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MOTRICIDADE HUMANA 2007 BEREOFF 55_48 (1) (1)

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. ⁄ . ⁄ . l  l  , º  l -  55
Epistemologia da motricidade humana
  *
Resumo l Nesse breve pensamento, ora apresentado de forma ensaística, não tivemos a pretensão de 
fazer nenhuma descrição histórica detalhada e cronologicamente precisa das intervenções científicas no 
campo da motricidade humana, muito menos tentamos, de forma maniqueísta, justificar as inferências 
científicas sobre a motricidade humana como resultado dos construtos de uma subjetividade deformada 
pelo domínio do capital sobre o processo de formação social. Diante da cisão histórica entre Razão e 
Corpo, não buscamos, ao modo do espírito racionalista, uma reconciliação forçada, mas apenas ensaiamos 
algumas breves especulações e reflexões críticas ao desenvolvimento de um pensamento científico atrelado 
a uma concepção dualista de mundo, que tem resultado concomitantemente em uma forma regressiva 
reservada à Corporeidade.
Palavras-chave l motricidade humana, epistemologia, corporeidade.
Title l Epistemology of Human Motricity
Abstract l In this short paper we did not intend to make a detailed historical description – at the same time 
chronologically correct – of scientific interventions in the field of human motricity. And we did not try 
to manipulate thed justification of scientific interferences in human motricity as a result of a subjectivity 
distorted by the domination of capital upon the process of social formation. Before the historical division 
between Reason and Body, we did not try – according to the rationalistic spirit – a forced reconciliation, 
but we simply tried a few speculations and critical reflections concerning the development of a scientific 
spirit connected with a dualistic conception of the world, which has turned into something regressive 
and reserved to corporeity.
Keywords l human motricity, epistemology, corporeity.
Data de recebimento: 09/02/2004.
Data de aceitação: 27/02/2004.
* Professor doutor da Universidade de Santo Amaro (Unisa) e do 
Centro Universitário Fieo (Unifieo).
1. introdução
“O caminho, que parecia seguro pela luz da razão, 
provavelmente foi perdido justo no momento de 
maior intensidade luminosa; a luz que buscava 
iluminar o outro para conhecê-lo e, assim, conhe-
cer também a si mesmo em demasia, tal como os 
quarenta anos de sol do deserto de Canaã, parece 
ter provocado uma vertigem no indivíduo; este, 
ao ter a impressão de que tudo girava ao seu redor, 
acreditou ter chegado à terra prometida, à terra 
das essências, onde tudo está ao seu alcance, onde 
tudo é assim, e não pode ser de outro jeito: esta 
é a verdade a Moisés revelada pela luz divina, e 
ao homem moderno, pela luz da Razão domi-
nadora” (Bereoff, 2003, p. 60).
Antes de narrarmos a história anunciada, há 
necessidade de esclarecermos a perspectiva que 
será abordada nessa questão, pois assim, talvez, não 
haja confusão com outros métodos analíticos sin-
téticos existentes nas ciências naturais, como, por 
exemplo, o historicismo.
Nessa vertente histórica nos debruçaríamos, 
inevitavelmente, sobre conceitos, classificações e 
tábuas da sucessão cronológica dos fatos em nossa 
área de conhecimento, como, por exemplo:
1. Episteme ou Ciência: é um campo ou área de 
conhecimento que possui um objeto de estu-
do específico, com procedimentos próprios 
para aquisição e exposição de seus conheci-
mentos, e com formas próprias de demons-
tração e prova de seus resultados.
2. Classificação das ciências (ou diferentes Epis-
temes do conhecimento humano):
• Ciências exatas (aritmética, geometria, 
lógica etc.)
• Ciências naturais (física, química, biolo-
gia etc.)
56   l Epistemologia da motricidade humana . ⁄ . ⁄ . l  l  , º  l -  57
• Ciências humanas e sociais (psicologia, 
sociologia, história etc.)
• Ciências aplicadas (engenharia, arquite-
tura, direito, medicina etc.)
3. Quadro histórico da relação entre educação 
física e o campo das ciências
baila os mais diferentes ismos: mecanicismo, redu-
cionismo, positivismo, tecnicismo etc., todos tendo 
como raiz uma concepção dualista, desvelando, 
assim, um verdadeiro estado de crise na área de 
educação física, que, por excelência, atua sobre a 
motricidade humana.
