar equipe de trauma EM DÚVIDA, ENCAMINHAR A UM CENTRO DE TRAUMA Reavaliar com supervisão clínica Contatar a supervisão clínica e considerar transporte até o centro de trauma Alertar equipe de trauma • Queda > 20 metros • Rolagem • Colisão do automóvel em grande velocidade Velocidade inicial > 70 km/h Grande estrago do automóvel > 50 metros Entrada no compartimento do passageiro > 30 metros Avaliar a anatomia da lesão < 14 ou2 < 90 ou < 10 ou > 29 < 11 Primeira etapa1 Segunda etapa2 Terceira etapa3 Quarta etapa4 .............................................................................. .................................................................................................... ....................................................................................... ...................................................................... Sim Sim Sim Sim Não Não Não Não Figura 2.1 algoritmo de triagem no campo do American College of Surgeons. Adaptado de SABISTON, 18ª ed. 2009. 2 Atendimento inicial ao politraumatizado 15 Avaliação e exames primário Os pacientes serão avaliados conforme priori- dades de tratamento. Para os gravemente lesionados, é estabelecida uma sequência lógica no tratamento, obedecendo-se às prioridades baseadas na avaliação geral do doente. Um paciente com problemas na via aérea morre mais facilmente do que aquele com pro- blemas respiratórios que, por sua vez, tem mais chan- ces de morrer do que um que tem hemorragia. Sempre obedeça à sequência do ABCDE (*)! O tratamento começa paralelamente ao exame primário rápido e consiste na reanimação das funções vitais comprometidas, pois o tempo é fator fundamen- tal no resultado final, em que as decisões terapêuticas exigem rapidez e precisão. (*) O ABCDE dos cuidados com o politraumati- zado é a sistematização do atendimento que objetiva identificar as condições que implicam risco de morte na sequência: A (Airway & Cervical Spine Control) – vias aéreas pérvias e proteção da coluna cervical. B (Breathing) – Respiração e ventilação. C (Circulation) – Circulação e controle da hemor- ragia. D (Disability) – Diagnóstico com exame neuroló- gico sumário: GLASGOW e pupilas. E (Exposure) – Exposição do doente (dedos em tubos em todos orifícios a ser realizado no exame se- cundário), com controle contra a hipotermia. Durante o exame primário, todas as condições que implicam risco à vida deverão ser diagnosticadas e, simultaneamente, o tratamento deverá ser instituí- do imediatamente. Essa sequência foi descrita para ser usada em ambiente hospitalar, no qual estiver disponível um médico com um auxiliar. É claro que, na prática, ela é desenvolvida quase que simultaneamente por pessoal treinado. No ATLS novo, é muito nítida a importância da realização do atendimento por uma equipe e não ape- nas por um único médico. Assim, em várias ocasiões, fica claro que, no momento que um examinador está fazendo o A, ele já consegue (quando muito experien- te) avaliar a escala de coma de Glasgow. Se a avaliação for retardar o atendimento (por exemplo – um único médico socorrista), deve-se prontamente proceder à sequência acima colocada. Deve-se sempre priorizar sequência, principalmente se o atendimento estiver sendo praticado por pessoas inexperientes. No trauma pediátrico e na gestante, as prioridades são as mesmas do adulto. Entretanto, peculiaridades fisiológicas e anatômicas inerentes à gravidez modificam a resposta ao trauma. A gestante tem aumento de 30-40% da volemia progressiva até pico na 34ª semana, em preparação para a perda sanguínea pelo parto vaginal ou cesárea. Assim, devido à hipervolemia fisiológica da grá- vida, o feto já pode estar em sofrimento fetal an- tes que a mãe apresente sinais de taquicardia, hipotensão ou oligúria. Isso resulta da redução abrupta de volume circulante da mãe ocasiona aumen- to da resistência vascular uterina, reduzindo a oxige- nação fetal. O foco então para salvar o feto é voltar todo o cuidado para a fase de ressuscitação da mãe. O diagnóstico de gestação é outro fator extre- mamente importante tanto para a sobrevida da mãe quanto para a do feto. Toda mulher em idade fértil deve ser considerada grávida até que se prove o contrário e possui prioridade absoluta. O idoso também merece cuidados especiais na reanimação. O processo de envelhecimento é frequen- temente acompanhado de doenças crônicas, com re- dução significativa das reservas fisiológicas, compro- metendo a resposta metabólica ao trauma. Isso sem considerar as inúmeras medicações que o idoso faz para múltiplas comorbidades. Vale lembrar que o ATLS coloca que o idoso do sexo masculino tem maior mortalidade. Por outro lado, o contrário é vis- to em jovens e atletas, que são capazes de compensar a agressão fisiopatológica com facilidade. Assim, se houver um idoso e um atleta hipotensos, ou seja, com o C comprometido, deve ser atendido primei- ro o jovem, que tem reserva funcional e, portanto, se esse descompensou, teve um volume de sangra- mento excessivo. Já um idoso sangra pouco e evo- lui para instabilidade hemodinâmica rápida. A – Manutenção da via aérea e proteção da coluna cervical Tarefas do A – Imobilização da coluna cervical e falar com o paciente; – Colar cervical; – Permeabilização da via aérea (Jaw Thrust ou Chin Lift, manobras para reverter obstrução por corpo estranho ou queda de língua); – Aspiração da via aérea (aspirador rígido); Na avaliação primária, a via aérea e a coluna cervi- cal são prioridades absolutas. A primeira ação que deve ser feita é a avaliação da via aérea, daí a importância de se falar com o paciente. Detalhe: sempre proteja a Clínica cirúrgica | Politrauma SJT Residência Médica - 201516 coluna cervical antes de falar com o paciente. Se o paciente consegue responder verbalmente à abordagem inicial, signifi ca que a via aérea está patente (pérvia); doente consciente signifi ca boa oxigenação cerebral. Há de se fazer a imobilização do pescoço do do- ente com as mãos e então fale com ele: Você está bem? Se ele responder, ótimo! Por hora, duas questões fo- ram resolvidas: o paciente está consciente e as vias aé- reas (VA) estão pérvias. Instale o colar cervical. Considere a existência de uma lesão de coluna cervical em todo doente com traumatismo multissistêmico, especial- mente nos doentes queapresentam nível de consciência al- terado ou traumatismo fechado acima da clavícula. Quando se tratar de uma vítima de acidente de motocicleta, cuidado na remoção do capacete. Empregue a manobra-padrão de retirada do capacete, sem movimentar o pescoço. Não realize hiperex- tensão, nem fl exione a coluna cervical. A B C D Figura 2.2 note a retirada do capacete que deverá ser retirado em ma- nobra com duas pessoas. Um socorrista imobiliza a coluna cervical ali- nhando manualmente a cabeça e o pescoço (A), a segunda pessoa abre o capacete lateralmente, liberando os tirantes do capacete e retira o mesmo, cuidando para não ferir nem o nariz, nem o occipital (B) e (C). Note que uma pessoa deve fi car sempre com o controle da cervical, e no fi nal segura a cabeça do paciente (D) para a colocação do colar cervical. Manobras para assegurar a permeabilidade das vias aéreas: � Inspeção e remoção de corpos estranhos/pró- teses: abrir a cavidade oral, olhar no interior, remover próteses ou corpos estranhos, aspirar secreções e hemorragias com aspirador rígido. � Jaw-Th rust: anteriorização da mandíbula através da elevação do ângulo da mandíbula. � Chin-lift : elevação do mento. Manobras para remover corpos estranhos: � Manobra de Heimlich (Figura 2.7). Figura 2.3 aspiração de secreções e remoção de corpos estranhos da boca com aspirador rígido. Figura 2.4 Manobra de chin-lift: elevação do mento impedindo que a língua oclua a retrofaringe. Figuras 2.5 manobra de chin-lift no modelo de cabeça da via aérea: note que após a elevação do mento o ar fl ui com facilidade sem obstru- ção na retrofaringe. Figura 2.6 Manobra de Jaw-Th rust: elevação da mandíbula e tra- ção do mento a ser usada no trauma quando a manobra head-tilt-chin- -lift (hiperextensão da cabeça) está contra-indicada. 