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3 BIOMOLÉCULAS Cap. 1 Na natureza existem 81 elementos estÆveis, estando apenas 15 deles presentes em todos os seres vivos e sendo os mais abundantes o hidro- gŒnio, oxigŒnio, carbono e nitrogŒnio. Como mostrado na Tabela 1.1, se descontar- mos a Ægua que corresponde a 70% do peso total do corpo humano, a composiçªo de Ætomos no organismo Ø bastante diferente da encontrada na crosta terrestre e na Ægua do mar. Todos os seres vivos apresentam uma composiçªo de elementos bastante semelhante, que se mantØm praticamente constante durante a vida dos organismos e que difere consideravelmente do meio que os cer- cam. A Tabela 1.1 tambØm nos mostra que, ex- cluindo-se as molØculas de Ægua, o hidrogŒnio e o carbono sªo responsÆveis por aproximadamen- te 80% dos Ætomos que constituem o ser huma- no, sendo esta tambØm a constituiçªo de todos os organismos vivos. A predominância do car- bono na matØria viva Ø sem dœvida o resultado da tremenda versatilidade química deste Ætomo quando comparado com os outros elementos. O carbono tem a habilidade singular de formar um infinito nœmero de compostos, como resul- tado de sua capacidade de fazer quatro ligaçıes covalentes estÆveis (incluindo simples, dupla e tripla ligaçıes) combinada a sua habilidade de BiomolØculas formar cadeias (C-C) de extensªo ilimitada (li- neares, ramificadas ou cíclicas). Assim, dos mais de 10 milhıes de compostos químicos conheci- dos atØ o momento, quase 90% sªo substâncias orgânicas, isto Ø, que contŒm Ætomos de carbo- no em sua estrutura. A química dos organis- mos vivos estÆ, portanto, organizada ao redor do elemento carbono que corresponde a aproxi- madamente 60% do peso seco (38% do total de Ætomos) das cØlulas. Aos esqueletos de carbono, podem estar li- gados conjuntos de Ætomos com característi- cas peculiares, chamados grupos funcionais. Os grupos funcionais conferem às molØculas a que estªo ligados propriedades químicas dife- rentes. A Fig. 1.1 representa os principais gru- pos funcionais encontrados nas biomolØculas, que podem ser multifuncionais, ou seja, apre- sentarem dois ou mais grupos funcionais em sua estrutura. As molØculas orgânicas nos organismos vi- vos sªo geralmente grandes e formadas de um conjunto de molØculas menores ligadas entre si formando as chamadas macromolØculas. Os seres vivos sªo constituídos basicamente de quatro tipos de macromolØculas: Lucia O. Sampaio Leny Toma Yara M. Micchelacci Helena B. Nader MarimØlia A. Porcionato 4 VOL. 1 BASES MOLECULARES DA BIOLOGIA, DA GENÉTICA E DA FARMACOLOGIA Cap. 1 1. Proteínas (polipeptídeos) fi polímeros de aminoÆcidos. 2. Carboidratos (açœcares) fi monossacarí- deos e polímeros de monossacarídeos. 3. Lipídeos fi macromolØculas hidrofóbicas contendo longas cadeias (lineares ou cí- clicas) de hidrocarboneto na forma de Æcido graxo ou isoprenóides e derivados. 4. `cidos nuclØicos fi polímeros de nucleotí- deos (serªo tratados em capítulo específico) AMINO`CIDOS E PROTE˝NAS Proteínas sªo as macromolØculas mais abun- dantes da cØlula, sendo formadas por uma longa cadeia de aminoÆcidos unidos entre si por liga- çıes peptídicas. AminoÆcidos Sªo os blocos constituintes das proteínas e se caracterizam por apresentarem dois grupos funcionais ligados ao mesmo carbono (carbono a ): uma amina e uma carboxila. A Fig. 1.2 mos- tra a estrutura geral de um aminoÆcido, e a Fig. 1.3 mostra a estrutura da glicina (œnico amino- Æcido que nªo apresenta um grupo R no car- Tabela 1.1 Composiçªo do Corpo Humano, Crosta Terrestre e `gua do Mar Corpo Crosta `gua do Humano Terrestre Mar % H2O* 70 0 96 % de Ætomos** H 41 O 47 Cl 49 C 38 Si 28 Na 42 N 5 Al 8 Mg 5 O 4 Fe 5 S 2 Ca 1 cA 3 Ca 1 outros 11 outros 9 outros 1 *Valores dados como porcentagem do peso total. **Valores dados como porcentagem do total de Ætomos excluindo-se os constituintes das molØculas de Ægua. Fig. 1.1 Principais grupos funcionais encontrados nas biomolØculas. Todos os grupos estªo mostrados em sua for- ma nªo-ionizada. bono a ) e da prolina (œnico aminoÆcido que nªo possui um grupo amina ligado ao carbono a ). A identidade e as propriedades químicas de cada aminoÆcido sªo determinadas pela natureza da cadeia lateral (grupo R) covalentemente liga- da ao carbono a . Dependendo do tipo do grupo R ligado, podemos encontrar na natureza 20 diferentes aminoÆcidos. A Fig. 1.4 nos mostra esses aminoÆcidos classificados segundo a pola- ridade de seus grupos substituintes. Isomeria Óptica dos AminoÆcidos Com exceçªo da glicina, o carbono a de todo aminoÆcido Ø assimØtrico, ou seja, estÆ liga- do a quatro diferentes grupos de Ætomos (grupo amina, grupo carboxila, grupo R e hidrogŒ- nio). Um carbono assimØtrico determina a iso- meria óptica de um composto, que pode, portanto, se apresentar sob duas formas opti- camente ativas: isômero D ou isômero L. Estes isômeros sªo imagens especulares um do outro e tŒm a característica de desviar o plano da luz polarizada para lados opostos. Se, por exemplo, o isômero L desvia a luz polarizada de x graus para a esquerda, o isômero D des- viarÆ este plano para a direita com um ângulo do mesmo valor. Por convençªo, quando um aminoÆcido Ø colocado com sua carboxila para cima e gru- 5 BIOMOLÉCULAS Cap. 1 Fig. 1.3 Estrutura da glicina que nªo apresenta um gru- po R substituinte e da prolina que Ø o œnico aminoÆcido cujo carbono a se liga a um grupo imida, em vez de amina (grupo R ligado a amina e gerando um grupo imida). po R para baixo, dizemos que este aminoÆci- do Ø D quando sua amina estÆ representada para direita e L quando estÆ para a esquerda (Fig. 1.5). Os aminoÆcidos que ocorrem nas proteínas sªo todos da forma L, embora existam na na- tureza alguns D aminoÆcidos, como, por exem- plo, os presentes na parede celular de bactØrias e alguns antibióticos. O nœmero de isômeros ópticos (I) de um com- posto orgânico depende do nœmero de carbonos assimØtricos (n) da molØcula fi I =2n. Entre os 20 aminoÆcidos existentes, apenas dois deles tŒm outro carbono assimØtrico alØm do carbono a : a treonina e a isoleucina. Estes aminoÆcidos apresentam um segundo carbono assimØtrico (o carbono b ) e portanto podem exis- tir sob a forma de 22=4 isômeros ópticos: dois isômeros D (D-Ile/Thr e D-allo-Ile/Thr) e dois isômeros L (L-Ile/Thr e L-allo-Ile/Thr). A Fig. 1.6 mostra a representaçªo dos isômeros ópticos de trŒs diferentes aminoÆcidos incluin- do os da isoleucina. Ligaçªo Peptídica Para formar proteínas os aminoÆcidos de- vem se unir entre si atravØs de ligaçıes covalen- tes, resultantes de uma reaçªo de desidrataçªo envolvendo o grupo amino de um aminoÆcido e o grupo carboxila do outro. A Fig. 1.7 represen- ta de forma esquemÆtica a uniªo entre dois ami- noÆcidos formando um dipeptídeo. Na ligaçªo peptídica a ligaçªo covalente C-N Ø usualmente representada por uma simples li- gaçªo, mas apresenta características de dupla (C = N) em decorrŒncia da ressonância de um par de elØtrons que Ø, na realidade, compartilha- do pelos Ætomos de nitrogŒnio e oxigŒnio como mostrado na Fig. 1.8a. Como resultado da resso- nância entre as duas formas, e a conseqüente ca- racterística de dupla, a ligaçªo peptídica Ø planar e rígida, apresentando, entretanto, livres rotaçıes ao redor dos eixos Ca-C (ângulo f ) e N-Ca (ân- gulo Y ), como esquematizado na Fig. 1.8b. Como conseqüŒncia dos diferentes ângulos de torçªo (Y e f ) que os eixos rotatórios podem assumir, os planos de duas ligaçıes peptídicas consecutivas podem sofrer deslocamentos variÆveis sendo, en- tretanto, algumas conformaçıes estericamente proibidas. Os valores normalmente permitidos Fig. 1.2 Estrutura geral de um aminoÆcido. Todos os aminoÆcidos (com exceçªo da prolina) tŒm a mesma es- trutura geral, isto Ø, que apresentam1 amina (NH2) e 1 carboxila (COOH) ligadas ao mesmo carbono (carbono a ), diferindo apenas no que diz respeito à constituiçªo do grupo R. Em pH fisiológico, a amina e a carboxila en- contram-se na forma protonada (+) e desprotonada (-), repectivamente. 