Entretanto, essa crise é uma totalidade, e a edu-
cação física, como um instrumento para auxiliar na 
formação da corporeidade, está inserida numa crise 
de formação cultural de nossa sociedade. Este é o 
motivo pelo qual não podemos cometer o equívoco 
de interpretar o todo pelas suas partes disjuntas, 
atribuindo às diferentes ciências, que historicamen-
te têm prestado subsídios a nossa área de conheci-
mento, o ônus desta crise que ora nos abate.
Devemos sempre ter em mente que somos seres 
históricos, em um mundo socialmente dualista, e 
pensamos desta forma, pois a redução/disjunção 
está presente em nosso discurso, em nosso pensa-
mento e em nossa ação, apresentando-se como 
dominante em todo o processo de desenvolvimento 
da racionalidade social. 
Esse processo estabeleceu ser a ciência a “[…] 
ordem verdadeira do conhecimento, capaz de domi-
nar a natureza por meio da técnica, esta assume a 
característica de força produtiva, de forma social 
assumida pelo trabalho, como universalidade oni-
presente de uma sociedade unidimensional” (Be-
reoff, 1999, p. 81).
Assim, devemos esclarecer que a Ciência é uma 
forma criada pela Razão para interpretar e intervir 
na realidade, portanto, crítica da sociedade que 
cria e utiliza-se da ciência é crítica da razão.
No equívoco histórico da Razão em criar um 
Mundo mágico e imutável, podemos, rapidamente, 
lembrar-nos dos pensamentos de alguns predeces-
sores de nossa visão metafísica, como, por exemplo, 
Heráclito, que dizia ser a realidade efêmera, passagei-
ra. Nossos sentidos, todavia, enganam-se e a vêem 
como estável, permanente, por isso devemos afastar-
nos dos sentidos, que são enganosos e, por meio da 
razão, alcançar a verdade de um mundo transitório.
Oposto ao pensamento de Heráclito, Parmêni-
des dizia que o Mundo das coisas é composto por 
essências imutáveis, as quais nossos sentidos não 
alcançam. Eles só percebem a imagem de um mun-
do em uma constante mudança, e somente por 
A motricidade humana à luz dos 
diferentes conhecimentos científicos
Vertentes Disciplinas de intervenção
Biológica
• Αnatomia
• Fisiologia
• Biomecânica
Psicológica
• Psicologia do 
desenvolvimento
• Psicologia do 
comportamento
Sócio-histórica
• Sociologia
• Antropologia
• História
Fenomenológica • Filosofia
Realmente, tal empreitada iria de encontro a 
nossa intencionalidade, nossa vontade de poder 
analisar criticamente as condições objetivas dadas 
em nossa área de conhecimento, nosso desejo de 
narrar um outro dizer (allo-agorein), sem levar em 
conta que estaríamos nos afastando de nossa pro-
posição de buscar uma reflexão crítica radical, rigo-
rosa e contextualizada sobre os conhecimentos 
científicos aplicados à motricidade humana.
Pensamos ser mais digno não dizer o que a 
coisa é, impondo um conceito final à história, e sim 
tentar concentrar todo o esforço simplesmente na 
narrativa de como a coisa ocorreu em alguns mo-
mentoshistóricos; assim, daremos a liberdade do 
outro pensar: essa coisa deve ser ou é assim; pro-
porcionar a possibilidade de uma outra história é 
o fim primordial.
Após um longo período de predomínio de uma 
heteronomia cientificista imposta ao Corpo Huma-
no pelos segmentos anatomometafísico e técnico-
político, começou-se a observar o início de uma 
vertente filosófica com um discurso sobre a Cor-
poreidade, criticando e denunciando as atitudes 
equivocadas e inadequadas no tratamento dado à 
motricidade humana. Discurso este que trouxe à 
56   l Epistemologia da motricidade humana . ⁄ . ⁄ . l  l  , º  l -  57
meio da razão é possível alcançar a identidade do 
ente, do objeto da realidade que nunca se alterará.
Seguindo o pensamento de Parmênides, Sócrates 
acreditava que os sentidos levavam-nos apenas às 
opiniões falsas, mutáveis e contraditórias, e somen-
te a razão, num esforço de questionar a si mesma, 
de conhecer-se a si mesma seria capaz de alcançar 
a essência íntima e verdadeira das coisas, alcançar 
o Conceito, idéia única e verdadeira para todos e 
em todos os tempos.