2 Atendimento inicial ao politraumatizado 17 Tosse + manobra de Heimlich (consciente) A B C Compressões abdominais Compressões torácicas (5 cm) Esterno Figura 2.7 manobra de Heimlich para remoção de corpo estra- nho. A: manobra de Heimlich em ortostase com paciente consciente; B: compressões abdominais no epigástrico; C: compressões torácicas semelhantes às usadas na reanimação cerebrocardiorrespiratória. Corpo estranho Pela última atualização do Circulation 2010, na suspeita de corpo estranho, deve-se estimular a tosse, realizar a manobra de Heimlich e ligar para serviço de emergência (193) quando o paciente cair inconsciente. Após a sequência, iniciam-se compres- sões torácicas, abdominais e ventilações na tentativa de desobstruir a via aérea. O finger sweep (“dedo em gancho”) não está mais indicado e pode ser preju- dicial (classe III). E o tapa nas costas não está mais contraindicado por relatos de que essa manobra foi efetiva em desobstruir previamente a via aérea. As compressões abdominais em crianças < 1 ano estão contraindicadas, preferindo-se as compressões to- rácicas e o tapa nas costas (back bows); no paciente obeso, a preferência é por compressões torácicas pela maior efetividade. Uma vez que o A (via aérea) esteja garantido com controle de coluna cervical, procede-se para o B (respi- ração). Se as manobras de permeabilização da vias aérea não foram efetivas, deve-se imediatamente garantir via aérea definitiva principalmente no paciente com re- baixamento do nível de consciência (Glasgow < 8). No doente que está falando, sem sinais de rouquidão ou dispneia, é improvável que haja obstrução de vias aére- as. Entretanto, o segredo do ATLS é a reavaliação constante do paciente que é fundamental. Via aérea definitiva: tubo na traqueia com balão insuflado e ventilando adequadamente. A via aérea da criança, por outro lado, exige co- nhecimento adequado das peculiaridades da traqueia infantil, que é mais curta e angulada em relação a do adulto quando a entubação nasotraqueal fica contra indicada em < 12 anos de idade. Figura 2.8 cânulas de Guedel. Figura 2.9 escolha do tamanho da cânula de Guedel consiste em: aproximar o bocal da cânula na rima bucal, verificar se a ponta da mes- ma atinge o ângulo da mandíbula e não ultrapassa o lóbulo da orelha. Exame neurológico isolado não exclui lesão de coluna cervical. Qualquer manobra no paciente com rebaixamen- to do nível de consciência deve ser feita com proteção da coluna cervical. Tal cuidado pode ser feito não só com colar cer- vical, mas na imobilização do doente com 2 soros de 1.000 mL, um de cada lado da cabeça, junto à maca do doente, fazendo a fixação com esparadrapo entre a maca, o doente e os soros fisiológicos. Assim, visa-se minimizar a movimentação antero-posterior da cabe- ça, bem como a latero-lateral da coluna cervical. Deve-se considerar a cinemática e o mecanismo do trauma para suspeição diagnóstica de lesões asso- ciadas. O uso de cinto de segurança pode relacio- nar-se diretamente com lesões de vísceras ocas retroperitoneis (trauma duodenal e explosão de ceco) e fraturas de Chance na coluna lombar, além de trauma a órgãos retroperitoneais como pâncreas, rim e ureter. O uso de air bags relaciona-se às fraturas de face, mas já foram descritos casos de rotura cardía- ca por esse dispositivo. Atenção: no doente com GCS = 15 e, portanto, consciente e não alcoolizado, sem queixas de dor na região cervical, o colar cervical poderá ser retirado Clínica cirúrgica | Politrauma SJT Residência Médica - 201518 sem necessidade obrigatória de radiografi a cervical de perfi l C1-T1 (importante visualizar todas as vérte- bras), desde que uma pessoa realize a estabilização da cabeça e a outra faça a palpação da região cervical. É necessário avaliar se existem dor e sensibilidade local. Após, deve ser estimulada a movimentação ativa da cabeça (é o paciente que movimenta a cabeça e não o médico) no sentido antero-posterior e latero-lateral. Uma vez persistindo dor ou a dúvida de lesão de coluna cervical, o raio X de perfi l da coluna cervi- cal C1-T1 perfi l deverá ser feito. Uma vítima de trauma fechado acima da claví- cula deve ser considerada como possível portadora de trauma de coluwna até que se prove o contrário. A proteção da coluna com colar cervical é essencial. Na impossibilidade de intubação, a via aérea ci- rúrgica defi nitiva é mandatória, devendo ser feita de modo rápido e seguro. A escolha na maioria dos trau- mas é a cricotireoidostomia. A traqueostomia deve ser evitada, via de regra, mas existem situações em que seu emprego é necessário na urgência, como nas fraturas de laringe e também em crianças. Em doentes pediátricos, a cricotireoidosto- mia cirúrgica é contraindicação relativa na fai- xa etária abaixo dos 12 anos, pois a cartilagem cricóide constitui o esqueleto de sustentação da laringe, e dessa forma, se houver uma lesão exten- sa dessa cartilagem e da membrana cricotireoidiana, pode ocorrer um grave desabamento de laringe em direção ao mediastino, obstrução da via aérea e óbito. O que pode ser feito, em crianças é a crico- tireoidostomia por punção. Um jelco (Abocath) 16- 18 é colocado na cricóide e adaptado a um tubo T, que é conectado a 15 litros de O2/min. e até tempo máxi- mo de 30-45 min. para evitar hipercarbia, até que pos- sa ser realizada a traqueostomia, como será abordado no capítulo de via aérea. A cricotireoidostomia cirúrgica pode até ser fei- ta, desde que esse procedimento seja realizado por pessoa experiente e que conheça muito bem anatomia e não realize a incisão em local incorreto, o que pode ocasionar danos irreversíveis à via aérea da criança. Cricotireoidostomia por punção não é via aérea defi nitiva! B – Respiração e ventilação Tarefas do B – Máscara de O2 10-12 L/min. (reservatório de oxigênio); – Oxímetro de pulso + capnografi a; – Ausculta do tórax. Resolvido o A, inicia-se o B assegurando-se de que o doente ventila apropriadamente. Afi nal, via aérea pér- via não signifi ca necessariamente ventilação adequada. Todo paciente politraumatizado deve rece- ber O2 em máscara de 10 a 12 litros/minuto.Outra regra fundamental – sempre ofertar oxigênio suple- mentar – por máscara com reservatório de oxigênio. Uma boa ventilação exige funcionamento ade- quado da caixa torácica, funcionalidade adequada dos pulmões, da parede torácica e do diafragma. O paciente deve estar com o tórax exposto para a inspeção. A ausculta deve ser realizada, bem como a percussão para evidenciar a presença de ar/sangue no espaço pleural. Lesões ameaçadoras à vida devem ser reco- nhecidas no exame primário: � obstrução da via aérea; � pneumotórax hipertensivo; � pneumotórax aberto; � contusão pulmonar com tórax instável; � hemotórax maciço; � tamponamento cardíaco. Já as lesões potencialmente ameaçadoras à vida de- verão ser reconhecidas até o fi nal do exame secundário: � pneumotórax simples; � hemotórax; � contusão pulmonar; � lesão traqueobrônquica; � trauma cardíaco fechado; � rotura da aorta; � lesão diafragmática traumática; � ferimento transfi xante de mediastino; � ferimento de esôfago. Armadilhas: identifi car a origem da dispneia do paciente: avalie se o paciente está dispneico por um pro- blema de A (exemplo: obstrução), B (exemplo: pneumo- tórax), C (exemplo: hipovolemia), D (exemplo: TCE), E (exemplo: hipotermia) ou um somatório desses fatores. A diferenciação entre problemas pulmonares e obstrução de vias aéreas pode ser muito difícil. O paciente pode se apresentar profundamente taquipneico e dispneico, le- vando a crer que seu problema mais importante decorra de via aérea inadequada. Há de se lembrar que um pneu- motórax simples pode se tornar hipertensivo naqueles pacientes em ventilação mecânica com pressão positiva. Importante: o diagnóstico de pneumotórax é clínico! As radiografi as imprescindíveis deverão ser feitas na sala de trauma somente após término do exame primário (ABCDE), utilizando-se pre- 2 Atendimento inicial ao politraumatizado 19 ferencialmente de aparelhos portáteis, sem que o paciente seja transportado ou mobilizado des- necessariamente até a sala de radiologia. Lamentavelmente, inúmeros pacientes morrem ao serem transportados para o raio X. C – Circulação com controle da hemorragia Tarefas do C � Compressão de hemorragias; � Verificação dos pulsos; � Monitor cardíaco; � SF 0,9% 2.000 mL IV jelco 14-16 (soro aquecido - 39ºC); � Sangue para laboratório (hemograma, glicemia, β-hCG em mulheres em idade fértil, amilase, eletrólitos, creatinina, ureia, coagulograma); � Tipagem sanguínea; � Gasometria arterial; � Antitetânica; imunoglobulina se necessário. Hipotensão em politraumatizado é devida a choque hipovo- lêmico, até que se prove o contrário! A hemorragia é a principal causa de morte pós- -traumática evitável, após rápido tratamento em ní- vel hospitalar. Portanto, é essencial a rápida e precisa avaliação do estado hemodinâmico desses pacientes, verificando-se: � nível de consciência; � cor da pele; � pulso. 1- Nível de consciência A perfusão cerebral poderá estar prejudicada quando o volume sanguíneo estiver diminuído. Lem- brar que doente consciente também poderá ter perdido quantidade significativa de sangue, pois os mecanismos compensatórios são variáveis de paciente para paciente. 2- Cor da pele A coloração da pele poderá ser importante na avaliação do choque. A coloração acinzentada da face e pele esbranquiçada das extremidades são sinais suges- tivos de hipovolemia. 3- Pulsos Pulsos centrais de fácil acesso deverão ser checa- dos quanto à presença e simetria podendo se estimar a pressão sistólica pela detecção de pulsos: � pulso radial palpável = 80 mmHg; � pulso femoral palpável = 70 mmHg; � pulso carotídeo palpável = 60 mmHg. Pulsos regulares, lentos e cheios indicam normo- volemia desde que o doente não esteja fazendo uso de betabloqueadores. Pulsos filiformes e rápidos são su- gestivos de hipovolemia. Atenção: enchimento capilar > 3 segundos denota má perfu- são periférica. Taquicardia é o primeiro sinal de hipovolemia! Doente com pulso radial presente tem pressão sistólica de pelo menos 80 mmHg. Hemorragias Perdas sanguíneas externas devem ser identi- ficadas e controladas no exame primário. Deverá ser feita compressão manual direta sobre o ferimento. A pressão direta é o método mais rápido e eficaz para controle da hemorragia externa. Figura 2.10 pressão direta da ferida com compressa. Figura 2.11 compressão direta e elevação da área traumatizada. Clínica cirúrgica | Politrauma SJT Residência Médica - 201520 A tentativa de controle de sangramento com pin- ças hemostáticas, em campo de pouca visibilidade, é causa de iatrogenia, com frequentes lesões de nervos e vasos no local. O uso de torniquete, era contrain- dicado em versões de ATLS anteriores, mas ago- ra, pela experiência dos americanos em guerras com o mundo Árabe, poderá ser utilizado em ca- sos selecionados de amputações traumáticas porque o risco de lesão neurovascular associada ao torniquete é mais teórico do que efetivamente real. Além disso, paciente em choque persistente, de causa obscura, sem evidência de fraturas deve ser in- vestigado: fratura de pelve e lesão de esôfago. Os mecanismos de trauma por ejeção, esmaga- mento ou queda de mais de 3,6 metros são bastante sugestivos de fraturas pélvicas. E a presença de der- rame pleural e dor torácica sem fraturas com pa- ciente persistentemente em choque após trauma fechado fala a favor de lesão do esôfago. Perdas sanguíneas em fraturas Fratura de fêmur: 1.500 mL Fratura de tíbia/fíbula: 750 mL Fratura de úmero: 750 mL Fratura de bacia: 2 litros ou mais! Tabela 2.1 Armadilhas: a resposta às perdas sanguíneas é variável e não ocorre de modo semelhante ou mesmo normal nos pacientes idosos, crianças, atletas e indiví- duos portadores de doenças crônicas. – Idosos: mesmo saudáveis, têm capacidade li- mitada de elevação da frequência cardíaca (FC), devi- do à rigidez miocárdica e retardo eletrofi siológico na condução elétrica cardíaca. Muitas vezes, o primeiro sinal de choque (a taqui- cardia) pode não aparecer precocemente no idoso, so- bretudo quando o paciente usa betabloqueador. Além disso, o débito cardíaco não guarda correlação com a medida de pressão arterial nesse grupo de doentes. Atenção: a medida e reavaliação da pressão de pulso (pressão sistólica – pressão diastólica) é ponto fundamental de correlação com o débito cardíaco em qualquer faixa etária. – Crianças: demonstram poucos sinais de per- da volêmica, mesmo quando são signifi cativas, já que têm reserva fi siológica exuberante. Então, quando aparece a deterioração hemodinâmica, geralmente é muito rápida e catastrófi ca. – Atletas: normalmente são bradicárdicos. Quando fi cam taquicárdicos é porque já houve perda signifi cativa de sangue. O C começa com a compressão direta da hemor- ragia, monitorização cardíaca e reposição volêmica. O acesso venoso é calibroso (Jelco 14-16) em adultos que deverão receber cristalóide (soro fi siológico 0,9%) aquecido a 39ºC. Alternativamente poderá ser feito Ringer Lactato, mas o qual deve ser evitado sobretudo em pacientes com TCE, por trabalhos mostrarem a ne- cessidade de uma solução hipertônica para melhores resultados neurológicos. O ATLS de 2008 ainda men- ciona alternativamente a solução salina hipertônica (“salgadão”) que pode ser empregada temporariamen- te para manutenção cardiovascular com bons resul- tados. Entretanto, há ainda difi culdades na padroni- zação de sua fórmula e, por isso, apesar de poder ser utilizada, vale lembrar que não há ainda diferença de mortalidade na literatura atual. Acesso venoso A preferência é por duas veias periféricas (basíli- ca, cefálica ou safena interna no maléolo) e deverá ser feita a punção em no máximo três tentativas. No in- sucesso, indica-se a dissecção cirúrgica. Por exemplo: a veia safena deverá ser dissecada anteriormente ao maléolo medial; a veia basílica deverá ser dissecada 2 dedos acima do processo estilóide da ulna. Em crianças, após falhana punção, a veia axilar é a via de escolha na dissecção venosa na urgência. Nas crianças menores de 6 anos, pode-se tentar a via medular (intraóssea). Penetrando o platô tibial anterior, com uma agulha curta e grossa a cerca de 1,5 a 2 cm abaixo da epífi se, obtém-se uma boa via para a reposição volêmica, utilizando qualquer tipo de so- lução (cristaloide, coloide, sangue ou derivados) ou medicamento. Na via intraóssea, a administração de líquidos entra na circulação em cerca de 20 segundos. Classifi cação da hemorragia segundo a perda de volume Classe I Classe II Classe III Classe IV Perda de sangue (mL) > 750 750 a 1.500 1.500 a 2.000 > 2.000 Perda de sangue (% volume total) > 15% 15 a 30% 30 a 40% > 40% Pulso (bpm) < 100 > 100 > 120 > 140 Pressão arterial Normal Normal Diminuída Diminuída Pressão de pulso (mmHg) Normal ou aumen- tada Diminuída Diminuída Diminuída 2 Atendimento inicial ao politraumatizado 21 Classificação da hemorragia segundo a perda de volume (cont.) Respiração/minuto 