6 VOL. 1 BASES MOLECULARES DA BIOLOGIA, DA GENÉTICA E DA FARMACOLOGIA Cap. 1 Fig. 1.4 Grupo R dos 20 aminoÆcidos mais comuns classificados segundo sua polaridade em quatro classes. Fig. 1.5 Isomeria óptica de um aminoÆcido. Com exceçªo da glicina, o carbono a de todo aminoÆcido Ø assimØtrico (*) e pode, portanto, se apresentar sob duas formas opticamente ativas: isômero D ou isômero L. Estes isômeros sªo imagens especulares um do outro e tŒm a característica de desviar o plano da luz polarizada para lados opostos. Por convençªo, quando desenhamos o aminoÆcido como na figura (COOH para cima e R para baixo) representamos a forma D com o grupo NH2 (n) para direita e L com o NH2 para a esquerda. 7 BIOMOLÉCULAS Cap. 1 Proteínas Sªo polímeros de aminoÆcidos covalente- mente ligados entre si por ligaçıes do tipo ami- da, envolvendo a amina de um resíduo e a carboxila do outro. Sªo, portanto, constituídas de uma cadeia de ligaçıes peptídicas (regiıes planares) unidas umas às outras atravØs de Æto- mos de carbono (Ca) ao qual tambØm estªo li- gadas as chamadas cadeias laterais (grupos R) dos diversos aminoÆcidos (Fig. 1.10). As proteínas ou peptídeos sªo usualmente representados como uma seqüŒncia linear dos aminoÆcidos que a constituem na ordem cor- reta, iniciando pela extremidade aminotermi- nal (aminoÆcido que contØm o grupo a -NH2 livre) e terminando com a carboxiterminal (ami- noÆcido que contØm o grupo a -COOH livre). A estrutura primÆria do citocromo c huma- no (104 resíduos) estÆ abaixo representada uti- lizando-se para os aminoÆcidos a abreviaçªo de uma letra: Fig. 1.6 Representaçªo dos isômeros ópticos da sØrie D e Lda valina, leucina e isoleucina. A valina e a leucina tŒm apenas um carbono assimØtrico (Ca) e, portanto, dois isômeros ópticos (D e L), sendo um a imagem especular do outro (enantiômeros). A isoleucina tem dois carbonos assimØtricos (Ca e Cb) e quatro isômeros ópticos: D-Ile, L-Ile (enantiôme- ros), D-allo-Ile e L-allo-Ile (enantiômeros). Fig. 1.7 Formaçªo de uma ligaçªo peptídica entre dois aminoÆcidos envolvendo a carboxila do aminoÆcido 1 e a amina do aminoÆcido 2 numa reaçªo de desidrataçªo. para os dois ângulos de torçªo estªo limitados a trŒs pequenas regiıes, como mostra o mapa con- formacional esquematizado na Fig. 1.9 (diagra- ma de Ramachandran). H2N-GDVEKGKKIFIMKCSQCHTVEKGGKHKTGPNLHGLFGRKTGQAPGYSYTAA NKNKGIIWGEDTLMEYLENPKKYIPGTKMIFVGIKKKEERADLIAYLKKATNE-COOH 8 VOL. 1 BASES MOLECULARES DA BIOLOGIA, DA GENÉTICA E DA FARMACOLOGIA Cap. 1 Fig. 1.8 Características da ligaçªo peptídica: a) estrutu- ra de ressonância do par de elØtrons entre o Ætomo de oxi- gŒnio e de nitrogŒnio b) plano da ligaçªo amida e pontos de rotaçªo entre esse plano e dois carbonos a consecuti- vos: rotaçªo no eixo Ca - C=O ( f ) e eixo C a — N (y ). por resíduos similares (ex.: Glu « Asp, Lys« Arg, Leu « Ile etc.). Conformaçªo As cadeias polipeptídicas podem assumir diferentes arranjos espaciais, enrolando-se e/ou dobrando-se em estruturas tridimensionais que podem ser descritas levando-se em conta dois aspectos: 1) estrutura secundÆria e 2) estrutura terciÆria. A estrutura secundÆria de uma proteína pode ser entendida como o arranjo no espaço dos Ætomos que formam a cadeia peptídica pro- priamente dita (... ¾ Ca ¾ CO ¾ NH ¾ Ca ¾ ...), e a conformaçªo das cadeias laterais (grupos R) dos aminoÆcidos nªo faz parte desta es- trutura. VÆrios tipos de estruturas secundÆrias podem ocorrer nas proteínas, mas as mais fre- qüentemente encontradas sªo trŒs: a -hØlice (a ), folha b -pregueada (b ) e hØlice do colÆgeno (C). Esses trŒs arranjos secundÆrios formam estru- turas periódicas que se repetem a intervalos re- gulares de 5.4(a ), 7.0( b ) e 86.1(C) angstrons e que ocorrem a cada 3.6(a ), 2.0(b ) e 30.0(C) resíduos. As Figs. 1.10 e 1.11 mostram esquematica- mente a estrutura de uma cadeia polipeptídica arranjada em a -hØlice e folha b -pregueada À seqüŒncia de aminoÆcidos que caracteriza uma determinada proteína damos o nome de es- trutura primÆria. Para um mesmo indivíduo, a seqüŒncia de aminoÆcidos de uma determinada proteína Ø sempre a mesma e o molde que codifica essa estrutura primÆria estÆ guardado no nœcleo da cØlula como molØculas de Æcido desoxirribonu- clØico (DNA). Dentro da mesma espØcie, entretanto, a es- trutura primÆria de uma proteína nem sempre Ø totalmente invariÆvel. Aproximadamente 25% das proteínas humanas sªo polimórficas, ou seja, apresentam dentro da populaçªo alguma varia- çªo na seqüŒncia de seus resíduos sem prejuízo da funçªo. Entre diferentes espØcies encontramos, mui- tas vezes, proteínas homólogas, que desempe- nham geralmente a mesma funçªo, como Ø o caso da citocromo c. A estrutura primÆria desta pro- teína foi determinada em mais de 50 espØcies animais e/ou vegetais, sendo verificado que apro- ximadamente 30% de seus resíduos sªo invariÆ- veis (aminoÆcidos iguais na mesma posiçªo em relaçªo ao polímero). Mesmo entre os aminoÆ- cidos que variam, muitos deles sªo substituídos Fig. 1.9 Diagrama de Ramachandran. ´ngulos de tor- çªo f e y estericamente permitidos para a polialanina (retângulos amarelos) e estruturas secundÆrias mais co- mumente encontradas nas proteínas (círculos verdes): a - hØlice ( a ). folha b -pregueada paralela (b 2) e antiparalela ( b 1). hØlice do colÆgeno (C). 