Essa visão dualista que separa o mundo em 
matéria e espírito, sentido e razão, corpo e alma, 
sujeito e objeto, que passou a orientar todo o desen-
volvimento da cultura ocidental, impulsionando 
uma lógica cientificista como “único” e “verdadeiro” 
meio para a explicação de toda e qualquer realidade, 
será, nesse breve ensaio, nosso objeto de análise 
para tentarmos entender um pouco mais sobre a 
atual relação entre as Ciências do homem e sua 
motricidade.
2. o corpo cindido: a festa de 
representação de um mundo 
mágico
Essa separação não é magia. Como diz Adorno: 
“[…] a separação sujeito e objeto é real e aparente 
[…]” (Adorno, 1995, p. 182), uma separação cria-
da pelo intelecto que só consegue se ver como 
dominante ao se separar do corpo, ao ver este não 
como um ser, mas como um objeto manipulável.
Portanto, podemos pensar ser o dualismo não 
uma situação necessária, é claro – uma situação real 
–, mas que surge da ilusão racional da existência 
de um mundo estável, imutável e, portanto, má-
gico, em que o homem acredita que, se for conhe-
cido, descoberto pela razão, é possível não mais 
sentir-se ameaçado.
Essa representação, a partir da idéia da existên-
cia de um mundo imutável, só se tornou possível 
pela separação abstrata feita pelo próprio homem 
de seu ser em matéria e espírito, corpo e alma.
Para a razão pareceu ser impossível manter o 
contato sensível com os objetos, um contato que 
evidencia a mutabilidade da realidade, o Werden, 
que denuncia a existência de uma heterogeneidade, 
de uma multiplicidade do ser e dos entes externos.
Perante a totalidade desse mundo efêmero, a 
razão é impotente, e, para suportar a dor e o sofri-
mento, nascidos da certeza de que ela também um 
dia perecerá, cria arbitrariamente a ilusão de que 
pode, por suas próprias leis, negar os sentidos 
corpóreos, que naturalmente captam as mudanças, 
fechando-se, por conseguinte, para a influência do 
poder da infinitude externa.
Assim, a razão cria, de forma fictícia, um mun-
do em que a ordem única e verdadeira das coisas 
é a que ela foi capaz de “conhecer”: uma represen-
tação unívoca, que exclui seus sentidos corporais; 
uma idéia hipostasiada que a faz viver festivamen-
te seu grande equívoco, a crença nesse seu mundo 
mágico criado por um Eu onipotente.
Segundo Nietzsche: “O pesquisador dessas ver-
dades procura, no fundo, apenas a metamorfose do 
mundo em homem, luta por um entendimento do 
mundo como uma coisa à semelhança do homem 
e conquista, no melhor dos casos, o sentimento de 
uma assimilação” (Nietzsche, 1996, p. 58). Ainda 
segundo Nietzsche:
“[…] deduzo a noção de ser da noção de eu, 
representando-se as coisas como existentes à sua 
imagem e semelhança […] O que tem de estra-
nho que depois não haja encontrado nas coisas 
mais que aquilo que ele mesmo havia posto 
nelas? […] a noção da coisa não é mais que um 
reflexo da crença no eu como causa” (Nietzs-
che, 1945, pp. 39-40; trad. do autor).
Mais uma vez entramos na problemática do 
conceito, da idéia que, como representação subje-
tiva de uma determinada objetividade, reduz toda 
a multiplicidade do objeto a uma única expressão 
possível pelo sujeito, as infinitudes do ente reduzi-
das às finitudes do aparato intelectual. 
O problema, porém, não está no fato de fazerem-
se representações; muito pelo contrário, várias re-
presentações indicariam uma constante tentativa 
de aproximação, indicariam a razão no desenvol-
vimento de suas capacidades de reconciliação com 
o outro. 
Buscar desenvolver suas faculdades miméticas 
é tentar conhecer a si mesmo, e isso não é regres-
são nem magia.
58   l Epistemologia da motricidade humana . ⁄ . ⁄ . l  l  , º  l -  59
O erro está na representação única, que acredita 
não depender mais do objeto, por julgar que a idéia 
é indiferenciada daquele – a consciência da iden-
tidade do espírito; mesmo que este objeto perma-
neça à sua frente como um verdadeiro outro, a 
mediação é negada, e essa negação em demasia 
afasta o sujeito do conhecimento do objeto e de si 
mesmo, ao esquecer o quanto ele mesmo é objeto. 
Isso nos leva a compreender, como salientam Ador-
no e também Nietzsche, que forma e conteúdo são 
inseparáveis; no entanto, a si-mesmidade em dema-
sia é o fundamento de todo o conhecer racional.