14 a 20 20 a 30 30 a 40 > 35 Diurese (mL/hora) > 30 20 a 30 5 a 15 Desprezível Estado mental Pouco ansioso Moderada ansiedade Ansioso e confuso Confuso e letárgico Reposição (3/1) Cristaloide Cristaloide Cristaloide e sangue Cristaloide e sangue Tabela 2.2 D – Disability (Exame Neurológico Sumário) Tarefas do D – Glasgow; – Pupilas; – Pesquisa de sinais de TCE grave: sinal da bata- lha, sinal do guaxinin, sinal do duplo halo. Aqui, ao invés de exames neurológicos porme- norizados que poderão ser realizados no exame se- cundário, o foco será a detecção precoce do aumento da pressão intracraniana e compressão do III par cra- niano (nervo oculomotor) que resulta em midríase. Veja as tabelas abaixo para a classificação da GCS e da gravidade do trauma cranioencefálico (TCE). O mais importante não é um GCS isolado, mas a reava- liação frequente e seriada de GCS. Abertura ocular Espontânea 4 Estímulo verbal 3 Estímulo doloroso 2 Sem resposta 1 Melhor resposta motora Obedece a comandos 6 Localiza a dor 5 Flexão normal (retirada) 4 Flexão anormal (decorticação) 3 Extensão (descerebração) 2 Sem resposta 1 Resposta verbal Orientado 5 Confuso 4 Palavras inapropriadas 3 Sons incompreensíveis 2 Sem resposta 1 Tabela 2.3 scala de coma de Glasgow = motor + verbal + ocular. Classificação do Trauma Cranioencefálico Classificação GLASGOW Leve 13-15 Moderada 9-12 Grave ≤ 8 Tabela 2.4 E – Exposição do doente e proteção contra a hipotermia Todo paciente traumatizado deve ser totalmente despido, cortando-se as roupas para facilitar o acesso visu- al adequado de lesões e promover exame físico completo. Fluidos intravenosos devem ser aquecidos a 39ºC; cobertores devem ser utilizados e a sala deverá ser aquecida com ar condicionado. A hipotermia agrava a acidose e a coagulopa- tia e constitui a chamada tríade da morte, portanto, a necessidade de todo o paciente politraumatizado ter prevenção desde o atendimento pré-hospitalar. As vítimas de trauma devem ser retiradas da pran- cha longa antes de 2 horas, pois, após esse período, co- meça a ocorrer isquemia dos tecidos sob pressão e isso propicia a formação de escaras (úlceras de pressão). Acidose Coagulopatia Hipotermia Triângulo da MORTE Figura 2.12 atenção! Exames adjuntos ao exame primário e à reanimação � Oxímetro de pulso. � Monitor cardíaco/pressão arterial/frequência respiratória. � Gasometria arterial e laboratório. � Capnógrafo. � Exames radiológicos: raio X cervical perfil (C1- T1), tórax AP e bacia AP), devem ser usados ra- cionalmente, nunca retardando o tratamento de lesões ameaçadoras à vida. � Sondagem nasogástrica e vesical (atentar para as contraindicações). � FAST (Focused Assessment with Sonography for Trauma - ultrassom) e lavado peritoneal diag- nóstico (LPD). Clínica cirúrgica | Politrauma SJT Residência Médica - 201522 � A decisão da transferência do doente e os cuida- dos defi nitivos devem ser tomados até o fi nal do exame primário. Exame secundário É o exame pormenorizado que se faz com a rea- valiação do paciente, sendo importante sobretudo no diagnóstico de lesões potencialmente ameaçadoras à vida. Na avaliação secundária, o paciente é exami- nado dos pés à cabeça e dedos e sondas são intro- duzidas nos orifícios naturais em busca de lesões. No exame secundário é a hora de se revisar a his- tória do doente. A mnemônica AMPLA é útil: A – Alergias M – Medicamentos P – Passado médico/prenhez L – Líquidos/sólidos ingeridos pela última vez A – Ambiente e eventos relacionados ao acidente É a hora do exame pormenorizado: � Cabeça: procura por lesões de couro cabeludo, tábua óssea (crânio), região mastóide e base do crânio. Sinais de fratura de base do crânio: Sinal de Battle (Sinal de Batalha); Sinal do Guaxinim (Racoon Eyes), otoliquorragia/otorragia (saída de líquor/sangue pelo ouvido); Sinal do duplo halo é líquor que se mistura com sangue e aparece no lençol do leito do doente sugerindo otoliquorra- gia e ou rinoliquorragia (mancha em alvo). Otoscopia e fundo de olho. Verifi car a presença de hemotímpano, e/ou ruptura do tímpano, otorragia (lesão do andar médio), e/ou perda liquórica que fala a favor de TCE e fratura de base de crânio. � Face: traumas maxilofaciais sem obstrução das vias aéreas ou sangramentos importantes só são tratados após completa estabilização dos doen- tes. Fraturas de terço médio de face podem es- tar associadas a fraturas de placa crivosa, assim a sondagem nasogástrica fi ca contraindicada e deve ser realizada por via oral. � Pescoço: pacientes com trauma craniano e maxilo- facial devem ser considerados como portadores de lesão raquimedular até prova contrária. Ausência de défi cit neurológico não exclui lesão de coluna cervical. Por vezes, as lesões medulares não podem ser avaliadas pelo fato de o paciente encontrar-se comatoso, assim a análise do mecanismo de trauma pode ser a única arma disponível para o médico. � Tórax: lesões torácicas signifi cativas podem manifestar-se por dor, dispneia ou hipóxia. A avaliação inclui a ausculta e o exame radiológi- co. Doentes idosos não toleram lesões torácicas, mesmo relativamente pequenas, entrando rapi- damente em insufi ciência respiratória. � Abdome: o diagnóstico e tratamento das lesões abdominais deve ser rápido e agressivo. Um exa- me inicial normal do abdome não exclui lesões intra-abdominais. Paciente com contusões abdo- minais deve ser observado de perto e com fre- quentes reavaliações. Doentes com hipotensão inexplicada, lesões neurológicas, alterações do sensório devido ao uso de álcool e/ou drogas e com achados abdominais duvidosos devem ser considerados candidatos a uma LPD / FAST. � Genitália/períneo: o períneo deve ser examina- do à procura de contusões, hematomas, lacera- ções e sangramento uretral. Atualmente, o toque retal pode ser realizado antes da introdução da sonda vesical. Nas mulheres, o toque vaginal é parte fundamental do exame secundário, desde que haja risco de lesão vaginal. Faça o toque va- ginal e retal. Nesse último, verifi que a competên- cia do esfíncter (lesão raquimedular), a presença de sangue na ampola, lacerações e fragmentos ou pontas ósseas (fratura de bacia) e presença de crepitação (trauma duodenal). Nos homens, ve- rifi que volume, forma e posição da próstata (na secção uretral, a glândula desloca-se para cima). Verifi car se existem equimose perineal ou locais de contusões (escoriações) e outras lesões (fratu- ras, luxações, perfurações e cortes). � Extremidades/musculoesqueléticas: as extremi- dades devem ser inspecionadas à procura de con- tusões e deformações. Fraturas pélvicas podem ser suspeitadas pela identifi cação de equimoses sobre as asas do ilíaco, púbis, grandes lábios ou saco escrotal. A dor à palpação do anel pélvico é um achado importante no doente consciente. � Sistema nervoso: a avaliação neurológica ade- quada não inclui somente a apreciação sensorial e motora,mas também a reavaliação do nível de consciência (GCS) e do tamanho e da resposta da pupila do doente. Qualquer evidência de perda de sensibilidade, paralisia ou fraqueza sugere lesão grave da coluna ou do sistema nervoso periférico. Exames adjuntos ao exame secundário Uma vez que as lesões ameaçadoras/potencial- mente ameaçadoras à vida foram identifi cadas e tra- tadas no exame primário, exames mais sofi sticados poderão ser feitos para confi rmar a suspeita diagnós- tica existente desde que o doente esteja hemodinami- camente estável. 