9 BIOMOLÉCULAS Cap. 1 Fig. 1.10 Cadeia polipeptídica. Polímero de aminoÆcidos unidos por ligaçıes peptídicas em uma determinada seqüŒncia. (a estrutura do colÆgeno nªo serÆ discutida nes- te capítulo). Na a -hØlice a cadeia contendo as ligaçıes peptídicas estÆ enrolada como numa espiral sen- do cada volta constituída por 3,6 resíduos de aminoÆcidos e a distância entre cada elo (passo da hØlice) de 5.4A. A estrutura Ø estabilizada por pontes de hidrogŒnio de 2.8A envolvendo o oxi- gŒnio da carbonila (C=O) de uma ligaçªo pep- tídica e o hidrogŒnio da amida (NH) de outra ligaçªo peptídica distante quatro resíduos na se- qüŒncia da cadeia. Com relaçªo aos ângulos de torçªo, como vimos no diagrama de Ramachandran da Fig. 1.10, a a -hØlice apresenta f= 57 e y= 47. Os grupos R dos aminoÆcidos, como dissemos, nªo tŒm participaçªo direta na formaçªo da a -hØlice e estªo todos voltados para o lado ex- terno da espiral como mostra a Fig. 1.11. Na folha b -pregueada a cadeia contendo as ligaçıes peptídicas estÆ dobrada numa estrutura em ziguezague, sendo cada prega constituída por 2.0 resíduos de aminoÆcidos e a distância entre duas arestas do mesmo lado de 7.0¯ (Fig. 1.11). A formaçªo b -pregueada tambØm Ø esta- bilizada por pontes de hidrogŒnio que ligam re- giıes da cadeia polipeptídica, que podem estar associadas num arranjo paralelo (pontes ligam regiıes que correm na mesma direçªo) ou anti- paralelo (pontes ligam regiıes que correm em direçıes opostas). A Fig. 1.12 mostra a disposi- çªo das pontes de hidrogŒnio nos arranjos para- lelo e antiparalelo que apresentam em relaçªo à cadeia peptídica uma orientaçªo perpendicular (ponte medindo 3.3 ¯) e oblíquo (ponte medin- do 3.5 ¯) respectivamente. Com relaçªo aos ân- gulos de torçªo, temos para a conformaçªo b -pregueada paralela os valores de f = 119 e y = +113, e para a antiparalela f = 139 e y = +135. Os grupos R dos aminoÆcidos estªo ori- entados perpendicularmente ao plano da folha Fig. 1.11 Estrutura secundÆria das proteínas . Os pla- nos formados pelos Ætomos que constituem as ligaçıes pep- tídicas podem sofrer deslocamentos uns em relaçªo aos outros, formando diferentes arranjosentre os quais os mais freqüentes sªo os conhecidos como a -hØlice (formaçªo em espiral) e folha b -pregueada (formaçªo em ziguezague). A figura nos mostra um esquema dessas configuraçıes sob dois ângulos. dobrada, estendendo-se alternadamente para os lados opostos deste plano (Fig. 1.11). Uma œnica cadeia protØica pode apresentar uma ou mais tipos de estrutura secundÆria. Em- bora existam proteínas globulares constituídas apenas de a -hØlice (mioglobina, citocromo c) ou folha b -pregueada (concanavalina A), a maioria delas apresenta ambas as estruturas na mesma 10 VOL. 1 BASES MOLECULARES DA BIOLOGIA, DA GENÉTICA E DA FARMACOLOGIA Cap. 1 molØcula (em mØdia 31% de a -hØlice e 28% de folha b -pregueada). Tomando-se como exemplo uma proteína ge- nØrica constituída de 150 aminoÆcidos (aproxi- madamente 15.000 Da), e considerando-se as dimensıes de a -hØlice e de folha b -pregueada ilus- tradas na Fig. 1.11, podemos estimar que o com- primento dessa proteína esticada seria: Se constituída apenas de a -hØlice fi 1,46 angstrons por resíduo (5,4/3,7) x 150 resí- duos = cadeia de 219 angstrons de com- primento. Se constituída apenas de folha b -preguea- da fi 3,50 angstrons por resíduo (7/2) x 150 resíduos = cadeia de 525 angstrons de comprimento. Se constituída de 50% de regiıes em a -hØ- lice e 50% em folha b -pregueada fi = ca- deia de 372 angstrons de comprimento. A maioria das proteínas contendo de 100 a 200 aminoÆcidos, entretanto, mede aproxima- damente apenas 30 angstrons, o que implica que essas cadeias encontram-se dobradas sobre si mesmas formando uma espØcie de novelo ou glóbulo. As proteínas, portanto, independente- mente de sua estrutura secundÆria podem se apresentar de forma fibrilar (esticada) ou glo- bular (dobrada). A Tabela 1.2 nos mostra alguns tipos de proteínas e suas dimensıes estimadas (quando totalmente esticadas) e reais. A maneira com que a estrutura secundÆria de uma proteína se arranja no espaço tridimen- sional Ø conhecida como estrutura terciÆria. Es- trutura terciÆria de uma proteína, portanto, Ø o arranjo tridimensional de todos os Ætomos da proteína, incluindo os da cadeia lateral e qual- quer outro grupo prostØtico (outros Ætomos li- gados à proteína que nªo sªo aminoÆcidos). Algumas das interaçıes entre cadeias laterais de aminoÆcidos estªo representadas na Fig. 1.13 e Tabela 1.2 Estrutura No de Tamanho Tamanho real SecundÆria Resíduos Estimado Fibrilar Globular a -hØlice 500 730 ¯ a -queratinafi @ 700 ¯ Actina fi @ 40 ¯ Tubulina fi @ 40 ¯ folha b -pregueada 250 875 ¯ Fibroína da seda fi @ 900 ¯ Concanavalina A fi @ 40 ¯ Fig. 1.12 Pontes de hidrogŒnio que estabilizam as con- formaçıes em a -hØlice e folha b -pregueada. A estrutura secundÆria de uma proteína Ø estabilizada por pontes de hidrogŒnio. As a -hØlice sªo geralmente enroladas para di- reita (d), mas tambØm podemos ter o sentido inverso (e). As folhas b -pregueada podem se associar de forma paralela (a com b) ou antiparalela (b com c) sendo a conformaçªo pa- ralela menos estÆvel (pontes de hidrogŒnio mais distorcidas). sªo muito importantes na determinaçªo do ar- ranjo terciÆrio da cadeia protØica. Interaçªo Entre Proteínas Duas ou mais cadeias peptídicas podem in- teragir entre si formando agregados molecula- res (oligômeros). As vÆrias molØculas protØicas que constituem o complexo multimØrico se unem atravØs de ligaçıes nªo-covalentes como às re- presentadas na Fig. 1.13, que se estabelecem en- 11 BIOMOLÉCULAS Cap. 1tre as subunidades (interaçıes intermoleculares). Ao arranjo formado pela interaçªo entre as di- versas subunidades de um oligômero dÆ-se o nome de estrutura quaternÆria. O nœmero de ca- deias protØicas de um oligômero pode variar (ex.: Ælcool desidrogenase = 2, aldolase = 3, piruvato quinase = 4 insulina = 6 glutamina sintetase = 12, apoferrina = 24), e as subunidades que o constituem podem ser todas iguais (lactato desi- drogenase = 4) ou diferentes (hemoglobina = 2a +2 b ). A Fig. 1.14 mostra o exemplo de um heterodímero. Em resumo, a maneira com que a cadeia de aminoÆcidos de uma determinada proteína (es- trutura primÆria) se enrola e se dobra (estrutu- ras secundÆrias e terciÆrias), e a forma com que duas ou mais dessas cadeias podem interagir para formar agregados (estrutura quaternÆria) estªo esquematicamente representadas na Fig. 1.15. Desnaturaçªo de Proteínas A estrutura primÆria de uma proteína depen- de da formaçªo de ligaçıes peptídicas, que sªo covalentes. As estruturas secundÆrias, terciÆrias e quaternÆrias dessas cadeias, entretanto, sªo mantidas atravØs de forças fracas (nªo covalen- tes) como, por exemplo, pontes de hidrogŒnio, atraçıes eletrostÆticas, interaçıes hidrofóbicas, pontes com íons metÆlicos de coordenaçªo etc. A conformaçªo (estrutura 2Æria e 3Æria) e a agre- Fig. 1.13 Forças que estabilizam a estrutura terciÆria e quaternÆria de proteínas atravØs do grupo R (cadeias laterais) de seus aminoÆcidos. gaçªo (estrutura 4Æria) de cadeias protØicas po- dem ser, portanto, facilmente desfeitas. A perda da estrutura tridimensional de uma proteína Ø acompanhada pela perda de sua atividade bioló- gica, sendo esse processo conhecido como des- naturaçªo (Fig. 1.16). As proteínas podem ser desnaturadas de vÆ- rias maneiras: calor, variaçªo de pH, variaçªo da força iônica do meio, uso de detergentes (desfazem forças hidrofóbicas) e outros reagen- tes como urØia e cloreto de guanidina (desfa- zem pontes de hidrogŒnio). Se o meio volta às