Caberia lembrar aqui um posicionamento mui-
to otimista de Adorno, em “Sobre sujeito e objeto” 
(Adorno, 1995, p. 184), ao expor que a reconcilia-
ção deve ser uma comunicação do diferenciado, em 
que o sujeito aproxima-se do objeto com humilda-
de, pois se reconhece limitado perante a diversidade 
daquele.
O sujeito trai o que poderia haver de melhor, a 
mediação recíproca, porque a interdependência só 
pode ser negada ideologicamente; mas tal traição 
se dá em nome de uma resistência ao medo, porque 
o reconhecimento da mediação recíproca traria a 
reboque a verdade de que o sujeito cognoscente só 
alcança de forma parcial e momentânea aquilo que 
o objeto deixa, em determinada perspectiva, refle-
tir de sua realidade. Podemos, assim, concordar 
que o objeto não é um algo pobre e cego, mas que 
precisa da subjetividade para liberar a verdade 
que está contida nele (Adorno, 1975, pp. 185-7).
Reconhecer a primazia do objeto nessa relação 
significa aceitar que a dominação do sujeito não é, 
e não poderá ser, total; é aceitar o fato de estar fada-
do à angústia da incerteza em um mundo real.
Diante de uma natureza que infunde tamanho 
temor, o homem cria, por um ato não de magia, mas 
real, uma segunda natureza, a partir da idéia de 
um mundo mágico, o qual violenta os objetos 
ao excluir tudo aquilo que lhes pertence, mas que 
ele não compreende; podendo, assim, com esse mais 
ínfimo conhecer de que foi capaz, arbitrariamente 
nomear a “única” e “verdadeira” representação do 
ente. É o exemploque nos dá Nietzsche (1996, 
p. 56), a respeito de uma espécie de folha primor-
dial, que se forma em nosso intelecto, por meio 
do abandono de todas as diferenças individuais 
existentes entre as mais diversas folhas; uma arbi-
trariedade da razão, que se julga no direito de sele-
cionar, classificar e excluir as individualidades, a 
fim de fazer representações sem mais qualquer 
mediação direta com o objeto, para, assim, serem 
comunicadas entre os homens.
Devemos recusar essa falta de mediação como 
ideológica, pois, como nos lembra Adorno: “Nem 
mesmo com idéia o sujeito pode ser pensado sem 
o objeto, enquanto este existe sem aquele” (Ador-
no, 1975, pp. 185-7).
O curso da humanidade sempre buscou a “ver-
dade” única e obrigatória para todos e em todos 
os tempos, um pacto social de se adequar e usar 
sempre as mesmas representações unívocas, as 
mesmas metáforas impostas socialmente sobre o 
indivíduo.
Nietzsche buscou denunciar que a vontade de 
verdade tem, em sua gênese, uma imposição do 
processo social, e Adorno afirmou que “Crítica da 
sociedade é crítica do conhecimento, e vice-versa” 
(Adorno, 1995, p. 189).
Portanto, fazer a crítica à educação física impli-
ca reconhecer a sua cumplicidade com um proces-
so social objetivo, que a levou fazer representações 
corporais que são hoje formas condicionantes hi-
postasiadas, verdadeiras promessas milagrosas, que 
não nos proporcionam mais os dois elementos fun-
damentais do processo de formação da subjetivi-
dade, que são a mediação com o objeto (corpo) e 
a continuidade dessa relação, em outras palavras, 
a verdadeira experiência formativa.
Para essa importante reflexão crítica, podemos 
destacar a contribuição de alguns pensadores da 
área fenomenológica a essa nova visão da realida-
de corporal, como, por exemplo, Husserl (pai da 
fenomenologia), que, em contraposição à concep-
ção clássica de dedução na Ciência que buscava 
demonstrar, propõe “ir às coisas em si mesmas”, 
explicitando e descrevendo as estruturas do fenô-
meno. Uma volta do sujeito em comunicação com 
o objeto, a primazia do objeto. O objetivo precípuo 
da fenomenologia é a busca da essência das coisas, 
descrevendo a experiência tal como ela vai se dan-
do, de modo que se atinja a realidade como ela é.