2 Atendimento inicial ao politraumatizado 23 Todo paciente instável hemodinamicamente, sem resposta à reposição volêmica necessita de cirur- gia para a resolução da hemorragia. Entretanto, uma vez que exista a necessidade de transferência do paciente, é inadmissível que ocorra retardo em função de quaisquer exames, sejam eles quais forem e até mesmo LPD. São adjuntos ao exa- me secundário: � Exames contrastados (arteriografia, uretrocisto- grafia, esofagograma). � TC/Ressonância. � Demais estudos radiológicos sem ser aqueles in- cluídos no exame primário, incluindo os de ex- tremidades. � Endoscopias digestivas/via aérea (fibrobroncos- copia). Cuidados definitivos: realizado o tratamento das lesões ameaçadoras à vida no exame primário, e, em alguns casos, com o resultado de exames mais especiali- zados em mãos, procederemos aos cuidados definitivos. Controle de cena Abordagem primária rápida Abordagem primária completa Comunicação com médico regulador Comunicação com médico regulador Abordagem secundária Sinais vitais e escala de coma e trauma Segurança Mecanismo de trauma Controle cervical Consciência Respiração - sim/não Circulação • pulso • color/umidade • temperatura • enchimento/umidade Grandes lesões/hemorragia A= Vias aéreas/controle cervical B= Respiração-qualidade C= Circulação/controle hemorragia • Pulso • Enchimento capilar • Coloração/umidade D= Nível de consciência/pupila Cabeça Pescoço Tórax Abdome MMII MMSS Dorso 1º passo 2º passo 3º passo 4º passo 5º passo Figura 2.13 atendimento inicial à vitima de trauma. Clínica cirúrgica | Politrauma SJT Residência Médica - 201524 ROTEIRO PROPEDÊUTICO BÁSICO eM GINECOLOGIA Capítulo 2 Capítulo 3 Clínica cirúrgica | Politrauma SJT Residência Médica - 201526 Introdução Via aérea (VA) é prioridade absoluta no atendimento ao politraumatizado. E a permeabi- lidade da VA não implica necessariamente ventilação adequada. O tórax do paciente deve ser exposto com- pletamente para avaliar a ventilação pulmonar. Além disso, devemos identificar a origem da disfunção res- piratória com diagnóstico diferencial do problema: será que a dispneia é por obstrução da VA, por proble- ma pulmonar ou ainda por má perfusão periférica ou problema neurológico associado? A VA pode ficar comprometida pela queda da lín- gua, no paciente inconsciente, pela presença de cor- pos estranhos, restos alimentares, sangue, hematoma e edema de laringe por trauma direto. Pacientes com TCE, trauma bucomaxilofacial e ou trauma na região cervical são particularmente propensos a apresentar problemas na VA. O diagnóstico de obstrução da VA começa no contato com o doente. A verificação da consciên- cia com as perguntas: “como você está?”, “qual é seu nome?” fornece-nos vários dados importantes. Doen- te que fala e está orientado mostra que a VA está pérvia e existe boa oxigenação cerebral. A agitação do paciente sugere hipóxia; já sonolência levanta suspeita de hipercapnia. Res- piração ruidosa, com roncos ou estridor, leva-nos a pensar em obstrução de faringe. Presença de disfonia sugere obstrução de laringe. As manobras de permeabilização da VA depende da causa da obstrução. Se o problema é a queda da lín- gua, a tração do mento e elevação da mandíbula (jaw- -thrust) ou a simples elevação do mento (Chin-lift) re- solvem. Deve ser usado aspirador rígido para aspirar secreções e corpos estranhos. Sondas flexíveis devem ser evitadas. Independentemente da manobra a ser realizada, há de se ter cuidado com a coluna cervical. Via de re- gra, o colar cervical deverá estar posicionado de modo adequado. Ele poderá ser mobilizado desde que um so- corrista fixe a cabeça, enquanto o médico responsável examina a região cervical e coloca o colar. Todo paciente politraumatizado deverá re- ceber suplementação com oxigênio (10-12 litros/ minuto) em máscara. O oxímetro de pulso deverá ser também aco- plado. Esse aparelho oferece informações sobre a saturação de O2, mas não garante que a ventila- ção esteja adequada. Via aérea temporária Para obtenção da via aérea temporária, po- demos utilizar: (a) ventilação com sistema balão-vál- vula-máscara (AMBU) acoplado a reservatório de O2; (b) cânula orofaríngeo (Guedel); (c) cânula nasofarín- gea; (d) máscara laríngea (intubação difícil); (e) tubo laríngeo (intubação difícil); (f) introdutor do tubo traqueal Eschmann (intubação difícil); (g) Combitube (tubo duplo lúmen, intubação difícil); (h) cricotireoi- dostomia por punção. Existem critérios padronizados para a obtenção da VA definitiva. A VA temporária não substitui VA definitiva, mas ela é importante até planejamento da VA definitiva a fim de garantir oxigenação adequada. Sistema balão-válvula-máscara (AMBU) acoplado a reservatório de O 2 O AMBU é um sistema de válvula unidirecio- nal que deve ser acoplado ao reservatório de O2 para maximizar a oferta de oxigenação adequada. Ele tem uma máscara transparente que permite visualização caso ocorra regurgitação. O balão adulto tem 1-2 litros e deve permitir ofertar volume corrente de 600 mL , o suficiente para a expansão do tórax e preservação normocarbia. A ventilação deve durar 1 segundo e o fluxo conectado é 10-12 L/min. No caso de ventilação durante reanimação cardiopulmonar (RCP), devem ser feitas 30 compressões para duas ventilações, o que equivale a uma ventilação a cada 6-8 segundos (não precisa mais ser sincronizado com as compressões e vai resultar 8-10 por minuto), mantendo-se frequên- cia de compressões torácicas de 100 por minuto. Vale lembrar também que a ventilação não invasiva (BI- PAP) no paciente consciente pode dar suporte tempo- rário até melhor planejamento da VA definitiva. Cânulas oro e nasofaríngeas Somente devem ser introduzidas em pacientes inconscientes porque provocam reflexo de vômito. E se o doente tolera uma cânula de Guedel, então é porque ele precisa mesmo de VA definitiva. O Guedel deverá ser introduzido e rodado 180º para a correta in- serção, voltando-se à concavidade para baixo. Momen- taneamente, evita a queda da língua na orofaringe. A cânula nasofaríngea é introduzido pelo nariz e introduzido para a orofaringe posterior. Máscara Laríngea (ML) Quando a ventilação com AMBU e a entubação orotraqueal falham durante VA difícil, a ML é proposta atraente naquele socorrista treinado com esse tipo de VA temporária. É colocado sem visualização da glote. 3 Via aérea e ventilação 27 Figura 3.1 máscara laríngea. Tubo laríngeo É dispositivo de VA extraglótica semelhante a ML usado em casos de VA difícil. Também é colocado sem visualização da glote e seu posicionamento não exige hiperextensão da VA. Figura 3.2 tubo laríngeo. Guia de introdutor de intubação (Eschmann) Nada mais é do que um fi o guia para entubação. O socorrista vai entubar e não enxerga as cordas vo- cais. Daí ele coloca o fi o guia de Eschman que tem uma dobra de 3,5 cm angulada em 40º. A posição traqueal é diagnosticada porque ocorre atrito entre a ponta do introdutor e os anéis cartilaginosos da traqueia em até 90% das vezes. Quando se sente a rotação do guia é porque o introdutor cruzou a carina e daí o tubo deve ser tracionado um pouco para cima. Imediatamente depois da intubação, o Eschmann é retirado e o tubo endotraqueal é conectado ao respirador. Figura 3.3 Eschmann. Combitube (tubo de duplo lúmen) O combitube é usado por muitas equipes no pré- -hospitalarnos EUA quando a VA defi nitiva não é vi- ável. Trata-se de um tubo de duas vias e com dois ba- lões na ponta. Uma via comunica-se com o esôfago e a outra com a traqueia. Os balões são insufl ados, com a ajuda de um capnógrafo, o socorrista identifi ca qual via está na traqueia e imediatamente a ventila. Então, o paciente quando chega ao hospital tem o combitube substituído por VA defi nitiva. Figura 3.4 Combitube. Clínica cirúrgica | Politrauma SJT Residência Médica - 201528 Cricotireoidostomia por punção É de fácil e rápida realização. A punção é reali- zada com jelco calibroso (14-16 no adulto e 16-18 na criança) na membrana