Subunidade a Subunidade b Proteína oligomérica (heterodímero) Fig. 1.14 Estrutura quaternÆria de uma proteína oligo- mØrica constituída de duas cadeias protØicas diferentes. As subunidades sªo unidas por ligaçıes fracas (nªo-covalen- tes) e podem ser dissociadas facilmente. H C C C C N N N 12 VOL. 1 BASES MOLECULARES DA BIOLOGIA, DA GENÉTICA E DA FARMACOLOGIA Cap. 1 condiçıes fisiológicas, a proteína desnaturada pode tambØm voltar à sua conformaçªo nativa e, portanto, reaver sua atividade biológica. Em- bora a renaturaçªo de uma proteína possa ser conseguida espontaneamente in vitro, como conseqüŒncia da informaçªo contida em sua própria estrutura primÆria, o dobramento de uma proteína na cØlula Ø feito de forma dife- rente. Recentes estudos mostraram a existŒn- cia de uma família de proteínas conhecida como chaperones, que parecem ser essenciais para a conformaçªo e associaçªo corretas das proteí- Fig. 1.15 Conformaçªo de uma proteína. A cadeia protØica Ø formada por uma seqüŒncia de aminoÆcidos ligados covalentemente (estrutura primÆria), que pode se enrolar de vÆrias maneiras (estrutura secundÆria) sendo os arranjos mais estÆveis os conhecidos como a -hØlice e folha b -pregueada (a mesma cadeia pode conter estruturas secundÆrias diferentes, em diferentes regiıes). O arranjo secundÆrio pode permanecer linear como um bastonete (forma fibrilar) ou dobrar-se vÆrias vezes sobre si mesmo como num novelo (forma globular). A maneira como a estrutura secundÆria se arranja no espaço formando bastıes ou novelos constitui a estrutura terciÆria de uma proteína. Uma ou mais cadeias protØicas podem, even- tualmente, formar agregados funcionais, sendo o arranjo conformacional resultante desta interaçªo intermolecular conhecido como estrutura quaternÆria. nas in vivo. Os chaperones, portanto, nªo só aceleram certas etapas do dobramento, mas tambØm impedem e corrigem interaçıes incor- retas ou prematuras. CARBOIDRATOS Carboidratos sªo as biomolØculas mais abundantes da Terra. O nome carboidrato (car- bono hidratado) deriva de sua fórmula empírica (C H2O)n, onde n ‡ 3. Na realidade, podemos definir carboidrato de forma mais precisa como 13 BIOMOLÉCULAS Cap. 1 Fig. 1.16 Desnaturaçªo de uma proteína. A conformaçªo espacialde uma proteína (estrutrura secundÆria, terciÆria e quaternÆria) Ø estabilizada por forças fracas (nªo-covalentes) que podem ser dissociadas facilmente (variaçªo de tempe- ratura, pH, força iônica etc.) Este processo de desenrolamento, desdobramento e dissociaçªo oligomØrica Ø conhecido como desnaturaçªo, e pode ser revertido se as condiçıes do meio voltarem ao normal. Fig. 1.17 Estrutura bÆsica dos carboidratos da sØrie das aldoses e cetoses. Os carboidratos possuem no mínimo trŒs Ætomos de carbono, sendo um deles substituído por uma carbonila e os outros por agrupamentos hidroxilas. poliidroxialdeídos ou poliidroxicetonas e subs- tâncias que, por hidrólise, geram estes compos- tos. A Fig. 1.17 ilustra a estrutura geral das unidades bÆsicas de carboidrato, mostrando tra- tar-se de compostos contendo uma carbonila (C=O) e pelo menos dois agrupamentos hi- droxilas (-OH). A carbonila pode estar na for- ma de aldeído ou cetona, o que caracteriza as duas principais sØries de açœcares: as aldoses e as cetoses, respectivamente. Por convençªo os carbonos que constituem as unidades de car- boidratos sªo numerados a partir do terminal mais próximo da carbonila. No caso das aldo- ses, portanto, o carbono da carbonila Ø sempre o nœmero 1, e no caso das cetoses, sempre o nœmero 2. Como jÆ vimos, o menor carboidrato deve conter pelo menos trŒs Ætomos de carbonos (treose), sendo as hexoses (C=6) os açœcares mais abundantes na natureza. A Fig. 1.18 nos mostra o nome dos açœcares contendo trŒs, qua- tro, cinco e seis carbonos das duas sØries. As di- 14 VOL. 1 BASES MOLECULARES DA BIOLOGIA, DA GENÉTICA E DA FARMACOLOGIA Cap. 1 Fig. 1.18 Tipos de grupos R que podem substituir a estrutura bÆsica das aldoses e cetoses representadas na Fig. 1.17, e nome dos carboidratos encontrados em cada classe. Fig. 1.19 Isomeria óptica das treoses. O œnico açœcar que nªo possui isomeria óptica Ø a cetotreose (diidroxicetona) pois nªo possui carbono assimØtrico. A aldotreose (gliceraldeído), por outro lado, possui 1carbono assimØtrico (*) e portan- to pode se apresentar sob duas formas opticamente ativas: isômero D e isômero L. O D e o L -gliceraldeído sªo imagens especulares um do outro e tem a característica de desviar o plano da luz polarizada com a mesma intensidade mas para lados opostos. No caso do gliceraldeído, o isômero D desvia a luz polarizada para a direita (dextrógero) e o L para a esquerda (levórgero). 15 BIOMOLÉCULAS Cap. 1 Fig. 1.20 Isomeria óptica das hexoses. As aldo-hexoses possuem quatro carbonos assimØtricos* e, portanto, podem-se apresentar sob 16 formas opticamente ativas, sendo oito na forma D (hidroxila de C-5 voltada para direita) e oito na forma L (hidroxila de C-5 voltada para esquerda). A posiçªo relativa das demais hidroxilas dos carbonos assimØtricos (C-2, C-3, C-4) determina os outros isômeros ópticos da aldo-hexose (glicose, manose, galactose, idose, alose altrose, gulose e talose). As ceto-hexoses posuem trŒs carbonos assimØtricos (oito estereoisômeros), sendo metade deles da forma D e a outra metade na forma L (OH de C-5 para a direita e esquerda, respectivamente). A posiçªo das hidroxilas dos carbonos C-3 e C-4 define os outros isômeros (frutose, psicose, sorbose e tagatose). ferenças estruturais entre os compostos da mes- ma classe (mesma sØrie e mesmo nœmero de car- bonos) serªo analisadas após o entendimento da estereoquímica das unidades bÆsicas que consti- tuem os carboidratos. Estereoquímica dos Carboidratos (isomeria óptica) Como vimos anteriormente quando nos re- ferimos aos aminoÆcidos, um carbono assi- mØtrico (ligado a quatro diferentes grupos de Ætomos) determina a isomeria óptica de um composto. Na Fig. 1.19 temos representados os dois carboidratos mais simples, ou seja, a aldotreo- se (tambØm conhecida como gliceraldeído) e a cetotreose (diidroxicetona). Ao analisarmos suas fórmulas estruturais, vemos que apenas o gliceraldeído apresenta carbono assimØtrico (o carbono no 2), podendo, portanto, apresentar isomeria óptica. 