Heidegger, insatisfeito com o pensamento de 
Husserl, buscou outra fundamentação ontológica, 
58   l Epistemologia da motricidade humana . ⁄ . ⁄ . l  l  , º  l -  59
pois a fenomenologia deve entender a existência 
numa determinada situação que se apresenta ao 
sujeito. Ela deve reconhecer a facticidade, o que 
Heidegger chama de Dasein: Ser-aí, Ser-no-mundo.
A fenomenologia não se deve contentar em 
apenas descrever o fenômeno, mas interrogá-lo, 
compreendê-lo, decifrá-lo, pois a coisa-em-si não 
se mostra à primeira vista, pondo à mostra os 
elementos menos aparentes dos fenômenos (her-
menêutica).
Merleau-Ponty concorda com Heidegger em 
que devemos não apenas descrever o mundo, mas 
interpretá-lo, decifrá-lo, entretanto isto deve ser 
feito antes de qualquer tematização da razão. O 
mundo está sempre aí, antes da reflexão, e a per-
cepção do sujeito é o relacionamento original com 
o mundo, um contato ingênuo com o mundo, a 
experiência primeira que não tem a pretensão de 
transformar o mundo em homem.
Com base nesse pensamento fenomenológico, 
Manuel Sérgio dizia que o homem é um projeto 
portador de sentidos, uma corporeidade que por 
meio da intencionalidade operante ou motricidade 
busca de forma infinda e inglória experimentar o 
mundo para transcender o status quo.
Assim, para nós, a maior contribuição da feno-
menologia e mais especificamente de Manuel Sérgio 
para a educação física é o resgate da experiência for-
mativa, que, na atual situação, encontra-se em 
baixa no processo de formação cultural de nossa 
sociedade, e deverá permanecer dessa forma en-
quanto não percebermos que, juntamente com o 
medo da natureza, perdemos também a capacidade 
de experimentar, vivenciar o mundo que somos 
(corpo) no mundo que estamos.
E para aqueles que relutam em olhar diretamen-
te para o próprio fenômeno da educação física em 
sua forma social, que apresenta divergências con-
ceituais explícitas, deixamos uma última provoca-
ção nas palavras do “Pensador entre os séculos”:
“Aos que desprezam o corpo quero dizer-lhes a 
minha opinião. Não devem mudar de preceito, 
nem de doutrina, mas, simplesmente, desfaze-
rem-se do corpo, o que lhes tornará mudos. ‘Eu 
sou corpo e alma’ – assim fala a criança. – Por 
que não se há de falar como as crianças? Mas o 
homem desperto, e sábio, diz: ‘Todo eu sou 
corpo, e nada mais; a alma não é mais que um 
nome para chamar algo do corpo’. O corpo é 
uma grande razão, uma multiplicidade com um 
só sentido, uma guerra e uma paz, um rebanho 
e um pastor. Instrumento de teu corpo é também 
a tua pequena razão, irmão, a que chamas de 
‘espírito’: um pequeno instrumento, e brinquedo 
de tua grande razão” (Nietzsche, 1954, p. 53).
Referências bibliográficas
ADORNO, T. W. Dialética negativa. Trad. de J. M. Ripalda. 
Madri: Taurus, 1975.
__________. “Sobre sujeito e objeto”. In: Palavras e sinais: 
Modelos críticos 2. Trad. de M. H. Ruschel. Petrópolis: 
Vozes, 1995.
BEREOFF, P. S. Experiência formativa e educação física. São 
Paulo: Unisa, 1999.
__________. A arte de exercitar o corpo nu: Resistência à 
regressão corporal. Tese de Doutorado. Piracicaba, 2003 
(mimeo).
NIETZSCHE, F. W. El crepúsculo de los ídolos: O como se 
filosofa al martillo. Trad. de P. G. Blanco. Buenos Aires: 
Equis, 1945.
__________. Assim falava Zaratustra: Um livro para todos e 
para ninguém. Trad. de M. F. dos Santos. São Paulo: 
Logos, 1954.
__________. “Sobre verdade e mentira no sentido extra-
moral”. Col. Os Pensadores. Trad. de R. R. Torres Filho. 
Sel. de textos de G. Lebrun. In: Obras incompletas. São 
Paulo: Nova Cultural, 1996.
Notas
1 Texto elaborado a partir de aforismos de nossa tese de 
doutorado, A arte de exercitar o corpo nu: Resistência à 
regressão corporal, defendida em Piracicaba (SP), para a 
palestra proferida no III Encontro de Pesquisadores de 
Motricidade Humana, realizado na USJT, em 30 de março 
de 2006.
60   l Epistemologia da motricidade humana

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