cricotireoideana, usando-se inicialmente de seringa (pressão negativa) até entrada na laringe em 45º. Em seguida, deve ser conectado um tubo em T, para permitir a oclusão manual de 1 se- gundo, liberando por 4 segundos. Esse método oferece ventilação adequada por 30-45 minutos (depois come- ça a haver hipercapneia). Após esse período, deve-se proceder à VA definitiva (exemplo: traqueostomia). Precisa ser conectado também o oxigênio a 15 L/min. Na suspeita de obstrução de VA por corpo estranho, o O2 deve ser colocado em doses menores (5-7 litros/ min.). Note que a cricotireoidostomia cirúrgica não pode ser feita em crianças <12 anos, mas a crico por punção pode. Figura 3.5 cricotireoidostomia por punção: jelco 14-16 em adultos, sendo 16-18 em crianças. É conectada uma seringa e faz-se pressão ne- gativa até aspiração de ar, indicando-se a entrada da traqueia. É conec- tado O2 a 15 L/min., a não ser que haja obstrução, quando a pressão de O2 deverá ser mais baixa. Conecta-se à extensão em Y e se faz a oclusão de 1 s para 4 s sem oclusão. Complicações da cricotireoidostomia por punção 1- Ventilação inadequada – hipóxia e morte; 2- Aspiração; 3- Laceração esofágica; 4- Hematoma; 5- Perfuração posterior da traqueia; 6- Enfisema; 7- Perfuração da tireoide. Via aérea definitiva VA definitiva é tubo na traqueia com cuff inflado ventilando adequadamente. Existem três tipos de VA definitiva: - Intubação orotraqueal; - Intubação nasotraqueal; - VA cirúrgica (cricotireoidostomia cirúrgica e traqueostomia). A preferência é a IOT, mas tanto a endotraqueal como nasotraqueal são efetivas. Após cada tentativa de entubação deve ser feita ventilação com AMBU com duas pessoas até que a SaO2 esteja adequada. Na im- possibilidade de entubação em três tentativas, pode- -se proceder a VA temporária ou VA cirúrgica. A decisão de instalar a VA aérea definitiva é baseada em achados clínicos e fundamenta-se em: GCS < 8; Presença de apneia; Proteção da VA contra a aspiração de sangue, vô- mitos incoercíveis; Tratamento da VA comprometida, com lesão iminente ou potencial da VA, em queimaduras inala- tórias, fraturas faciais sangrantes, hematoma retrofa- ríngeo ou convul sões persistentes; Impossibilidade de manter a via aérea permeá- vel por outros métodos e saturação de O2 em queda progressiva; Critérios para a intubação endotraqueal (IOT): – PaO2 < 60 mmHg; – PaCO2 > 50 mmHg; – SaO2 < 88-90% (cuidado com paciente DPOC); – FC > 120 e FR > 35; – PaO2/FiO2 < 300 (lesão pulmonar aguda). 3 Via aérea e ventilação 29 Dica: esses critérios são importantes não só para a prova de residência médica mas para a vida como médico porque uma das piores situa- ções que pode acontecer é não entender a urgên- cia que existe no paciente que entra progressiva- mente em fadiga respiratória. Portanto, busque por esses sinais em todos os pacientes na urgên- cia, não somente no trauma. A gasometria arterial é fundamental para ava- liar adequadamente a ventilação após obtenção de VA definitiva. Intubação orotraqueal (IOT) A IOT é usada com maior frequência. A compres- são da cricóide (manobra de Sellik) é útil para melhor visualização das cordas vocais e prevenção de vômitos. A preferência é a IOT com duas pessoas (“manobra a 4 mãos”) onde um socorrista irá estabilizar a coluna cer- vical (posicionando-se à direita) e o outro procederá à IOT (posicionando-se à esquerda). De início, o doente deve ser pré-oxigenado e ventilado adequadamente. O material de aspiração deve estar em mãos em caso de vômitos. Da mesma maneira, todos os dispositivos de- verão ser checados e estarem funcionantes sobretudo as pilhas das luzes de laringoscópios. O laringoscópio deve ser usado com a mão es- querda, entrando na orofaringe com movimento de deslocar a língua da direita para a esquerda em movi- mento de levantar a traquéia na valécula da glote até visualização das cordas vocais (laringoscópio curvo) evitando-se o movimento de báscula que pode causar trauma dentário. O tubo para ser introduzido no paciente politraumatizado é o maior possível no adulto para minimizar a resistência na VA. O ATLS indica 8,5 para mulheres e 9 para homens. Após isso, introduz-se o tubo endotraqueal (TET) sem lesar estruturas. Na criança, o tubo adequado é aquele do tamanho do 5º dedo da mão da criança. O AMBU deve ser conectado e o paciente ventilado até a chegada do ventilador apropriado. Após IOT, deve-se proceder à checagem primária (ausculta pulmonar – ápices e bases – e ausculta epi- gástrica) e secundária (detector de dióxido de carbo- no). A detecção de níveis muito baixos de CO2 sugere entubação esofágica. Da mesma maneira, a presença de CO2 sugere IOT, mas não diferencia se a entubação fi cou seletiva no brônquio direito porque é mais ver- ticalizado, no qual a ausculta pulmonar torna-se ex- tremamente importante na verifi cação de som claro pulmonar bilateralmente, bem como o raio X de tórax. Dispositivos de auxílio na IOT são o monitor de CO2 (capnógrafo) e o oxímetro de pulso. O ATLS indica que o uso da capnografi a (medida contínua) é preferível e mais efetivo que a capnometria (medida isolada). O raio X de tórax é importante para inspecionar a presença de líquido ou ar no espaço pleural, atelec- tasia, expansão de tórax adequada, avaliação de deslo- camento do TET e intubação seletiva. Entretanto, ele não exclui a intubação esofágica. Predizendo a VA difícil Fatores externos: suspeita de lesão de coluna cervical, artrite cervical avançada, trauma mandibular e maxilofacial grave, limitação da abertura da boca e variações anatômicas como micrognatia, prognatis- mo, pescoço curto são desafi os que caracterizam a VA difícil. O ATLS 2008 traz a mnemônica LEMON para lembrete do potencial de difi culdade da VA. LEMON – Look: observe externamente. – Examine a regra 3-3-2*. – Mallampati: paciente sentado deve abrir a boca para avaliar o grau de visuabilidade da hipofaringe com o auxílio de uma lanterna. – Obstrução (epiglotites, abscessos e trauma). – Neck (mobilidade do pescoço): normalmente é avaliado pedindo-se ao doente para fl etir o queixo até o peito e hiperextender o pescoço olhando ao teto. É claro que o paciente politraumatizado com colar cervical não deve fazer isso e é classifi cado com VA difícil. *Na regra 3-3-2 há de se considerar se cabe a distância de: � 3 dedos dentro da boca em baixo dos incisivos superiores e inferiores; � 3 dedos abaixo da mandíbula até o osso hioide; � 2 dedos acima da protuberância laríngea. Caso não haja espaço sufi ciente colocados na re- gra 3-3-2, então se trata de VA difícil. Além disso, o uso de drogas sedativas, anestésicas e bloqueadores neuromusculares (curare) facilitam a entubação e ma- nutenção da IOT de modo confortável. Observe a fi gu- ra abaixo demonstrando a correta IOT somente após a visualização das cordas vocais. Clínica cirúrgica | Politrauma SJT Residência Médica - 201530 Classe I: palato mole, úvula, fauces e pilares visíveis Classe II: palato mole, úvula e fauces visíveis Classe III: palato mole e base da úvula visível Classe IV: apenas o palato duro visível Figura 3.6 classificação de Mallampati, utilizada para visualizar a hipofaringe. Figura 3.7 Intubação orotraqueal: necessariamente precisamos visualizar a glote e as cordas vocais.Caso contrário, não entube! Se o fizer, a sonda segue para o esôfago. Complicações da IOT 1. Intubação esofágica com hipóxia e morte. 2. Intubação seletiva (atelectasia). 3. Impossibilidade de intubação. 4. Indução ao vômito (aspiração, hipóxia, morte). 5. Trauma com hemorragia e aspiração. 6. Trauma dos alvéolos dentários (corpo estranho). 7. Perfuração do cuff (balão). 