16 VOL. 1 BASES MOLECULARES DA BIOLOGIA, DA GENÉTICA E DA FARMACOLOGIA Cap. 1 Por convençªo, quando a fórmula de um açœcar Ø representada na forma vertical, com o carbono nœmero 1 para cima, dizemos que este isômero Ø D quando a hidroxila do œlti- mo carbono assimØtrico estÆ voltada paro o lado direito e L quando estÆ para a esquer- da. No caso do gliceraldeído, o œltimo carbo- no assimØtrico (C-2) Ø tambØm o œnico e temos, portanto, apenas dois isômeros ópti- cos (2n = 21 = 2): o D-gliceraldeído e o L- gliceraldeído. Se analisarmos agora os açœcares contendo seis Ætomos de carbono (Fig. 1.20) notaremos que as aldexoses apresentam quatro carbonos assimØtricos (16 isômeros ópticos), e que as cetexoses apresentam apenas trŒs (oito isôme- ros ópticos). Metade destes isômeros pertence à sØrie L, pois apresentam a hidroxila do œlti- mo carbono assimØtrico (C-5) voltada para a esquerda, e a outra metade à sØrie D (OH de C-5 para a direita). Dentro de cada sØrie de hexoses (L ou D), as hidroxilas dos demais carbonos assimØtricos podem tambØm estar voltadas para direita ou esquerda, e em cada caso temos um tipo de isô- mero diferente. As aldexoses podem, portanto, dependendo da posiçªo das hidroxilas de seus carbonos assimØtricos, se apresentar sob a forma de isômeros D ou L de oito tipos de açœcares: glicose, manose, altrose, idose, alose, gulose, galactose e talose. No caso das cetexoses temos, para cada sØrie (D ou L), quatro isômeros dife- rentes: frutose, psicose, sorbose e tagatose. A Fig. 1.21 nos mostra os isômeros ópticos da sØrie D das aldo e cetexoses e as posiçıes rela- tivas de seus OH em relaçªo à molØcula da gli- cose e frutose, respectivamente. A cada um dos isômeros da sØrie D temos um correspondente isômero na sØrie L, resultando num total de 16 espØcimes opticamente ativas de aldexoses e oito de cetexoses. Seguindo-se o mesmo raciocínio temos 12 isômeros ópticos para as pentoses (forma D e L da ribose, arabinose xilose, lixose ribulose e xilulose) e seis para as tetroses (forma D e L da eritrose, treose e eritrulose). Com raríssimas exceçıes (cÆpsula das bac- tØrias, por exemplo), os carboidratos encontra- dos na natureza sªo da forma D. Estrutura Cíclica dos Açœcares (Formas AnomØricas) Em soluçªo aquosa e pH neutro, menos de 0,1% das molØculas de açœcar estÆ com seus grupos carbonila livres. Nestas condiçıes e a partir de um determi- nado nœmero de carbonos, a carbonila tende a reagir com uma das hidroxilas da mesma molØ- cula do açœcar formando uma estrutura cíclica chamada hemiacetal. As carbonilas (C-1 das al- doses e C-2 das cetoses) tendem a reagir com hidroxilas dos carbonos C-4 ou C5, formando, portanto, anØis de cinco ou seis elementos. A Fig. 1.22 nos mostra a ciclizaçªo da D-glicose, na qual a carbonila de C-1 reage com a hidro- xila de C-5 formando um anel de seis mem- bros, contendo cinco carbonos e um oxigŒnio. Ao se estabelecer a ligaçªo carbonila-hidroxila, cria-se um novo carbono assimØtrico na molØ- cula (C-1), e a D-glicose pode se apresentar, agora, sob a forma de 32 estereoisômetros (2n = 25 = 32). No momento em que o açœcar se cicliza, a hidroxila criada a partir da antiga car- bonila pode ficar de um lado ou outro da molØ- cula, formando, portanto, isômeros do tipo a (OH de C-5 para direita) ou b (OH de C-5 para esquerda). Os isômeros ópticos do tipo a /b só aparecem quando a cadeia estÆ fechada e sªo conhecidos como anômeros, pois sua con- formaçªo diz respeito à posiçªo relativa da hi- droxila do carbono anomØrico, que vem a ser o antigo carbono da carbonila na cadeia aberta. Os açœcares quando na forma aberta sªo apresentados na fórmula de projeçªo de Fischer (cadeia linear posicionada verticalmente com a carbonila para cima) e quando ciclizados sªo normalmente representados na fórmulade pro- jeçªo de Haworth. As regras para conversªo da fórmula de Fischer para a fórmula de Haworth estªo sumariadas na Fig. 1.23. A Fig. 1.24 mostra como representar a es- trutura da D- e L-glicose na fórmula de proje- çªo de Fischer e de Haworth, e a Fig. 1.25 nos mostra estas mesmas fórmulas para D-ribose e D-frutose. É importante mencionar que, para maior simplicidade, a fórmula de projeçªo de Haworth considera os anØis do anel formado na cicliza- çªo dos açœcares como planares, o que nªo acon- 17 BIOMOLÉCULAS Cap. 1 Fig. 1.21 Aldo e ceto-hexoses da sØrie D. A D-glicose Ø o composto orgânico mais encontrado na natureza (como polímeros de celulose e amido) e, portanto, definiremos todas as hexoses a partir dela. A D-glicose : Ø uma aldo-hexose fi 6 carbonos, sendo o carbono 1 um aldeído e os outros substituídos por hidroxilas, estÆ na forma D fi hidroxila de C-5 (carbono assimØtrico mais distante da carbonila) para a direita Ø glicose fi tem o C-2 e C-4 do mesmo lado de C-5 e C- 3 do lado oposto. Se, a partir da D-glicose, invertemos apenas a hidroxila de C-2, temos a D-manose; se invertermos C-2 e C-3, temos a altrose; se invertemos C-2, C-3 e C-4 teremos a D-idose e assim por diante. A D-frutose Ø o açœcar mais comum entre as cetoses e Ø um isômero de funçªo da D-glicose (a carbonila passa e C-1 para C-2 transformando o grupo aldeído em cetona). A partir da D-frutose podemos, alterando-se a posiçªo relativa dos OH de C-3 e/ou C-4, obter as outras ceto-hexoses. Para se transformar qualquer açœcar da forma D em L Ø necessÆrio inverter os OH de todos os carbonos assimØtricos, gerando uma estrutura que Ø a imagem especular da anterior e que, portanto, desvia o plano da luz polarizada com a mesma intensidade, porØm em sentidos opostos. tece nem para as piranoses nem para as furano- ses. Mutarrotaçªo e Poder Redutor dos Açœcares Como jÆ foi dito, quando em soluçªo, me- nos de 1% das molØculas de açœcar estÆ na for- ma aberta. A imensa maioria delas assume a forma hemiacetÆlica (cíclica), entretanto, as for- mas a e b nªo estªo fixadas na molØcula. As duas formas estªo sempre se interconvertendo uma na outra num processo dinâmico conhecido como mutarrotaçªo. A glicose, por exemplo, quando em soluçªo aquosa em pH neutro, atin- ge o equilíbrio apresentando a seguinte propor- çªo de suas formas anomØricas: a D-glicose b D-glicoseD-glicose ± 33% < 1% ± 33% A proporçªo da mistura de anômeros na so- luçªo varia com o tipo de açœcar e com as con- diçıes do meio (solvente, pH, temperatura etc.). Esta interconversªo das formas anomØri- cas Ø possível graças à abertura da cadeia, pois quando a ligaçªo hemiacetÆlica se desfaz, o carbono anomØrico perde a assimetria, pode 18 VOL. 1 BASES MOLECULARES DA BIOLOGIA, DA GENÉTICA E DA FARMACOLOGIA Cap. 1 Fig. 1.22 Ciclizaçªo da D-glicose (reaçªo hemiacetal intramolecular). Quando em soluçªo, a D-glicose se cicliza atravØs de uma reaçªo hemiacetÆlica entre a carbonila e a hidroxila de C-5. Neste processo o carbono 1 passa a ter assimØtrico e portanto, os 16 isômeros identificados na forma aberta do açœcar podem agora se apresentar como duas estruturas diferentes apresentando atividades ópticas distintas. Essas duas novas formas isomØricas (a e b ) criadas como conseqüŒncia da reaçªo hemiacetÆlica intramolecular sªo chamadas de enântiomeros. Se no momento da ciclizaçªo o OH do novo carbono assimØtrico (C-1) estiver voltado para a direita, teremos o isômero a e em caso contrÆrio o isômero b . se virar e, eventualmente, refazer a ciclizaçªo com a hidroxila voltada para o outro lado. Se, no entanto, o OH do carbono anomØrico (na forma cíclica a ou b ) reagir e se ligar a um radical qualquer, o anel fica trancado numa forma anomØrica específica. Nesta condiçªo (OH do carbono assimØtrico substituído por um grupo qualquer), nªo existe mais mutar- rotaçªo e o açœcar assume uma forma ano- mØrica fixa. O grupo substituinte