8. Fratura instável com déficit neurológico à mo- bilização da VA. Intubação nasotraqueal (INT) Antes de saber suas indicações é prudente ter ciên- cia das contraindicações. São contraindicações da INT: � Apneia; � Suspeita de fratura de 1/3 médio da face e fratura de base de crânio; � Criança < 12 anos (traqueia curta e angulada). Figura 3.8 Intubação nasotraqueal: ouvir as respirações para acer- tar a intubação; logo, não há como intubar com apneia. Além das mesmas complicações da IOT, a INT tem risco de lesão cerebral (caso haja fratura da lâ- mina crivosa), sinusites crônicas e maior incidência de pneumonias em um momento mais tardio. A INT tem como inconveniência a necessidade de um tubo muito pequeno como 6,5 que aumenta muito a re- sistência na VA. Entretanto, em uma urgência com um paciente com VA difícil, a INT pode ser alterna- tiva à IOT. No edema de glote, fratura de laringe ou intenso sangramento orofaríngeo, a intubação é por vezes difícil, quer por IOT quer por INT. Assim, a VA definitiva cirúrgica (cricotireoidostomia) está indica- da. A traqueostomia não é rotina na emergência e deve ser evitada no atendimento do politrau- matizado, com exceção dos casos de fratura de laringe e crianças < 12 anos. A traqueostomia é mais demorada, de difícil execução e leva muitas vezes a sangramento de di- fícil controle. Cricotireoidostomia cirúrgica Paciente em que não se conseguiu uma via aérea definitiva por intubação são candidatos a uma via aé- rea cirúrgica. No caso do trauma, a preferência recai sobre a cricotireoidostomia (exceto em crianças me- nores de doze anos, pois é contraindicada uma vez que a cartilagem é o único suporte circunfe- rencial para a parte superior da traqueia), a não ser em casos de fraturas de laringe, nos quais se deve realizar a traqueostomia de urgência. 3 Via aérea e ventilação 31 Figura 3.9 Cricotireoidostomia cirúrgica: é feito um corte com lâmina de bisturi na membrana cricotireoidea, vira-se o cabo do bisturi a 90º e, se o doente estiver ventilando, o ar já pode sair por ali. Feita corretamente, é rápida e não há sangramento. Após antissepsia e anestesia (doente conscien- te), estabiliza-se a traqueia com uma das mãos e faz- -se uma incisão sobre a membrana cricotireoideana; ao virar o cabo do bisturi e girando-o a 90º no local da incisão, o doente consegue respirar. Depois de se colocar a cânula de traqueostomia #5 ou #6, infl a-se o balonete e ventila-se o doente. Na ausência de cânu- la de traqueostomia, pode-se proceder à colocação do próprio tubo endotraqueal. Complicações da cricotireoidostomia cirúrgica 1. Aspiração; 2. Falso trajeto; 3. Estenose/edema glótico; 4. Estenose laríngea; 5. Formação de hematoma/hemorragia; 6. Laceração da traqueia/esôfago; 7. Enfi sema subcutâneo/mediastinal; 8. Paralisia das cordas vocais/rouquidão. Outros dispositivos auxiliares da via aérea Oximetria de pulso É dispositivo que mede a saturação de oxigênio e a frequência cardíaca por meio de sensores: diodo emissor de luz e fotodiodo receptor de luz. A luz emi- tida é absorvida em maior ou menor grau pela hemo- globina oxigenada em nível diferente da hemoglobina não oxigenada. Leitura prejudicada pela oximetria de pulso Má perfusão periférica, hipotensão, aparelho de pressão acima do local da medida, hipotermia (< 30ºC), anemia grave (< 5 g/dL), carboxiemoglobina, metemoglobinemia, esmalte e ambiente muito ilu- minado provocam uma leitura inadequada da oxi- metria de pulso. A relação entre saturação de oxi- gênio e curva de pressão parcial de oxigênio não é linear. Observe o quadro abaixo: PaO2 SatO2 90 mmHg 100% 60 mmHg 90% 30 mmHg 60% 27 mmHg 50% Tabela 3.1 relação entre saturação e pressão parcial de O2. Além disso, existem variáveis que infl uenciam na curva de dissociação da hemoglobina. 100 80 60 40 20 20 40 60 PaO2 (mmHg) pH pH Sa tu ra çã o O 2 (% ) 80 100 Figura 3.10 saturação de O2 x PaO2 – Desvio para a direita (hemácias liberam oxigênio aos tecidos): ↓ pH; ↑ temperatura; ↑ PaCO2; ↑ 2,3 DPG (produto da glicólise). A hemoglobina fetal é ávida por oxigênio e, se presente, pode deslocar a curva da hemoglobina para a esquerda (hemácias captam o oxigênio). Monitor de CO 2 (capnógrafo) Detecta a presença de CO2. Sob níveis baixos de CO2, o monitor mostra coloração roxa; já em níveis altos, a coloração é amarelada, o que sugere intubação correta. Deve-se esperar ao menos seis ventilações para ver a co- loração fi nal. O monitor de CO2 não permite diagnosticar intubação seletiva. Da mesma maneira, doente com dis- tensão gástrica pode mostrar altos níveis de CO2. Intubação de sequência rápida (RSI) Deve ser empregada quando a via aérea defi - nitiva é premissa e o doente está acordado e não in- consciente. Pelo risco de vômito, por necessidade de proteção ou mesmo de tratamento de VA acometida, podemos proceder à RSI: Clínica cirúrgica | Politrauma SJT Residência Médica - 201532 1. Pré-oxigenar o paciente a 100%; 2. Deve ser feita pressão na cricóide (manobra de Sellick). 3. Pode ser administrado Dormonid® (midazo- lan) 0,1 mg/kg ou Diazepan® para diminuir a ansie- dade do paciente (flumazenil deve estar em mãos em caso de superdosagem); 4. Succinilcolina 1 a 2 mg/kg (Quelecin®); Ou seja, na urgência, em um doente de 70 kg, a succinilcolina deve ser diluída para 10 mL, aplicando- -se 7 mL (1 mL = 10 mg). A succinilcolina é bloqueador neuromuscular (curare) de curta duração, cujo efeito começa em me- nos de um minuto e dura por cinco minutos. A pior complicação é não conseguir intubar. Por isso, deve-se ter em mãos material pronto para a crico- tireoidostomia cirúrgica caso seja necessária. Lembrar que a succinilcolina causa fasciculações que antecedem o bloqueio muscular. Logo, devemos evitar seu uso quando existem grandes esmagamentos ou lesões musculares (queimadura elétrica), devido ao risco de uma liberação excessiva de mioglobina na cir- culação, que é extremamente tóxica ao rim. 5. Proceder intubação orotraqueal. A urgência deve justificar o risco! Contraindicações da RSI 1. Insuficiência renal crônica (risco de hiperpo- tassemia – succinilcolina). 2. Paralisia crônica. 3. Doença neuromuscular. O tiopental não deve ser usado em hipovolemia. A RSI em crianças deve ser precedida de atropina 0,1- 0,5 mg para evitar bradicardia. < 12 anos de idade? Lesão da laringe? Suspeitar de lesão da coluna cervical Indução por sequência rápida Continuar Reanimação Intubação orotraqueal Via aérea permeável? Respiração inadequada? GCS < 8? Medidas adicionais para via aérea Traqueostomia Cricotireoidotomia Sim Sim Sim Não Bem-sucedido? Sim Não Não Lesão maxilofacial grave? Sim Não Figura 3.11 Algoritmo para tratamento da via aérea no paciente com trauma. Existe um papel estabelecido da máscara laringea (ML) no tra- tamento dos doentes com via aérea difícil. Particularmente, quando a intubação endotraqueal e a ventilação com máscara falharem. ROTEIRO PROPEDÊUTICO BÁSICO eM GINECOLOGIA Capítulo 2 Capítulo 4 Introdução O pescoço abriga a maior quantidade de elementos nobres anatômicos em um pequeno espaço: traquéia, ca- rótidas, jugulares, artéria vertebral, vasos subclávios, esôfago, tireóide, paratireóide, medula cervical e parótidas. Do ponto de vista anatômico dividimos o pescoço em zonas (I, II e III) e trígonos (anterior e posterior), conforme a figura abaixo. Trígono anterior Zona III Zona II Zona ITrígono posterior Figura 4.1 Divisão anatômica do pescoço. A: triângulo anatômicos do pescoço. Os triângulos anatômicos anteriore posterior do pescoço são defi- nidos pelo músculo esternocleidomastoideo. As estruturas vasculares e aerodigestórias mais importantes no pescoço estão contidas no triângulo an- terior. Os ferimentos envolvendo apenas o triângulo posterior têm uma baixa probabilidade de