pode ser de natureza variÆvel, como, por exemplo, outro açœcar; uma proteína; um lipídeo; grupos metil, fenil, sulfato, fosfato etc. Ao se bloquear a abertura do açœcar, o gru- po carbonila passa a nªo existir na soluçªo e, portanto, sua antiga capacidade redutora desa- parece. As unidades bÆsicas dos açœcares quan- do em sua forma nªo-substituída sªo redutoras, isto Ø, seus grupos aldeído ou cetona quando expostos na forma aberta do açœcar tŒm a capa- cidade de se oxidar a Æcido carboxílico, liberan- do elØtrons (carbonila fi carboxila+el) que podem reduzir outros compostos. Quando o OH do carbono anomØrico reage de forma a se ligar a outro agrupamento, o poder redutor do açœ- car desaparece. Derivados de Monossacarídeos Os açœcares estudados atØ agora (ver Fig. 1.18) sªo chamados de monossacarídeos e cons- tituem as unidades bÆsicas de todos os carboi- dratos encontrados na natureza. Na natureza esses monossacarídeos podem se apresentar na forma pura, ou seja, contendo apenas carbono oxigŒ- nio e hidrogŒnio (fórmula empírica [CH2O]n), ou como derivados destas estruturas, nas quais um ou mais grupos hidroxila sªo modificados ou substituídos por outros grupos funcionais. Alguns dos derivados mais comuns dos monos- sacarídeos sªo os dioxi-açœcares, aminoaçœca- res, carboxi-açœcares e Østeres de açœcares. A Fig. 1.26 define essas classes de derivados dan- do alguns exemplos. Ligaçªo Glicosídica (Di, Oligo e Polissacarídeos) Os monossacarídeos, ou derivados, podem tambØm ligar-se covalentemente uns aos outros atravØs de ligaçıes covalentes formando oligo ou polissacarídeos. A ligaçªo entre os monossacarí- deos Ø feita atravØs de uma reaçªo de condensa- 19 BIOMOLÉCULAS Cap. 1 Fig. 1.23 Regras bÆsicas para converter açœcares da fórmula de projeçªo de Fischer (cadeia aberta e horizontal) para Haworth (representaçªo na forma cíclica). çªo envolvendo o OH hemiacetÆlico do carbono anomØrico (C-1 das aldoses ou C-2 das cetoses) de um açœcar e qualquer outra hidroxila alcoólica de outro resíduo. Nesta reaçªo, temos a elimina- çªo de uma molØcula de Ægua e a formaçªo de uma ligaçªo covalente chamada de ligaçªo glico- sídica. A Fig. 1.27 nos mostra a formaçªo de qua- tro dissacarídeos, formados a partir de duas molØculas de D-glicose. Ao se formar a ligaçªo glicosídica, o OH do carbono anomØrico, envolvido na condensaçªo, fica fixo em uma forma específica ( a ou b ), nªo apresentando, portanto mutarrotaçªo. Estando impedido de abrir sua cadeia, este resíduo deixa de expor sua carbonila, perdendo desta forma, a capacidade de oxidar outros compostos. O se- gundo resíduo envolvido na ligaçªo continua apre- sentando seu carbono anomØrico nªo-substituído e, portanto, redutor. À medida que mais monos- sacarídeos vªo sendo adicionados, mais ligaçıes sªo formadas (envolvendo sempre o OH de um carbono anomØrico) e a cadeia formada apresen- tarÆ em sua forma completa, um œnico resíduo nªo substituído. O terminal da cadeia que apre- senta o resíduo com carbono anomØrico livre Ø denominado terminal redutor, sendo a outra ex- tremidade chamada de terminal nªo-redutor. A maioria dos carboidratos encontrados na natureza ocorre como polissacarídeos, ou seja, polímeros de alto peso molecular. Eles tambØm 20 VOL. 1 BASES MOLECULARES DA BIOLOGIA, DA GENÉTICA E DA FARMACOLOGIA Cap. 1 Fig. 1.24 Formas a e b da D-glicose hemiacetÆlica representadas na fórmula de projeçªo de Haworth. for- ma piranosídica fi anel de 6 elementos; isomeria D/L fi D -grupo externo ao anel (C-6) para cima L -grupo ex- terno ao anel (C-6) para baixo; isomeria a / bfi b - OH de carbono anomØrico (C-1) no mesmo plano (cis) em rela- çªo a C-6; a - OH de carbono anomØrico (C-1) no plano oposto (trans) em relaçªo a C-6; outros OH de carbonos assimØtricos fi direita (Fischer) - para baixo (Haworth); esquerda (Fischer) - paracima (Haworth). Note bem: para se transformar um açœcar da forma D em seu enantiômero L (imagem especular), deve-se inverter as hidroxilas de to- dos os carbonos assimØtricos (nªo basta mudar apenas a hidroxila do œltimo carbono assimØtrico). sªo conhecidos como glicanos e diferem uns dos outros quanto à composiçªo de seus mo- nossacarídeos, tamanho da cadeia e tipos de ramificaçıes, se existentes. Os polissacarídeos podem conter apenas um tipo de monossaca- rídeo (homopolissacarídeos) ou apresentar di- ferentes açœcares em sua composiçªo (heteropolissacarídeos). O tipo de ligaçªo entre os resíduos tambØm pode variar e a cadeia poli- mØrica pode se apresentar na forma linear ou ramificada. A Fig. 1.28 mostra a estrutura geral, localizaçªo preferencial e possível papel biológi- co dos principais polissacarídeos encontrados na natureza. VÆrios polissacarídeos se apresentam ligados covalentemente a proteínas ou lipídeos Fig. 1.25 Formas b D-ribose e b D-frutose representa- das na fórmula de projeçªo de Fischer e Haworth. A ribose e frutose se ciclizam na forma furanosídica, reagindo o car- bono da carbonila com C4 e C-5, respectivamente. formando uma classe de compostos conhecida como glicoconjugados. Os proteoglicanos, gli- coproteínas, peptideoglicanos, glicolipídeos e li- popolissacarídeos sªo alguns dos representantes destes carboidratos complexos. Maiores detalhes sobre a caracterizaçªo e o papel biológico dos glicoconjugados nªo serªo apresentados neste capítulo. LIP˝DEOS Os lipídeos representam um grupo quimi- camente diverso de compostos sendo a carac- terística comum entre eles sua insolubilidade em Ægua. Sªo, portanto, macromolØculas hidro- fóbicas, contendo longas cadeias (lineares ou cí- clicas) de hidrocarboneto na forma de Æcido graxo ou isoprenóides e derivados. Os lipídeos podem, devido a sua diversida- de estrutural, ser classificados de vÆrias formas. Em nossos estudos, dividiremos este grupo de substâncias hidrofóbicas em duas classes prin- cipais: os formados a partir de Æcidos graxos (tri- 21 BIOMOLÉCULAS Cap. 1 Fig. 1.26 Principais derivados de monossacarídeos encontrados na natureza. glicerídeos, fosfolipídeos, glicolipídeos e eicosa- nóides), e os formados a partir de isoprenóides (terpenos lineares e colesterol). A Fig. 1.29 mos- tra a estrutura esquemÆtica dessas duas unida- des bÆsicas que podem constituir as biomolØculas lipídicas. A longa cadeia de hidrocarboneto, pre- sente tanto na estrutura dos Æcidos graxos quanto nos poliisoprenóides, confere a essas molØculas o carÆter hidrofóbico que caracteriza os com- postos lipídicos. Lipídeos Formados a Partir de `cidos Graxos Os Æcidos graxos sªo Æcidos carboxílicos (carga negativa em pH fisiológico) com longas cadeias de hidrocarbonetos (características hi- drofóbicas), sendo, portanto, compostos anfipÆ- ticos, isto Ø, apresentam uma porçªo polar (solœvel em Ægua) e uma regiªo apolar (insolœ- vel em Ægua). A cauda polar Ø linear (Æcidos gra- xos ramificados só ocorrem em bactØrias), cons- tituída de um nœmero par de carbonos, podendo ou nªo apresentar insaturaçıes (duplas ligaçıes). O nœmero e a posiçªo das insaturaçıes podem variar, mas quando presentes assumem sempre a configuraçªo cis. A Fig. 1.30 nos mostra uma relaçªo dos principais Æcidos graxos saturados e insatura- dos que ocorrem na natureza e a Fig. 1.31 apresenta, de forma esquemÆtica, a estrutura de dois exemplos desses compostos. Alguns Æcidos graxos poliinsaturados, neces- sÆrios para processos vitais da cØlula, nªo sªo sintetizados em mamíferos e devem, portanto, ser ingeridos na dieta. Entre os Æcidos graxos essenciais mais importantes estªo o linoleico e linolŒnico. Os Æcidos graxos raramente sªo encontra- dos na forma livre, aparecendo geralmente na 22 VOL. 1 BASES MOLECULARES DA BIOLOGIA, DA GENÉTICA E DA FARMACOLOGIA Cap. 1 forma esterificada. Na maior parte dos casos, os Æcidos graxos se ligam às hidroxilas do glicerol (acilglicerídeos) ou à amina da esfingosina (es- fingolipídeos). Entre os lipídeos derivados do glicerol te- mos os triacilglicerídeos (lipídeos altamente hi- drofóbicos), e os fosfoacilglicerídeos (lipídeos anfipÆticos). A Fig. 1.32 nos mostra os princi- pais tipos de lipídeos derivados da esterificaçªo de Æcidos graxos e glicerol. Triacilglicerídeos Os triacilglicerídeos (gorduras neutras) sªo os derivados do glicerol mais abundantes nos animais e constituem a principal reserva ener- Fig. 1.27 Dissacarídeos derivados da D-glicose. Quando duas molØculas de monossacarídeos se unem para formar um dissacarídeo, temos uma condensaçªo entre o OH do carbono anomØrico de um resíduo e um OH alcoólico do outro resíduo. No caso dos quatro dissacarídeos aqui mostrados, a ligaçªo glicosídica entre as duas molØculas de D-glicose pode envolver o carbono anomØrico na forma a (maltose, isomaltose e trealose) ou b (celubiose), e o OH de C-4 (celubiose e maltose), C-6 (isomaltose) ou C-1 (trealose). Celubiose: D-glicose (b1 fi 4) D-glicose; Maltose: D-glicose (a1 fi 4) D- glicose; Isomaltose: D-glicose (a1 fi 6) D-glicose; Trealose: D-glicose (a1 fi a1) D-glicose; Outros dissacarídeos impor- tantes: Lactose: D-galactose (b1 fi 4) D-glicose; Sacarose D-glicose (a1fi b2) D-frutose; Obs.: a frutose e a trealose sªo dissacarídeos sem poder redutor, pois a ligaçªo glicosídica envolve o OH do carbono carbonílico de seus dois resíduos. gØtica de suas cØlulas. Sªo estruturas formadas de trŒs Æcidos graxos esterificados a uma œnica molØcula de glicerol. Os Æcidos graxos que cons- tituem estes compostos podem ser iguais (gor- duras simples) ou diferentes (gorduras mistas). Quando se estabelece a ligaçªo Øster entre a car- boxila dos Æcidos graxos e hidroxilas do glicerol, estes dois compostos perdem sua polaridade e se transformam numa macromolØcula hidrofó- bica, essencialmente insolœvel em Ægua. In vitro, as gorduras podem ser quebradas por hidrólise alcalina, num processo conhecido como saponificaçªo, liberando o glicerol e sais de Æcidos graxos (sabıes). Sendo de natureza anfipÆtica, os sabıes se ligam às gorduras atra- 23 BIOMOLÉCULAS Cap. 1 Fig. 1.28 Principais polissacarídeos encontrados na natureza. Fig. 1.29 Estrutura esquemÆtica de um Æcido graxo e um terpeno. Os lipídeos podem apresentar em sua estrutura molØculas de terpenos e/ou Æcidos graxos, bem como derivados cíclicos destes compostos. `cidos graxos: sªo Æcidos carboxílicos (carga negativa em pH fisiológico) com longas cadeias de hidrocarbonetos (características hidrofóbicas); Terpenos: polímeros de isopreno (alcano insaturado e ramificado de cinco Ætomos de carbono) com características hidro- fóbicas. vØs de sua cauda polar e dissolvem na Ægua for- mando micelas. In vivo, a hidrólise das gorduras sªo realiza- das atravØs de enzimas de especificidades diver- sas chamadas lipases. Fosfoacilglicerídeos Os fosfoacilglicerídeos (fosfoglicerídeos) tambØm sªo os derivados do glicerol que se liga, neste caso, a duas molØculas de Æcidos graxos e uma molØcula de Æcido fosfórico (Fig. 1.33). A 24 VOL. 1 BASES MOLECULARES DA BIOLOGIA, DA GENÉTICA E DA FARMACOLOGIA Cap. 1 Fig. 1.30 `cidos graxos biológicos mais comuns. Os Æcidos graxos mais comumente encontrados nos lipídeos naturais tŒm cadeias de 12 a 24 carbonos, sendo os nomes, fórmulas e símbolos de alguns das estruturas mais freqüentes relacio- nadas na figura acima. Nos Æcidos graxos insaturados, a primeira dupla fica entre o C-9 e C-10, e nos poliinsaturados as vÆrias duplas sªo geralmente separadas umas das outras por trŒs Ætomos de carbono. As propriedades físicas dos Æcidos graxos estªo largamente relacionadas com o tamanho e grau de insaturaçªo de suas cadeias: solubilidade em Ægua: inversamente proporcional ao tamanho da cadeia e diretamente proporcionalao no de insaturaçıes. ponto de fusªo: diretamente proporcional ao tamanho da cadeia e inversamente proporcional ao no de insaturaçıes. NOME S˝MBOLO(1) ESTRUTURA `cidos graxos saturados `cido lÆurico 12:0 CH3(CH2)10COOH `cido mirístico 14:0 CH3(CH2)12COOH `cido palmítico 16:0 CH3(CH2)14COOH `cido esteÆrico 18:0 CH3(CH2)16COOH `cido araquídico 20:0 CH3(CH2)18COOH `cidos graxos insaturados `cido palmitoleico 16:1 (D 9) CH3(CH2)5CH=CH (CH2)7COOH `cido olØico 18:1 (D 9) CH3(CH2)7CH=CH (CH2)7COOH `cido linolŒico 18:2 (D 9,12) CH3(CH2)4(CH=CHCH2)2(CH2)6COOH `cido linolŒnico 18:3 ( D 9,12,15) CH3CH2(CH=CHCH2)3(CH2)6COOH `cido araquidônico 20:4 (D 5,8,11,14) CH3(CH2)4(CH=CHCH2)4(CH2)2COOH (1)X:Y ( D a). fi [no de carbonos: no de insaturaçıes (Dposiçªo de insaturaçªo)] Fig. 1.31 Estrutura esquemÆtica do Æcido olØico e este- Ærico. Os dois Æcidos graxos aqui representados tŒm uma cauda hidrofóbica constituída de 18 Ætomos de carbono, entretanto, a cadeia do Æcido esteÆrico Ø saturada e o do Æcido olØico insaturada (dupla entre carbono 9 e 10). Nos Æcidos graxos saturados os carbonos da estrutura tŒm total liberdade de rotaçªo, resultando numa cadeia bastante flexí- vel e tendendo a adotar uma conformaçªo linear. Ao contrÆ- rio, as cadeias insaturadas apresentam sua dupla ligaçªo usualmente na configuraçªo cis, o que ocasiona uma dobra na cadeia como mostrado no esquema. estrutura formada (Æcido fosfatídico) tem carac- terísticas anfipÆticas, pois apresenta uma regiªo polar (Æcido fosfórico) e uma hidrofóbica (cau- da dos Æcidos graxos). O Æcido fosfórico, alØm de se ligar ao glicerol, pode tambØm se esterifi- car com outro composto formando diferentes tipos de fosfoacilglicerídeos: fosfatidilcolina (le- citina), fosfatidiletanolamina (cefalina), fosfati- dilglicerol e difosfatidilglicerol (cardiolipina) fosfatidilserina e fosfatidilinositol (Fig. 1.34). Em cada um desses compostos, a composiçªo de Æci- dos graxos pode variar bastante, mas em geral eles contŒm um Æcido graxo saturado na posi- çªo C-1 do glicerol e um insaturado em C-2. Os fosfoacilgliceróis sªo importantes componentes das membranas biológicas. Entre os lipídeos derivados da esfingosina temos as esfingomielinas e os glicolipídeos. A Fig. 1.34 nos mostra a estrutura genØrica destes esfingolipídeos, comparando-se com os acilgli- cerídeos. A estrutura fundamental dos esfingo- lipídeos Ø a ceramida, que Ø formada por um Æcido graxo ligada ao aminogrupo da esfingosi- na por uma ligaçªo do tipo amida. Nas esfingomielinas a hidroxila de C-1 da ceramida se esterifica com um Æcido fosfórico, que, por sua vez, tambØm se liga a uma molØcu- la de colina. A estrutura final se assemelha mui- to à fosfatidilcolina, sendo estes dois fosfolipídeos encontrados preferencialmente nas faces nªo- citolólicas das membranas biológicas. 