necessitar de intervenção cirúrgica urgente. B: zonas do pescoço. O limite entre a zona I e a zona II está no nível da cartilagem cricoide. O limite entre a zona II e a zona III está no ângulo da mandíbula. Essas zonas são principalmente úteis no tratamento das lesões nos triângulos anteriores do pescoço. O músculo platisma na fáscia superficial do pes- coço é o ponto anatômico que classifica a profundi- dade das lesões do pescoço e diferencia o ferimento superficial do penetrante. Zona I: vai desde a clavícula na base do pesco- ço (incluindo a transição cervicotorácica), na fúrcula esternal, até a cartilagem cricóide (C6). Ali localizam- -se: artéria vertebral e carótida proximais, pulmões, traquéia, tireóide, esôfago, medula espinhal e laringe, além de outros vasos torácicos. Os ferimentos des- sa região são de grande poder letal, basicamente por lesão estruturas vasculares (artéria inomina- da e vasos subclávios) e também pela possibilidade de lesões torácicas associadas. É o segundo local mais comum dos ferimentos (5 a 31%). Zona II: vai desde a cartilagem cricoide (C6) até o ângulo da mandíbula. Ali localizam-se a veia jugular superficial e profunda, artérias carótidas comuns, tra- quéia, esôfago, medula espinhal e laringe, nervo frêni- co. Ferimentos penetrantes nessa região têm menor letalidade e melhor controle cirúrgico. Este é o local mais comum dos ferimentos (47 a 82%). Zona III: vai do ângulo da mandíbula até a base do crânio. Nessa área localizam-se a faringe, artéria vertebral e a parte distal da carótida interna e externa. É látero posterior. É região de alto risco e de difícil acesso cirúrgico, principalmente nas lesões de carótida interna. Racional do trauma cervical Nas lesões penetrantes, as lesões vasculares são as mais comuns (artéria carótida pode ser lesada até 80% das vezes por trauma penetrante), seguindo-se de lesões neurológicas e lesão do trato aerodigestório. O trauma cervical pode acontecer após trauma penetrante ou fechado no pescoço, e o paciente pode estar estável ou em choque. Existem três grupos de pacientes: I- Com risco de morte imediato. Esses pacien- tes estão em choque, com sangramentos profusos ou com hematoma contido com aumento progressivo da circunferência do pescoço. A lesão das carótidas é exan- guinante e o hematoma progressivo também pode levar à compressão da VA. Lesões de laringe podem levar a rouquidão, estridor e enfisema subcutâneo. Garantir a permeabilidade da VA é essencial. Lesões completas medulares altas (particularmente em nível de C4) le- vam à denervação frênica com consequente denervação diafragmática e o paciente entra em apneia pela ausên- cia da movimentação diafragmática. Os critérios para indicar a cirurgia imediata são bem estabelecidos: � hemorragia externa profusa; � instabilidade hemodinâmica, não responsiva à reposição volêmica; Clínica cirúrgica | Politrauma SJT Residência Médica - 201534 � hematoma expansivo; � obstrução de vias aéreas; � piora dos sinais neurológicos; � enfi sema de subcutâneo rapidamente progressivo; � saída de saliva pela lesão. II- Sintomático mas sem risco de morte ime- diata. Esses pacientes são estáveis do ponto de vis- ta cardiocirculatório e tem VA pérvia, mas possuem hematoma cervical e dúvida da existência de lesão cervical. Isso porque o achado de hematoma cervical levanta a suspeita, mas não é patognomônico de lesão vascular. Outros sinais de trauma vascular são: a diminuição de pulsos carotídeos e do membro supe- rior, frêmitos, sopros na região cervical e perda da consciência. A lesão nervosa pode fi car sugerida por alterações de sensibilidade e motricidade, implicando na avaliação de lesão medular e do plexo braquial (per- da de força no membro superior). E vale lembrar também que as lesões de faringe e esôfago são traiçoeiras. Apresenta sintomatologia escassa (disfagia, hematêmese, enfi sema subcutâneo, hematoma cervical) e, se for inadvertidamente libe- rada a dieta a esses pacientes, ocorre mediastinite e choque séptico progressivo. III- Assintomáticos. Há apenas a presença do ferimento, mas na ausência de sintomas. Aqui en- quadram-se os pacientes com ferimentos de artéria carótida por trauma fechado que leva a grave lesões neurológicas mesmo dias depois do trauma. O exame clínico não é confi ável e a experiência do cirur- gião será importante no manejo desses ferimen- tos. Há de se saber os critérios para provável trauma vascular após trauma fechado: � Mecanismo do trauma de grande hiperextensão- -rotação (mais comum); � Contusão direta do pescoço; � Trauma intraoral; presença de fraturas do terço médio da face e mandíbula; associação muitas vezes com fraturas de cervical; � Fratura de base de crânio. TCE com lesão axonal difusa; fratura de esfenóide ou porção petrosa do osso temporal; � Sinal do cinto de segurança no pescoço. Esses traumas fechados podem resultar em dis- secção, trombose e formação de pseudoaneurisma, fístula carotídea-corpo cavernoso ou ainda rotura ar- terial completa (fatal). A síndrome de Horner (ptose, miose e anidrose) pode também aparecer em lesão as- sociada à trauma de carótida interna (ACI). Mais de 90% das lesões vasculares por trauma fechado aco- metem a artéria carótida interna na sua porção distal, sendo difícil de ser avaliado por Doppler. O raio X cervical perfi l (C1-T1), tórax PA, a endos- copia aerodigestiva e a ultrassonografi a arteriovenosa (ultrassom doppler colorido) poderão ser de grande valia na avaliação do trauma cervical. Atualmente, a angiotomografi a de cortes fi nos (multislice) vem subs- tituindo a arteriografi a e aumenta o diagnóstico de trauma cervical com diminuição do impacto signifi ca- tivo das lesões neurológicas que ocorriam em 50% dos casos da região cervical e transição cervicotorácica. Pacientes com trauma cervical instáveis he- modinamicamente tem de ir à cervicotomia com ou sem toracotomia (e mais raramente à esternotomia), dependendo da zona lesada. Já os pacientes estáveis poderão fazer os exames necessários para depois re- alizar a abordagem cirúrgica guiada pelos exames. Os pacientes com sinais clínicos evidentes de lesão vascular ou no trato aerodigestório requerem exploração cirúrgica do pes coço por cervicotomia na borda interna do esternocleidomastoideo desde a zona I até a zona III (descritas abaixo), fazendo-se a secção do músculo omo- -hioídeo. Esses sinais clínicos incluem hemorragia ex- terna signifi cativa, hematoma grande ou em expansão, saída de ar pelo ferimento com a respiração, fístula com presença de saliva na região cervical, crepitação no pesco- ço, alterações da voz, disfagia e odinofagia. Zonas do pescoço Zona I (zona da arteriografi a): o paciente com ferimento de zona I estável deverá ir à arteriografi a. Acesso cirúrgico: caso esteja instável hemo- dinamicamente, uma das melhores abordagens aos vasos subclávios é a retirada da clavícula e contenção direta do sangramento podendo associar-se com tora- cotomia anterolateral (4º ou 5º EIC) se necessário. Zona II (zona das endoscopias – EDA e bron- coscopia): pacientes com lesões penetrantes na zona II que eram todos de conduta obrigatoriamente ci- rúrgica na II Guerra Mundial, hoje têm abordagem mais seletiva, guiando-se conforme o resultado dos exames, sobretudo EDA e broncoscopia nessa região. Entretanto, a conduta obrigatória na exploração de ferimentos de Zona II deverá ser empregada na au- sência de equipamento diagnóstico necessário. Além disso, lesões transfi xantes por FAF de zona II têm alta probabilidade de lesão signifi cativa e ainda têm indicação de cervicotomia de urgência sem necessidade de maiores exames diagnósticos. O Doppler de
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