25 BIOMOLÉCULAS Cap. 1 Glicolipídeos Nos glicolipídeos a hidroxila de C-1 da ce- ramida se liga diretamente à hidroxila do carbo- no anomØrico do açœcar. Dependendo do tipo de carboidrato unido à ceramida, podemos ter quatro tipos bÆsicos de glicolipídeos: cerebrosí- deos (um monossacarídeo neutro); sulfatídeos (um monossacarídeo sulfatado); globosídeos (um oligossacarídeo neutro) e gangliosídeos (um oligossacarídeo contendo um ou mais resíduos de Æcido siÆlico). Fig. 1.32 Lipídeos formados por Østeres de Æcidos gra- xos com glicerol. O glicerol Ø um Ælcool contendo trŒs hi- droxilas que podem se esterificar com Æcidos orgânicos ou inorgânicos. No caso das gorduras (triglicerídeos) te- mos a ligaçªo do Ælcool com trŒs cadeias de Æcidos graxos que podem ser saturadas ou insaturadas, podendo ocorrer em qualquer combinaçªo. Ao se esterificar, a cabeça polar do Æcido carboxílico perde sua carga negativa e o triacil- glicerídeo formado passa entªo a apresentar característi- cas altamente hidrofóbicas. Uma das hidroxilas do glicerol pode, por outro lado, se esterificar com um Æcido fosfórico formando agora o Æcido fosfatídeo e o lipídeo formado passa a ter características anfipÆticas (cauda apolar cons- tituída pelas duas cadeias de hidrocarboneto e cabeça po- lar constituída do grupo fosfato). O grupo fosfato do Æcido fosfatídico encontra-se geralmente esterificado a outros gru- pos polares (R) constituindo uma família de lipídeos conhe- cida como fosfoacilglicerídeos. Fig. 1.33 Os agrupamentos polares neutros ou carre- gados positivamente que podem se esterificar ao Æcido fos- patídico formando os vÆrios tipos de R-fosfoacilglicerídeos. Eicosanóides Uma outra classe de lipídeos formada a par- tir de Æcidos graxos Ø a dos eicosanóides, que constituem um importante grupo de media- dores com efeitos diversos. Os eicosanóides sªo todos derivados do Æcido araquidônico, um Æcido graxo poliinsaturado de 20 Ætomos de car- bono (grego: eikosi = 20). A síntese destes com- postos começa na membrana plasmÆtica, onde a fosfolipase A2 hidrolisa a liberaçªo do Æcido ara- quidônico de seus fosfolipídeos (Fig. 1.35). Uma vez liberado no citosol, esse Æcido graxo pode seguir dois caminhos diferentes: Ser substrato de lipoxigenases, produzindo Æcidos graxos hidroperoxi- e hidroxi-subs- tituídos, que mais tarde sofrem uma desi- drataçªo e vÆrias reaçıes de transferŒncias para formar nos leucotrienos. 26 VOL. 1 BASES MOLECULARES DA BIOLOGIA, DA GENÉTICA E DA FARMACOLOGIA Cap. 1 Fig. 1.34 Lipídeos derivados de Æcidos graxos esterificados ao glicerol (triacilglicerídeos e fosfoacilglicerídeos) ou esfingosina (esfingomielina e glicolipídeos). AlØm dos lipídeos derivados do glicerol, temos tambØm uma outra classe de lipídeos no qual uma cadeia de Æcido graxo se liga a um Ælcool de cadeia longa chamado esfingosina, formando um composto conhecido como ceramida. A ceramida pode, por sua vez, se esterificar com outros grupos funcionais formando: enfingomielina fi ceramida (esfingosina + Æcido graxo) + Æcido fosfórico + colina; glicolipídeos fi ceramida (esfin- gosina + Æcido graxo) + carboidrato. Ser substrato da prostaglandina-sintase, le- vando à síntese dos substratos cíclicos do Æcido araquidônico, as prostaglandinas e os tromboxanos. Os eicosanóides fazem parte de uma família de hormônios de açªo local e estªo envolvidos em processos diversos, como inflamaçªo, dor, febre, processos reprodutivos, formaçªo de coÆ- gulo e regulaçªo da pressªo sangüínea, entre outros. Lipídeos Formados a Partir de Isoprenóides Os isoprenóides sªo derivados do isopreno, um alcano insaturado e ramificado de cinco Æto- mos de carbono. A uniªo entre as unidades bÆ- sicas de isopresos pode ser feita atravØs de ligaçıes tipo cabeça com cauda ou cauda com cauda, como mostra a Fig. 1.36. Os terpenos sªo, portanto, uma classe de lipídeos formados pela combinaçªo entre duas ou mais unidades 27 BIOMOLÉCULAS Cap. 1 Fig. 1.35 Eicosanóides. Em resposta a certos sinais hormonais, a fosfolipase A2 libera Æcido araquidônico dos fosfoli- pídeos de membrana que serve como precursor para formaçªo dos eicosanóides. prostaglandinas: C8 e C-12 do Æcido araquidônico se juntam formando um anel de cinco Ætomos de carbono; tromboxanes: C8 e C-12 do Æcido araquidônico se juntam e um Ætomo de oxigŒnio Ø incorporado, formando um anel de seis Ætomos; leucotrienos: a partir do Æcido araquidônico, seguem outra via biossintØtica que resulta numa estrutura contendo uma sØrie de trŒs duplas conjugadas. Fig. 1.36 Estrutura do isopreno e das ligaçıes tipo cabeça-cauda e cauda-cauda. Dependendo do nœmero de unidades de isoprenos do polímero podemos ter os diversos tipos de terpenos: n = 2 monoterpenos; n = 3 sesquiterpenos; n = 4 diterpenos; n = 6 triterpenos; n > 8 poliprenóides. 28 VOL. 1 BASES MOLECULARES DA BIOLOGIA, DA GENÉTICA E DA FARMACOLOGIA Cap. 1 Fig. 1.37 Caminhos biossintØticos de alguns dos principais isoprenóidesencontrados na natureza: Os terpenos linea- res e cíclicos sªo sintetizados a partir do isopreno ativado (isoprenil difosfato). Fig. 1.38 Colesterol e seus derivados : vitamina D, Æcidos biliares e hormônios esteróideos. 29 BIOMOLÉCULAS Cap. 1 Fig. 1.39 Anel ciclopentanoperidrofenantreno. de isoprenos ligados linearmente, e que podem, eventualmente, se fundir em anØis, formando estruturas cíclicas. Plantas e animais usam o iso- prenil difosfato (isopreno ativado) para a sínte- se de seus terpenos lineares e cíclicos (Fig. 1.37). As unidades geralmente sªo polimerizadas uma a uma atØ trŒs unidades (farnesol), podendo, posteriormente, seguir duas vias biossintØticas distintas: uma em que as cadeias continuam cres- cendo via adiçªo de isoprenos (dolicol, ubiqui- nona, vitaminas A, E e K, por exemplo), e outra que envolve a polimerizaçªo tipo cauda com cauda de molØculas de farnesol, formando es- caleno e, posteriormente, os esteróides. Os esteróides sªo compostos que apresentam em sua estrutura, o anel ciclopentanoperidrofenan- treno, que Ø uma estrutura contendo trŒs anØis de seis carbonos (A, B, e C) e um anel de cinco carbo- nos (D) fundidos: O colesterol Ø um importante esteróide, e apresenta em sua estrutura apenas um grupo hidrofílico representado por um OH (ligado ao carbono 3 do anel A) que pode estar esterifica- do, ou nªo, com uma molØcula de Æcido graxo. A Fig. 1.39 nos mostra a estrutura do colesterol e os principais esteróides sintetizados a partir dele: hormônios esteróides, vitamina D e Æcidos biliares.
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